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Indústria Cultural e cultura de massa

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Indústria Cultural e cultura de massa
O que vem a ser a indústria cultural? Ela é boa ou má para o homem? E adequada ou não ao desenvolvimento das potencialidades e dos projetos humanos? A indústria cultural tem relação com os meios de comunicação de massa e com a cultura de massa.
	Iniciado pela filosofia na Grécia Antiga, o processo de desencantamento do mundo, isto é, a passagem do mito à razão, da magia à ciência e à lógica, tornou-se a marca característica da modernidade. Esse processo foi responsável por proporcionar maior autonomia às artes, liberando-as das funções e finalidades religiosas.
	A indústria cultural e a cultura de massa apareceram somente após a Primeira Revolução Industrial, no século XVIII. Mas, embora essa revolução seja uma condição básica para a existência daquela indústria e daquela cultura, ela não é condição suficiente. É necessário acrescentar nesse quadro a existência de uma economia baseada no consumo de bens.
	Durante as revoluções industriais, é criado um quadro de submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina, traço este que marca a sociedade capitalista liberal, em que é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa. A cultura de massa vem se instalar definitivamente a partir do século XX, quando o capitalismo de organização cria condições para uma efetiva sociedade de consumo baseada em veículos como a televisão.
	Em vez de democratização, massificação: esse foi o caminho percorrido pela arte, modelado pelos ditames do consumo rápido no mercado de massa e nos meios de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social, prestígio político e controle cultural.
	De acordo com a filósofa Marilena Chauí, em seu livro Convite à Filosofia, a massificação e o consumo culturais podem acarretar alguns riscos às artes, principalmente no que diz respeito a três de suas características:
1) de expressivas, tornarem-se reprodutivas e repetitivas;
2) de trabalho da criação, tornarem-se eventos para o consumo;
3) de experimentação do novo, tornarem- se consagração do consagrado pela moda e pelo consumo.
	A arte existe para ser contemplada e apreciada, é espetáculo. Se resgatarmos a origem da palavra espetáculo veremos que ela vem do latim e significa “dado à visibilidade”. No entanto, o controle econômico e ideológico das empresas de produção artística subverte essa finalidade intrínseca à arte: em vez de um evento para dar visibilidade à engenhosidade do artista, a industrialização da arte torna invisíveis a realidade e o próprio trabalho criador das obras. É algo para ser consumido e não para ser conhecido, superado por novas obras.
	Os novos meios de comunicação poderiam democratizar as obras de arte e de pensamento, pois assim todos teriam a oportunidade de conhecê-las, incorporá-las a suas vidas, criticá-las, e os artistas e pensadores poderiam superá-las em outras, novas. Por isso falamos em democratização da cultura, pois esta tem como pressuposto a idéia de que os bens culturais se constituem como direito de todos os indivíduos, independentemente de escolaridade, etnia e poder aquisitivo, e não privilégio de alguns, como infelizmente tem acontecido com a chamada cultura clássica ou de elite.
	O conceito de democracia cultural implica o direito ao acesso e ao conhecimento das obras culturais, bem como o direito à informação e à formação culturais, tão fundamentais quanto o direito à produção cultural. Entretanto, a indústria cultural produz um resultado contrário com a massificação da cultura. Entendamos o porquê.
	Em primeiro lugar, porque promove uma elitização do acesso aos bens culturais, separando-os e classificando-os de acordo com seu suposto valor de mercado em obras “caras” e “raras”. Essa classificação objetiva exaltar aqueles que podem pagar por elas, formando uma elite cultural. Concomitantemente a isso, outra forma de classificação considera obras “baratas” e “comuns” os bens culturais destinados à massa, relegando-os ao lugar comum e aos produtos de pouco valor cultural.
	O primeiro problema que resulta dessa divisão entre produtos culturais de elite e de massa é que, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, essa industrialização cultural nivela por baixo todas as manifestações artísticas destinadas ao povo, isto é, à massa. E o que é a massa? É um agregado sem forma, sem rosto, sem identidade e sem pleno direito à cultura. Esse é o tratamento dispensado pelos artífices da indústria cultural.
