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monografia Empunhando lanças em busca de liberdade.

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ELISSANDRA CHUQUEL DE AVILA
ELISSANDRA CHUQUEL DE AVILA
“impunhando lanças em busca da liberdade”
A participação do negro na Revolução de 1835: Massacre de Porongos
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Norte do Paraná - UNOPAR, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Africanidades e Cultura Afro-brasileira.
Orientador: Prof. Maria Angélica Lima Barbosa
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Prof. Orientador
Universidade Norte do Paraná
____________________________________
Prof. Componente da Banca
Universidade Norte do Paraná
____________________________________
Prof. Componente da Banca
Universidade Norte do Paraná
Londrina, _____de ___________de _____.
agradecimentos
	A professora orientadora Maria Angélica Lima Barbosa, que se dispôs prontamente a selecionar matérias que ajudassem a situar-me para delimitação do tema em minha pesquisa.
	A UNOPAR minha casa, onde cursei a graduação em História, e agora está comigo na busca do título de especialista.
	A meu esposo pela compreensão, carinho, paciência durante os momentos que precisei me ausentar.
	Aos meus filhos pela inspiração e amor dedicado, razão de meu empenho.
	
	
Senti o ímpeto guerreiro
 do negro livre paisano
peleando com os brasileiros
ao lado dos castelhanos.
Senti o ímpeto guerreiro
do negro escravo retinto
peleando como lanceiro
na guerra de trinta e cinco.
(Décima do negro peão – fragmentos,
poeta Oliveira Silveira)
AVILA, Elissandra Chuquel de. “IMPUNHANDO LANÇAS EM BUSCA DA LIBERDADE” A participação do negro na revolução de 1835: Massacre de Porongos. 2015. 33 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Africanidades e Cultura Afro-brasileira – Centro de Ciências Empresariais e Sociais Aplicadas, Universidade Norte do Paraná, São Luiz Gonzaga, 2015.
RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar a participação do negro na Guerra dos Farrapos, ocorrida entre 1835 a 1845 na Província de São Pedro, atual Rio Grande do Sul, culminando com o massacre do Cerro de Porongos, batalha entre os soldados imperiais e os farroupilhas em sua maioria negros, ocorrido em novembro de 1844 onde se situa atualmente o município de Pinheiro Machado, relacionado aos eventos econômicos e sociais do período. Para compreender este cenário recorremos aos autores: Raul Carrion, Leticia Marques e Vinícius de Oliveira que dão embasamento ao trabalho sendo os principais autores consultados, pois promovem o estudo sobre a participação do negro de forma marcante nos acontecimentos da revolução.
Palavras-chave: Revolução, Massacre, Porongos, identidade.
SUMÁRIO
81 INTRODUÇÃO	...�
92 DESENVOLVIMENTO	�
2.1 Razões da Guerra................................................................................................	12
3 MASSACRE DO CERRO DE PORONGOS...........................................................	13
3.1 O legado da Revolução........................................................................................	18
3.2 Alguns personagens negros................................................................................	20
3.3 O resgate da Identidade e Cultura Negra............................................................ 26
304 CONSIDERAÇÕES FINAIS	�
31REFERÊNCIAS	�
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InTRODUÇÃO
Houve um tempo em que se afirmava ser a escravidão no Rio Grande do Sul, baixa e numericamente insignificante, e os estudos e produções bibliográficas sobre esse assunto ainda são escassas apesar de ter ocorrido um crescimento considerável a partir de 1980, no entanto, com esse trabalho objetivamos analisar a participação do negro, na guerra dentro do estado do Rio Grande do Sul.
A história local é de suma importância para a construção da identidade de um povo, com esse pensamento procuramos trazer à tona a história dos vencidos, esquecida pela historiografia rio-grandense, que se tratando da Revolução Farroupilha apresenta apenas a elite gaúcha como protagonista de sua história.
Dessa forma buscamos entender a contribuição do negro para a construção da identidade do Rio Grande do Sul, sua intensa participação na revolta dos farroupilhas, procurando assim contribuir com o resgate dessa história, dando ênfase ao massacre do Cerro dos Porongos que é de fato um evento constrangedor para quem afirma ser a Revolução Farroupilha essencialmente, uma revolta de um povo aguerrido, forte, bravo e heroico.
O trabalho pretende apontar como ocorreu o ingresso dos lanceiros no contexto bélico do evento, faz um apanhado da origem da revolta farroupilha e suas razões, ainda traz uma reflexão sobre a controvérsia entre liberdade e escravidão a qual foram submetidos os lanceiros. No entanto o objetivo principal é reconstruir por outro prisma a mesma história, porém observada de outro ângulo, promovendo a valorização do negro gaúcho, campeiro, da identidade negra no Rio Grande do Sul.
Para conhecer a trajetória do negro farroupilha, os principais autores pesquisados foram: Raul Carrion, defensor da tese de massacre e traição por parte do general farrapo Davi Canabarro, Vinícius de Oliveira que prefere se concentrar na participação heroica dos negros na batalha, e Leticia Marques pesquisadora de personagens negros que se destacaram na guerra.
	
2 DESENVOLVIMENTO
A Revolução Farroupilha é sem dúvida um dos assuntos mais discutido e analisado entre os historiadores no Rio Grande do Sul, no entanto a história e contribuição do negro nesse período é pouco estudada, se concentra somente em alguns aspectos da escravidão:
Se existe uma palavra que ainda nos dias de hoje parece acompanhar como uma assombração a questão do negro em geral (e do escravo em particular) na historiografia produzida no Rio Grande do Sul, esta é – invisibilidade. Esta é histórica realidade de uma porção sempre considerável da população brasileira meridional que ambiguamente estava presente nas estatísticas coloniais e imperiais, porém encontrava-se em situação transparente para os historiadores. (MOREIRA; TASSONI, 2007, p. 11).
		Carrion (2014) afirma que desde o início do século passado podemos observar a tentativa de apropriação ideológica da Revolução Farroupilha pela elite gaúcha, mais fortemente pela oligarquia pecuarista através da historiografia tradicional que glorifica os grandes heróis, em detrimento das minorias, que tiveram papel fundamental na guerra:
 (...) através de uma historiografia tradicional – laudatória dos “monarcas das coxilhas” (brancos e ricos) e da “democracia no pampa”(pretensamente sem explorados e exploradores) – idealiza o espírito “libertário” e “emancipador” dos grandes fazendeiros que hegemonizaram a luta pela República, ao mesmo tempo que fecha os olhos para as suas vacilações e contradições frente à escravidão (do que a Traição de Porongos é a expressão mais terrível) e ignora o protagonismo nessa luta dos despossuídos –negros, índios, mestiços e brancos pobres.(CARRION,2014, pg.4).
	
	A história dos Lanceiros negros que se alistaram nas tropas Farroupilhas, de maneira voluntária ou compulsória parece ter começado em abril de 1836, pela invasão de tropas rebeldes à cidade de Pelotas, maior cidade de Charqueadas do período, cerca de 400 a 500 escravos seguiram as tropas farrapas. (OLIVEIRA e CARVALHO, 2010, p. 67). Em 1936 surgiu o primeiro corpo de lanceiros negros, o que leva a crer que os cativos se adaptaram com facilidade as práticas militares. Em conformidade com esse pensamento (DACANAL, 1985), descreve com maiores detalhes esse evento:
Terminada a batalha, os Farrapos armaram cerca de 400 escravos havia caído emsuas mãos, pois sentiam a necessidade de aumentar seu exército, e teriam libertado a todos se os charqueadores não tivessem fugido para Rio Grande levando os que com eles tinham ficado. (...) João Manuel foi o principal promotor do alistamento dos libertos, mestiços errantes e escravos no exército republicano que estava se formando. Alguns meses antes de sua vitória em Pelotas, ele havia organizado unidade de infantaria. (DACANAL, 1985, p.64).
	
