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Cursos: Enfermagem / Fisioterapia Disciplina: Farmacologia Professora: Eliane Heckler FARMACOLOGIA GERAL 1 - INTRODUÇÃO O instinto de preservação do homem envolve respostas reflexas de autoproteção comuns aos seres vivos, assim como, formas elaboradas de preservação e restauração da saúde. O emprego de medidas preventivas e curativas, pelo uso de medicamentos, acompanha a história da humanidade. (WANMACHER, 1998) A busca de cura, diagnóstico e prevenção de doenças ainda é influenciada por crenças e mitos, porém, a terapêutica se baseia em aspectos que proporcionam a base para o uso clinico racional dos fármacos. (GOODMAN, 1987; WANMACHER, 1998) O termo doença é definido como: “um processo mórbido, definido, com sintomas característicos que podem afetar o corpo, no todo ou em parte, ou alterar o estado emocional”. É importante ressaltar que o conceito de doença envolve a possibilidade de alteração do estado emocional, o que com freqüência, pode vir a causar dificuldades no relacionamento social exigindo uma abordagem específica. Em geral, os tratamentos são eficazes em proporcionar cura ou alívio do sofrimento (físico, emocional). Porém, muitas vezes os tratamentos não são acompanhados de melhora clínica e, algumas vezes, acarretam problemas médicos através da ocorrência de efeitos adversos ou indesejáveis. (WANMACHER, 1998) Embora existam doenças curáveis e medicamentos de incontestável valor terapêutico há situações intratáveis e fármacos de ação limitada ou com acentuado risco potencial. Assim, o clínico deve avaliar os RISCOS X BENEFÍCIOS e definir o real benefício para o paciente antes de instalar qualquer intervenção clínica. (WANMACHER, 1998) A farmacologia envolve o conhecimento da história, da fonte, das propriedades físicas e químicas, das combinações, dos efeitos bioquímicos e fisiológicos, dos mecanismos de ação, da absorção, distribuição, biotransformação, excreção, dos usos terapêuticos e outros usos dos fármacos. (GOODMAN, 1987) A relação entre a dose de um fármaco administrado a um paciente e sua utilidade no tratamento da doença é descrito pela farmacocinética e farmacodinâmica. (GOODMAN, 1987) Assim é importante definir: Farmacocinética: estuda a absorção, distribuição, biotransformação e a excreção de fármacos. Estes fatores associados à dose determinam a concentração do fármaco nos seus locais de ação e a intensidade dos efeitos em função do tempo (Figura 1). A farmacologia clínica estuda os efeitos dos fármacos sobre o homem. É importante ressaltar que os efeitos dos fármacos podem ser modificados pela doença. (GOODMAN, 1987) DOSE X Processos Concentração do EFEITO Farmacocinéticos Fármaco no Local X de ação TEMPO Absorção, Distribuição Metabolismo (biotransformação) Excreção Figura 1 – Fatores que determinam os efeitos dos fármacos. 2 Farmacodinâmica: estuda os efeitos bioquímicos e fisiológicos dos fármacos e seu mecanismo de ação. A farmacoterapia trata do uso de fármacos na prevenção e tratamento de doenças. Os fármacos estimulam, ou deprimem funções bioquímicas ou fisiológicas no homem de forma a proporcionar alívio de sintomas ou para alterar a evolução da doença. (GOODMAN, 1987) A toxicologia estuda os efeitos adversos dos fármacos empregados na terapia, bem como, os efeitos de outras substâncias responsáveis por intoxicações doméstica, ambiental ou industrial. Esse estudo é justificado para que sejam desenvolvidas medidas de prevenção, reconhecimento e tratamento dessas intoxicações. Didaticamente, a farmacologia pode ser classificada em: - Farmacologia geral: que estuda os princípios gerais da terapêutica, da farmacocinética e farmacodinâmica; - Farmacologia especial: estuda as ações específicas de grupos de fármacos sobre um determinado sistema orgânico ou patologia. Exemplo: anestésicos, analgésicos, sedativos, antiinflamatórios..... Dentro desse contexto é possível caracterizar os objetivos da disciplina de Farmacologia: - Estudar os princípios gerais da terapêutica, farmacocinética e farmacodinâmica; - Estudar as propriedades farmacológicas dos principais grupos de fármacos; - É importante ressaltar que pouca ênfase será dada à prescrição que é função do médico, bem como, às dosagens mais adequadas que também são determinadas pelo médico. A disciplina de Farmacologia também serve de base para instrumentar o desenvolvimento de outras disciplinas que compõem o curso de formação. Também é uma ferramenta no Processo de Enfermagem tanto na avaliação, instituição do procedimento e acompanhamento. Definições Para iniciarmos o estudo da farmacologia é importante que se tenha clareza quanto ao significado de alguns termos bastante comuns empregados nessa área. Tarefa – dar a definição para: a) Fármaco: b) Medicamento: c) Especialidade Farmacêutica: d) CID: e) DCB: f) DCI: 3 2 – ABSORÇÃO E VIAS DE ADMINISTRAÇÃO 2.1 - Introdução Para que um Fármaco produza seus efeitos, ele deve estar presente em concentrações adequadas nos seus locais de ação. Vimos que isso depende: - da quantidade de fármaco administrado (DOSE); - da extensão e velocidade dos processos farmacocinéticos, isto é, da absorção, distribuição, ligação ou localização nos tecidos, da biotransformação e da excreção. Essas inter-relações podem ser melhor visualizadas na Figura 2. DOSE DO FÁRMACO VIA DE ADMINISTRAÇÃO Figura 2 - Dinâmica dos fatores envolvidos na ação de um fármaco. 