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Prefácio Escrito por Dr. Saulo Cavalcanti Hoje, não se pode mais ignorar a revolução que a internet traz para o sistema de saúde. No ano passado, 93 milhões de americanos fizeram pesquisas sobre saúde e bem estar na internet. O site da SBD entre 2004 e 2006 teve 11 milhões de páginas lidas e este número quase duplicou de um ano para outro. São 6 mil visitantes e 25 mil páginas lidas diariamente por pessoas em vários estados do Brasil e cidades do exterior. Os e-cidadãos, em sua maioria, confiam no seu médico, mas acham importante ter uma segunda opinião e consultar outras fontes. Por outro lado no seguimento de doenças crônicas, como o diabetes, a comunicação eletrônica tornou-se um veículo fundamental de educação da sociedade e dos profissionais envolvidos no seu atendimento. A internet, como disseminadora do conhecimento, tornou-se assim um veículo importante de educação continuada, permitindo que a informação chegue rapidamente às pessoas nos mais longínquos recantos do país. Porque um livro eletrônico Nos próximos anos muitos e importantes livros médicos estarão disponíveis na internet. Na nossa área de atuação já temos no site www.endotext.org um livro sobre endocrinologia com um excelente capítulo de diabetes. Esta migração, do escrito para o eletrônico, ocorre porque a velocidade de produção científica, hoje, é de tal magnitude que os livros clássicos se tornam obsoletos em pouco tempo. Os problemas envolvidos, na produção dos seus conteúdos e distribuição, estão em descompasso com a renovação do conhecimento e com o atual estágio das tecnologias de informação. Os livros eletrônicos podem ser elaborados de uma forma mais rápida e divulgados na internet como um produto coletivo de uma sociedade que assume o compromisso de atualizá-lo sempre necessário. É um desafio e uma forma criativa de educação, onde o profissional de saúde pode se atualizar, quase em tempo real, com as últimas descobertas e novidades científicas em capítulos escritos pelos melhores especialistas do país. As vantagens do livro eletrônico são: • Atualização permanente, sempre que um novo conhecimento científico for divulgado; • Elaboração mais rápida; • Maior número de leitores; • Maior abrangência, desde que o livro pode se tornar conhecido em qualquer parte do mundo; • Permitir a impressão, ou seja o download de todo o livro, ou só dos capítulos ou da parte que interessar ao leitor; • Recursos de multimídia, como animações funcionais, ou aspectos do metabolismo celular; • Links automáticos para referências bibliográficas ou para sites; • Incorporação de áudio ou vídeos em alguns dos capítulos; • Discussão de casos on-line, ou interatividade com os autores. Editores Dr. Reginaldo Albuquerque Médico, editor do site da SBD, Research Fellow da Universidade de Londres (1975- 1979), ex-professor de endocrinologia da UNB (1967-1982), ex-superintendente de Ciências da Saúde do CnPq. Dr. Augusto Pimazoni Netto Coordenador dos Grupos de Educação e Controle do Diabetes do Hospital do Rim e Hipertensão da UNIFESP e do Centro de Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Equipe Comitê Científico Presidente: • Dr. Saulo Cavalcanti Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes Editores Médicos: • Dr. Reginaldo Albuquerque Editor médico do site da Sociedade Brasileira de Diabetes • Dr. Augusto Pimazoni Netto Consultor Médico para Projetos de Educação em Saúde. Coordenador do Grupo de Educação e Controle do Diabetes do Hospital do Rim e da Hipertensão da UNIFESP. Coordenadores de Módulos: • Dra. Marilia de Brito Gomes Professora Adjunta da UERJ • Dra. Adriana Costa e Forti Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal de São Paulo. Diretora do Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão do Ceará. • Dr. Bernardo Leo Wajchenberg Professor emérito da disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) • Dr. Domingos Malerbi Doutor em endocrinologia – Faculdade de Medicina da USP • Dr. Marco Antonio Vívolo Medico Endocrinologista pela EPM-UNIFESP • Dra. Silmara Leite Doutora em Ciências Médicas pela EPM/UNIFESP • Dr. Walter Minicucci Professor de Endocrinologia da UNICAMP/SP Autores: • Dra. Sandra Ferreira Professora Titular do Depto de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP • Dr. Eduardo Tibiriça Professor Titular da Fundação Oswaldo Cruz - Departamento de Farmacodinâmica - RJ • Dr. Henrique Gottardello Zecchin Mestre em Clínica Médica e Doutor em Fisiopatologia Médica pela UNICAMP • Dr. Jorge