	Importa informar aqui que João Manuel de Lima e Silva foi fortemente criticado pela decisão de convocar negros para o alistamento, no entanto o farrapo destacou a bravura dos negros e sua disciplina militar já demonstrada na Bahia e em Pernambuco em 1824. (CARRION, 2008). 
	Os lanceiros Negros se tornaram tão indispensáveis com o passar do tempo que em alguns momentos estima-se que compuseram de um terço a metade das tropas de revoltosos, além de atuarem na frente de batalha, também muitos negros livres, alforriados, juntamente com índios e escravos fugidos do Uruguai trabalharam em setores fundamentais para economia de guerra, sendo tropeiros de gado, trabalhadores na fabricação de pólvora, nas plantações de erva mate e fumo que foram implantadas pelos rebeldes. (LEITMAN, 1985 apud OLIVEIRA E CARVALHO, 2010).
	O recrutamento de escravos ocorria a todo o momento é era incentivado pelos chefes farroupilhas, a promessa de liberdade certamente seduzia os arregimentados escravos e os estimulava à batalha, mas pode ser que não tivessem outra alternativa, ou que a ideia de correr os risco que a guerra oferecia fosse menos dolorosa que permanecer cativo:
Lutar como lanceiro muitas vezes se mostrava como uma alternativa à vida em cativeiro, visto que, para além da miragem da liberdade ao final do conflito, a atuação no campo de batalha oferecia oportunidade de fuga, mesmo que isso implicasse o temor e o medo diário da morte em batalha, situação nada anormal de uma conjuntura belicosa. (OLIVEIRA e CARVALHO, 2010, pg. 69).
	A introdução dos lanceiros na frente de batalha obteve sucesso imediato, principalmente pela disciplina com que os negros lutavam, eram chamados libertos pelos revolucionários assim que ingressavam na guerra, possivelmente para terem um vislumbre da liberdade propriamente dita em suas mentes cativas, mas há que convirmos que essa liberdade estivesse condicionada ao fim da revolução, o relato do italiano Giuseppe Garibaldi sobre a atuação dos lanceiros na guerra farrapa é de extrema relevância para a pesquisa:
Já os terríveis lanceiros (...) todos livres e todos domadores de cavalos, tinham feito um movimento de avanço envolvendo flanco direito do inimigo, que se viu obrigado fazer-lhes frente também pela direita, em desordem. Os valentes libertos, imponentes pela ferocidade, se faziam mais firmes do que nunca, e aquele incomparável pelotão, compostos de escravos alforriados pela República, selecionados entre os mais hábeis domadores da Província, todos negros, exceto os oficiais superiores, parecia uma floresta de lanças. O inimigo jamais tinha visto pelas costas, estes verdadeiros filhos da liberdade, que tão bem combatiam por ela. Suas lanças mais longas que o normal, suas caras negríssimas, suas robustas extremidades, endurecidas pelo constante e fatigante exercício, e sua perfeita disciplina, infundiam terror ao inimigo (GARIBALDI, 1910, pg. 132).
	
	Garibaldi tinha os lanceiros como combatentes de enorme valia para a revolução, seus escritos, porém, são controversos, uma vez que diz serem os negros valentes libertos e em seguida informa que os mesmos lutavam por ela, ou seja, pela própria liberdade.
	Carrion (2008) diz que os negros recrutados em sua maioria pertenciam a região das Serras do Tapes e do Herval na região sul do estado, sendo domadores e campeiros, inicialmente comandados pelo Tenente Coronel Joaquim Pedro Soares, e posteriormente tiveram como chefe o Major Joaquim Teixeira Nunes, eram a tropa de choque do exército farroupilha. Em 31 de agosto de 1838 foi criado o 2º Corpo de Lanceiros com 426 combatentes, evidenciando o importante papel desses indivíduos na causa farroupilha, como ficou registrado no Jornal “O Povo” pertencente aos rebeldes:
Não havendo o Decreto de 21 de abril do corrente ano, que deu nova numeração aos Corpos de Cavalaria de 1ª Linha do Exército, declarada o número em que deverá ficar o Corpo de Lanceiros da mesma Linha, que fora anteriormente criado com o número de Primeiro; e ocorrendo achar-se no Departamento de Missões uma crescida Força também de Lanceiros reunida e organizada com alguns Oficiais, e em estado de se formar outro Corpo desta Arma, que se faz preciso naquele Ponto para sua defesa: (...) Art. 1. º Fica criado o dito Corpo de Lanceiros de primeira Linha naquele Departamento de Missões, que se denominará Segundo; ficando o outro já criado com a mesma numeração que tinha de Primeiro (O POVO, 1838, p. 1).
	Preocupados com a crescente inserção de negros para engrossar as tropas farroupilhas, os imperiais decretaram a “Lei da Chibatada” esta determinava que todo escravo fazendo parte da revolta e sendo preso, deveria receber de 200 a 1000 chibatadas, ao mesmo tempo em que prometiam a alforria aquele escravo rebelde que se entregasse ao exército imperial.
	O exército farroupilha em resposta as determinações do Governo imperial, em 11 de maio de 1839, divulga no Jornal “O Povo” nota assinada pelo Ministro Domingos José de Almeida, onde diz que em obediências as sagradas leis da humanidade o Governo Rio-Grandense passou a libertar os negros cativos que eram aptos no manejo das armas, oficina e colonização (CARRION, 2008), dando indenização aos seus proprietários ou ainda entregando documento com garantias de uma futura recompensa. No decreto dos farroupilhas há sem dúvida a intensão de convencer a população de que apesar de oneroso para a República, a liberdade dos cativos que possuíam as habilidades necessárias para a guerra era antes de tudo um ato de compaixão. Em decorrência dos castigos impostos pelo império, os farrapos apostam em uma resposta a altura contra o Império para poupar os “infelizes” escravos: 
 O Presidente da República para reivindicar os direitos inalienáveis da humanidade, não consentirá que o homem livre rio-grandense, de qualquer cor com que os acidentes da natureza o tenham distinguido, sofra impune e não vingado, o indigno, bárbaro, aviltante e afrontoso tratamento, que lhes prepara o infame Governo Imperial. Em represália à provocação decreta:
Artigo Único: Desde o momento em que houver notícia certa de ter sido açoitado um homem livre de cor a soldo da República, pelo Governo do Brasil, o General Comandante de Exército ou o comandante de qualquer Divisão tirará a sorte entre os oficiais imperiais, de qualquer patente, nossos prisioneiros e fará passar pelas armas aquele oficial que a sorte designar. Domingos José de Almeida. Ministro e Secretário de Estado de Negócios do Interior, Fazenda e Justiça. (O POVO, 1839, p. 274, apud CARRION, 2014).
Dessa forma os lideres farroupilhas asseguravam que os negros não desertassem por temer as resoluções do governo do Brasil, embora não raro, serem aprisionados pelos imperiais.
2.1 Razões da Guerra
	