2.2 - Fatores Físico-químicos Envolvidos na Transferência de Fármacos Através de Membranas A absorção, distribuição, a biotransformação e a excreção de um fármaco pressupõem a passagem através das membranas celulares. Assim é importante conhecer os mecanismos pelos quais os fármacos atravessam as membranas e as propriedades físico-químicas das moléculas e das membranas, que estão envolvidos nessa transferência. Os processos farmacocinéticos são influenciados por: • fatores relacionados ao fármaco: - tamanho e forma molecular; - solubilidade no local de sua absorção; - grau de ionização; e - lipossolubilidade relativa das formas ionizada e não ionizada. • mecanismos de transporte através das membranas: Os fármacos atravessam as membranas por processos passivos (difusão passiva) ou por mecanismos que envolvem a participação ativa de componentes da membrana. A difusão passiva e o transporte ativo dos fármacos ocorrem através das células e não entre as células, assim a membrana plasmática consiste na barreira mais comum a ser ultrapassada. Recordando, o modelo mais aceito para a estrutura das membranas celulares é o do mosaico fluido onde moléculas de proteínas globulares penetram em ambos os lados, ou atravessam, uma dupla camada de fosfolipídeos. As moléculas individuais de lipídeos que compõem a dupla camada lipídica podem mover-se lateralmente o que proporciona fluidez, flexibilidade, resistência elétrica e impermeabilidade para as moléculas muito polares. Ainda, é admitido que complexos protéicos formem canais hidrofílicos ou hidrofóbicos que permitem o transporte de moléculas específicas. Um exemplo é o sistema de transporte de glicose do meio extra para o intracelular dependente de insulina. Receptores do local de ação Fármaco ligado livre Absorção Circulação sistêmica Fármaco livre Fármaco ligado Metabólitos Reservatórios teciduais Fármaco livre ligado Excreção Metabolismo ou Biotransformação 4 a) Processos Passivos A difusão passiva é a principal formade transferência de fármacos através das membranas. O fármaco penetra na célula por meio de um gradiente de concentração em função da sua solubilidade na dupla camada lipídica. A transferência é diretamente proporcional à diferença de concentração em ambos os lados da membrana e ao coeficiente de partição lipídeo : água. O coeficiente de partição é uma relação entre a afinidade da molécula do fármaco pelo lipídeos da dupla camada e pela fase aquosa dos meios extra ou intracelular. Se o fármaco não for um eletrólito, a transferência ocorre até atingir o equilíbrio. A maioria das membranas biológicas é permeável à água que pode carregar pequenas moléculas de substâncias hidrossolúveis como a uréia, bem como, outras moléculas com massa molecular entre 100 e 200. É importante lembrar que a maioria dos íons inorgânicos ocorrem cercados por moléculas de água, que formam a sua capa ou camada de hidratação. O raio iônico hidratado é grande não permitindo difusão passiva. Neste caso, o gradiente de concentração é determinado por transporte ativo como, por exemplo, o transporte ativo dos íons Na+ e K+. Ainda existem canais iônicos seletivos para alguns íon que são controlados para a regulação do fluxo de íons específicos. Estes mecanismos tem importância na geração dos potenciais de ação de nervos e músculos. a.1) Eletrólitos Fracos e Influência do pH A maioria dos fármacos é um ácido ou uma base fraca. Quando em solução podem existir na forma ionizada e não ionizada que deverão atravessar a membrana por difusão passiva. As moléculas não ionizadas (sem carga, mais apolares) podem difundir-se através da membrana celular. As moléculas ionizadas (com carga, mais polares) não difundem por causa da sua baixa lipossolubilidade. Recordando: • Os conceitos mais comuns de ácidos e bases: são ácidos aqueles compostos que apresentam H+ como o único íon positivo (HCl, H2SO4.....), e bases aquelas substâncias que apresentam OH- como o único íon negativo (NaOH, Ca(OH)2.....). Estes conceitos são bastante restritos e não se aplicam adequadamente às substâncias orgânicas. • Porém, a maioria dos fármacos são substâncias orgânicas, onde as características ácidas ou básicas se baseiam nos conceitos: ácidos são as espécies capazes de doar um próton (H+) e bases aquelas capazes de receber um próton (H+). • Toda a espécie química que apresenta carga, íon positivo ou negativo, é mais polar do que uma espécie sem carga, que é menos polar (Tabela 1). Forma Polaridade Solubilidade Íon positivo ou negativo Polar Hidrossolúvel Espécie sem carga Apolar Lipossolúvel Tabela 1 – Características físico-químicas gerais de fármacos. Então: • Para um ácido fraco: HA � H+ + A- meio ácido meio básico • Para uma base fraca: B:::: + H+ � B:::: H+ meio básico meio ácido O símbolo � indica que a equação se desloca para ambos os lados buscando o equilíbrio de concentração das duas espécies químicas. Esse equilíbrio pode ser expresso por um valor numérico pKa, que representa o pH do meio quando a concentração da espécie ionizada é igual à da espécie não ionizada.. Os valores de pKa são únicos e característicos de cada molécula de um fármaco em particular, pois dependem da sua estrutura química. 5 Então, se considerarmos um fármaco que é um ácido fraco, o que determina se a maioria das moléculas está na forma HA (apolar) ou na forma A- (polar) é o pH do meio (meio ácido ou básico) em que se encontra associado ao equilíbrio (pKa) característico do fármaco. Assim, para compostos iônicos o equilíbrio entre ambos os lados da membrana depende da diferença de pH através da membrana que pode influenciar no estado de ionização da molécula para atingir o equilíbrio. Em outras palavras, a distribuição de um eletrólito fraco é determinada pelo seu grau de ionização (pKa) e pelo gradiente de pH através da membrana. Por exemplo: difusão passiva de um ácido fraco com pKa = 4,4 entre o suco gástrico (pH = 1,4) e o plasma (pH = 7,4) Figura 3: [1] HA A- [1000] plasma pH = 7,4 BARREIRA LIPÍDICA MUCOSA GÁSTRICA suco gástrico pH = 1,4 [1] HA A- [0,001] Figura 3 – Difusão passiva de um ácido fraco com pKa = 4,4 entre o suco gástrico pH = 1,4 e o plasma pH = 7,4. Assim o estabelecimento de gradientes de concentração de fármacos através da membrana com um gradiente de pH é um processo físico que não exige um sistema de transporte ativo. Porém o que determina o gradiente de pH entre o suco gástrico e o plasma é um processo ativo. O grau de dissociação do ácido em cada lado da membrana depende do pH do plasma e do suco gástrico. A diferença de concentração total entre os dois lados é função do gradiente de pH através da membrana. Raciocínio similar é possível de ser aplicado aos fármacos que são bases fracas. O fluxo do volume sangüíneo através dos poros intercelulares é o principal mecanismo de passagem de fármacos através das membranas endoteliais capilares, com exceção do Sistema Nervoso Central (SNC). Estes espaços são grandes permitindo a passagem de fármacos que é limitada pelo fluxo sangüíneo e não pela lipossolubilidade ou pelas diferenças de pH. Isso é importante na absorção de fármacos por administração parenteral e na filtração através das membranas glomerulares dos rins. a) Transporte de Membrana mediado por Carreador A difusão passiva através da dupla camada predomina na absorção e distribuição da maioria dos fármacos. O transporte ativo ocorre através das membranas neuronais, do plexo coróide, das células tubulares renais e dos hepatócitos. O transporte ativo tem como características: - seletividade; - inibição competitiva por moléculas assemelhadas; - necessidade de energia; - saturabilidade; e - movimento contra um gradiente eletroquímico. Esses mecanismos podem ser altamente seletivos para estruturas conformacionais específicas dos fármacos, e são necessários para o transporte de membranas que seriam muito lentos por outros processos tais como a difusão passiva. 