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Dunas, grupos ceramistas exploraçao recursos: hipóteses para a ocupaçao na praia de Flecheiras, em Trairi - CE

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REVISTA TARAIRIÚ – ISSN 2179-8168 
 
Campina Grande - PB, Ano VI – Vol.1 - Número 12 – Agosto de 2016 178 
 
 
 
DUNAS, GRUPOS CERAMISTAS E EXPLORAÇÃO DE RECURSOS: 
HIPÓTESES PARA A OCUPAÇÃO NA PRAIA DE FLECHEIRAS, EM 
TRAIRI - CE 
 
 
 
 
 
 
Everaldo G. DOURADO1 
Jenilton F. SANTOS2 
Ligia R. HOLANDA3 
Jefferson Lima dos SANTOS4 
José E. de SOUSA5 
 
 
 
 
1
 Mestre em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe e Historiador, Pesquisador no Grupo de 
Estudos e Pesquisa em Patrimônio e Memória (GEPPM/ História/ UFC). everaldogomesd@gmail.com 
2
 Doutor e Professor Adjunto do Departamento de Arqueologia e do Programa de Pós-graduação em 
Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe – Campus Laranjeiras (PROARQ/ UFS). 
ferreiraton@yahoo.com.br 
3
 Mestranda no Programa Interdisciplinar em História e Letras da Universidade Estadual do Ceará (MILH/ 
UECE). ligiarholanda@gmail.com 
4
 Doutor e Professor Assistente no Departamento de Geologia da Universidade Federal do Ceará – Campus 
do Pici (UFC). jeffgeologia@yahoo.com.br 
5
 Historiador e Técnico em Agrimensura no Laboratório de Topografia da Universidade de Fortaleza 
(UNIFOR). dudelimar@yahoo.com.br 
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DUNAS, GRUPOS CERAMISTAS E EXPLORAÇÃO DE RECURSOS: 
HIPÓTESES PARA A OCUPAÇÃO NA PRAIA DE FLECHEIRAS, EM 
TRAIRI – CE 
 
 
RESUMO 
Na praia de Flecheiras, no município de Trairi – CE, quatro sítios arqueológicos 
foram identificados. Todos estão inseridos em ambiente dunar, contendo 
cerâmicas ligadas a Tradição Tupiguarani e Cabocla, além da presença de líticos, 
restos de conchas, resinas, faianças e vidros. Através de estudos sobre a região, 
tais como, o contexto arqueológico e etnohistórico, a caracterização ambiental, 
análise arqueológica espacial e da cultura material, foi possível identificar 
possíveis áreas de captação de recursos, o que revela uma íntima relação entre 
os grupos que habitaram Flecheiras e o ambiente litorâneo. A partir dessa 
pesquisa esperamos contribuir para os estudos referentes à Arqueologia do 
litoral cearense. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Praia de Flecheiras, áreas de captação de recursos, 
litoral do Ceará 
 
 
ABSTRACT 
On the beach Flecheiras, in the municipality of Trairi – CE, four archaeological 
sites were identified. All are set in dune environment, containing ceramics 
linked to tradition Tupiguarani and Cabocla, besides the presence of lytic, shells 
remains, resins, faience and glasses. Through studies of the region, such as the 
archaeological and ethnohistorical context, environmental characterization, 
spatial archaeological analysis and material culture, it was possible to identify 
possible fundraising areas, which reveals an intimate relationship between the 
group that inhabited Flecheiras and the coastal environment. From this 
research we hope to contribute to the studies on the archeology of Ceará. 
 
KEY WORDS: Flecheiras Beach, fundraising areas, coast of Ceará 
 
 
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O trabalho por hora exposto é apenas uma parte que integra a dissertação 
intitulada “Modos de habitabilidade dos grupos ceramistas: dispersão e 
dinâmica dunar na praia de Flecheiras, em Trairi, no Ceará” defendida em 2015, 
no Programa de Pós-graduação em Arqueologia da Universidade Federal de 
Sergipe e que contou com a concessão de bolsa de estudos da Fundação de 
Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC) e 
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 
A literatura arqueológica brasileira tem dedicado atenção aos povos que 
habitaram o litoral brasileiro, neste sentido, Tenório (2000), afirma que os 
caçadores-coletores-pescadores holocênicos surgiram em meados da última 
grande mudança climática que ao tornar o planeta quente e úmido favoreceu a 
formação de novos ambientes. Diante de uma maior diversidade de recursos 
esses grupos assentaram-se próximo a lagoas e rios, onde promoviam a caça e a 
pesca de pequenos animais, coleta de frutos e também de moluscos que 
habitavam esses corpos d’água. 
 Na costa do Ceará são identificados inúmeros sítios arqueológicos pré-
coloniais e históricos, resultantes da densa ocupação ocorrida na região em 
tempos pretéritos, por grupos ligados a pesca, coleta e agricultura, perpassando 
pelos colonizadores europeus, até a atualidade. Ainda há poucas produções 
acadêmicas, no que diz respeito aos estudos arqueológicos sobre as ocupações 
no litoral cearense, apesar da vasta quantidade de sítios já registrados por conta 
de achados fortuitos e em decorrência do uso da costa para a construção de 
empreendimentos diversos. Os sítios Trairi I, Trairi II, Trairi III e Trairi IV 
foram identificados durante a realização de um projeto de Arqueologia 
Preventiva na localidade de Flecheiras, tendo em vista a longa distância e a 
proteção natural em que se encontravam da área de impacto da obra, apenas 
Trairi IV que seria atingido, passou pelo salvamento arqueológico. 
O principal objetivo dessa pesquisa é o de compreender as razões para a 
implantação desses sítios nas dunas da praia de Flecheiras, através de uma 
análise espacial em uma macroescala, abrangendo um estudo sobre os sítios e o 
bioma em que estão inseridos, com dados ambientais, espaciais, arqueológicos e 
etnohistóricos. 
 