	O café era o principal produto de exportação brasileiro no inicio do século XIX, os grandes produtores, proprietários escravistas, dominavam e decidiam o destino do país, ficando as províncias mais distantes aos comandos desse grupo centralizado.
	A província de São Pedro tinha a economia voltada para os interesses do governo central, estava baseada na produção de charque para abastecer as escravarias do país:
 Aqui, o peso do centralismo se fazia sentir de diversas maneiras. O presidente da província era nomeado pelo Rio de Janeiro e governava em função dos interesses da aristocracia cafeeira, o que marginalizava, econômica e politicamente, a oligarquia gaúcha. Ao mesmo tempo, os interesses expansionistas do Império transformavam a Província em campo de batalha permanentecontra os vizinhos platinos, com graves prejuízos para a produção rio-grandense. (CARRION, 2014, pg. 7).
	A Guerra Cisplatina (1825 a 1828) fez agravar a insatisfação dos provincianos, pela perda do território uruguaio o qual fornecia gado para as charqueadas, ou pela perda da guerra em si, que era comandada por um não gaúcho (CARRION, 2014), o que ofendeu os brios gaúchos, mais tarde com o término da guerra e o restabelecimento do Uruguai que se fortaleceu, e a antiga província passou a concorrer em condições vantajosas com a produção gaúcha, o Uruguai entrou com seu charque no Brasil pagando apenas impostos de 4% em quanto do charque gaúcho era cobrado cerca de 25%, essa medidas extremamente opressivas contra a província fez crescer a insatisfação das oligarquias gaúchas, além disso:
(...) a política fiscal do Império, além de impor altas taxas sobre o sal – insumo fundamental para a produção do charque – desviava para fora da Província crescentes recursos financeiros, canalizando- os para a economia cafeeira em ascensão. Em 1835, o governo criou diversos novos tributos que exasperaram ainda mais os rio-grandenses – como o imposto sobre légua quadrada de pastagem, sobre esporas, estribos e o rum. A tudo isso se somou o derrame de moedas falsas de cobre na Província, gerando um clima de desconfiança em relação às autoridades centrais. (CARRION, 2014, pg.8).
	Estava formada a conjuntura para a revolta farroupilha, nesse período, não somente o Rio Grande do Sul estava insatisfeito com o governo Imperial, como podemos observar eclodir várias revoltas nas províncias periféricas brasileiras. Confederação do Equador (1824), a Balaiada (1830), a Cabanagem (1835), a Sabinada (1837) e as Rebeliões Liberais de São Paulo e Minas Gerais (1842). (CARRION, 2014). 
A maçonaria teve um papel decisivo na revolta farroupilha assim como nas outras revoltas que ocorreram pelo país, a difusão dos ideais do liberalismo trouxeram novo folego a classe dominante elitista gaúcha, que se dizia oprimida. No liberalismo, movimento burguês que prega a liberdade econômica, política e igualdade entre os homens, mais concretamente, não passam de dominação do capital, nessa ideologia importada da Europa os farroupilhas buscaram legitimar seus atos contra o Governo Regencial. 
	
3 MASSACRE DO CERRO DE PORONGOS
	
	A alforria foi usada intensamente como moeda de troca entre farroupilhas e negros cativos, mas apesar disso, a questão da abolição sempre foi controversa entre os lideres da revolução. Na Assembleia Constituinte Mariano de Mattos, que era abolicionista, apresentou projeto que abolia a escravidão semelhante ao que fora feito no mais novo país independente (Uruguai) apoiado pela maioria, formada por Bento Gonçalves, Mariano de Mattos, Domingos José de Almeida, Antônio de Souza Neto e outros lideres republicanos, porém foram duramente criticados pela minoria, entre estes Davi Canabarro, Onofre Pires, liderados por Vicente da Fontoura:
É de saber-se que numa das sessões, José Mariano, como representante e definidor dos princípios a que se atinham os fiéis de Bento Gonçalves, apresentou à assembléia um projeto que abolia o cativeiro, semelhante ao que se fizera no vizinho Uruguai. Pois bem, assistiu a extremado e nefando espetáculo. A minoria, acaudilhada por Antônio Vicente opôs-se, irredutível e fera, deixando-nos patente, este, com a sua costumeira, penalizadora truculência, as frágeis razões em que se apoiava, para obstar a "liberdade geral dos escravos". Merece apontado o triste aranzel, visto como se presta, em maneira extremamente esclarecedora, para atestar a que móveis se prendiam os gestos e feitos da oposição, na generalidade dos casos. No "Diário" que estava escrevendo, em determinada altura Antônio Vicente alude a este episódio parlamentar: depois de referir-se "à alma vil e fraca do mulato José Mariano" e "ao mofino Bento", "dois demônios", "desprezados por todo homem decente", assevera que o plano emancipador apresentado por "esse mulato", "em plena assembléia", tinha "o fim sinistro de tudo confundir para, no inicio da geral consternação, roubar-nos mais amplamente e evadir-se para o pais vizinho. (VARELA,1933, p. 16).
	Com a divisão ideológica dos rebeldes e o esgotamento dos recursos bélicos, humanos e econômicos, não restava muito aos farroupilhas que negociar a paz, segundo (LEITMAN, 1979), o Império mostrava-se contrario a conceder liberdade aos escravos rebeldes, o que poderia por em risco os patamares em que estava assentada a sociedade escravocrata, como também possibilitar que os rebeldes com ampla experiência militar apropriados de ideologias políticas libertárias pudessem convencer outros escravos a rebelar-se contra a estrutura social vigente. Por outro lado não lhes dar a liberdade poderia levar os escravos a incitarem insurreições, bem como promoverem fugas em massa para o Uruguai onde a escravidão já havia sido abolida. (OLIVEIRA e CARVALHO, 2010). 
	Em 14 de novembro de 1844, tropas imperiais, comandadas pelo Coronel Francisco Pedro de Abreu, conhecido pelo codinome de Moringue, atacaram o acampamento farrapo em especial o Corpo de Lanceiros Negros, liderados por Teixeira Nunes e pelo General Davi Canabarro que acampava próximo ao Cerro de Porongos, atual município de Pinheiro Machado. Cerca de 100 soldados foram mortos e outros tantos foram aprisionados pelos imperiais. Anos mais tarde, por conta da divulgação de uma correspondência enviada pelo Barão de Caxias, Presidente da Província do Rio Grande do Sul ao Coronel Francisco Pedro de Abreu, o conteúdo da suposta carta revelaria um acordo prévio entre Caxias e Canabarro (OLIVEIRA e CARVALHO, 2010), visando acabar com o empasse abolicionista que dificultava o acordo de paz. A correspondência informava a Moringue onde, o dia e o horário para o ataque, apontando que os negros estariam desarmados pelos seus lideres. A polêmica foi levantada por Domingos José de Almeida o qual afirma ter visto a carta original:
Reservadíssimo.
Ilmo. Sr. Regule V. As. Suas marchas de maneira que no dia 14 às 2 horas da madrugada possa atacar a força ao mando de Canabarro, que estará nesse dia no cerro dos Porongos. Não se descuide de mandar bombear o lugar do acampamento de dia, devendo ficar bem certo de que ele há de passar a noite nesse mesmo acampamento. Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito poupe o sangue brasileiro quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação junta é das pessoas a quem deve dar escápula se por casualidade caírem prisioneiras. Não receie da infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um Ministro e de seu General-em-chefe para entregar o cartuchame sobre [sic] pretexto de desconfiança dela. Se Canabarro ou Lucas, que são os únicos que sabem de tudo, forem prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos, pois V. Sa. Bem deve conhecer a gravidade deste secreto negócio que nos levará em poucos dias ao fim da revolta desta Província. Se por acaso cair prisioneiro um cirurgião ou boticário de Santa Catarina, Casado, não lhe reviste a sua bagagem e nem consinta que ninguém lhe toque, pois com ela deve estar a de Canabarro. Se por fatalidade não puder alcançar o lugar que lhe indico no dia 14, às horas marcadas, deverá diferir o ataque para o dia 15, às mesmas horas, ficando bem certo de que neste caso o acampamento estará mudado um quarto de légua mais ou menos por essas imediações em que estiverem no dia 14. Se o portador chegar a tempo de que esta importante empresa se possa efetuar, V. S.a lhe dará 6 onças, pois ele promete-me entregar em suas mãos este ofício até as 4 horas da tarde do dia 11do corrente. Além de tudoquanto lhe digo nesta ocasião, já V. As. Deverá estar bem ao fato das coisas pelo meu ofício de 28 de outubro e por isso julgo que o bote será aproveitado desta vez. Todo o segredo é indispensável nesta ocasião e eu confio no seu zelo e discernimento que não abusará deste importante segredo.
Deus vos guarde a V. Sa. Quartel-general da Presidência e do Comando-em-chefe do Exército em marcha nas imediações de Bagé, 9 de novembro de 1844.
Barão de Caxias.
Sr. Coronel Francisco Pedro de Abreu, Comandante da 8ª Brigada do Exército.
Reservadíssima de Caxias. (AHRS, VARELA, 1983)
		