2.2 – Absorção e Biodisponibilidade A absorção é a velocidade e a extensão com que um fármaco deixa o seu local de administração. 6 Interessa mais em farmacologia a biodisponibilidade que indica a extensão em que um fármaco atinge o seu local de ação ou um líquido biológico que permita o acesso ao local de ação. Um fator que pode influenciar na biodisponibilidade é o chamado efeito de primeira passagem hepática. Por exemplo: um fármaco absorvido ao nível do estômago e do intestino deve passar pelo fígado antes de atingir a circulação sistêmica. Se o fármaco for metabolizado no fígado ou secretado pela bile, parte será inativada antes de alcançar a circulação geral e ser distribuído até o local de ação. Se essa metabolização hepática ou secreção biliar for grande diminui a biodisponibilidade. Influenciam na disponibilidade do fármaco: - a anatomia do local de absorção; - fatores fisiológicos e patológicos. A escolha da via de administração deve levar em conta esses fatores. a) Fatores Físicos que Influenciam na Absorção Muitas variáveis influenciam a absorção dos fármacos. As principais são discutidas brevemente. a.1) Estado físico do fármaco administrado: fármacos administrados como soluções aquosas são absorvidos mais rapidamente do que as soluções oleosas, suspensões ou formas sólidas. Isso ocorre porque as soluções aquosas se misturam mais rapidamente com a fase aquosa do local de absorção. Exemplo: dipirona na forma de solução oral é absorvida maisrapidamente do que a mesma dose administrada como um comprimido. a.2) Dissolução: para fármacos administrados na forma sólida a velocidade de dissolução pode ser um fator limitante na absorção. É importante ressaltar que somente as moléculas dissolvidas são absorvidas. As condições próprias do local de absorção alteram a dissolução, principalmente no trato gastrointestinal (TGI). Por exemplo: o ácido acetilsalicílico ou AAS (Aspirina) é um ácido fraco administrado na forma sólida. Logo é relativamente insolúvel no conteúdo gástrico, o que dificulta sua absorção nesse local. No pH estomacal de 1,4 é pouco solúvel porque a maioria das moléculas se encontram na forma não ionizada, que é menos polar, e mais difícil de ser dissolvida no conteúdo aquoso estomacal. No pH intestinal mais elevado, básico, o fármaco se ioniza tornando-se mais polar e sendo mais facilmente dissolvido. Então um outro fator foi agregado. Para que haja absorção as moléculas devem apresentar alguma lipossolubilidade para atravessarem as células. Porém, se for administrado como uma forma farmacêutica sólida, primeiramente as moléculas do fármaco devem dissolver- se para que então ocorra a absorção. a.3) Concentração: os fármacos ingeridos ou injetados como soluções concentradas são mais rapidamente absorvidos do que os fármacos menos concentrados. Isso está de acordo com o estabelecimento de equilíbrio entre gradientes de concentração no processo de difusão passiva. a.4) Circulação no Local da Absorção: um maior fluxo sangüíneo proporcionado por massagem ou calor aumenta a absorção. A diminuição do fluxo sangüíneo provocada por fármacos vasoconstritores, choque ou outros fatores patológicos pode diminuir a absorção. Por exemplo: o uso de adrenalina associado a anestésicos locais (Xylocaína com vasoconstritor). A adrenalina causa vasoconstrição diminuindo a circulação local que diminui a absorção sistêmica do anestésico, o que faz com que o anestésico permaneça por maior tempo no local da administração, aumentando o tempo da anestesia. a.5) Superfície de Absorção: os fármacos são absorvidos mais rapidamente em grandes áreas superficiais como o epitélio alveolar pulmonar ou a mucosa intestinal. A superfície de absorção é determinada pela via de administração. 2.3 – Vias de Administração de Fármacos As vias de administração se dividem em enterais, parenterais e tópica. 7 2.3.1 – Vias enterais: a) Via Oral (VO): a ingestão oral é a via mais comum de administração, além de ser a via mais segura, mais conveniente e mais econômica. Apresenta como desvantagens: - pode provocar emese como resultado de irritação da mucosa GI; - alguns fármacos podem ser destruídos por ação de enzimas digestivas ou pelo pH ácido estomacal; - pode ocorrer irregularidade da absorção pela presença ou não de alimentos ou de outros fármacos; - é necessário a cooperação do paciente, logo não é possível empregar-se essa via para pacientes inconscientes. Características da absorção: a absorção no TGI depende da área de superfícies para absorção, do fluxo sangüíneo e da concentração do fármaco no local da absorção. A maior parte da absorção dos fármacos no TGI ocorre por processos passivos. Assim a absorção é facilitada quando o fármaco está na forma não ionizada, isto é, mais lipofílica. Então, espera-se que a absorção de ácidos fracos seja ótima no estômago, onde se encontram na forma não ionizada, e a absorção de bases fracas seja favorecida no intestino delgado onde o pH é alcalino. Porém, deve ser considerado que o estômago é revestido por uma espessa camada de muco, apresenta uma pequena área de superfície e elevada resistência elétrica. A função primária do estômago é de digestão. O intestino tem uma superfície muito mais extensa e baixa resistência elétrica. Sua função primordial é a absorção. Por isso qualquer fator que acelere