 
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O ESPAÇO GEOGRÁFICO E SEUS RECURSOS 
 
A compreensão do meio ambiente é também um dos aspectos 
importantes para o entendimento da cultura, pois é na condição de adaptação a 
natureza que os grupos humanos promovem o equilíbrio no sistema 
(JOHNSON, 2000), por essa razão destacamos como fundamental os aspectos 
ambientais do litoral trairiense e dessa forma compreendermos parte das razões 
que motivaram a ocupação daquela faixa de praia. Salientamos que para fins 
dessa publicação não nos compete ainda analisarmos aspectos simbólicos que 
possam ter motivado a escolha de Flecheiras para o estabelecimento de seus 
assentamentos em dunas. 
 
Figura Nº 01: Localização do município de Trari, no Ceará. Elaborado por Jefferson 
Lima, 2015. 
 
 
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O município de Trairi tem por limites ao norte o oceano Atlântico, ao sul 
o município de São Luís do Curú e Tururu, a leste o município de Paraipaba e o 
rio Trairi e a oeste o município de Itapipoca e o rio Mundaú. Suas coordenadas 
são 3°16’40” latitude S e 39°16”08” longitude W (Figura Nº 01). 
Atualmente o clima nessa faixa costeira é definido, segundo a 
classificação de Köppen, como Equatorial Úmido e Semiúmido, com chuvas no 
verão e até 6 meses de estiagem. As temperaturas médias estão entre 25º e 27º. 
O regime pluviométrico, assim como em todo o semiárido, tem atividade 
intensa entre os meses de fevereiro a maio, e com pluviosidade em média de 
1.137,5 mm (AMBIENTAL, 2011). Essas alterações climáticas são explicadas em 
função das alterações na Zona de Convergência Intertropical – ZCIT no Ceará, 
as massas de ar úmido se concentram principalmente apenas no primeiro 
semestre do ano. Enquanto que no período seguinte, com o deslocamento de 
ZCIT para o Hemisfério Norte, por ação do fenômeno El Niño, o último passa a 
agir no litoral cearense (CLAUDINO-SALES, 2007). 
Sobre a hidrografia, tendo em vista que o município possui como 
divisores naturais, nos limitesleste e oeste, uma destacada rede de drenagem, a 
região insere-se no domínio hidrográfico dos rios Trairi e Mundaú, sendo 
classificada como a Bacia do Litoral. Entre esses cursos de água existe a 
presença de nascentes implantadas dentro da faixa de dunas fixas e alimentadas 
pelo lençol freático de água doce que existe sob elas. Essas drenagens podem 
variar de extensão e volume durante o período chuvoso e apenas algumas se 
mantêm perene mesmo no período de estiagem. Exemplo disso é o córrego 
Estrela, que desemboca na praia de Flecheiras, e sempre possui água segundo os 
moradores do entorno. Essa drenagem em especial, recebeu maior atenção por 
ter em sua margem o sítio Trairi I, assim como a proximidade aos demais sítios 
da praia de Flecheiras. Outro exemplo de drenagem é a que se localizada na 
praia de Emboca e está a 6 km de Flecheiras, ali encontramos uma fonte da qual 
a comunidade se utilizava há tempos atrás para coleta de argila e assim 
construir telhas e tijolos. 
Ainda relacionado à rede de drenagens existe um elemento ambiental 
muito importante no ecossistema marinho, os corais. Identificamos na foz do 
córrego Estrela, na praia de Flecheiras, a presença desse componente do sistema 
marinho, no qual inúmeras famílias ainda praticam a mariscagem. 
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Em termos geológicos Trairi apresenta associações litológicas do Pré-
Cambriano ao recente. Seu embasamento cristalino, com rochas mais antigas, 
está localizado apenas ao sul/sudeste do município e é pertencente ao Complexo 
Nordestino, nessa porção verificam-se gnaisses paraderivados de idade 
neoproterozóica (migmatitos, xistos e calcissilicáticas). O restante do território é 
composto por terrenos cenozóicos da Formação Barreiras e sedimentos 
holocênicos de origem marinha, tais como os eolianitos, as dunas fixas e móveis. 
Nesse último estão inseridos os sítios cujas dunas podem ser datadas de 1.200 a 
400 A.P., são móveis e estão capeando gerações de dunas mais antigas e 
terrenos dos tabuleiros, obstruindo as drenagens costeiras e desembocaduras 
fluviais. Pesquisas indicam que a taxa de migração dunar na praia de Flecheiras 
pode chegar a 17m/ano (CARVALHO et al, 2006), o que indica não só uma 
intensa variação geomorfológica como também da paisagem arqueológica, pois 
a grande maioria dos sítios trabalhados nessa pesquisa foram impactados em 
maior ou menor grau pela dinâmica dunar. 
Em meio às dunas móveis ocorrem depressões interdunares, e durante os 
meses mais chuvosos, em alguns casos, podem ser cobertas por água, formando 
lagoas interdunares. As depressões desenvolvem-se na interface entre o topo da 
Formação Barreiras e das dunas, facilitando a acumulação de seixos e 
sedimentos de maior granulometria. Ressaltamos que foi nesse segmento 
geomorfológico que encontramos grande parte dos sítios sob dunas na praia de 
Flecheiras. 
A Formação Barreiras resulta, a nível global, de um processo de 
sedimentação ocorrido através do escoamento de detritos e sedimentos pelos 
rios e outros corpos fluviais a partir da erosão ocorrida nas rochas do interior do 
continente, provavelmente ocorrida entre o Terciário Superior e o Quaternário 
Inferior, ou seja, entre 5 - 4 ma (ARAI, 2006), recobrindo as depressões 
litorâneas e por conseguinte as rochas cristalinas. Sua composição apresenta 
sedimentos areno-argilosos e silto-argilosos com leitos arenosos 
conglomeráticos e seixos, sendo constituída por grãos de quartzo que variam de 
finos a grossos. No caso dos sítios Trairi II, III e IV, a Formação Barreiras 
também serve como marcador das áreas vestigiais. 
As propriedades de uso dessa formação geológica vão para além do que o 
pesquisador poderia concluir, pois a comunidade do distrito de Flecheiras lhe 
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atribui novos sentidos de uso. Segundo moradores, em alguns locais onde a 
formação está exposta, entre eles uma jazida a poucos quilômetros dos sítios, 
essa também serviria como sedimento para a construção de habitações, 
procedimento amplamente utilizado por várias comunidades litorâneas e que 
remonta várias gerações. Em alguns casos, diferente da comunidade de 
Flecheiras, pode por em risco a conservação de sítios arqueológicos. A 
composição do sedimento de cor alaranjada também pode indicar uso para 
criação de pigmentos e na composição de utensílios cerâmicos, fato que ainda 
deve ser verificado através de estudos apropriados. 
 