Gross Professor Titular do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da UFRGS • Dr. Lício Velloso Professor Associado do Departamento de Clínica Médica UNICAMP • Dr. Mário José Abdalla Saad Professor Titular de Clínica Médica da FCM-UNICAMP • Dr. Rodrigo Lamounier Pós-Graduado (doutorado) em endocrinologia pela USP - Research fellow University of Pennsylvania School of Medicine • Dra. Helena Schmid Professora Titular de Endocrinologia da FFFCMPA. Chefe do Serviço de Endocrinologia da Santa Casa de Porto Alegre. Professor Investigador Visitante da Universidade de Michigan durante estágio pós-doutorado em 1995 e 1996. • Dra. Hermelinda Pedrosa Coordenadora Científica da Residência em Endocrinologia (Taguatinga) pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Representante, no Brasil, do International Working Group on the Diabetic Foot da Federação Internacional de Diabetes (IDF). Coordenadora do Departamento de Pé Diabético da SBD • Dr. Fernando Moreno Sebastianes Residência Médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Mestrando da Disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP • Dr. Renato Zagury Cirurgião Dentista capacitado ao atendimento do paciente diabético. Especialista em Prótese dentária pela UFRJ, Mestre e especialista em Implantologia Oral • Dr. Alberto Ramos Professor do Curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Mestre em Medicina pela Universidade Federal da Bahia e Coordenador da Pós-graduação do Hospital Universitário Alcides Carneiro da UFCG • Dr. Sérgio Ferreira de Oliveira Unidade Clínica de Aterosclerose e Núcleo de Estudos Diabetes-Coração do InCor/FMUSP • Dra. Márcia Nery Grupo de Diabetes - Endocrinologia Hospital das Cínicas FMUSP • Dra. Cândida Parisi Médica assistente do Grupo de Diabetes da FM USP Médica assistente da disciplina de endocrinologia, FCM Unicamp Coordenadora Clínica do Ambulatório de Pé Diabético do HC FM USP Coordenadora Clínica do Ambulatório de Pé Diabético do HC Unicamp • Dr. Eduardo Cunha de Souza Doutor em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Colaborador atual do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP • Dr. Gustavo Polacow Korn Mestre em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina • Dr. Maurício Malavasi Ganança Professor Titular em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. • Dr. David Salomão Lewi Professor adjunto da Disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Médico Infectologista do Hospital Albert Einstein • Dra. Reine Marie Chaves Fonseca Mestra em Medicina Interna pela Universidade Federal da Bahia. Diretora do Centro de Diabetes e Endocrinologia do Estado da Bahia. • Dra. Gisele Rossi Goveia Nutricionista Especialista em Nutrição Clínica Nutricionista da Preventa Consultoria em Saúde. Coordenadora do Departamento de Nutrição e Metabologia da Sociedade Brasileira de Diabetes 2006/2007 • Dra. Celeste Elvira Viggiano Nutricionista Clínica e Sanitarista. Especializada em Doenças Metabólicas. Coordenadora do Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Membro do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes 2006/2007 • Dra. Geísa Maria Campos de Macedo Autora e coordenadora do Programa de Prevenção e Tratamento do Pé Diabético (PREVPED) da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco • Dra. Fani Eta Korn Malerbi Professora Doutora da Faculdade de Psicologia - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo • Dra. Maria Geralda Viana Heleno Professora Doutora do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo • Dr. Paulo Jacques Monteiro Leite Neurologista do Hospital Nossa Senhora das Graças - Curitiba, PR. Fellow em Neurogeriatria pela Universidade de Minnesota, Minneapolis, EUA • Dr. Antonio Carlos Lerario Professor Livre-Docente de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Secretário Geral da Sociedade Brasileira de Diabetes. • Dr. Luiz Alberto Turatti Doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médico Assistente da Liga de Diabetes do Hospital das Clínicas da FMUSP. • Dr. Freddy G. Eliaschewitz Coordenador Médico do Núcleo de Terapia Celular e Molecular da USP e Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital Heliópolis. Pesquisador Clínico do Centro de Pesquisas Clínicas do Grupo Notre Dame - Intermédica • Dr. Ruy Lyra Professor de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco. Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. • Dr. Saulo Cavalcanti Professor Regente do Departamento de Endocrinologia da Faculdade de Ciência Médicas de Minas Gerais. Vice Presidente Nacional e Coordenador de Departamentos da SBD. • Dra. Solange Travassos de Figueiredo Alves Mestre e Doutora em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. • Dr. Levimar Rocha Araújo Professor de Fisiologia da Faculdade de Ciências Médicas – MG. Chefe da Clínica de Endocrinologia do Hospital Universitário São José, de Belo Horizonte, MG. • Dr. Bruno Geloneze Neto Coordenador do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes LIMED - UNICAMP • Dr. Leão Zagury Presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (2004-2005); Professor do Curso de Pós- Graduação em Endocrinologia da PUC-IEDE; Membro-Honorário da Sociedade Argentina de Diabetes; Membro Titular da Academia de Medicina do Rio de Janeiro; Mestre em Endocrinologia pela PUC Chefe do Serviço de Diabetes do IEDE – RJ (1996-2003) • Dr. Roberto Luís Zagury Médico Residente do Hospital da Lagoa • Dra. Ana Lucia Taboada Gjorup Médica Assistente do Serviço de Clínica Médica do Hospital Naval Marcílio Dias • Dra. Karen de Marca Seidel Médica Assistente do Serviço de Endocrinologia do IEDE • Dr. Roberto Betti Coordenador do Núcleo de Diabetes do InCor. Coordenador do Departamento de Cardiologia da SBD. • Dr. André Fernandes Reis Professor do Curso de Pós-graduação da Disciplina de Endocrinologia da UNIFESP/EPM, São Paulo. Coordenador do Núcleo Integrado de Diabetes do Fleury, Medicina e Saúde • Dr. Raul Dias dos Santos Filho Professor Livre-docente em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP. Diretor da Unidade Clínica de Lípides do InCor - HC.FMUSP • Dra. Maria Teresa Zanella Professora Titular de Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Chefe do Serviço de Hipertensão, Diabetes e Obesidade do Hospital do Rim e da Hipertensão • Dr. José Egídio Paulo de Oliveira Professor Titular da Faculdade de Medicina da UFRJ. Chefe do Serviço de Diabetes e Nutrologia do HUCFF-UFRJ – Rio de Janeiro. • Dr. Airton Golbert Professor da Disciplina de Endocrinologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. Mestre em Clínica Médica pela UFRGS. Coordenador do Departamento de Diabetes Gestacional da Sociedade Brasileira de Diabetes. • Dr. Roberto A. Raduan Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica Regional São Paulo. Chefe do Serviço de Medicina Interna Beneficência Portuguesa-SP • Dra. Denise Reis Franco Endocrinologista do Núcleo de Terapia Celular e Molecular da USP Pesquisadora clinica do CPCLIN – centro de pesquisa clinica e do Centro de Pesquisas Clínicas do Grupo Notre Dame – Intermédica • Dr. Ney Cavalcanti Professor-Regente da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco (FCM/UPE). Coordenador do Departamento de Pesquisas Clínicas da Disciplina de Endocrinologia da FCM/UPE. Fellow em Endocrinologia e Diabetes pelo Oxford Centre for Diabetes, Endocrinology and Metabolism, Oxford University, UK. • Dr. Daniel da Costa Lins Preceptor de Clínica Médica e Endocrinologia do Hospital Oswaldo Cruz - Universidade de Pernambuco (UPE). Membro do Grupo de Pesquisas Clinicas - Endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da UPE. Coordenador do Ambulatório de Diabetes do Hospital Naval do Recife Módulo 1 Diagnóstico, epidemiologia e fisiopatologia do diabetes Aspectos epidemiológicos do diabetes mellitus e seu impacto no indivíduo e na sociedade Capítulo 1 Dra. Sandra Roberta Gouvea Ferreira O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é considerado uma das grandes epidemias mundiais do século XXI e problema de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento. As crescentes incidência e prevalência são atribuídas ao envelhecimento populacional, aos avanços terapêuticos no tratamento da doença, mas, especialmente, ao estilo de vida atual, caracterizado por inatividade física e hábitos alimentares que predispõem ao acúmulo de gordura corporal. A maior sobrevida de indivíduos diabéticos aumenta as chances de desenvolvimento das complicações crônicas da doença que estão associadas ao tempo de exposição à hiperglicemia. Tais complicações - macroangiopatia, retinopatia, nefropatia e neuropatias - podem ser muito debilitantes ao indivíduo e são muito onerosas ao sistema de saúde. A doença cardiovascular é a primeira causa de mortalidade de indivíduos com DM2; a retinopatia representa a principal causa de cegueira adquirida e a nefropatia uma das maiores responsáveis pelo ingresso a programas de diálise e transplante; o pé diabético se constitui em importante causa de amputações