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DAS OBRIGAÇÕES DE DAR COISA CERTA

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DAS OBRIGAÇÕES DE DAR COISA CERTA
NOCÃO E CONTEÚDO
A coisa certa a que se refere o Código Civil é a determinada, perfeitamente individualizada. É tudo aquilo que é determinado de modo a poder ser distinguido de qualquer outra coisa.Nessa modalidade de obrigação, o devedor se compromete a entregar ou a restituir ao credor um objeto perfeitamente determinado, que se considera em sua individualidade, como, por exemplo, certo quadro de um pintor célebre, o imóvel localizado em determinada rua e número etc.
A obrigação de dar coisa certa confere ao credor simples direito pessoal (jus ad rem) e não real (jus in re). O contrato de compra e venda, por exemplo, tem natureza obrigacional. O vendedor apenas se obriga a transferir o domínio da coisa certa ao adquirente; e este, a pagar o preço. A transferência do domínio depende de outro ato: a tradição, para os móveis (CC, arts. 1.226 e 1.267); e o registro, que é uma tradição solene, para os imóveis (arts. 1.227 e 1.245).
Se o alienante deixar de entregar a coisa, descumprindo a obrigação assumida, é permitido ao credor perseguir a coisa devida, sobre a qual desencadear-se-ão as medidas cabíveis, “para a plena efetividade da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) ou da própria lei”.
IMPOSSIBILIDADE DE ENTREGA DE COISA DIVERSA, AINDA QUE MAIS VALIOSA
Na obrigação de dar coisa certa o devedor é obrigado a entregar ou restituir uma coisa inconfundível com outra, está assim adstrito a cumpri-la exatamente do modo estipulado, a consequência fatal éque o devedor da coisa certa não pode dar outra, ainda que mais valiosa, nem o credor é obrigado a recebê-la.Dispõe, com efeito, o art. 313 do Código Civil:
“O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”.
A entrega de coisa diversa da prometida importa modificação da obrigação, denominada novação objetiva, que só pode ocorrer havendo consentimento de ambas as partes. Do mesmo modo, a modalidade do pagamento não pode ser alterada sem o consentimento destas.
Em contrapartida, o credor de coisa certa não pode pretender receber outra ainda de valor igual ou menor que a devida, e possivelmente preferida por ele, pois a convenção é lei entre as partes. A recíproca, portanto, é verdadeira: o credor também não pode exigir coisa diferente, ainda que menos valiosa.
TRADIÇÃO COMO TRANSFERÊNCIA DOMINIAL
No direito brasileiro o contrato, por si só, não basta para a transferência do domínio. Por ele criam-se apenas obrigações e direitos.Dispõe, com efeito, o art. 481 do Código Civil que, pelo contrato de compra e venda:
“um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e, o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.O domínio só se adquire pela tradição, se for coisa móvel( CC, Art, 1226),e pelo registro do título (CC, Art. 1.227), se for imóvel.
Desse modo, enquanto o contrato que institui ou contém promessa de transferência do domínio de imóvel, não estiver registrado no Cartório de Registro de Imóveis, existirá entre as partes apenas um vínculo obrigacional. O direito real, com todas as suas características, somente surgirá após aquele registro. A obrigação de dar gera apenas um crédito e não direito real. Por si só, ela não transfere o domínio, adquirido só pela tradição; com a sua execução pelo devedor, exclusivamente, o credor se converte num proprietário.
DIREITO AOS MELHORAMENTOS E ACRESCIDOS
Cumpre-se a obrigação de dar coisa certa mediante entrega (como na compra e Venda) ou restituição (como no comodato, p. ex.). Conforme já dito, esses dois atos podem ser resumidos numa palavra: tradição.
Como no direito brasileiro o contrato, por si só, não transfere o domínio, mas apenas gera a obrigação de entregar a coisa alienada, enquanto não ocorrer a tradição, na obrigação de entregar, a coisa continuará pertencendo ao devedor, “com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação” (CC, art. 237).
ABRANGÊNCIA DOS ACESSÓRIOS
Quanto à extensão, prescreve o art. 233 do Código Civil:
“A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”.