	De acordo com Monteiro (2011) a Carta é contestada por historiadores defensores de Canabarro que apresentam uma visão mítica dos combatentes farroupilhas assegurando ser uma correspondência forjada por Moringue, porém os relatos de Manuel Aves da Silva Caldeira reforçam a ideia de traição:
Manuel Alves da Silva Caldeira, que serviu quase toda a revolução no 1º Corpo de Lanceiros de Linha, deixou longos relatórios sobre o movimento armado, contestando autores de trabalhos históricos como Tristão de Alencar Araripe, Assis Brasil e Alfredo Ferreira Rodrigues. É o que consta numa carta dirigida ao autor Moacyr Flores [...] “Araripe diz que Canabarro foi surpreendido nos Porongos. Assis Brasil, navegando nas aguas do batel do Araripe, diz o mesmo, e o Sr. Alfredo Ferreira Rodrigues também segue a opinião deles inocentando Canabarro pela traição que fez em Porongos. Forjem os documentos que quiserem para defender Canabarro que não Conseguirão Salvá-lo ( MONTEIRO, 2005, pg. 16).
	
	 Segundo Carrion, o autor da coletânea de ofícios de Caxias ao analisar a justificativa de Ferreira Rodrigues publicada em 1950, pela Imprensa Militar, no Rio de Janeiro, afirma: 
(...) “a defesa de A. F. Rodrigues de Canabarro me parece fraca. Julgo o documento legítimo, pois Francisco Pedro não teria nenhuma conveniência em divulgar um documento que lhe tiraria todas as honras de uma estrondosa vitória, como julgada a surpresa de Porongos” (WIEDERSPAHN, 1980,Apud Carrion, 2008, pg. 23). 
	Se munindo de maior quantidade de provas o autor ainda cita os Arquivos Históricos do Rio Grande do Sul como forma de contestar a defesa de Canabarro:
Da mesma forma, o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul publicou a íntegra da carta de Caxias a Chico Pedro, sem colocar em dúvida, em qualquer momento, a sua autenticidade. Quanto a nós, pudemos ter em mãos e examinar pessoalmente o referido documento, que está guardada no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Coleção Varela, Caixa 6, Maço 22, documento CV-3730. ( CARRION, 2008, pg. 25).
	 Leitman (1985) acordando com Carrion, diz que Caxias confiava na ascensão pelo ouro, com poder ilimitado, e verbas avolumadas poderia fazer um acordo com David Canabarro para terminar a guerra, resolveram destruir parte do exército. Canabarro cumpriu sua parte no acordo e separou os negros farrapos de sua força principal, isolados e desarmados os negros farrapos lutaram heroicamente antes de serem subjugados pelos imperiais. Os negros farrapos haviam sofrido um grande revés. Oitenta de cada cem mortos no campo de batalha eram negros. (LEITMAN, 1985 apud CARRION, 2008, pg. 23).
	Manuel Alves Caldeira anos depois realizará uma declaração estarrecedora, segundo ele Canabarro fora avisado da chegada das tropas de Moringue, porque este havia acampado atrás da Estância de D. Manoela, que era irmã do General Neto, esta teria mandado avisar Canabarro da proximidade dos imperiais, porém em resposta Canabarro disse ao mensageiro que marchasse para sua casa e não andasse espalhando essa noticia aterradora:
Também deu ordem ao quartel-mestre para recolher o cartuchame de infantaria e carrega-lo em cargueiros (...) para serem distribuídos quando aparecesse o inimigo (...) Moringue (...) antes de clarear o dia estendeu a cavalaria em linha na frente do acampamento e mandou tocar a alvorada. Canabarro ouvindo o toque da alvorada montou a cavalo com seu estado maior e passou o arroio do dito passo e apresentou-se a frente da força de João Antônio, o que estava furioso por ver a matança que o inimigo fazia em seus companheiros de armas sem socorrê-los por Canabarro não consentir. Canabarro ficou naquele dia nos campos de Porongos e pernoitou e no outro dia marchou serenamente para o campo do Contato, ficando Neto derrotado completamente por causa do péssimo terreno escolhido, a (propósito), por Canabarro. (WIEDERSPAHN,1980 apud CARRION 2008, pg.23).
	De fato a batalha de Porongos é um marco na Revolução Farroupilha, aquela noite foi descrita por Carrion (2008) como uma chacina, o circo dos horrores onde os farrapos surpreendidos por imperiais em local estratégico ficam aterrorizados, porém os bravos lanceiros lutam heroicamente até serem aniquilados pelos soldados imperiais:
Um esquadrão de 40 homens [...] cai de chofre sobre o exército desprevenido [...] Correm os soldados de todos os pontos, atônitos e assombrados, enquanto embalde procuram alguns oficiais organizar as fileiras. – É o Moringue! É o Moringue! É o grito de todas as bocas. A onda humana, que se espalhou em várias direções, tentava ganhar distância para se refazer [...] Mas eis que a onda se despedaça de encontro a uma barreira inesperada. É o próprio Chico Pedro que, emboscado com o grosso de suas forças, esperava o resultado do ataque para surgir pela frente dos que fogem. A situação é terrível. Os farrapos, passado o primeiro momento de estupor, cobram ânimo e dispõe-se a morrer lutando. Teixeira, o bravo dos bravos, cujo denodo assombrou um dia ao próprio Garibaldi, reúne os seus lanceiros, o 4º regimento de linha e alguns esquadrões afrouxam, mas os imperiais se multiplicam, surgem de todos os pontos. Segunda carga, mais impetuosa, mais desesperada, é também repelida. É este o sinal da debandada geral. [...] Apenas alguns grupos mantém-se resistindo e neles o combate se trava a arma branca. Tombam os lanceiros negros de Teixeira, brigando um contra vinte, num esforço incomparável de heroísmo [...] é uma carnificina sem nome, um desbarato completo. Um pouco mais e toda resistência se abate. (CARRION, 2008, pg.21).
	
	Pegos de surpresa e em situação de total desvantagem, os lanceiros conseguem reunir forças e a maioria deles morre lutando, nem a fuga era uma opção viável diante do cerco estratégico de Moringue que em sua investida tirânica, reduziu a nada o exército de Teixeira Nunes.
3.1 O legado da Revolução	
	Apesar de em 1840 ter ocorrido uma tentativa de paz, o impasse a respeito da escravidão foi decisiva para que o confronto continuasse. Bento Gonçalves teria exigido a liberdade dos negros que estavam a serviço dos farrapos como primeira proposta, mas não obteve êxito, a guerra continuaria, pois não poderiam entregar a escravidão aquele homens que lutaram na América, mais tarde, após o fim da revolução General Portinho lamentaria não ter a República tomado outra medida. A República nunca proclamou a liberdade da escravatura (o que foi um erro); se a tivesse proclamado poderia formar um exército de libertos de mais de 6.000 homens porque na Província os havia. (CARRION, 2014, pg. 21).
	A constituição da República do Rio Grande não especifica em seu texto, referência à abolição, porém segundo Carrion (2014), o artigo 5º permitia em tese incluir os ex- escravos, assim cidadãos seriam:
1º - Todos os homens livres nascidos no território da República. 2º - Todos os brasileiros que habitavam no território da República desde o memorável dia 20 de Setembro de 1835, e têm prestado serviços à causa da revolução ou da independência, com intenção de pertencer à nação riograndense. (...) 5º - Todos os estrangeiros que têm combatido ou combaterem, na presente guerra da independência, contanto que residam dentro do país e tenham a intenção de fixar nele seu domicílio.(CARRION, 2014,pg. 22).
	