o esvaziamento gástrico favorece a absorção, ao passo que o retardo no esvaziamento gástrico diminui a absorção. É comprovado que a forma não ionizada é absorvida mais rapidamente do que a forma ionizada em qualquer local do TGI. A velocidade de absorção de um fármaco no intestino será maior que no estômago independente do estado de ionização, pois nesse caso a superfície muito maior prepondera. Cerca de 70% do fluxo sangüíneo intestinal é direcionado para o fígado pelo sistema porta. Logo o potencial de efeito de primeira passagem hepática deve ser considerado. No TGI os fármacos podem ser metabolizados por enzimas da mucosa, pela flora intestinal ou pelo fígado antes de atingirem a circulação geral. Os fármacos que são destruídos pelo suco gástrico podem ser administrados em forma farmacêuticas que apresentam um revestimento que impede sua dissolução no suco gástrico. São as formas gastrorresistentes. Existem também, formas sólidas revestidas de liberação controlada, que visam produzir uma absorção lenta e uniforme durante um período de 8 horas ou mais. São conhecidos comercialmente como as formas Retard, por exemplo Voltaren Retard (diclofenaco sódico 100 mg). Essa forma farmacêutica tem como vantagens: - diminuir a freqüência de administração; - manter o efeito terapêutico durante a noite; - menor incidência dos efeitos indesejáveis por eliminar os picos de concentração que ocorrem com outras formas farmacêuticas. b) Via sublingual: É uma via importante para determinados fármacos. Embora a área de superfície de absorção disponível seja muito pequena, é muito vascularizada o que permite absorção rápida. É indicada para a administração de fármacos muito potentes e que sejam lipossolúveis. Por exemplo: a nitroglicerina (vasodilatador coronariano; nome comercial: Nitradisc) é eficaz quando administrada por esta via porque está não ionizada e é muito lipossolúvel. Também é muito potente, isto é, a absorção de quantidades muito pequenas produzem os efeitos terapêuticos. Um outro fator importante é que a drenagem venosa da boca se dirige diretamente para a veia cava superior protegendo o fármaco do efeito de primeira passagem hepática. O metabolismo hepático inativa a nitroglicerina impedindo que alcance a circulação sistêmica. Se fosse administrado por via oral seria inativado não exercendo efeito. É comumente administrado por via sublingual o dinitrato de isossorbida (Isordil, Isocord). 8 c) Via Retal: É uma via muito útil quando a ingestão oral é inadequada por causa da ocorrência de vômitos ou no caso de pacientes inconscientes. A absorção retal é quase sempre irregular e incompleta e muitos fármacos causam irritação da mucosa retal. Cerca de 50% do fármaco absorvido no reto irá sofrer passagem hepática antes de alcançar a circulação sistêmica. Porém, o potencial de metabolismo por efeito de primeira passagem hepática é menor do que o observado quando da administração por via oral. 2.3.2 – Vias Parenterais: De uma forma geral as vias parenterais apresentam algumas vantagens: - muitas vezes essas vias são essenciais para que o fármaco seja absorvido na forma ativa, por exemplo: insulina, glucagon.... - a dose eficaz pode ser melhor selecionada; - a absorção é mais rápida e mais previsível do que quando o fármaco é administrado por via oral. Apresenta como desvantagens: - requer cuidados com assepsia para evitar a ocorrência de infecções; - pode ocorrer administração intravascular não intencional; - pode ser acompanhada de dor; - muitas vezes é difícil o paciente fazer a auto-administração; - maior custo; - maior risco de efeitos adversos. As principais vias são: a) Via Intravenosa (IV) ou Endovenosa (EV): Nas emergências é uma via útil para pacientes inconscientes, não cooperativos ou incapazes de retenção por via oral. Quando os fármacos são administrados como solução aquosa a concentração é obtida comprecisão e imediatamente após a aplicação, o que não é possível com qualquer outro procedimento. Em alguns casos a dose não é predeterminada sendo ajustada de acordo com a resposta do paciente. Por exemplo: a indução anestésica por barbitúricos. Certas soluções irritantes só podem ser administradas por esta via, já que as paredes dos vasos são relativamente insensíveis, e quando injetada lentamente é bastante diluída pelo sangue. Os fármacos administrados na circulação sistêmica, exceto por via intra-arterial, podem ser eliminados em parte pela primeira passagem pelos pulmões, antes da distribuição para o resto do organismo. Os pulmões são uma via de eliminação para substâncias voláteis e servem como filtro para algumas substâncias particuladas que possam ter sido administradas por via EV. Essa via apresenta alguns riscos: - reações desfavoráveis porque concentrações elevadas do fármaco atingem o plasma e os tecidos; - após a administração não existe possibilidade de retrocesso, somente são empregadas medidas de monitoramento e manutenção da estabilidade do paciente, podendo ser empregados alguns fármacos que inibam ou antagonizem a ação daquele administrado inadequadamente; - não é adequada a administração de fármacos em veículo oleoso, aqueles que precipitem constituintes do sangue ou que hemolisam eritrócitos. O fármaco deve ser administrado LENTAMENTE COM MONITORIZAÇÃO DAS RESPOSTAS DO PACIENTE. O volume que pode ser administrado varia desde 1 mL até litros no caso de soro fisiológico ou solução glicosada, nesses caso deve-se atentar para a velocidade de infusão com vistas a não aumentar a volemia. 