É uma decorrência do princípio geral de direito, universalmente aplicado, segundo o qual o acessório segue o destino do principal (accessoriumsequitursuumprincipale).O princípio de que “o acessório segue o principal” aplica-se somente às partes integrantes (frutos, produtos e benfeitorias), mas não às pertenças, que não constituem partes integrantes e se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro (CC, art. 93).Desse modo, mesmo inexistindo disposição em contrário, as pertenças, como o mobiliário, por exemplo, não acompanham o imóvel alienado ou desapropriado.
CLASSE DOS BENS ACESSÓRIOS
Na grande classe dos bens acessórios compreendem-se os produtos e os frutos (CC, Art. 95). Produtos são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque não se reproduzem periodicamente, como as pedras e os metais, que se extraem das pedreiras e das minas. Frutos são as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo ou em parte, como os cereais, as frutas das árvores etc.
Os frutos dividem-se, quanto à origem em naturais, industriais e civis. Naturais são os que se desenvolvem e se renovam periodicamente, em virtude da força orgânica da própria natureza, como as frutas das árvores, as crias dos animais etc.Industriais são os que aparecem pela mão do homem, isto é, os que surgem em razão da atuação do homem sobre a natureza, como a produção de uma fábrica. Civis são os rendimentos produzidos pela coisa, em virtude de sua utilização por outrem que não o proprietário, como os juros e os aluguéis.
Quanto ao estado, os frutos classificam-se. Pendentes,enquanto unidos à coisa que os produziu. Percebidos ou colhidos,depois de separados. Estantes, os separados e armazenados ou acondicionados para venda. Percipiendos, os que deviam ser, mas não foram colhidos ou percebidos. Consumidos,os que não existem mais porque foram utilizados.
Também se consideram acessórias todas as benfeitorias, qualquer que seja o seu valor. Necessárias, são as benfeitorias que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore. Úteis,são as benfeitorias as que aumentam ou facilitam o uso do bem (acréscimo de um banheiro ou de uma garagem à casa, p. ex.). Voluptuárias, são as benfeitorias de mero deleite ou recreio (jardins, mirantes, fontes, cascatas artificiais), que não aumentem o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
OBRIGAÇÃO DE ENTREGAR
A obrigação de dar coisa certa é cumprida mediante a entrega da coisa (como na compra e venda) ou restituição (como no comodato).Às vezes, no entanto, a obrigação de dar não é cumprida porque, antes da entrega ou da restituição, a coisa pereceu ou se deteriorou, com culpa ou sem culpa do devedor.Perecimento, significa perda total. Deterioração, perda parcial da coisa.
PERECIMENTO SEM CULPA E COM CULPA DO DEVEDOR
Em caso de perecimento de coisa certa antes da tradição, é preciso verificar, primeiramente, se o fato decorreu de culpa ou não do devedor. Comecemos pelo caso de perda sem culpa do devedor.
Prescreve o art. 234, primeira parte, do Código Civil que, se “a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes”
Extingue-se a obrigação para ambas as partes, que voltam à primitiva situação (statu quo ante). Se o vendedor já recebeu o preço da coisa, deve devolvê-lo ao adquirente, em virtude da extinção do contrato, sofrendo, por conseguinte, o prejuízo decorrente do perecimento. Não está obrigado, porém, a pagar perdas e danos.
Se o perecimento ocorreu pendente condição suspensiva (aprovação em concurso, vencimento de uma disputa,casamento, p. ex.), não se terá adquirido o direito que o ato visa (CC, art. 125), e o devedor suportará o risco da coisa.Quem sofre o prejuízo, havendo perecimento da coisa, sem culpa, é o próprio alienante, pois continua sendo o proprietário, até a tradição (res perit domino). O princípio é reiterado no art. 492 do Código Civil:“Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”.
Havendo perecimento da coisa com culpa do devedor, outra é a solução. A culpaacarreta a responsabilidade pelo pagamento de perdas e danos. Neste caso, tem o credor direito a receber o seu equivalente em dinheiro e não outro objeto semelhante, mais as perdas e danos comprovadas.As perdas e danos compreendem o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, além do que o credor efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar (CC, art. 402).
DETERIORAÇÃO SEM CULPA E COM CULPA DO DEVEDOR
Em caso de deterioração ou perda parcial da coisa também importa saber se houve culpa ou não do devedor.Não havendo culpa, poderá o credor optar por resolver a obrigação, por não lhe interessar receber o bem danificado, voltando as partes, neste caso, ao estado anterior; ouaceitá-lo no estado em que se acha, com abatimento do preço, proporcional à perda.Dispõe, efetivamente, o art. 235 do Código Civil:
“Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu”.