	O periódico “O Povo” que era o principal canal entre os farroupilhas e a população rio-grandense, em publicação respondendoa um leitor de Arroio Grande propõe que a escravidão é algo desumano, bárbaro, escandaloso, e que o contrabando é algo ignóbil e indigno do século XIX, amaldiçoado por Deus, e pelos homens, deve ser uma prática banida para todo sempre, concordando que aquele momento todos os jornais já publicavam textos negativos e em desaprovação ao tráfico, e que o remédio viria mais tarde através da implantação total da Republica rio-grandense.( CARRION, 2014). Esse pensamento Utópico descrito no jornal confronta-se com os vários anúncios de venda de escravos que o próprio “O Povo” publicava:	
13.07.1839, p. 4 
No dia 2 do corrente fugiu a Joaquim Pereira de Borba um escravo de nação, bem falante, de nome João, estatura regular, corpo reforçado, terá de idade pouco mais ou menos 26 anos, tem um dos pés, no dedo grande, uma cicatriz; levou vestido uma jaqueta de pano azul, calças de pano mescla e camisa de algodão. Quem o agarrar terá o prêmio de seu trabalho.
27.11.1839, p. 4. Há 15 dias fugiu da cidade de Piratini, um pardo de nome Silvestre, se o não mudou, estatura regular, magro, beiços pintados, tem uma cicatriz na extremidade da garganta procedida de um ferimento por ele praticado em ação de querer suicidar-se, da idade de 40 ano pouco mais ou menos, pouca barba, sabe ler e escrever; levou um chapéu de pelo branco bastante usado, poncho de lã de riscado e calças da mesma fazenda, vai em sua companha um menino de 16 anos, cor trigueira sem ponta de barba, nariz grande, tem a perna direita mais curta que a esquerda procedido de ter o osso da coxa vergado; quem tiver notícia do dito mulato ou o prender, pode entregar em Caçapava a Antônio Belarmino Ribeiro, ou nesta cidade ao seu senhor, Domingos Antônio Peres, que receberá boas alvíssaras. O mesmo declara que o menino pode seguir livremente o seu destino. (VOLGT, 2014, pg.164).
	
	O jornal O Povo foi um impresso na linha de frente da resistência farroupilha com função tanto militar com boletins de batalhas quanto política de manutenção da ideologia liberal (VOGT, 2014). Curiosamente a compra da prensa e dos equipamentos necessários para a execução do trabalho foi adquirida com a venda de 17 escravos, propriedade do Ministro Domingos José de Almeida.
A controvérsia entorno da Revolução vão além das páginas dos jornais farroupilhas, com a partilha dos bens de Bento Gonçalves por ocasião de sua morte em 1847, há registros de que ele tenha deixado 33 escravos que viviam na Estância do Cristal, em Camaquã, Vogt (2014) descreve como foram avaliados:
a) Bens Móveis: 567$000, o equivalente a 0,98% do total. b) Escravos: 28:050$000, o equivalente a 48,56% do total. c) Animais: 12:933$600, o equivalente a 22,39% do total. d) Bens de raiz: 16:210$360, o equivalente a 28,06% do total. Por esses dados, fica patente que o maior patrimônio deixado como herança por Bento Gonçalves não era constituído pela terra nem pelo gado. Eram seus escravos. (VOLGT, 2014, pg. 163).
	O inventário de Antônio Vicente da Fontoura deixou 19 escravos, José Gomes Jardim através de seu inventário deixou 47 escravos como herança. O próprio Domingos José de Almeida era proprietário de escravos, durante toda a Revolução, em carta do estancieiro Antônio José Gonçalves Chaves, que por ocasião da Guerra transferira sua propriedade para o Uruguai, este ficara responsável pelos cativos do amigo Almeida:
Os seus escravos vão bem: somente o Manuel carpinteiro se portou turbulentamente e danificou um dos outros, por isso o mandei por em ferros. O meu estabelecimento vai progredindo [...] Desde hoje por diante me servirá como de presídio, tanto para os meus quanto para os seus escravos, por ser lugar bastante isolado [...]. (VOLGT, 2014, pg. 162). 
	De acordo com Flores (2004), a conservação de escravos, alugados para o estancieiro Chaves destinava-se ao sustento do próprio Almeida, em 1843 Almeida relatou ao juiz interino de Alegrete que possuía ao inicio da Revolução 84 escravos em sua Charqueada localizada no Arroio Pelotas:
Seu plantel era composto então de 24 carneadores, 6 salgadores, 15 graxeiros e graxeiras, 4 campeiros, 5 tripeiros, 1 marceneiro, 2 carpinteiros, 1 pedreiro, 1 boleeiro, 1 alfaiate, 2 carreteiros, 5 serventes, 5 marinheiros, 4 escravas de serviços da casa. Possuía, ainda 8 crias, cuja idade variava entre 2 e 10 anos (VOLGT, 2014, pg. 162).
	Nem todos os Farroupilhas eram donos de escravos, importa dizer que mesmo diante de um evento abolicionista, alguns republicanos nunca deixaram, ou não se desfizeram dos cativos, os quais manteriam até o fim de sua vida.
3.2 Alguns personagens negros
	A história da participação dos negros na Revolução Farroupilha, não traz muitas informações sobre sua vida antes de chegarem ao Rio Grande do Sul, ou suas expectativas e esperança frente ao advento da guerra. O que sabemos é que lutavam em troca de liberdade, e que esta estava condicionada ao término da revolução, através de Oliveira e Carvalho (2010) podemos conhecer a história de Francisco Cabina, um africano que lutou no Corpo de Lanceiros do Exército Farroupilha.
	A trajetória de Cabina ficou conhecida porque ele fora capturado e levado a Casa da Correição no Rio de Janeiro, para prestar depoimento, sobre sua existência:
Francisco residia em Piratini e como muitos outros escravos da redondeza, serviu na guerra como soldado, aliás, lanceiro. Nada de novo transcorria na vida de Francisco se não fosse a guerra afetar a vida e o dia a dia da província sulina há alguns anos. Enquanto as tropas de Antônio de Souza Netto e do Major Teixeira Nunes se aproximava da localidade, rumo a mais uma das batalhas ocorridas no decênio belicoso e a procura de pessoas dispostas (ou não!) a lutarem nas fileiras rebeldes, Francisco trabalhava nas lavouras de seu amo, proprietário de algumas terras na cidade de Canguçu. Foi assim que a história de Francisco, da guerra farrapa e dos lanceiros negros se cruzaram gerando uma rica história (...). (OLIVEIRA e CARVALHO, 2010, pg. 63).
	Francisco foi cedido aos farrapos por seu amo, para integrar as tropas rebeldes, também juntamente com ele foi cedido o escravo Antônio, depois de serem incorporados às tropas, foram levados a casa de um irmão de Bento Gonçalves, onde seriam informados que lutando no exército farroupilha receberiam a liberdade.
	Não havia necessidade dos escravos serem convencidos a lutar, porque a barganha já acontecera entre os farroupilhas e seu amo, no entanto, não interessava aos farroupilhas apenas um soldado, mas sim um soldado que lutasse motivado, e nada motivava mais que a promessa de liberdade (OLIVEIRA e CARVALHO, 2010). Na ocasião Cabina encontrava-se alugado para este senhor de Canguçu, sua senhora vivia no Uruguai, é possível que possuísse propriedades nos dois lados da fronteira, este negócio minimizou as possíveis perdas do senhor em canguçu levando em conta ceder algo que não possuía de fato. Na circunstância do recrutamento de Cabina ele já contava com 60 anos de idade, possivelmente seu amo o considerasse dispensável, por conta de sua idade avançada.
	Após permanecer por algum tempo no exército farroupilha, foi dispensado junto com seus companheiros de tropa pelo oficial responsável que alegava não possuir dinheiro para pagar seus soldos, em função disso, disse a todos os escravos que “estavam livres”, tendo os mesmos recebido “papéis” individuais.( OLIVEIRA e CARVALHO, 2010). Em seguida Francisco foi incorporado no exército do General Oribe, e lutou em diversas batalhas no Uruguai, possivelmente por conhecer o território uruguaio, tenha se tornado um soldado de destaque.
	Francisco após alguns anos de combate adoeceu e foi internado em um hospital de Montevidéu, quando o Cônsul brasileiro toma conhecimento de sua existência e o manda para a Corte do Rio de Janeiro como escravo, onde foi interrogado:
Impossível não ficarmos encantados com a história deste africano que sobreviveu ao tráfico atlântico, viveu por alguns anos como escravo em uma estância da campanha sulina(...) tornou-se soldado lanceiro aos 60 anos ( sabe-se que para a população cativa a expectativa de vida é curta), lutou por 2 anos e meio entre tropas farrapas e uruguaias e sobreviveu as contingência de duas sangrentas guerras. De tudo isso lhe restou a experiência de soldado (...) as marcas pelo corpo( estava inválido quando chegou ao Rio de Janeiro) e um pedaço de papel que conservou consigo junto ao corpo qual um relicário: sua carta de alforria(OLIVEIRA e CARVALHO, 2010, pg. 65)
	