O CONTEXTO ETNOHISTÓRICO E ARQUEOLÓGICO NO LITORAL 
DE TRAIRI 
 
Percebendo o espaço como tendo uma relação intrínseca com a sociedade 
de cada momento histórico, é precípuo o confronto de informações referentes à 
cultura como dados referentes à subsistência, de controle e apropriação do 
entorno pelo homem bem como as relações entre as comunidades presentes na 
área de estudo. Esses grupos passam por transformações culturais decorrentes 
da acomodação ao meio recente ou já modificado, pela troca cultural com outros 
grupos e/ou mesmo pela dinâmica da cultura interna (MEDEIROS, 2002). 
 Nossa área de pesquisa é delimitado pelos rios Mundaú e Trairi, havendo 
ainda o córrego Estrela que é o acidente geográfico mais próximo dos sítios 
arqueológicos em questão, cuja localização coincide com o que foi descrito por 
Pompeu Sobrinho com a nomenclatura de Tatajuba que designava “uma ponta 
bordada de recifes no distrito de Trairi (…) É fácil identificar a antiga ponta da 
Tatajuba com a atual ponta das Flecheiras. J. Blaeu fá-la figurar no mapa que 
organizou em 1649 entre o Rio Mondahug [Mundaú] e o Taraira [Trairi]” (1945, 
p.204). Quanto ao topônimo, uma das explicações apontadas pelo autor é de 
que ela se referia a um vegetal (Maclosia tinctoria) da qual se produzia uma 
tinta vivamente amarela. Paulino Nogueira também fez referência a esse 
vegetal, apontando que seu comércio foi tão intenso que no ano de 1835 a lei 
provincial n 6 de 17 de maio, instituiu o imposto de “50 réis por arroba deste 
páu no acto da exportação” (1887, p.413). Existem ainda referências sobre a 
comercialização de uma resina que produz tinta amarela, conhecida como 
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âmbar gris. O Pe. Ivo D' Evreux (1929) elucida que era bastante comum 
encontrar grandes blocos desta resina nas praias e que os tupis a chamavam de 
piraputy que significava “excremento de peixe”, pois eles acreditavam que a 
resina era originada a partir dos excrementos de baleias, explicação contestada 
pelos franceses que acreditavam ser ela de origem vegetal. Ela era comumente 
empregada no fabrico de tintura amarela e por isso atraiu comerciantes que “já 
ao declinar do século XVI, ousavam perlustrar, acompanhados de pequenas 
escoltas de nativos mansos, as nossas praias, à cata do precioso âmbar gris, 
producto intensamente procurado dos mercados de além -mar” (STUDART 
FILHO, 1937, p. 15). A coleta desse artigo também foi registrada pelo Pe. 
Figueira na “Relação d Maranhão” (1903, p. 100). 
 Curiosamente, nos sítios Trairi II e III foram encontrados fragmentos de 
uma resina com coloração amarelada, em ambos os casos foi possível identificar 
ação antrópica nesses vestígios, pois em um deles havia marcas de retirada em 
espiral, enquanto o outro foi verificado junto a um bloco rochoso possivelmente 
usado como suporte para fragmentação da resina, podendo indicar que ali era 
realizada parte do processamento desse material. Apenas após análises 
específicas poderemos confirmar a origem dessaresina verificada in loco. 
 Na Relação d Maranhão (FIGUEIRA, 1903) ainda é citada as vias de 
comunicação do Ceará colonial e, nesse trajeto, demonstrou o quanto já em 
início do século XVI havia uma intensa movimentação na faixa litorânea que 
ligava o Ceará ao Maranhão, ali incursionavam tanto grupos indígenas diversos, 
quanto padres Jesuítas em missão e expedições oficiais da coroa portuguesa, 
piratas franceses e aventureiros portugueses que costumavam comercializar 
com os índios também o âmbar gris. Este percurso, nomeado “Estrada Velha” 
foi, portanto, desde cedo estratégico para o avanço da empresa colonial 
(STUDART FILHO, 1937). 
A partir do quadro esboçado por Studart Filho (1962;1963), podemos 
elencar na região do litoral oeste cearense incluindo a área em que hoje está 
situado o município do Trairí, a presença de índios de filiação Tupi, Tremembé, 
Tarairiú e outros de filiação duvidosa, dentre eles os Jaguaribaras, Jaguaruanas 
e Anacés. Sem perder de vista que muitos desses povos empreenderam longos 
percursos até se consolidarem em um determinado espaço, estabelecendo 
