Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIDADE XI – PAGAMENTO EM CONSIGNAÇÃO Conforme já informado na unidade anterior, o pagamento é meio pelo qual o devedor cumpre a sua prestação, exonerando-se a partir de então, da obrigação contraída. Ocorre que o pagamento pode ocorrer de forma direta, quando o devedor paga a prestação pelo qual se obrigou, mas também pode ocorrer de forma indireta, onde o pagamento é cumprido não pelo modo originalmente pactuado, compreendendo neste caso a consignação em pagamento, o pagamento com sub-rogação, a imputação do pagamento, a dação em pagamento, a novação, a compensação, a confusão e a remissão. Nesta unidade será estudado o pagamento em consignação. 1. CONCEITO E OBJETO DA CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO O pagamento da obrigação interessa não somente ao credor, como também ao devedor, haja vista ter o direito de liberar-se do vínculo a que se encontra adstrito. O não pagamento da obrigação no tempo, local e forma devidos, sujeita o devedor em mora e consequentemente aos seus efeitos, dentre estes o de responder pela perda ou deterioração da coisa mesmo diante de caso fortuito e força maior, bem como incorrer nos juros moratórios, multas e cláusula penal. No entanto, pode ocorrer que o credor não concorde com o quantum devido e ofertado pelo devedor ou mesmo que o credor seja incapaz e não tenha representante ou encontre-se em local ignorado. É, pois, para resolver estas situações e permitir que o devedor exerça o seu direito de pagar a sua prestação, que o legislador criou o instituto da consignação em pagamento ou pagamento por consignação. Logo, consignação em pagamento, consiste no depósito judicial ou extrajudicial, pelo devedor, da coisa devida, com o objetivo de liberar-se da obrigação, art.334 do CC. A consignação em pagamento é um instituto misto, pois é regido tanto pelo direito material – que determina os fatos que a autoriza – como pelo direito processual – especifica o modo como deve ser feito, arts 539 a 548 do NCPC (Gonçalves, 2016, p.291). O art.334 do CC, ao referir-se que o devedor pode depositar judicialmente ou extrajudicialmente a coisa devida, está determinando que a consignação tem por objeto bens móveis e imóveis (depósito das chaves do imóvel), relacionados com a obrigação de dar. Se o objeto da obrigação for dar uma quantia em dinheiro, poderá o devedor optar em depositar extrajudicialmente ou judicialmente por meio da ação de consignação. Percebe-se, portanto, que a consignação pode ser extrajudicial ou judicial. Nesta o objeto consignado pode ser tanto dinheiro, como imóvel e coisa certa. Já a consignação extrajudicial, necessariamente, envolve as obrigações pecuniárias. 2. HIPÓTESES QUE AUTORIZAM A CONSIGNAÇÃO O art.335 e os seus incisos do I ao V do CC, descrevem as hipóteses de haver a consignação em pagamento. Tal rol é meramente exemplificativo, uma vez que há outros artigos no Código Civil, tais como os arts.341 e 342 do CC, bem como outras leis que autorizam a consignação em pagamento. Assim será analisado a seguir, conforme Gonçalves (2016, p.295-297), Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.205-207), o rol do art.335 do CC. a) Se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma: trata-se de hipótese de mora do credor. Somente a recusa injusta, não fundada em motivo legítimo, a autoriza. Ex: se o locador, não quiser receber o aluguel porque o inquilino não incluiu aumento autorizado por lei, não haverá lugar para a consignação. Terá ainda lugar, se o credor concordar em receber o pagamento, mas recusa-se a fornecer o recibo de quitação, uma vez que este é a prova de liberação do devedor. Na contestação, o réu, ou seja, o credor, poderá alegar a inocorrência de recusa ou de mora em receber a quantia devida e sendo a dívida de natureza portável é do autor da ação o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito (art.373, I, NCPC), ou seja, demonstrar que diligenciou o pagamento junto ao credor, mas esse não o aceitou sem justa causa. Poderá o réu, reconhecer a recusa reputando justa causa, por motivos diversos, tais como, o não cumprimento integral da obrigação, o não vencimento da dívida, a sua iliquidez, de modo que terá o ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, art.373, II do NCPC; b) Se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos: consiste também na hipótese de mora do credor, no entanto relacionada a uma dívida quérable (quesível), em que o pagamento deve efetuar-se fora do domicílio do credor, cabendo a este recebê-lo no lugar, tempo e modo convencionados. Ex: X acerta de receber de Y uma quantia de R$30.000,00 no dia 30 de abril de 2016 no domicílio deste. Ocorre que no dia do pagamento, X não comparece e nem envia alguém para receber o pagamento. Diante dessa situação, Y deposita extrajudicialmente o valor no banco oficial e determina que seja notificado X; d) Se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil: sendo o credor incapaz, deverá o devedor pagar ao seu representante legal. Ex: João, uma ébrio habitual, aluga um dos seus imóveis a Paulo. Ocorre que a esposa de João entra com um processo de interdição contra ele, sob o fundamento do