	 Outro relato que podemos observar nos escritos de (OLIVEIRA e Carvalho, 2010) é a história do escravo José de origem angolana, que lutou no exército farroupilha e desertou em 1837, em seu depoimento ele afirmava que a maioria branca havia desertado, a infantaria seria composta de negros, uns com armas outros com lanças.
	A história de Cabina e José é um esforço, da nova geração de historiadores, que traz à tona a trajetória dos vencidos, por minorado se seja esse relato, comparado ao de grandes heróis farroupilhas, alguns com biografias publicadas, representa a mudança dos paradigmas da historiografia, trazendo a visibilidade esses personagens ocultos da história rio-grandense.
	Quanto as lideranças farrapas podemos destacar Domingos José de Almeida e José Mariano de Matos, estes seriam mulatos, descendentes de africanos, quanto ao primeiro, a historiografia não chegou a um consenso se seria mesmo mulato ou apenas moreno claro, o que é comum aos brasileiros ou até mesmo aos portugueses, a mais pura cepa lusitana (SPALDING, 1987).No entanto sobre sua influência frente as questões da província podemos observar:
Ao rebentar a Revolução Farroupilha, a 20 de setembro de 1835, Domingos Jose de Almeida era um dos mais prósperos industriais do tassalho e do charque no Rio Grande do Sul, e um dos homens mais cultos de Pelotas, consultado e ouvido a todo instante, por todos. (SPALDING, 1987, pg.65).
	Almeida ascendeu a importantes cargos durante a revolução, foi Ministro da Fazenda e logo após Ministro do Interior, assim, foi através da rede de relações sociais na qual Almeida estava associado, que colaborou para o acesso a posições então consideradas privilegiadas, pelas quais ele sempre ambicionou. ( MARQUES, 2012). Não esquecendo seu casamento com Bernardina Rodrigues Barcellos em 1824, de família rica e influente, o que proporcionou que ele se tornasse prospero charqueador.
	De acordo com Marques (2012), Almeida morreu esquecido pela província, apesar de ter lutado por melhorias politicas, e prestado serviços de inegável relevância, somente seus filhos choraram sua morte, alguns amigos e companheiros da revolução.
	Ao contrario de Almeida, José Mariano de Mattos após o término da revolução conseguiu manter uma posição de prestígio sendo que conseguiu se tornar Ministro da Monarquia embora tenha lutado contra esta. (CUNHA, 1902, apud MARQUES, 2012, pg. 9). Nasceu no Rio de Janeiro em 1801, teve sua ascensão social e politica por conta de seu ingresso no exército, em 1869 ocupou o posto de Brigadeiro:
A historiografia, sempre trabalhou a figura de José Mariano de Matos de uma forma bastante breve e um pouco genérica, mesmo ciente dos importantes cargos por ele ocupados junto ao movimento farrapo. Nomeado Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro por serviços militares prestados na Guerra da Independência, Matos chegou a região sul como Major em 1830. Ocupando o posto de Sargento-mor, Comandante do 1º Corpo de Artilharia do movimento farroupilha. (MARQUES, 2012, pg. 9).
	Em sua carreira militar nas forças rebeldes Mattos foi Ministro da Guerra, Marinha e Exterior, Vice-Presidente da República Rio-Grandense e Presidente substituto de Bento Gonçalves entre 1838 e 1841. 
	 Marques (2012) apresenta nas cartas ou diário de Antônio Vicente da Fontoura a descrição dos eventos farrapos e da atuação de José Mariano de Mattos por uma ótica etnocêntrica, a saber, a visão do próprio Fontoura.
Dentre os personagens que são referidos nestas correspondências, José Marianno de Mattos ganhou destaque em algumas cartas de Fontoura. Deixando evidente a sua antipatia e o seu desgosto pela posição ocupada por Mattos no movimento, Fontoura fez referências diretas à cor de sua pele, como forma de ataque, ao tentar diminuir a força política e ideológica do então Ministro. (MARQUES, 2012).
	Antônio Vicente da Fontoura não esconde em sua correspondências com sua esposa a insatisfação frente à liderança de Mattos, seu incomodo com a posição privilegiada de José Mariano, as ideologias políticas que se confrontavam frequentemente evidencia-se em uma das correspondências:
[...] Esqueci-me de dizer-te que também chegou aqui na arribação o mulato José Marianno, e este malvado não cessa de zombar da boa fé de nossos camponeses, impingindo-lhes um carolismo excessivo com respeito a maçonaria que tanto ele tem alvitado. (FONTOURA, 1984, p.38 apud MARQUES, 2012)
	Como a maioria da liderança farroupilha, José Mariano era Maçom, o que o colocava em posição de influir na maneira de outros pensarem, e estreitava laços com outros membros igualmente influentes. Em outra correspondência Fontoura escreve: “[...] Este maldito mulato, mais falso que Judas, mais inepto que Sardanapalo, teve em 1835 a diabólica habilidade de acender o facho da guerra civil em nossa querida pátria”. (MARQUES, 2012, pg. 161). Fontoura esta ciente do poder e da influência exercida por José Mariano, em outra correspondência datada do dia 03 de março de 1844, critica as ações de Mattos, deixa transparecer o quanto despreza o Oficial, e ao se referir a Mattos, Fontoura em muitas ocasiões não deixa de referir-se a sua cor:
No entanto, ás margens aspérrimas do Quaraim vimos ter, pisando por tanta pedra, das quais um só terço bastava para piorar o nosso estado de cavalhadas; mas é preciso a conferência de vital interesse porque assim o diz o mulato José Mariano que, ao lado do velho José Gomes, governa de fato o país; e o general em chefe, que é tão bravo em frente ao inimigo, também acompanha o farrancho e tem a sua hora de mansinho. Maldito mulato, que a tantos engana! (FONTOURA, 1984, p.52, apud MARQUES, 2012, pg. 162).
	