relações conflitivas ou não com outros povos, o que poderia justificar a presença 
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de vestígios materiais de grupos diversos em um mesmo espaço. Além disso, as 
informações consideradas pelo autor ao esboçar tal quadro remontam a uma 
dinâmica territorial mais recente, datada do período colonial. 
Em Trairi, as margens do rio Mundaú, encontram-se os sítios Mundaú I a 
V, implantados entre dunas móveis e lagoas interdunares. As pesquisas 
realizadas por Marques (2013) nesses sítios indicam a presença de cerâmicas do 
tipo Tupiguarani, com forma globular e na borda ocorre a presença de furo, o 
engobo branco com resquício de pintura vermelha, provavelmente sua função 
estaria ligada a armazenar líquidos. Ocorre também a cerâmica do tipo Cabocla, 
acordeladas ou manufaturadas por torno, sem decoração, podendo estar 
relacionada ao ato de cozinhar. A forma que prepondera é a semiglobular, 
quando pequenas possuem bordas com entalhes ou nas formas maiores a borda 
pode ser reforçada e apresenta alças ou botões para segurar, em ambos os casos 
indicam o uso para cozimentos. Também foram encontradas bases planas como 
pratos e bojos cuja forma do vasilhame é semiglobular, em ambas o engobo 
pode ser vermelho. Em todos os casos havia como antiplástico cacos moídos, 
areia fina (componentes principais) e quartzo triturado. O lítico encontrado tem 
como matéria-prima mais abundante o quartzo e silexito (verificados em leitos 
de rios da região) e apresenta artefatos cujas formas variam de lascas e 
microlascas, até percutores e núcleos pouco utilizados. Todos esses dados 
denotam assentamentos de uma ocupação de curta duração e retratam bem a 
dinâmica de movimentação dos grupos ao longo da costa, além da diversidade 
de vestígios que pode denotar a presença de vários grupos ou uma variação 
cultural bem acentuada na mesma comunidade. 
Os Jaguaribaras foram citados em vários documentos coloniais como 
aliados dos portugueses no combate a outras etnias, estes foram aldeados em 
1694 por Fernão Carrilho no Parnamirim, então situada entre a embocadura do 
rio Curu e São Gonçalo, e as fontes dão a entender que mesmo sendo aliados, 
mantinham uma relação tensa com os portugueses que temiam a sua 
belicosidade e grande população. Os Jaguaribaras se distribuíam pelas terras 
que iam da margem esquerda do rio Choró, ao rio Mundaú até a serra de 
Baturité. Já os Jaguaruanas habitavam os territórios demarcados pelos rios 
Curu e Acaraú. A este grupo pertenciam ainda os Anacés que viviam entre as 
fragas da serra da Uruburetama e faixas litorâneas próximas. Este grupo 
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também é citado nas crônicas como avesso à colonização constituindo “uma das 
mais poderosas tribos do Ceará”, (STUDART FILHO, 1963). Além de viverem 
em guerra com outras etnias, são citadas nos confrontos aos portugueses. 
O referido documento, além de nos ajudar a visualizar a dinâmica de 
apaziguamento dos conflitos entre os grupos, remete a dinâmica de 
deslocamentos, ou descimentos, comuns aos aldeamentos, no qual os grupos 
eram transferidos de territórios como uma estratégia de desarticulação política. 
Os povos tupis, aqui estavam representados pelos grupos Potiguares e 
Tabajaras e, segundo a historiografia, a sua presença em territórios cearenses 
remonta a meados do século XVI, provavelmente impulsionados pela expansão 
do processo colonizador. Os Potiguaras se distribuíam na região do Jaguaribe e, 
mais recentemente na faixa litorânea que se estende no sentido Oeste do rio 
Ceará. Já os Tabajaras, ocupavam a serra da Ibiapaba, com incursões pelas 
faixas litorâneas próximas. 
Studart (1962) afirma que os Potiguaras chegaram ao Ceará vindos das 
capitanias do Rio Grande e da Paraíba, onde o grupo se dividiu e parte se aliou 
aos portugueses e outra parte veio ao Ceará relutando em subjugar-se. Seu 
movimento de expansão pelo território cearense foi impulsionado pelo 
acirramento dos conflitos com os colonizadores. Os registros documentais 
apontam que os Potiguaras estavam nas imediações do rio Jaguaribe e, em 1603 
tiveram contato com os portugueses da expedição comandada por Pero Coelho 
