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ARTUR DOS SANTOS SOUSA DISCIPLINA: HEMENÊUTICA CONSTITUCIONAL PROFESSOR: ROBERTO NEY 4º SEMESTRE DE DIREITO A DIGNIDADE HUMANA E OS MITOS AUTORITÁRIOS QUIXADÁ, 7 DE NOVEMBRO DE 2016 vários são os mitos ainda existentes em nosso processo penal, que escondem uma matriz autoritária de nosso sistema. E isto é inegável, salta aos olhos de todo aquele que quiser enxergar, bastando a verificação da origem de nossa legislação processual penal. O berço fascista em que fora gerado o nosso código, ainda em vigor, por óbvio que não consegue se despir de suas predileções, de seus ideias e de seus propósitos. Se faz necessário saber e compreender que o modo pelo qual concebemos o processo penal, será um fator diretamente determinante no juízo interpretativo a ser exercido no momento de aplicação da norma processual. Desta forma, se o processo for compreendido como um instrumento necessário para aplicação da pena, de modo que esta somente se tornará legítima se preceder de uma situação processual legal e devida, em plena observância às regras do jogo, fará sentido a defesa das formas processuais e a concepção do processo como um limitador do poder de punir do Estado. Agora, se o processo for concebido como um mero estágio protocolar para aplicação do direito penal, um simples rito de passagem para o exercício do poder punitivo do Estado, a defesa das formas legais e das garantias, passam a ser consideradas como um desserviço ao Estado, um estímulo a impunidade e, o pior, um empecilho para o alcance da “justiça” que, para estes, sempre vem associada à punição. Isto explica a dificuldade de se compreender o ponto de vista oposto ao nosso, pois a concepção do processo se sustenta em bases diametralmente opostas e, por óbvio, não se consegue exercer o juízo interpretativo a partir de um olhar diferente. Mas como seguir sustentando os ideais do Ministro Francisco Campos explicitados na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal (ainda em vigor) naquele 8 de setembro de 1941? Como uma legislação nascida em período ditatorial com influência direta do fascismo italiano verificado no Código Rocco de 1930, pode resistir a uma filtragem constitucional, a uma “nova” era democrática vigente no país desde 1988? Para isto, os atores judiciais se valem de mitos, mitos criados para justificar aquilo que parece injustificável, para conduzir a interpretação para um caminho distante daquele preconizado pela nossa Constituição. para Rubens CASARA (2015, p. 21), o mito representaria, portanto, a explicação para aquilo que não se consegue explicar, no plano do que se entende por “razão”. Assim, não tendo como se sustentar racionalmente determinadas aplicações da legislação processual penal, se criam mitos, pelos quais se consegue encobrir o verdadeiro debate constitucional acerca do processo penal. Como resistir a uma filtragem constitucional a realização de medidas de ofício pelo Magistrado? Como considerar válidas audiências, depoimentos e, até mesmo, debates orais com a ausência do órgão incumbido da titularidade da ação penal? Como relativizar a paridade de armas no processo penal, com afirmação da imparcialidade do Ministério Público? Como se legitimar a prisão preventiva como uma regra e a liberdade como algo a ser justificado no âmbito de um processo penal? Como se legitimar condenações amparadas no argumento de que a defesa não produziu a prova de suas alegações? Como possibilitar que um indivíduo seja submetido a um júri quando inexistem indícios suficientes ou quando a acusação alberga-se quase que exclusivamente em “prova” produzida no inquérito policial? A resposta para estas e muitas outras questões está na construção dos mitos processuais penais, dentre os quais podemos indicar os que foram brilhantemente trabalhados por Rubens Casara: dentre eles a neutralidade do julgador, a imparcialidade do Ministério Público, a verdade real, o livre convencimento, o consenso penal e o do processo penal como instrumento da pacificação social ou de segurança pública. Poderíamos ainda listar outros como o in dubio pro societate, a ordem pública, a prisão pela gravidade do fato, mas todos estes acabam se relacionando de alguma forma com os mitos anteriormente referidos. A partir daí se estimula o autoritarismo do processo penal e não se consegue enxergar o verdadeiro paradoxo que se cria, ao não conseguir uma efetiva oxigenação constitucional do processo penal. Todavia, acabamos por nos dar conta disto, pois como já nos advertiu Lenio STRECK (2014, p. 98), muitos atores judiciais, “envolvidos no interior do senso comum teórico, não se dão conta dos paradoxos, até porque, como um mito – que só o é para quem nele acredita – também o paradoxo só é paradoxal para quem tem consciência de sua existência.” Dessa forma, para aqueles que concebem o processo penal como um mero ritual, que ainda sustentam os ideais trazidos pela nossa legislação processual da década de 40, não há anormalidade alguma na aplicação das formas processuais desta maneira, amparada em mitos e não resistente a uma filtragem constitucional. É necessário que se rompam as correntes inquisitoriais que ainda prendem a nossa legislação processual em épocas totalitárias, para que um novo horizonte possa ser projetado. É lamentável que muitos dos atores judiciais ainda se amparem na prepotente afirmação de que não necessitam de maiores aprofundamentos teóricos acerca de suas aplicações práticas, que ainda se proliferem críticas à academia por considerá-la um empecilho para “devida” aplicação do direito. No entanto, isto nada mais é do que mais um mito a prestar relevante serviço para o autoritarismo processual penal e, por tudo isto, os