	Através dessas cartas podemos observar a visão etnocêntrica de Fontoura que evidentemente não concordava com a alta posição ocupada por Mattos, as cartas certamente era um desabafo à sua esposa, impregnadas de preconceito e resignação, pois de todo modo Fontoura havia de se submeter aos altos comandos militares, no entanto, estar em posição inferior a de um mulato (como na ocasião em que José Mariano assumiu a presidência), em uma revolução que nunca aboliu a escravidão, era no mínimo uma situação incômoda ao funcionário da República. Podemos concluir que como era para Fontoura, possivelmente a posição de Mattos incomodava outros farroupilhas, as relações sociais do período não permitiam que descendentes de escravos ocupassem cargos políticos, o que torna a história de José Mariano de Mattos ainda mais fascinante.
	Dentre alguns dos personagens negros do período farroupilha está o Maestro Joaquim Mendanha, autor da música do Hino Rio-grandense, sua história se cruzou com a dos farroupilhas por conta de um incidente, pois Mendanha era músico do exército Imperial, nasceu em 1800 no estado de Minas Gerais, transferiu-se para o Rio de Janeiro e alistou-se como músico em um corpo de infantaria do Império. Foi em 1937 com o 2º Batalhão a Província de Rio Grande de São Pedro, que se envolveu em batalha contra os farroupilhas. Marques (2014) apresenta um fragmento com os escritos de Caxias, onde este descreve a atuação do Maestro frente a um confronto onde suscitou muitas mortes dos oficiais do governo brasileiro: 
[...] no desastroso combate de Rio Pardo em que elle abandonando os instrumentos de sua profissão, logo que principiou o combate, armou a todos os seus companheiros, e com elles combateo ao lado do seu digno chefe o Coronel Guilherme Jose Lisboa até que tendo sucumbido o dito Coronel e decidindo-sea Victoria por parte dos rebeldes, quando os officiaes e soldados tinhão acabado de entregar as suas armas e que estavão sendo inaltados pelos rebeldes os cadáveres dos officiaes do Exercito Imperial que jazião sobre o campo do combate, elle teve a audácia de se dirigir, diretamente ao General rebelde e de lhe pedir licença para enterrar o seu chefe, com todas as honras fúnebres, que correspondião a sua patente e valor, e foi tal o desembaraço, que isto praticou que os mesmos rebeldes consentirão, e elle com a sua banda de musica, e a sua custa, fez o enterro de seu chefe com todas as formalidades da Igreja [...] (MARQUES, 2014, pg. 1177).
	Ficando prisioneiro dos farrapos, Mendanha passou a acompanhar os farroupilhas em eventos políticos, como no descrito no periódico “O Povo” quando por ocasião da mudança da capital, apresentou-se com sua banda, nesse célebre evento.
	Segundo Spalding (1987) a vida do Maestro se resumia a música, e:
Foi esta música, por se ter conservado, que deu celebridade a Joaquim José Mendanha. Não fosse isso, em virtude de sua modéstia, talvez jamais seu nome fosse recordado, pois, conforme dissemos tudo quanto compôs se perdeu ou perdeu sua identidade ao cair em domínio público, passando para o campo do folclore. (SPALDING, 1987, p. 146).
	Marques (2014) diz que “interessante de analisarmos é que a cor atribuída a Mendanha, não o impossibilitava de exercer e ascender dentro do caminho da música” porque além de talentoso o Maestro possuía relações de amizade, que o beneficiavam de alguma forma, entre estas, com o Duque de Caxias que era homem influente nos assuntos do império.
	A trajetória do Maestro evidencia o que podemos chamar de assim como no caso de José Mariano de Mattos, exceções ou controversas que tendem a resistir em meio a uma sociedade escravocrata, no caso de Mendanha o seu talento inegável o fez destacar-se, mas sua história talvez não fosse lembrada se não por sua amizade com Duque de Caxias e seu encontro com os farrapos. José Mariano casou-se com uma herdeira, além é claro de ser membro da Maçonaria, que influenciou toda ação farroupilha. Michel Foucault descreve essa situação, como dos nossos personagens negros, destinados a não deixar rastros, porém se tornam reais através do seu encontro com o poder, o qual sem esse choque não restaria nenhuma palavra para recordar-nos sua fugaz trajetória. (FOUCAULT. 1992).
3.4 O Resgate da Identidade e da Cultura Negra
	
	O Massacre do Cerro de Porongos ficou esquecido por muito tempo, foi somente na década de 1970, quando as minorias começam manifestar-se no país que a polêmica entorno do assunto toma maior fôlego, através dos movimentos negros e dos textos acadêmicos com novas abordagens. No município de Pinheiro Machado, no ano de 2004 com advento dos 160 anos da batalha, ocorre o evento intitulado “Nossos heróis não morreram”. Carvalho (s/d) descreve a comemoração:
Este foi organizado pela Comissão Memorial Lanceiros Negros – composta pelo Ministério da Cultura/Fundação Cultural Palmares, governo do Estado/Secretaria da Cultura, Prefeitura Municipal de Pinheiro Machado, Movimento Negro Unificado, entre outras entidades. (CARVALHO, s/d, pg.32).
	
	No ano de 2004, foi colocada uma pedra que servirá de base à futura edificação e publicado um protocolo de intenções para a realização de um concurso nacional para a escolha do artista que a produzirá esse monumento (CARVALHO, s/d), as comemorações em torno do dia 14 de novembro vêm se intensificando desde então, com vários eventos envolvendo a comunidade local e as associações dos movimentos negros no Rio Grande do Sul.
 	 A partir das mobilizações do movimento negro, e por um contexto político ampliado pelas novas emendas principalmente na educação, que traz a obrigatoriedade do ensino da História dos africanos e seus descendentes, submerge a questão da identidade e valoração da diversidade em torno da formação do Brasil. Uma tentativa de resgatar a História dos Lanceiros, invisível outrora, pelos recortes historiográficos que enalteciam a elite oligárquica de etnia branca, onde os negros eram apenas coadjuvantes desse evento: 
A invisibilidade pode ocorrer no âmbito individual, coletivo, nas ações institucionais, oficiais e nos textos científicos. Não implica dizer que a diversidade não é vista, mas que é tida como inexistente. Trata-se de um mecanismo de negação do outro, muitas vezes inconsciente, que produz e reproduz a discriminação e o preconceito (LEITE, 1996).
Ainda Carvalho salienta que por decorrência da comemoração pode constatar que os políticos de diferentes esferas, evidenciaram em seus discursos a importância do evento para exploração do turismo local, não levando em conta o valor histórico, ou o seu significado para o negro no Rio Grande do Sul, e a forma que se relaciona com o contexto Interétnico em nosso estado. 
	Cristian Jobi Salaini é um dos integrantes do projeto que visa a execução do INRC (Inventário Nacional de Referências Culturais) realizado pelo IPHAN (Instituto Patrimônio Histórico Nacional) segundo ele o acontecimento que envolve Porongos, tem sido tema dos Movimentos Tradicionalista e Movimento Negro Gaúcho, os quais de forma distinta procuram trazer a visualização social da temática acerca dos lanceiros. No caso do movimento negro, a questão sempre girou em torno do reconhecimento dos negros enquanto protagonistas de momentos fundamentais da história local (SALAINI, 2006).
	No ano de 1996 o MTG (Movimento Tradicional Gaúcho) 	fixou um marco em homenagem aos Lanceiros Negros, a beira da estrada que leva ao Cerro do Porongos. A iniciativa desejava levar a “Chama Crioula” em vários locais que tivessem algum significado para os Rio-Grandenses, no mesmo ano um piquete em Pinheiro Machado organizou uma apresentação com o tema “ Lanceiros Negros” durante o desfile de 20 de setembro. Sobre as manifestações culturais acerca de Porongos e do Negro Gaúcho:
Nas instalações do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, é possível encontrar “manequins” de lanceiros negros que estariam utilizando indumentárias de guerra típicas da época. Ainda, o tema tem aparecido frequentemente nos festivais musicais do estado desde a década de 80. Como exemplo, podemos citar: “Os Lanceiros Negros”, composta por Newton Bastos e Dilan Camargo; “O Negro de trinta e cinco”, composta por José Rufino Aguiar e Clóvis de Souza; Parte, tendo em vista um “reposicionamento” dos lanceiros negros na questão, podemos citar o poeta e escritor Oliveira Ferreira da Silveira. Sua produção conhecida em relação ao tema: poemeto “Décima do negro peão”, escrito em 1970 e publicado em 1974; livro “Pêlo escuro” de 1977 contêm os poemas “Carga de Lança” e “Ao negro Guerreiro”; Revista Tição n.2, na qual o poeta foi editor/redator. Esta revista apresenta o poema “O negro em armas do sul” que, conforme relata o poeta, foi redigido com base nos trabalhos de Cláudio Moreira Bento e Guilhermino César. (SALAINI, 2006, pg. 45).
	O autor também aponta para a participação de Oliveira Silveira como idealizador do dia da Consciência Negra, data emblemática da comunidade negra, o 20 de novembro faz alusão à morte de Zumbi do Palmares e se tornou oficial na década de 1970, foi incorporado por diversos segmentos da sociedade entre eles o educativo, sendo comemoradas e realizadas atividades afins na Semana da Consciência Negra que se tornou oficial através da lei 10639 de 2003.
	 A cidade de Caçapava do Sul nas proximidades de Porongos, conta com o “Grupo Cultural Lanceiros Negros” fundadores do CTG “Negro Clareira da Mata”, o qual participou da Minissérie da Rede Globo “Casa das Sete Mulheres”(2003). Em entrevista ao historiador Cristian Jobi Salaini e sua equipe:
	