que foi marcada pela violência contra os indígenas, onde vários foram mortos ou 
aprisionados para fazer escravos. Deste conflito, no qual os índios foram 
brutalmente acometidos, resultou em um movimento de dispersão pela faixa 
litorânea a oeste. 
Figueira (1603), cita algumas aldeias no seu percurso, como a do Algodão 
nas proximidades do rio Curu e a do Cobra Azul, situada entre este e o rio 
Aracatiaçu, ou seja, nas imediações do Trairi. Foi na aldeia de Cobra Azul que o 
padre buscou abrigo após o seu grupo ter sofrido o ataque dos índios Tocarijus, 
no qual foi morto o padre Francisco Pinto. O relato deste período é revelador de 
vários aspectos da vida naquela aldeia, que estava distante do mar cerce de uma 
légua. Estes índios mantinham roças de milho e mandioca, mas sofriam 
constantemente os efeitos das estiagens e do ataque de insetos e outras pragas 
que comprometiam a produtividade. Além desses gêneros, sua alimentação 
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também era composta por frutos colhidos na região, pela caça de pequenos 
animais e pela pesca. A última atividade é citada pelo clérigo em diversas 
situações, o que denota ser bastante presente no cotidiano da aldeia. Ele mesmo 
relata que passou vinte e um dias morando com outros índios em uma “chossa” 
construída próximo ao mar, no qual podiam com maior comodidade se dedicar 
a pesca. 
Nobre (2013) analisou os sítios arqueológicos Boa Esperança e Aldeia do 
Trairi (próximos à sede do município) que se situam a aproximadamente 500 m 
um do outro e implantados sobre dunas fixas retrabalhadas por ação antrópica. 
Os sítios apresentaram similaridades tecnológicas na análise cerâmica, onde foi 
percebido que a pasta predominante apresenta em sua composição cacos 
moídos e bolos de argila e apenas em alguns casos ocorriam o uso de areia. 
Nesse caso o antiplástico pode indicar uma ocupação mais duradoura já que os 
vasilhames eram reutilizados, além disso, como as técnicas de manufatura mais 
recorrentes foram o anelado e roletado, onde a última era usada em utensílios 
maiores o que levaria mais dias para a produção, isso reforçaria a ideia de 
permanência no local. Outro aspecto consideradofoi à similaridade na 
morfologia dos vasilhames, com bordas reforçadas externamente e diretas, além 
de incisas, presença de alisamento interno e externo, nesse último um banho 
recobriria o corrugado. Esses utensílios foram classificados, em sua maioria, 
como panelas e em menor quantidade assadores e tigelas. Entre os aspectos 
decorativos destaca-se a presença de banho no engobo em branco, além de 
pinturas geométricas em vermelho e que também possuem uma similaridade 
entre os sítios. Em Boa Esperança, a partir da dispersão vestigial em superfície 
onde essa estaria concentrada nas periferias indicando que a área de 
convivência central passava por limpezas enquanto nas extremidades ocorreria 
a produção de utensílios; a presença de pequenas manchas orgânicas em 
subsuperfície foi relacionada a atividades de preparo e consumo de alimentos 
em habitações. Sobre a dieta alimentar do grupo, foram encontrados raros 
fragmentos malacológicos, podendo indicar um consumo relacionado a pesca 
e/ou agricultura, tendo em vista o sítio esta localizado a 500m do rio Trairi, 
oferecendo potencial para ambas as atividades. Esses dados corelacionados, 
segundo o autor, configuram Boa Esperança como o centro habitacional de uma 
aldeia filiada aos grupos tupis. Enquanto em Aldeia do Trairi se destinaria a um 
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espaço de armazenamento de utensílios relacionados ao preparo e consumo da 
mandioca e de peixes (armazenar, assar e servir). Os resultados dessa análise 
arqueológica coincidem com as descrições historiográficas para aldeias Tupis da 
região, tal qual a do Cobra Azul, indicada por Figueira (1603), na “Relação do 
Maranhão”. 
Além dos aspectos já elucidados, a Relação do Maranhão nos possibilita a 
percepção do quanto o território em questão era densamente povoado por 
etnias diversas, que estabeleciam contatos, conflitantes ou não, entre si, e o 