9 b) Subcutânea (SC): Esta via só pode ser empregada para fármacos que não sejam irritantes de tecidos, pois causam intensa dor, escamação e até necrose. A absorção a partir dos locais subcutâneos e intramusculares ocorre por difusão simples ao longo do gradiente de depósito do fármaco para o plasma. A velocidade de absorção é limitada pela área das membranas capilares absorventes e pela solubilidade do fármaco no líquido intersticial. Canais aquosos relativamente grandes na membrana endotelial proporcionam difusão indiscriminada sem levar em conta a lipossolubilidade. A absorção da via SC em geral é lenta, quando comparada com outras vias parenterais, o que proporciona um efeito prolongado e uniforme. Além disso a absorção pode ser variada intencionalmente. Por exemplo: a insulina insolúvel (lenta ou ultralenta) tem absorção lenta se comparada com a preparação de insulina solúvel (regular). A incorporação de vasoconstritores também reduz a velocidade de absorção. A absorção de fármacos implantados na forma de “pellets” sólidos ocorre lentamente durante semanas ou meses; é empregada para alguns hormônios. c) Intramuscular (IM): Os fármacos em solução aquosa são absorvidos rapidamente dependendo do fluxo sangüíneo local. A velocidade de absorção após injeção no deltóide ou vasto lateral é maior do que no grande glúteo. Nas mulheres a velocidade de absorção após injeção no grande glúteo é mais lenta, em função da diferença de distribuição de gordura entre homens e mulheres, e porque o tecido gorduroso é menos vascularizado. Pacientes muito obesos ou edemaciados podem apresentar absorção incomum. A absorção é muito lenta no caso de soluções oleosas ou suspensão em veículos de depósito, por exemplo, a benzilpenicilina (Benzetacil) que é pouco solúvel e tem ação prolongada. Outras vias parenterais que são menos empregadas: d) Intra-arterial (IA): empregada com o fim de localizar o efeito do fármaco em um determinado tecido ou órgão, também empregada para agentes de diagnóstico. Deve ser executada com cautela e por profissional experiente. Os efeitos de primeira passagem e de eliminação pelos pulmões não ocorrem nessa via. e) Intratecal: as barreiras hematoencefálica e hematoliqüórica impedem o acesso de fármacos polares no sistema nervoso central (SNC). Quando se busca efeito local rápido nas meninges ou no eixo cerebroespinhal, por exemplo: em raquianestesia, infecções agudas do SNC......, os fármacos podem ser injetados no espaço subaracnóide espinhal. f) Intraperitoneal: a cavidade peritoneal oferece grande superfície de absorção e os fármacos penetram com rapidez na circulação através da veia porta, o que permite perdas de primeira passagem hepática. É raramente empregada na clínica pois os riscos de infecção e aderência são muito grandes para justificar seu uso de rotina. Seu emprego se restringe às pesquisa farmacológicas onde se empregam animais. Uma via que pode apresentar efeitos tópicos ou sistêmicos é a via de administração pulmonar. São administrados gases e líquidos voláteis que são inalados e absorvidos pelo epitélio pulmonar e pelas membranas mucosas das vias respiratórias. Também podem ser administrados fármacos na forma de aerossóis. O acesso a circulação é rápido em função da grande área de superfície. Esta via tem como vantagens: - absorção instantânea; - não ocorre perda por efeito de primeira passagem hepática; - no caso de doença pulmonar permite ação local. Tem como desvantagens: - pouca regulagem da dose; - métodos de administração incômodos; - muitos fármacos causam irritação do epitélio pulmonar. 10 2.3.3 – Vias de Administração Tópicas: a) Membranas mucosas: visa efeitos locais nas membranas mucosas da conjuntiva, nasofaringe, orofaringe, vagina, cólon, uretra e bexiga. A absorção é rápida. No olho: fármacos oftálmicos de aplicação tópica são empregados quando se visam efeitos locais. A absorção sistêmica por drenagem pelo canal lacrimal é indesejável. O fármaco absorvido dessa forma não está sujeito a efeito de primeira passagem hepática. b) Pele: poucos fármacos penetram facilmente na pele intacta. A absorção depende da área ou superfície de aplicação e lipossolubilidade, já que a epiderme age como barreira lipídica. A derme já é mais permeável por isso a absorção é maior na pele desgastada, queimada ou desnuda. A inflamação aumenta o fluxo sangüíneo local e também a absorção. Efeitos tóxicos de substâncias altamente lipossolúveis são produzidos por sua absorção pela pele, por exemplo: pesticidas. A absorção pela pele pose ser aumentada suspendendo o fármaco em veículo oleoso, como nas formas farmacêuticas unção e ungüento. A pele hidratada é mais permeável do que a pele seca. 2.3.4 – Bioequivalência São consideradas biologicamente equivalentes as formulações que proporcionam concentrações similares do fármaco no sangue e tecidos. Terapeuticamente equivalentes são os fármacos que proporcionam benefício terapêutico igual na experiência clinica. Nesse caso não necessariamente se refere ao mesmo fármaco. Preparações farmacêuticas que são quimicamente equivalentes, isto é, que apresentam a mesma concentração do fármaco, porém não biologicamente ou terapeuticamente equivalentes diferem quanto a sua biodisponibilidade. A biodisponibilidade depende da forma e tamanho do cristal do fármaco, da técnica empregada na sua produção industrial, principalmente para os fármacos pouco solúveis empregados na produção de formas farmacêuticas de uso oral. É importante ressaltar que os fármacos comercializados como genéricos, devidamente regulamentados pelo ministério da saúde, são necessariamente biologicamente e terapeuticamente equivalentes. 3 - FARMACOCINÉTICA : DISTRIBUIÇÃO 3.1 - Fatores que Influenciam a Distribuição dos Fármacos Quando uma droga atinge o sistema vascular vários fatores influenciam a penetração em tecidos ou compartimentos, como: - ritmo do fluxo sangüíneo (perfusão); - massa tecidual; - extensão de ligação a proteínas plasmáticas e aos tecidos; - gradiente de pH; - mecanismos de transporte disponíveis; - permeabilidade de membranas e tecidosperiféricos. A transferência dos fármacos da circulação capilar ao espaço intersticial não é tão lenta quanto a difusão através de membranas biológicas. Como as membranas dos capilares apresentam poros e pouca resistência a permeabilidade de substâncias não ligadas a proteínas em solução (exceto no SNC) os compostos hidrossolúveis que são carregados pelo sangue atravessam os capilares. Essa transferência é limitada pelo tamanho da molécula e lipossolubilidade. Fármacos muito lipossolúveis geralmente necessitam de uma única perfusão sangüínea pelo órgão até estabelecer um equilíbrio. A demanda do fármaco e seu equilíbrio com o espaço intersticial é determinada pela perfusão sangüínea no órgão alvo. Em geral, a composição capilar não é um fator limitante, exceto no SNC. Os capilares renais e hepáticos são especialmente permeáveis a maioria das moléculas exceto as de dimensões elevadas. O ritmo de passagem através das paredes 11 capilares é influenciada por agentes que afetam a permeabilidade capilar (por ex.: histamina) ou o fluxo sangüíneo (por ex.: norepinefrina). 