	Outro problema é que se produz a falsa idéia de que há uma certa igualdade de acesso de todos, independentemente de classe social, aos mesmos bens culturais, dando a sensação deque cada um pode escolher o que deseja, como um consumidor num supermercado. No entanto, tal ideia é contestada quando prestamos atenção nos programas de rádio e televisão ou no que é vendido nas bancas de jornais e revistas. Neles podemos perceber que a seleção do que cada grupo social pode e deve ouvir, ver ou ler, se encontra predeterminada por meio dos preços estabelecidos pelas empresas de divulgação cultural.
	O exemplo mais acabado do processo referido anteriormente é o do caso de jornais e revistas. Com o processo de massificação da informação, a determinação do conteúdo daquilo a que terá acesso do tipo de informação que poderá receber pode ser percebida pela própria formatação básica dos veículos de informação, o que inclui desde o tipo de matéria e manchete até a qualidade do papel e da letra utilizada. Se nos aventurarmos e, numa manhã, tivermos a paciência de ler cinco ou seis jornais diferentes, perceberemos que há uma diversidade imensa de tratamentos de notícias e informações, que irá variar de acordo com a classe social que o produtor cultural pretende atingir.
	Podemos perceber como terceiro problema o aparecimento de novos elementos no universo da produção e circulação de bens culturais: o “espectador médio”, “ouvinte médio” e “leitor médio”. A esses elementos novos foram oferecidos produtos culturais médios. Mas o que isso significa? Significa que a eles se destinaram certos conhecimentos “médios”.
	De acordo com a filósofa Marilena Chauí, em Convite à filosofia, tal relação funcionaria mais ou menos assim:
“A indústria cultural vende cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradara consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe com nova aparência, o que ele já sabe, já viu ou já fez. A média é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova”.
	Há, ainda, um quarto problema, que é o da redução da cultura ao espaço do lazer e entretenimento, diversão e distração. Nesse sentido, a indústria cultural gera um certo desinteresse ou aversão a tudo o que nas obras de arte seja produto genuíno da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica do artista. E esse desinteresse por esse tipo de arte se explica pelo simples fato de que não diverte e, se não diverte, não vende.
	Esse processo consiste na massificação da cultura, numa banalização das mais diversas formas de expressão artísticas e intelectuais. No lugar do cultivo das artes e de sua conseqüente divulgação, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização da cultura e dos conhecimentos.
Indústria Cultural e os meios de comunicação: alienação e revelação
	Os meios de comunicação de massa vieram antes da cultura de massa. A invenção dos tipos móveis de imprensa, feita por Gutenberg no século XV, marca o surgimento desses meios. Mas isso não significa que de imediato passe a existir uma cultura de massa.
	Para se ter uma cultura de massa, outros produtos devem juntar-se aos meios de comunicação de massa, formando um sistema: o teatro de revista (como forma simplificada do teatro), a opereta (o mesmo em relação à ópera), o cartaz (massificaçãoda pintura) etc.
	Pode-se dividir em três as formas de manifestação cultural:
1. Cultura superior: composta por produtos canonizados pela crítica erudita, como as pinturas do Renascimento, as composições de Beethoven etc.
2. Cultura média: também chamada de midcult, remete ao universo dos valores pequeno-burgueses, composta pelos Mozarts executados em ritmo de discoteca, os romances de Zé Mauro de Vasconcelos, as poesias em que há um lirismo de segunda-mão e de chavões etc.
3. Cultura de massa: também chamada de masscult, não é fácil catalogar os produtos pertencentes a esse nível cultural; diz respeito a todas aquelas manifestações culturais destinadas ao grande público, isto é, às grandes “massas” da população. A característica principal dessa forma de cultura é a homogeneização e padronização dos conteúdos. Por exemplo, nos anos 20 e 30 do século XX, as histórias em quadrinhos puderam ser classificadas como produto típico da masscult. Hoje não é mais assim.