quanto esses grupos realizaram deslocamentos a fim de fugir do julgo 
colonizador, havendo um acirramento dos conflitos entre etnias a partir desses 
deslocamentos e as consequentes disputas pelo território. 
Os Tarairius, grupo que pode ser dividido entre Canindés, Paiacus, 
Panatis, Jenipapos, Aperiús, Reriús, Camaçus, Janduíns, Javós, Quitariús, 
Quixêlos, Quixerariús, Tocariús e, Jenipapoacus, foram apontados por vários 
cronistas como sendo nômades, vivendo a vagar por vastas áreas sem levar 
consigo muitos objetos, entretanto há que se considerar que eles empreenderam 
grandes resistências aos colonizadores e aos grupos que se aliaram a empresa 
colonial vivendo, portanto, em constante guerra, fator que certamente 
influenciaria o seu modo de vida e cultura material (STUDART FILHO, 1962). 
Possuíam cerâmicas e redes e em seus territórios, segundo Studart, foram 
encontrados vasos polidos em diadoríto. Os Tarairiús se espalhavam pelos 
sertões do Ceará, no entanto existem registros de que esse grupo costumava 
incursionar pelas terras litorâneas formando manchas demográficas em 
territórios ocupados por outras etnias. 
De todos os povos que ocuparam a área em questão, os Tremembés são 
apontados como os povos cuja presença foi mais contundente. A delimitação do 
território de ocupação Tremembé é bastante discutida entre os pesquisadores, 
pois alguns acreditam que ela se estendia por uma vasta área litorânea que ia do 
atual estado do Maranhão ao Rio Grande do Norte. Sobre isso, Pompeu 
Sobrinho afirma que “Habitavam os Tremembés as práias e estuários cobertos 
de mangues dos rios do nordeste do Brasil, desde a foz do rio Gurupí a foz do rio 
Apodi, isto é, toda a costa dos atuais estados do Maranhão, Piauí e Ceará. 
Quando os primeiros exploradores europeus perlongaram estas costas, ainda os 
Tremembés as percorriam na indicada extensão; mas no correr do XVI século 
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essa área de dispersão experimentou um notável retraimento. Os colonizadores 
na primeira metade do século seguinte sómente encontraram estes indígenas 
nas praias da baía de S. José no Maranhão à foz do rio Curu, no Ceará” (1951, p. 
258). 
Esses povos empreenderam grande resistência ao processo colonizador e 
ficaram conhecidos pelo seu caráter belicoso. Coletavam cajus na mata de 
tabuleiro, próximo a faixa de praia e caçavam pequenos animais, também eram 
exímios pescadores, atividade que realizavam tanto com anzol, quanto com arco 
e flecha, destacando-se a pesca de tubarão que foi descrita por Th. Pompeu 
Sobrinho e que deixa transparecer a destreza com que realizavam as atividades 
pesqueiras. 
Em relação à cultura material desses povos, Studart (1962) destaca que 
produziam uma cerâmica grosseira, usavam cabaças para transportar água, e 
produziam machados semilunares polidos e encabados, flechas cujas pontas 
eram feitas de ossos e dentes e tubarão; possuíam ainda fusos de fiar algodão, 
arpões; cestos e esteiras tecidas com palha da carnaúba e construíam suas 
habitações de forma rústica com ramos ou folhas de palmeira e dormiam sob a 
areia da praia. 
Com o avanço do processo de colonização foram sendo distribuídas 
cartas de sesmarias, que seguindo um padrão, se estendiam a partir do curso 
dos rios. Além disso, a paisagem litorânea comportava pequenos conglomerados 
de pescadores, formados principalmente por uma população mestiça. Nesta 
região floresceram os núcleos populacionais que originaram os atuais 
municípios de Paraipaba, Paracuru, São Gonçalo do Amarante e Trairi. Há que 
se considerar ainda que outros fatores, além da presença do rio, que facilitava os 
deslocamentos entre litoral e sertão e garantia o acesso à água, influenciaram na 
consolidação dessas povoações. Na região estudada, a documentação nos 
permite visualizar que o movimento das dunas, impulsionada pelas constantes 
correntes eólicas, em várias situações provocou o deslocamento de grandes 
populações. O caso mais emblemático foi o da povoação de Almofala, cuja igreja 
de Nossa Senhora da Conceição e as habitações do entorno foram soterradas 
nos últimos anos do século XIX, reaparecendo apenas na década de 1940. 
 