3.2 - Volume de Distribuição O volume total dos compartimentos fluidos do organismo onde os fármacos podem ser distribuídos é cerca de 40 L em um adulto de 70 kg (60 % do peso corpóreo). Estes compartimentos incluem: - água plasmática cerca de 5 L; - fluido intersticial cerca de 10 - 20 L; - fluido intracelular cerca de 20 - 30 L. A água extracelular total é a soma da água plasmática com a água intersticial. Fatores como sexo, idade, edema e quantidade de gordura podem influenciar o volume destes compartimentos. Um parâmetro empregado em farmacologia é o volume aparente de distribuição = Vd que dá uma indicação aproximada da distribuição do fármaco em um organismo. Pode ser calculado dividindo a quantidade total do fármaco (por ex. em mg) administrado por via EV com a concentração do fármaco (por ex.: µg/ml) determinada após um tempo suficiente para que ocorra o equilíbrio (por ex. 1 h). Este cálculo não considera a perda por metabolização, excreção ou ligação durante a distribuição, por isso, deve-se ter cuidado na interpretação dos resultados. Por exemplo: um fármaco com Vd = 12 litros provavelmente se distribui pelo fluido extracelular mas é incapaz de penetrar nas células. Já um fármaco administrado por via EV com Vd = 3 L deve ter sua distribuição restrita ao compartimento vascular. Fármacos altamente difusíveis (compostos muito solúveis) são amplamente distribuídas pelo organismo, logo, tendem a atingir seu local de ação em menores concentrações. Muitos fármacos com Vd maior do que o volume total de água do organismo podem estar sendo “seqüestrado” em algum espaço extravascular. Ex.: tiopental - altamente lipossolúvel, que é armazenado na gordura, tem um Vd maior do que o volume total de água do organismo. 3.3 - Ligação de Fármacos a Proteínas Plasmáticas A maioria dos fármacos no sangue se ligam reversivelmente a uma ou mais macromoléculas plasmáticas como: albumina, globulinas, transferrina, ceruloplasmina e α e β- lipoproteínas. A extensão desta ligação influencia na distribuição e na eliminação pois só o fármaco livre pode atravessar a parede capilar ser metabolizado e excretado. A ligação a proteínas plasmáticas geralmente influencia o equilíbrio de distribuição de fármacos polares que difundem lentamente para os tecidos, mais do que a distribuição de fármacos lipossolúveis. A ligação a proteínas também produz armazenamento sangüíneo do fármaco. 3.3.1 - Ligação com Albumina A albumina no pH sangüíneo tem uma carga negativa porém interage por meio de forças de van der Waals, pontes de H, ligação iônica e hidrofóbica tanto com fármacos de carga positiva como os de carga negativa. Em geral, 1 a 2 moléculas do fármaco de natureza ácida se ligam a cada molécula de albumina enquanto que os fármacos básicos e com carga positiva se ligam mais fracamente e a mais do que um sítio de ligação. Essa ligação com a albumina em geral é inespecífica, muitas fármacos podem interagir com o mesmo sítio de ligação, assim um fármaco com maior afinidade por este sítio pode deslocar outro. Por exemplo: a fenilbutazona (antiinflamatório, Butazil, Butazonil) pode deslocar as sulfonamidas (antibacteriano, sulfametoxazol do Bactrim) ligadas a albumina que tenham sido administradas anteriormente. Um aumento da sulfonamida circulante pode provocar aumento da resposta farmacológica, dos efeitos colaterais e do potencial tóxico, principalmente quando o fármaco é metabolizado ou excretado lentamente. 3.4 - Acúmulo Preferencial de Fármacos Os fármacos nem sempre se distribuem ou se fixam uniformemente em todos os tecidos do organismo. Como já vimos a vascularização, o pH, percentual de tecido gorduroso, entre outros, são fatores que podem influenciar na concentração. 12 3.4.1 - Rins Como o rim recebe entre 20 -25 % do débito cardíaco pode-se prever que será exposto a uma grande quantidade de qualquer fármaco administrado. Se o rim apresenta afinidade por um fármaco particular, uma alta quantidade se acumulará neste órgão. No rim uma proteína denominada de metalotioneína que tem afinidade por metais, é responsável pelo acúmulo de cádmio, chumbo e mercúrio (metais pesados) no rim. 3.4.2 - Olhos Alguns fármacos tem afinidade pela melanina (pigmento retiniano) podendo se acumular nos olhos. Por exemplo: clorpromazina (neuroléptico, Amplictil, Clopromazina) e outros fenotiazínicos se acumulam no trato uveal onde podem causar retinotoxicidade. 3.4.3 - Tecido Adiposo Fármacos com alta afinidade lipídica podem se acumular no tecido adiposo. Porém como neste tecido a vascularização é baixa, a distribuição será gradual. Por ex.: o tiopental (indutor anestésico, Thionembutal, Thiopentax) leva quase 6 h após o início da administração para alcançar a concentração máxima nos depósitos de gordura do organismo. Também se acumulam no tecido adiposo: glutetimida (sedativo), diazepan (sedativo) e a fenoxibenzamina (bloqueador β adrenérgico).... O acúmulo de fármacos no tecido adiposo pode causar ação terapêutica reduzida pelo seqüestro do fármaco circulante, ou atividade prolongada quando níveis muito baixos são necessários. Nestes casos o tecido adiposo promove a liberação lenta e prolongada. Nos casos de severa dieta lipídica, como no jejum prolongado, o fármaco estocado é mobilizado podendo ocorrer efeitos tóxicos. 3.4.4 - Pulmões Como os pulmões recebem todo o sangue do ventrículo direito a distribuição do fármaco neste tecido é muito rápida. A captação pelos pulmões é predominantemente por difusão, enquanto que a retenção é considerada secundária à ligação com os fosfolipídeos anfóteros. Por Ex.: a imipramina (antidepressivo, Imipramine, Tofranil), metadona, fentermina, clorpromazina .... se acumulam nos pulmões. O acúmulo pulmonar de anfetamina e metadona também se deve a um efeito de transporte ativo. 