art.1.767, III do CC e na ocasião solicita para ser a sua curadora. A sentença de interdição é decreta. A partir de então, se não comparecer a esposa de João para receber o pagamento, poderá Paulo consignar o pagamento. Em regra, a pessoa contrai uma obrigação, com quem ela conhece. Porém, poderá o accipens, por fato posterior, torna-se desconhecido, como por exemplo, na hipótese de sucessão decorrente da morte do credor originário. Com relação ao lugar incerto, perigoso ou de difícil acesso, permite o devedor consignar o pagamento, pois, estará preservando a sua vida; e) Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento: se dois credores mostram-se interessados em receber o pagamento e havendo dúvida sobre quem tem o direito a ele, deve o devedor valer-se da consignação para não correr o risco de pagar mal, requerendo a citação de ambos. Ex: quando falecendo um empregado X, consigna o empregador Y, as suas verbas rescisórias, quando há discussão sobre a legitimidade para o recebimento entre três mulheres que se diziam companheiras do falecido, inclusive com filhos comuns. Comparecendo as três para levantar a quantia, o empregado é exonerado da obrigação e o processo continua com as três mulheres para se decidir qual delas terá direito ao crédito. f) Se pender litígio sobre o objeto do pagamento: assim, havendo litígio entre o credor e um terceiro, disputando em juízo o objeto do pagamento, não deve o devedor antecipar-se ao pronunciamento judicial e entregá-lo a um deles, assumindo o risco, mas sim, consigná-lo judicialmente, para ser levantado pelo que vencer a demanda. Logo, conforme o art.344 do CC, o devedor de obrigação litigiosa se exonera mediante a consignação, mas se pagar a qualquer dos pretensos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento. 3. REQUISITOS DE VALIDADE DA CONSIGNAÇÃO Com relação a validade da consignação, expressa o art.336 do CC, que para a consignação ter força de pagamento, é necessário que estejam presentes todos os requisitos do pagamento tais como o objeto, o modo, o lugar e o tempo. Em relação às pessoas ou requisitos subjetivos, afirmam Gonçalves (2016, p.297) e Gagliano e Pamplona Filho(2014, p.208), que deve o pagamento ser feito pelo devedor capaz e ao verdadeiro credor, também capaz, ou ao seu representante, sob pena de não valer, salvo se ratificado pele credor ou se reverter em seu proveito (arts.304 e 308 do CC). A legitimidade ativa para a ação consignatória é do devedor, ao terceiro interessado no pagamento da dívida e também ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor (art.304, parágrafo único, do CC). Já a legitimidade passiva, o réu da ação de consignação, será o credor capaz de exigir o pagamento, ou o seu representante ou contra quem tiver obrigação de receber e poder exonerar o devedor. Se essa pessoa for desconhecida será citada por edital (art.256, I, do NCPC). Quanto ao objeto ou requisitos objetivos, exige-se a integralidade do depósito, porque o credor não é obrigado a aceitar pagamento parcial. No entanto, orienta a jurisprudência do STJ, que o devedor, na consignatória, ao efetuar o depósito, deve fazê-lo com inclusão da correção monetária do período compreendido entre a data do vencimento da obrigação e a do efetivo depósito, sob pena de ser julgado improcedente o pedido. Da mesma forma, ao principal devem ser acrescidos os juros de mora devidos até a data do depósito, art.337 do CC. O modo será o convencionado, não admitindo, por exemplo, pagamento em prestações quando estipulado que deve ser à vista. Assim, também não poderá mudar o local do pagamento, como dispõe o art.337 do CC. Quanto ao tempo, deve ser o fixado no contrato, não podendo o pagamento efetuar-se antes de vencida a dívida, se assim foi convencionado. No entanto as obrigações condicionais devem ser cumpridas na data do implemento da condição, cabendo o credor a prova, que daquela teve ciência o devedor, art.332 do CC. Vale ressaltar que, o simples atraso do devedor em pagar a prestação, não o impede de valer-se da consignação em pagamento. Logo se o credor demandar o devedor, não caberá mais a este purgar a mora – pagar a prestação em atraso mais os prejuízos que resultaram ao credor – a não ser que a ação proposta houver previsão dessa possibilidade, como ocorre na ação de despejo por falta de pagamento ( Gonçalves, 2016, p.300). Ainda com relação aos requisitos do depósito, deve-se observar as regras atinentes ao depósito de objeto imóvel ou corpo certo e quando a escolha cabe ao credor. Prescreve o art.341 do CC, que sendo imóvel ou a coisa certa que deva ser entregue no mesmo lugar em que está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandá-la recebê-la, sob pena de ser depositada. Todavia se a coisa for incerta, deve-se proceder a concentração do débito. Caso a escolha caiba ao credor, este deve ser citado para tal fim, sob pena de que não a fizer, o devedor escolherá e depositá-la-á, art.342 do CC e art.543 do NCPC. Vide o julgado a seguir: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO DE ALUGUÉIS CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ACESSÓRIOS. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO DAS CHAVES DO IMOVEL LOCADO. Reconhecido o direito do inquilino efetuar o depósito das chaves. Demora no fato que não lhe pode ser imputada. Resistência injustificada dos locadores. Despejo que perdeu seu objeto. Ação de cobrança dos locativos restringida ao período até a entrega das chaves, no caso concreto, à data do ajuizamento da ação consignatória, que retroagiu em razão da demora no despacho judicial que determinou a citação e à resistência imotivada dos locadores. Sucumbência redimensionada. APELAÇÃO PROVIDA, EM PARTE. (Apelação Cível Nº 70060074937, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Maria Nedel Scalzilli, Julgado em 25/02/2016). Por fim, se a relação obrigacional que envolve os sujeitos for de trato sucessivo, de prestações periódicas e o credor recusar-se a receber as prestações, poderá o devedor consigná-las na medida em que for vencendo, art.541 do NCPC (Gagliano e Pamplona Filho, 2014, p.212). 4. LEVANTAMENTO DO DEPÓSITO Visando exonerar-se da obrigação, o devedor, diante da mora accipiend, deposita o objeto da prestação. No entanto, arrependendo-se do depósito, poderá levantá-lo? Gagliano e Pamplona (2014, p.209), com base nos arts.338 a 340 do CC vislumbra três possibilidades para o levantamento do depósito, são elas: a) Antes da aceitação do credor ou da impugnação deste ao depósito, art.338 do CC: se o credor ainda não foi notificado (quando tratar-se de consignação extrajudicial) ou citado (consignação judicial), ou se notificado ou citado, não impugnou o depósito, poderá o devedor requerer o seu levantamento. No entanto, arcará este com as consequências de sua retratação, pois permanecerá respondendo pelos juros da dívida e pelos riscos da coisa, até que ocorra a tradição, bem como pelas despesas do depósito (Gonçalves, 2016, p.301); b) Depois da aceitação ou da impugnação do depósito pelo credor, art.340 do CC: nesse momento, por mais que o depósito ainda não tenha sido julgado procedente, o fato é que o credor já se manifestou sobre ele pretendendo incorporá-lo ao seu patrimônio ou o considerou insuficiente (impugnação). Nessa situação o devedor só poderá levantar o depósito com a devida anuência do credor, o qual ao dá-la, perderá a garantia e a preferência sobre a coisa consignada (ex: um credor hipotecário tem preferência no concurso de credores) com a liberação dos codevedores e dos fiadores (para estes o risco desaparecera com o depósito judicial da prestação, não sendo justo que se vejam compelidos a reassumir tal risco em virtude de uma liberalidade do credor); c) Julgado procedente o depósito, art.339 do CC: depois de julgado procedente o pedido de depósito, não poderá este ser levantado pelo devedor, mesmo com a anuência do credor, quando existem outros codevedores e fiadores, a não ser que estes concordem com o levantamento. Tal determinação parte do pressuposto de que, julgado procedente o pedido, a obrigação se extingue, o que liberaria os demais codevedores e fiadores. Sendo levantado o depósito a obrigação retornaria e consequentemente aqueles retornariam a se obrigarem. Por isso que é necessário a anuência não só do credor, mais também dos demais codevedores e fiadores. 5. DISPOSIÇÕES PROCESSUAIS Conforme se afirmara, a consignação em pagamento pode ser extrajudicial e judicial, sendo que nesta o objeto pode ser tanto imóvel como coisa móvel certa; já aquela necessariamente a obrigação tem que ser pecuniária. No depósito extrajudicial, poderá o devedor depositar a quantia em dinheiro em banco oficial onde houver, situado no local do pagamento, cientificando o credor por carta de aviso de recebimento, assinando o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação da recusa, art.539, §1º do NCPC. Decorrido os dez dias, contados do retorno do aviso de recebimento, sem manifestação de recusa, considerar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada, art.539, §2º do NCPC. No entanto, havendo recusa por escrito ao estabelecimento bancário, poderá ser proposta, dentro de 1 (um) mês, a ação de consignação em pagamento. A ação de consignação em pagamento, sendo a dívida de natureza portável, deve ser proposta no foro do lugar do pagamento, que nesse caso é o domicílio do credor-réu, ou no foro de eleição (art.327 do CC e art.63 do NCPC). Se a dívida for quesível, o foro competente é o do domicílio do autor-devedor (Gonçalves, 2016, p.303). Na petição inicial, o autor-devedor requererá o depósito da quantia ou da coisa devida a ser efetivadono prazo de cinco dias contados do deferimento, ressalvado a hipótese do art.539, §3º do NCPC, bem como a citação do credor-réu para levantar o depósito ou oferecer contestação, art.542, I e II do NCPC. Vale ressaltar que se o devedor tiver realizado depósito extrajudicial, deverá anexar à petição inicial a prova do depósito e da recusa do credor. A procedência da ação de consignação em pagamento, torna subsistente o depósito, reputa efetuado o pagamento e faz cessar a incidência dos juros moratórios, não mais respondendo o devedor pelos riscos que recaem sobre a coisa. Quando, no entanto, a ação de consignação é julgada improcedente, o devedor permanece inadimplente, tendo que responder pelo seu retardamento culposo (Gonçalves, 2016, p.305).
Compartilhar