 
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OS SÍTIOS EM FLECHEIRAS 
 
Tendo essa pesquisa por referência a análise sobre as relações entre o 
homem e o meio ambiente, é imprescindível considerarmos a máxima de que os 
sistemas culturais são inter-relacionados com o seu entorno e dessa forma 
passam por contínuas transformações (SANJUÁN, 2005). 
 
De forma geral os sítios na praia de Flecheiras apresentam feições de 
implantação na paisagem e de cultura material muito semelhante, como 
demonstrado nas Figuras de Nº 02 a 13. 
 
 
Figura Nº 02: Vista do Sítio Trairi I, as margens do córrego Estrela. Figura Nº 03: 
Seixo em quartzo com uso como percutor apresentando fraturas. Fonte: DOURADO, 
2015. 
 
 
Figura Nº 04: Vista do Sítio Trairi II. Figura Nº 05: Cerâmica Tupiguarani com motivos 
pontilhados interligados por linhas curvas no Sítio Trairi II. Fonte: DOURADO, 2015. 
 
 
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Figura Nº 06: Fragmento de machado polido no Sítio Trairi II. Figura Nº 07: 
Fragmento de resina com retirada em espiral no Sítio Trairi II. Fonte: DOURADO, 
2015. 
 
 
Figura Nº 08: Fragmento de malacológico no Sítio Trairi II. Figura Nº 09: Fragmento 
de vidro no Sítio Trairi II. Fonte: DOURADO, 2015. 
 
 
 
Figura Nº 10: Vistaparcial do Sítio Trairi III com detalhe para cerâmica. Fonte: 
DOURADO, 2015. 
 
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Figura Nº 11: Fragmento de cerâmica Cabocla com apêndice no Sítio Trairi III. 
Figura Nº 12: Fragmento de malga com retoque no Sítio Trairi III. Fonte: 
DOURADO, 2015. 
 
De modo geral a cultura material verificada nos quatro sítios indica 
amplo consumo de malacológicos, com espécies nativas da foz do rio Mundaú e 
do córrego Estrela (Pugilina morio, Turbinella laevigata, Mulinia cleryana e 
Tagelus plebeius). Os líticos mais comuns são lascas, micro-lascas e detritos, 
por vezes associadas à percutores, bigornas e núcleos, sendo a debitagem a 
técnica de lascamento mais frequente, a permanência do córtex e ausência de 
retoque em grande parte das amostras, atesta uma atividade pouco elaborada. O 
quartzo se configura como a matéria-prima mais utilizada, provavelmente pela 
grande oferta junto à foz de drenagens como o córrego Estrela. Os instrumentos 
de maior porte, como as bigornas e percutores podem estar atrelados ao 
processamento de sementes e grãos, como também ao ato de moer quartzo e 
cacos cerâmicos para servir de antiplástico na confecção de novos utensílios em 
barro. Apenas no sítio Trairi II verificamos um contexto de diversificação 
tecnológica em relação aos demais sítios, podendo ser explicado pelo fato de que 
este possui maiores dimensões além de uma grande densidade vestigial. 
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Figura Nº 13: Vista do Sítio Trairi IV. Fonte: MARQUES, 2012, p. 38. 
 
Quanto ao vestígio cerâmico identificamos dois grupos, um ligado a 
tradição Tupiguarani, cujos fragmentos são espessos, o tempero 
predominantemente composto por quartzo moído e areia fina, ocorrendo 
também no antiplástico cacos cerâmicos moídos, queima oxidante, engobo 
pintado de branco e apresentando na face interna uma decoração com motivos 
de associações entre linhas verticais e oblíquas, a face externa também é alisada, 
a borda é reforçada externamente e o lábio pode ser arredondado ou plano; já a 
cerâmica Cablocla, onde nas amostras predominam pouca espessura, também 
havendo cacos raramente mais grossos, prevalecem o tempero de quartzo moído 
e areia em qualquer recipiente, a queima redutora é maioria deixando uma 
coloração escura enquanto a queima oxidante é usada ocasionalmente, a 
decoração pode apresentar separadamente ou em conjunto sucos paralelos 
horizontais, apêndices, engobo pintado de vermelho. 
Esclarecemos que grande parte da análise técnica artefatual apresentada 
foi realizada in loco e a partir de relatório relacionado à Arqueologia Preventiva, 
nenhum utensílio cerâmico foi restaurado em laboratório, porém os estudos já 
relatados apontaram que a grande maioria dos vasos seriam de pequenas 
dimensões na mesma proporção que quantidade de líticos de maior porte 
também seria pequena. Assim, grosso modo, concluímos que a cultura material 
dos sítios Trairi I, II, III e IV esta relacionada a sítios de passagem e/ou de curta 
permanência. 
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ANÁLISE ESPACIAL E CONCLUSÃO DOS RESULTADOS 
 