atores judiciais que com isto não pactuam necessitam levantar- se em contrariedade a estas práticas. Não quer dizer que isto, por si só poderá resolver os problemas de nosso processo penal, não teríamos tal, também prepotente, pretensão, mas devemos trabalhar com um sistema que reduza os danos, em linha semelhante ao que já definiu Aury LOPES JR. (2008, p. 56), buscando “uma verdadeira política processual de redução de danos, pois o dano, como a falta, sempre lá estará.” Portanto, a superação de tais mitos e a concepção do processo como um instrumento de garantias, onde apenas a estrita observância às regras do jogo processual pode legitimar a aplicação de uma penalidade imposta pelo Estado, é medida que, ainda que tardiamente, se impõe. E a solução dos impasses processuais penais passa por uma resposta dos atores judiciais, que devem ter claro que a resposta não é a única, pode não ser a melhor, simplesmente trata-se da resposta adequada à Constituição (STRECK, 2014, p. 433). Ainda de acordo com Marilena Chaui, em seu livro: “Brasil, mito fundador e sociedade autoritária”, o mito fundador tem o sentido originário na esfera antropológica, no qual essa narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nosso nível de realidade. Esse mito imporia um vínculo interno com o passado como origem, se trataria de um passado que nunca cessa, ou seja, permaneceria sempre presente. Segundo ela, isso impediria o trabalho da diferença temporal e da compreensão do presente enquanto tal, que almejaria a coisificação do homem, a não aceitar do ser. Os fatos e situações considerados intoleráveis, violadores da dignidade humana, são aqueles que o Estado e a coletividade não poderiam exigir que algum indivíduo os tolerasse. Podemos entender isso, como a autoridade mitológica, onde o indivíduo sozinho pode optar por suportar certas situações intoleráveis, desde que se trate de direito ou bens jurídicos disponíveis,mas em razão da intolerância geral, o Estado não lhe pode obrigar a realizar tal escolha, sob pena de violação a tal dignidade. É notável que sempre haverá discordância de tolerância, pois algo ainda que seja desagradável, existem meros desprazeres decorrentes da vida em coletividade ou do mundo natural dos fatos que podem ser considerados “toleráveis”, isto é, é exigível dos indivíduos em geral que suportem aquele fato ou mesmo situação. Em regra, a tolerabilidade é um parâmetro para a edição de normas e atos jurídicos. Em contrapartida, os fatos e situações que podem ser considerados intoleráveis, que violam a dignidade humana, são aqueles que o Estado e a coletividade não poderiam exigir que algum indivíduo os tolerasse. A autoridade mitológica, pode ser entendida, nesse sentido, como o indivíduo como optante por certas situações intoleráveis, desde que trate de direitos disponíveis juridicamente, mas o Estado não pode lhe dar a liberdade de fazer algo que viole a dignidade de outros, em face de suas crenças e escolhas pessoais. A dignidade trata-se da inviolabilidade do ser humano, mesmo que ele queira ser violado. Não se trata apenas do direito de acesso a itens básicos e sim das condições dignas para que o ser humano consiga tais benefícios. A dignidade humana deve nortear a criação de dispositivos legais, pois como querer a prevalência de uma lei que tenha utilidade social em detrimento da própria pessoa que integra a sociedade? As leis parecem que nem são feitas pela raça humana. Talvez o nome devesse ser mudado para “dignidade da lei”. Assim seria assumido que a sociedade serve a lei e não o contrário. Os direitos fundamentais evoluíram com grande intensidade no sentido de proteger os indivíduos em algo que lhe é mais raro, a sua dignidade, porém, se faz necessário ampliar o conceito desses valores, promovendo assim, a emancipação social. É necessária reflexão profunda a respeito da sociedade, do estado da humanidade, de que o mundo pode ser imaginado a partir da possibilidade de admitir o outro como parte de uma mesma sociedade e detentor dos mesmos direitos. A reflexão e ação humana podem ser capazes de orientar os caminhos que serão traçados ao longo da história. A dignidade humana parte de um princípio hermenêutico e grande fundamento constitucional, e que traz em seu interior uma cláusula de tolerabilidade norteando assim, o Estado e os indivíduos. Trata-se de até que ponto um comportamento pode ser suportável em uma coletividade, de acordo com os seus fatores de desenvolvimento. Temos atualmente uma sociedade, que mesmo com tanta evolução, ainda há uma carência enorme de dignidade como condição de vida. Os mitos autoritários fazem com que o ser humano deixa de pensar na sua condição, e a aceite como algo imposto pelo Estado. Faz com que as pessoas não se atentem que sua dignidade está sendo violada por diversos comportamentos, e não perceba que está de frente a comportamentos que são apenas reproduzidos de um mito autoritário fundador. A falta de percepção e reflexão do homem faz com que o homem sofra o tão falado processo de coisificação, marionete nas mãos de um Estado supremo e manipulador. Contra as formas de degradação humana, há uma imposição do Direito como sendo mecanismo justo de aplicação da dignidade da pessoa humana como fator crucial para o desenvolvimento social. Portanto em ultima análise, mitos autoritários surgem de uma sociedade fechada ao pensamento e que se prende tão somente a uma letra fria da lei, sem abertura para maiores reflexões. Cabe aos operadores do Direito, o papel de transformação, utilizando a dignidade da pessoa humana como hermenêutica, com base na Constituição Federal, sempre objetivando a ampliação dos direitos humanos.
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