3.4.5 - Ossos O osso é um tecido relativamente inerte porém pode acumular, por exemplo, chumbo e tetraciclinas. A tetraciclina (antibiótico, Ambra-Sinto, Statinclyne) se deposita em superfícies ósseas em proliferação por formarem fortes complexos com o Ca. Este depósito pode causar mudança de cor nas estruturas que contém cálcio (ex.: cor acastanhada nos dentes). O chumbo e o flúor podem substituir o cálcio que formam o osso. 3.5 - Barreiras Fisiológicas à Distribuição de Fármacos 3.5.1 - Barreira Hematoencefálica (BHE) A BHE é constituída de uma fileira única de células endoteliais de capilares cerebrais interligadas por junções intercelulares contínuas e compactas. Assim os fármacos devem passar através das células e não entre elas para alcançar o SNC a partir da circulação capilar. Isso torna bem menos permeável aos fármacos hidrossolúveis do que as barreiras existentesem outros órgãos. Apenas fármacos muito lipossolúveis atravessam as células endoteliais compactas. Os fármacos parcialmente ionizados ou moderadamente lipossolúveis não conseguem entrar no SNC em quantidades significativas. Como só o fármaco livre é disponível para a difusão uma extensa taxa de ligação protéica pode influenciar a quantidade do fármaco que chega ao SNC. 3.5.2 - Barreira Placentária (BP) É constituída por várias camadas de tecido que separam os vasos sangüíneos do feto e da mãe. A barreira placentária não impede o transporte de todas os fármacos, mas é seletiva, sendo o transporte afetado por fatores como o pKa, lipossolubilidade, ligação protéica do 13 fármaco...... Os fármacos que atravessam essa barreira atingem a circulação fetal. O fluxo sangüíneo uterino humano é cerca de 500 mL/min (10 % do débito cardíaco), isso permite que uma concentração alta do fármaco atinja a circulação fetal pela veia umbilical. Cerca de 90 % do fármaco absorvido pelo feto é imediatamente exposto ao fígado, que se encontra imaturo, não sendo metabolizado , o que o torna potencialmente tóxico. Existe um atraso no transporte de fármacos ao feto, isto é, o início da ação na mãe é mais precoce. Os esteróides, muito lipossolúveis, atravessam a BP rapidamente, enquanto que os antibióticos (ex.: penicilina (Benzetacil, Despacilina), estreptomicina (Enteromicina)) necessitam de 10 -20 h para atingir o equilíbrio entre o plasma materno e o fetal. A ampicilina (Ampicil, Binotal) é ativamente acumulada na placenta, sendo o equilíbrio atingido em cerca de 90 min, porém as concentrações continuam aumentando até cerca de 5 h após o que produz uma concentração plasmática fetal muito maior do que a materna. Quando os fármacos já alcançaram a circulação fetal, eles podem ser transferidos de volta à circulação materna via placenta. 3.5.3 - Barreira Hematotesticular (BHT) Os túbulos seminíferos são circundados por várias camadas celulares e acelulares, sendo que a camada das células mióides se encontra entre as duas camadas acelulares, compondo assim 2 barreiras testiculares. As junções intercelulares da camada mióide impedem a passagem de grande número dos fármacos hidrossolúveis. 4 – FARMACOCINÉTICA: METABOLISMO OU BIOTRANSFORMAÇÃO Muitos fármacos são ácidos ou bases fracas, algo lipossolúveis e não são facilmente eliminados como tal. Após filtração no glomérulo renal podem ser reabsorvidos por difusão passiva através das células tubulares renais. A biotransformação tem por objetivo transformar as moléculas dos fármacos em metabólitos mais polares para que sejam mais facilmente excretáveis. Assim, a biotransformação produz metabólitos mais polares o que facilita a sua eliminação e reduz o seu volume de distribuição. Em geral, também produz inativação do fármaco. Na verdade, os metabólitos podem ser farmacologicamente inativos ou apresentar atividade farmacológica que pode ser: a) similar ou menor do que o fármaco de origem; b) pode produzir efeitos tóxicos; c) maior do que o fármaco administrado. É o caso dos pró-fármacos onde se administra um fármaco inativo e que será ativado após metabolismo. Por exemplo: análogos da purina e pirimidina usados na quimioterapia de alguns tipos de câncer. 4.1 – Padrões de Biotransformação a) Considerando-se os tipos de reações químicas que ocorrem, o metabolismo envolve: • Reações de Fase I ou reações não sintéticas: convertem o fármaco original em metabólito mais polar por oxidação, redução ou hidrólise. • Reações de Fase II ou reações sintéticas: são as reações de conjugação onde o fármaco ou um metabólito é combinado com ácido glicurônico, sulfato, acetato ou aminoácido. b) Sistemas Metabolizadores de Fármacos b.1 – Sistema Microssomal As enzimas ou sistemas enzimáticos responsáveis pela biotransformação microssomal dos fármacos se localizam, principalmente, no Retículo Endoplasmático Liso (REL) do fígado, do rim e no epitélio GI. As enzimas microssomais catalisam reações de conjugação e a maioria das reações de oxidação dos fármacos. As reações de redução e hidrólise são catalisadas por enzimas microssomais ou não microssomais. 14 • Indução Enzimática É importante ressaltar que a atividade das enzimas microssomais pode ser induzida por muitos fármacos e/ou substâncias químicas do meio ambiente. As diferenças individuais normais na atividade microssômica são determinadas geneticamente, sendo que as velocidades de biotransformação dos fármacos entre indivíduos pode variar até seis vezes ou mais. O fato de um fármaco ser capaz de acelerar seu metabolismo e o de outros fármacos tem implicações: - nos testes de toxicidade crônica; - nas ações cruzadas entre fármacos; - na terapia continuada com fármacos; - no desenvolvimento de tolerância. Um exemplo de indução enzimática é o uso de morfina como analgésico. O uso continuado por alguns dias acelera as enzimas que metabolizam esse fármaco. Como conseqüência, o fármaco é mais rapidamente removido da corrente sangüínea, permanecendo menor tempo no organismo. O tempo de duração do efeito também será menor, assim o paciente pode apresentar queixa de dor em intervalos menores do que o esperado. Esse efeito é denominado de tolerância, já que se instala rapidamente. • Inibição do Metabolismo do Fármaco A inibição da atividade enzimática pode ser competitiva, isto é, alguns fármacos competem pelas enzimas biotransformadoras de outros fármacos. Por exemplo: o dicumarol (um anticoagulante) inibe o metabolismo da fenitoína (anticonvulsivante, Epelin, Hidantal) o