Havendo culpa pela deterioração, poderá o credor optar por resolver a obrigação exigindo o equivalente em dinheiro, ou aceitar a coisa, com abatimento, mas com direito, em qualquer caso, à indenização das perdas e danos comprovados.Observa-se assim que, no geral, sem culpa, resolve-se a obrigação, sendo as partes repostas ao estado anterior, sem perdas e danos. Havendo culpa, estes são devidos perdas e danos, respondendo o culpado, ainda, pelo equivalente em dinheiro da coisa.
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
Caracteriza--se pela existência de coisa alheia em poder do devedor, a quem cumpre devolvê-la ao dono.A obrigação de restituir distingue-se da de dar propriamente dita. A obrigação de dar destina-se a transferir o domínio, que se encontra com o devedor na qualidade de proprietário (o vendedor, no contrato de compra e venda).
Na obrigação de restituir a coisa se acha com o devedor para seu uso, mas pertence ao credor, titular do direito real.Essa diferença vai repercutir na questão dos riscos a que a coisa está sujeita, pois se se perder, sem culpa do devedor, prejudicado será o credor, na condição de dono, segundo a regra res perit domino.
PERECIMENTO SEM CULPA E COM CULPA DO DEVEDOR
Dispõe o art. 238 do Código Civil:
“Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda”.
Na obrigação de restituir coisa certa ao credor, prejudicado será este, na condição de dono. Assim, se o animal objeto de comodato, por exemplo, não puder ser restituído, por ter perecido devido a um raio, resolve-se a obrigação do comodatário, que não terá de pagar perdas e danos, exceto se estiver em mora, quando então responderá pela impossibilidade da prestação mesmo que esta decorra de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso (CC, art. 399).
Suportará a perda, assim, no exemplo dado, o comodante, na qualidade de proprietário da coisa, “ressalvados os seus direitos até o dia da perda” (CC, art. 238, parte final). Por conseguinte, se a coisa emprestada, verbi gratia, gerou frutos, naturais ou civis (como os aluguéis), sem despesa ou trabalho do comodatário, terá aquele direito sobre eles (CC, art. 241).Por sua vez, dispõe o art. 239 do estatuto civil:
“Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos”.
A obrigação de restituir importa a de conservar a coisa e zelar por ela. Deixando de fazê-lo, o devedor sofre as consequências da sua culpa: deve ressarcir o mais completamente possível a diminuição causada ao patrimônio do credor, mediante o pagamento do equivalente em dinheiro do bem perecido, mais as perdas e danos.
DETERIORAÇÃO SEM CULPA E COM CULPA DO DEVEDOR
Estatui o art. 240, primeira parte, do Código Civil que:“se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito a indenização”.
Se a coisa se danificar (perda parcial) sem culpa do devedor (em razão do fortuito e da força maior, p. ex.), suportará o prejuízo o credor, na qualidade de proprietário.No entanto, havendo culpa do devedor na deterioração, “observar-se-á o disposto no art. 239” (CC, art. 240, segunda parte), ou seja, responderá o devedor pelo equivalente em dinheiro, mais perdas e danos.
Em resumo, que o devedor está obrigado a restituir a coisa tal qual a recebeu. Se esta se deteriora sem culpa sua, não pode ele ser responsabilizado pelo prejuízo, sofrido exclusivamente pelo dono, isto é, pelo credor. Se causada a deterioração por culpa do devedor, cabe-lhe suportar as consequências de sua desídia*. Assiste ao credor direito de exigir o equivalente em dinheiro, podendo optar, todavia, pelo recebimento da coisa, no estado em que se achar, acrescido das perdas e danos, num e noutro caso.
 DAS OBRIGAÇÕES PECUNIARIAS 
Obrigação pecuniária é obrigação de entregar dinheiro, ou seja, de solver a dívida em dinheiro. Tem por objeto uma prestação em dinheiro e não uma coisa. É, portanto, espécie particular de obrigação de dar. Preceitua o Art. 315 do CC que: 
 “ as dividas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes”, que prevêem a possibilidade de corrigi-lo monetariamente.

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