	Essas dificuldades na distinção entre essas formas culturais se estendem quando se tenta estabelecer uma relação entre as classes sociais e as três categorias culturais. Tenta-se defender a tese deque os produtos da cultura superior são de exclusividade da classe dominante. Mas imagine um operário (suposto consumidor de masscult) capaz de encontrar prazer ao ouvir um Beethoven. E do outro lado, um sociólogo ou um grande escritor pode ter sua parte de satisfação com o filme Jornada nas estrelas. Isso significa que as formas culturais atravessam as classes sociais.
	Existem diversas suposições sobre o que a indústria cultural ocasiona sobre o indivíduo. Uma delas é que essa indústria provedora de alienação humana, um processo em que o indivíduo é levado a não pensar por si mesmo sobre a totalidade do meio social, transformando-se em uma mera peça de tabuleiro, um simples produto alimentador do sistema que o envolve.
	Esse talvez seja o problema central da indústria cultural, e existem duas grandes tendências, quando se trata de saber se a indústria cultural provoca a alienação ou produz a revelação.
	A primeira resposta pode ser dada através da análise do conteúdo veiculado pelos meios de comunicação de massa. Ela se prende à questão do conteúdo. Para ela, os produtos da indústria cultural serão alienantes ou reveladores, conforme a mensagem por eles veiculada. Nesse caso, o critério de apreciação seria basicamente subjetivo: para mim, que me coloco do ponto de vista da ideologia A, o produto cultural julgado nocivo pela ideologia B será considerado válido, e vice-versa. Trata-se, sem dúvida, de uma das mais tradicionais maneiras de tentar a avaliação de um produto cultural. Já a segunda resposta só poderá ser obtida através de uma análise estrutural. Nesse caso há, de início, duas posições a serem destacadas. A primeira é a que deriva de uma das lições fundamentais de Karl Marx: todo produto traz em si os vestígios, as marcas do sistema produtor que o engendrou. Esses traços estão no produto, mas permanecem “invisíveis”. Tornam-se visíveis quando o produto é submetido a uma análise. É que a força da estrutura, das condições de produção da indústria cultural, se apresenta maior do que a força das mensagens veiculadas, que se vêem anuladas ou diminuídas pelo poder da estrutura. Nesse sistema podem estar presentes forças contrárias à força caracterizadora da natureza dessa indústria, esse produto só pode apresentar essa mesma característica. E não seria, em rigor, aceitável a hipótese de uma outra utilização desses veículos no caso de uma mudança no sistema social. Por exemplo, passando-se do sistema capitalista para o socialista, os meios de comunicação existentes não poderiam ser postos a serviço da nova ideologia, uma vez que estariam impregnados da ideologia que os criou e manter sua utilização poderia até mesmo colaborar para um movimento de retrocesso na direção do sistema que se desejou superar. Esse seria o resultado inevitável desse enfoque, caso se pretenda chegar até suas últimas conseqüências.
	Embora radical, essa análise não vem sendo propriamente colocada sobre bases equivocadas. O problema é que, nesse caso, o único modo de eliminar totalmente uma ideologia e seus efeitos seria a destruição total de tudo aquilo que estivesse por ela afetado, solução pouco prática e pouco viável. Caso contrário, chegar-se-ia à constatação de que, por exemplo, o meio por excelência de comunicação de massa, a televisão, não poderia jamais ser usado revolucionariamente. Fica patente que nenhuma sociedade existente, que queira dar início ao processo de profundas alterações sociais em seu interior, jamais poderá dispensar um meio como a televisão e os produtos culturais por ela gerados.
“A indústria cultural e os meios de comunicação de massa penetram em todas as esferas da vida social, no meio urbano ou rural, na vida profissional, nas atividades religiosas, no lazer, na educação, na participação política. Tais meios de comunicação não só transmitem informações, não só apregoam mensagens. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de vida, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar”. (SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura Sáo Paulo: Brasiliense, 1983. p. 69. Primeiros Passos n. 110.)
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