O grupo enfatizou, durante a entrevista, temas diversos, como a indumentária dos lanceiros negros, a participação do grupo em outros eventos e a cavalgada que ocorreu de Caçapava do Sul até Pinheiro Machado, Cerro de Porongos, no dia 6 de outubro de 2005. Essa cavalgadalevou uma “chama crioula” até o Cerro de Porongos. Os integrantes enfatizaram muito esta cavalgada, enfatizando o “sentimento” e a “emoção” sentida ao “encenar” os lanceiros negros surgindo no Cerro de Porongos.(SALAINI, 2006).
	
	No âmbito artísticos também podemos contar com o grupo Raízes d`África, que frequentemente faz exposições sobre a etnia negra. Segundo Salaini, o grupo participou de projeto desenvolvido pela Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, parceria com Carmen Amora, representante do “Espaço Diversidade Afro” no ano de 2005. O objetivo do projeto era levar às escolas das capitais farroupilhas a história do massacre através de aulas acompanhadas da apresentação de telas que retratam o evento de Porongos. (SALAINI, 2006). O projeto contou com a presença do pintor Ney Ortiz, do ator Sirmar Antunes e do carnavalesco de samba Guaraci Feijó.
	
	Salaini apresenta a fala do líder do Movimento Negro de Pinheiro Machado:
Parte de minha vida foi dedicada à comunidade de negros,aos clubes de negros de Pinheiro Machado. Antes as pessoas diziam que nós 102 estávamos querendo ressuscitar coisas que não existem [Porongos] . Agora despertou. No início nos vinculamos na história do Zumbi, na história do negro escravo...mas o Cerro de Porongos foi, talvez, o cenário mais importante da guerra dos farrapos. Não só por Porongos, mas pelo tratado que ocorreu ali [tratado de Ponche Verde]...mas não eram só os negros. Brancos também nós acreditamos que faziam parte dos lanceiros (...) a cada ano, cada dia que se faz um evento, nós evocamos Porongos. Não adianta só debater com quem contesta. Deve haver peças teatrais, uma competição cultural, a gente deve fazer nossas montagens em nome da história que acreditamos verdadeira (Benoni, 09/10/2005. SALAINI, 2006, pg. 103).
	
	Observamos um esforço dos remanescentes descendentes de escravos e da comunidade local em resgatar a história dos “Lanceiros Negros”, a busca do desenrolar da história local por uma visão de baixo, a história dos vencidos, das minorias étnicas, revela o esforço dessas comunidades e desses indivíduos que procuram dar novo sentido aos eventos que envolveram os negros no Brasil, se tornando parte integrante dessa história. 
	Esses esforços tomam sentido quando podemos observar, no âmbito educacional a emenda da LDB através da Lei 10639 de 2003, que torna obrigatório o ensino da Historia da África e Cultura Afro-brasileira. De acordo com Maria Clara Machado:
 A Lei nº 10.639/2003 acrescentou à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dois artigos: 26-A e 79-B. O primeiro estabelece o ensino sobre cultura e história afro-brasileiras e especifica que o ensino deve privilegiar o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. O mesmo artigo ainda determina que tais conteúdos devem ser ministrados dentro do currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, literatura e história brasileiras. Já o artigo 79-B inclui no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. (MACHADO, 2007).
	Dessa forma se vê plantada a semente que pode germinar no caminho de uma sociedade mais igualitária. Obviamente que os resultados através da educação são lentos e dependem de se formar nos educadores a mentalidade acerca da importância e a urgência dessas temáticas, no entanto, esperando que o pensamento coletivo seja construído, os resultados tomam forma e evoluem para a formação de cidadãos conscientes da diversidade étnica existente no país e suas particularidades, uma vez que a comunidade negra começa a conquistar seu espaço na sociedade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
	O Massacre do Cerro dos Porongos suscita muitos debates, no entanto, nossa pretensão antes de levantar polêmica acerca de traição ou surpresa, almejou resgatar a história do negro como personagem fundamental na história do Rio Grande do Sul, a saber, sua participação marcante na Revolução Farroupilha. Procuramos assim, ao final desprender da figura do caudilho, do homem branco pertencente à elite rio-grandense o protagonismo desse evento.
	No entanto as dificuldades de encontrar documentos e artigos acerca dos personagens negros dificultaram de alguma forma nossa pesquisa, todavia, procuramos focar nossa atenção à luta desse povo, que foram convidados ou forçados a ingressar no exército farroupilha, seduzidos pela promessa de liberdade, a qual lhes foi covardemente negada. As condições econômicas motivaram os farroupilhas a empreenderem uma ofensiva contra o império, talvez a falta de escolha fizesse com que os escravos se lançassem nessa batalha, decididos a morrer em campo de batalha, a voltarem a sua antiga condição. 
	A cena histórica sobre o Rio Grande do Sul está mudando, com o empreendimento de grupos decididos a resgatá-la. Há muitos artigos acadêmicos sobre Porongos, também iniciativas governamentais para o enfoque da questão do negro, impulsionada pelos grupos organizados para esta retomada histórica. Como apontado anteriormente esperamos que em breve, as escolas e universidades adotem esses novos métodos históricos, para formação de indivíduos com olhar diferenciado, voltados para o desenvolvimento de novas temáticas históricas.
REFERÊNCIAS
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS), Coleção Varela. em Porto Alegre. Publicado nos Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1983, v. 7, p. 30-31.
CARRION, Raul. Mais Longa Revolta Republicana Enfrentada pelo império centralizador escravocrata. Assembleia Legislativa. Estado do Rio Grande do Sul. 6ª edição. 2014.
CARRION, Raul. Os lanceiros negros na Revolução Farroupilha. Assembleia Legislativa. Estado do Rio Grande do Sul. 2008.
CARVALHO. Ana Paula Comin, O memorial dos lanceiros negros: disputas simbólicas, configurações de identidades e relações interétnicas no Sul do Brasil.Disponível em :http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/view/1018/ 1214. Acesso em 13/07/2015.
CARVALHO. Ana Paula Comin. O que um inventário de referências culturais poderá dizer? Os desafios da atuação dos antropólogos nos processos de mapeamento, identificação e registro do patrimônio cultural das populações afro-brasileiras. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs /index.php/ campos/article /view/ 22375/14697. Acesso em 15/07/2015.
FLORES, Moacyr. Modelo político dos farrapos: as ideias políticas da revolução farroupilha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
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Sistema de Ensino Presencial Conectado
Africanidades e cultura afro-brasileira
ELISSANDRA CHUQUEL DE AVILA
“impunhando lanças em busca da liberdade”
A participação do negro na Revolução de 1835: Massacre de Porongos
São Luiz Gonzaga
2015
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