Nosso objetivo, a priori, é de compreendermos as razões para a ocupação 
da região. Após um estudo sobre o ambiente, a etnohistória local e da cultura 
material, optamos pela análise espacial a nível macro, onde os modelos 
geográficos e econômicos são extremamente relevantes, enfatizando a relação 
sítios – espaços de recursos - sítios (Clarke, 1977). 
Desse modo, corelacionaos todos os dados já relatados, tais como, as 
possíveis áreas de captação de material rochoso para fabricação de líticos (foz do 
córrego Estrela); segundo informação de moradores haveriam espaços 
destinados à extração de material argiloso cuja finalidade poderia se estender a 
fabricação de cerâmica, essas seriam a nascente de um córrego no distrito de 
Emboaca e a Formação Barreiras em Flecheiras (seriam necessárias análises 
difratométricas em raios X para confirmar a composição dos vestígios e 
compará-la com amostras dos locais, o que ainda não foi confirmado), locais 
para coleta de moluscos (corais de Flecheiras), exploração de vegetação 
denominada Tatajuba as margens do atual córrego Estrela descrita por Pompeu 
Sobrinho (1945) e a coleta de âmbar gris na praia (STUDART FILHO, 1937). 
Podemos concluir que o litoral de Trairi oferecia inúmeros atrativos do ponto de 
vista econômico que serviriam de subsistência para os grupos que ali passavam. 
Essa hipótese fica mais clara ao plotarmos no mapa os pontos identificados 
como áreas de captação de recursos e os sítios na praia de Flecheiras, como 
indicado na Figura 14. 
 Percebemos que todas os pontos que podem indicar zonas de exploração 
de recursos se encontram num raio de aproximadamente 2km a partir do sítio 
Trairi II cujas dimensões, diversidade artefatual e centralidade frente ao 
posicionamento dos demais sítios de Flecheiras nos revelam que os 
assentamentos foram estabelecidos ali estrategicamente na paisagem. 
A estrutura locacional desses sítios não foi aleatória assim como os 
espaços de recursos, os sítios estão em um local particular, relativo ao sistema 
integrado de sítios e através das paisagens. A premissa de que ao longo do 
tempo os grupos humanos tendem a diminuir os seus gastos de energia para 
adquirirem mais benefícios, foi o pressuposto referencial para a compreensão 
desse esquema (CLARKE, 1977) 
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Quanto a esse modelo de ocupação territorial Dias (2003) faz referência 
ao sistema de assentamento criado por Binford no qual existiria um padrão de 
ocupação forrageiro. O contexto espacial de ocupação é dividido em, um núcleo 
residencial, caracterizado por uma funcionabilidade mais específica 
(manufatura, processamento, consumo e manutenção) e pela possibilidade de 
passar por várias reocupações apresentando grande quantidade de vestígios, e 
um núcleo locacional, onde aconteceriam atividades extrativistas. Salienta-se 
que o sítio Boa Esperança, considerado uma aldeia do tipo Tupi (NOBRE, 2013) 
se encontra aproximadamente 4 km dos sítios de Flecheiras, corroborando o 
modelo binfordiano. 
Apesar da literatura arqueológica não nos revelar grandes informações 
sobre os grupos que utilizavam a cerâmica Cabocla, acreditamos que possam 
estar relacionadas a grupos Tapuias ou estar ligado a comunidades pesqueiras 
formadas por remanescentes indígenas, porém mais recentes que a presença 
Tupi. Sobre esses podemos afirmar com base na cultura material e dos dados 
etnohistóricos que de fato houve uma ocupação desse grupo em Flecheiras e que 
em certo momento pode ter havido o contato com o elemento colonizador 
europeu pelo comércio da Tatajuba e do âmbar gris. 
A presença de grupos Tupi na costa cearense pode ser comprovada com 
datações para o litoral leste do estado, precisamente em Aracati, como o sítio 
Cumbe 10, com datação de carvão associada à cerâmica desse grupo entre 500-
420 A.P (MORALES et al, 2012). 
Acreditamos que essa pesquisa, mesmo diante de suas limitações, pode 
contribuir na compreensão da ocupação no litoral cearense pelos povos 
indígenas, sobretudo para a região da costa oeste, onde ainda hoje possui uma 
densa população de marisqueiras e pescadores tradicionais. A área de entorno 
do município de Trairi possui forte presença indígena de grupos Tremembés, 
distribuídos nos municípiosde Itarema, Itapipoca e Acaraú; da etnia Anacé em 
Caucaia e São Gonçalo do Amarante e da comunidade indígena dos Tapebas em 
Caucaia. A todas essas comunidades e a sua luta pelo reconhecimento de sua 
cultura e a demarcação de suas terras dedico esse texto. 
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Figura Nº 14: Vista geral dos sítios Trairi I a IV e possíveis áreas de captação de recurso 
na praia de Flecheiras. Elaborado por Jefferson Lima, 2015. 
 
 
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