que pode aumentar a incidência e a gravidade dos efeitos colaterais, tais como, a sonolência. Outro exemplo: a administração de alopurinol (no tratamento da gota, Allopurinol, Zyloric) e 6-mercaptopurina (quimioterápico, Mercaptina) produz aumento da concentração plasmática da mercaptopurina por inibição competitiva da enzima xantinoxidase pelo alopurinol. Tanto a inibição como a indução enzimática explicam muitas das interações entre os medicamentos que serão estudadas. b.2 – Biotransformação Não microssômica dos Fármacos As conjugações com formação de glicuronídeo e algumas oxidações, reduções e hidrólise podem ser catalisadas por enzimas não microssomais. Essas reações são responsáveis pela biotransformação de muitos fármacos comuns inclusive da aspirina e sulfonamidas. A biotransformação não microssômica ocorre principalmente no fígado. A biotransformação no TGI pela flora intestinal é muito pequena com relação a eliminação total do fármaco, porém pode contribuir para a má absorção de um fármaco administrado por via oral. Também pequenas quantidades destes metabólitos intestinais podem contribuir para a sua toxicidade. A hidrólise intestinal dos glicuronídeos secretados na bile integra o ciclo entero-hepático dos fármacos. As enzimas de biotransformação que integram os sistemas não microssomais não são passíveis de indução enzimática. c) Metabolismo de Fármacos no Feto e Recém Nascido (RN) A atividade das enzimas microssomais hepáticas no RN é baixa, principalmente nos prematuros. A atividade das enzimas não microssomais também é menor. A diminuição da conjugação contribui para a hiperbilirrubinemia e o risco de encefalopatia pela bilirrubina (“kernicterus”). Também explica a toxicidade do cloranfenicol (antibiótico, Cloranfenicol, Quemicetina) e alguns analgésicos opióides que são inativados pela formação de glicuronídeo. A BHE ainda não completamente desenvolvida, a baixa atividade no metabolismo e mecanismos de excreção imaturos tornam os prematuros e RNs sensíveis aos efeitos tóxicos. A capacidade de biotransformação cresce nos primeiros meses de vida. 15 5 – FARMACOCINÉTICA: EXCREÇÃO Os fármacos são excretados inalteradosou como metabólitos. Os órgãos excretores eliminam mais facilmente compostos polares do que aqueles lipossolúveis. Estes são mais facilmente eliminados após a biotransformação, exceto no pulmão. As principais vias de excreção são: a) Via Renal O rim é o principal órgão excretor. A excreção renal de metabólitos envolve três processos: - Filtração glomerular: a quantidade de fármaco filtrado pelos glomérulos depende da taxa de ligação com as proteínas plasmáticas, já que somente o fármaco ou os metabólitos livres podem sofrer filtração glomerular. - Secreção tubular: alguns íons orgânicos são eliminados por secreção tubular ativa mediada por carreadores. Ácidos orgânicos, por exemplo: penicilina e metabólitos, são transportados por sistemas que secretam substâncias naturais como o ácido úrico. Da mesma forma, ocorre com as bases, por exemplo tetraetilamônio, que é transportada pelo sistema que excreta colina, histamina e outras bases orgânicas. Os sistemas carreadores são pouco seletivos sendo que íons de mesma carga competem pelo transporte. Estes sistemas também podem ser bidirecionais promovendo a secreção ou a reabsorção ativa. Porém o transporte para a maioria dos íons exógenos é secretor. - Reabsorção tubular passiva: as células tubulares são menos permeáveis às formas ionizadas de eletrólitos fracos. Assim, a reabsorção tubular passiva depende do pH. Uma urina alcalina facilita a excreção de ácidos fracos, quando se torna mais ácida diminui a excreção de ácidos fracos. Também uma urina mais ácida facilita a eliminação de bases fracas. No tratamento de intoxicações pode-se acelerar a excreção acidificando ou alcalinizando a urina. Em emergências, é possível acidificar a urina administrando vitamina C, EV, e alcalinizar administrando bicarbonato de sódio, também EV. b) Via Biliar e Fecal: Nas fezes são eliminados principalmente os fármacos administrados por VO que não foram absorvidos, ou metabólitos secretados pela bile que não sofreram reabsorção pelo trato intestinal. Muitos metabólitos formados no fígado são excretados no trato intestinal através da bile. Comumente estes metabólitos são excretados nas fezes, ou então, sofrem hidrólise pela flora intestinal, são reabsorvidos e lançados na corrente circulatória e excretados pela urina. b) Via Pulmonar: a excreção pulmonar é importante para a eliminação de substâncias voláteis e gases anestésicos. c) Via Leite Materno: a excreção no leite é importante não pelas quantidades eliminadas mas pelo potencial de efeitos indesejáveis que pode produzir na criança que está sendo amamentada. O leite materno, em geral é levemente ácido facilitando a excreção de metabólitos e fármacos de natureza básica. Não eletrólitos como o etanol alcançam facilmente o leite e chegam a atingir as mesmas concentrações plasmáticas. Outros exemplos de fármacos que são excretados também pelo leite materno são: hormônios esteroidais (exemplo: anticoncepcionais) e benzodiazepínicos (sedativos, Diazepan, Lorax,...). d) Outras vias: Pequenas quantidades são excretadas no suor, saliva e lágrimas, porém não tem importância quantitativa. A excreção no cabelo e na pele tem pouca importância, porém métodos sensíveis de análise tem sido empregados para a detecção de arsênio (causa do envenenamento de Napoleão Bonaparte) ou mercúrio (causa da morte de Mozart). Mais recentemente, a medicina ortomolecular usa o cabelo para quantificar oligoelementos: cobre, níquel, cobalto, alumínio e metais pesados ......, como método de diagnóstico para orientar a terapia. 16 Bibliografia DEF. Dicionário de especialidades Farmacêuticas 2005/06. Rio de Janeiro: EPUC, 2002. FUCHS, Flávio Danni, WANNMACHER, Lenita. Farmacologia clínica. Fundamentos da terapêutica racional. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. GILMAN, Alfred Goodman, GOODMAN, Louis S., RALL, Theodore W., MURAD, Ferid. As bases farmacológicas da terapêutica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara,2005. Documento eletrônico
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