de membros inferiores. Assim, procedimentos diagnósticos e terapêuticos (cateterismo, bypass coronariano, fotocoagulação retiniana, transplante renal e outros), hospitalizações, absenteísmo, invalidez e morte prematura elevam substancialmente os custos diretos e indiretos da assistência à saúde da população diabética. Ainda, o DM é acompanhado de outras morbidades que podem tornar os custos totais exorbitantes. Porém, hoje existem amplas evidências sobre a viabilidade da prevenção, tanto da doença como de suas complicações crônicas. O número de indivíduos com DM dá uma idéia da magnitude do problema e estimativas têm sido publicadas para diferentes regiões do mundo, incluindo o Brasil. Em termos mundiais, 135 milhões apresentavam a doença em 1995, 240 milhões em 2005 e há projeção para atingir 366 milhões em 2030, sendo que dois terços habitarão países em desenvolvimento (1,2), como mostra a figura 1. Fig. 01 – Evolução do diabetes no mundo (2000 – 2030). No Brasil, o SUS (Sistema único de Saúde) vem progressivamente atendendo desde 1994 um número crescente de pessoas com DM. A figura 2 mostra a evolução destes atendimentos no período de 1998 a 2004. Fig. 02 – Evolução dos atendimentos do SUS no período de 1998 – 2004. Dados sobre prevalência de DM representativos da população residente em 9 capitais brasileiras datam do final da década de 80 (3). Nesta época, estimou- se que, em média, 7,6% dos brasileiros entre 30 e 69 anos de idade apresentavam DM, que incidia igualmente nos dois sexos, mas que aumentava com a idade e a adiposidade corporal. As maiores taxas foram observadas em cidades como São Paulo e Porto Alegre, sugerindo o papel da urbanização e industrialização na patogênese do DM2, conforme mostra a figura 3. Fig. 03 – Prevalência do diabetes no Brasil conforme o Censo Nacional de Diabetes – 1986-1988 Um achado relevante foi o de que cerca da metade dos indivíduos diagnosticados diabéticos desconhecia sua condição. Isso significa que os serviços de saúde têm diagnosticado casos de DM tardiamente, dificultando o sucesso do tratamento em termos de prevenção das complicações crônicas. Infelizmente, as informações deste estudo multicêntrico sobre prevalência de DM no Brasil não foram atualizadas. Dados representativos da população de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, foram mais recentemente publicados (4), conforme mostra a figura 4. Fig. 04 – Prevalência de TGD e de DM no estudo de Ribeirão Preto Segundo os dados do estudo de Ribeirão Preto, a prevalência do DM, na faixa dos 30 aos 69 anos, foi de 12,1% (em comparação com o Censo Nacional de Diabetes de 1988, no qual a prevalência nessa mesma faixa etária foi de 7,6%) sugerindo que o DM deve estar se tornando mais prevalente, pelo menos na população adulta residente neste estado. Para uma estimativa mais atualizada da prevalência do DM numa determinada população, como num município, por exemplo, deve-se levar em consideração a prevalência média do DM em 3 faixas etárias: abaixo de 30 anos, entre 30 e 69 anos e com 70 anos ou mais, aplicando esses índices de prevalência às respectivas populações de cada faixa etária, conforme o último censo populacional do IBGE. Com esta metodologia de cálculo, utilizando-se a prevalência do estudo de Ribeirão Preto (12,1%) ao invés da prevalência do Censo Nacional de Diabetes (7,6%) para a faixa etária de 30 a 69 anos, o número estimado de portadores de DM no Brasil é de aproximadamente 10,3 milhões, conforme mostra a figura 6. Fig. 05 – Estimativa da população diabética em 2006 – Prevalência de 12% Dados ainda mais preocupantes têm sido relatados para um subgrupo da nossa população, o de ascendência japonesa (5). Estes apresentam pelo menos o dobro da prevalência de DM quando comparado à população geral brasileira e os pesquisadores têm atribuído este fato tanto ao ambiente ocidental como à predisposição genética, conforme mostra a figura 6. Fig. 06 – Prevalência de diabetes em descendentes de japoneses vivendo no Brasil Com base nas estimativas e projeções sobre os números de indivíduos com DM e hipoteticamente considerando uma ocorrência constante da doença ao longo do tempo, a Sociedade Brasileira de Diabetes criou um “relógio” que continuamente alertaria sobre a ocorrência de novos casos de DM no mundo. Este contador pode ser visto na home page do site da SBD. Apesar das grandes limitações na criação deste relógio, é louvável a iniciativa de relembrar a todo o momento a relevância deste problema de saúde. Para 2006, estima-se que existam 11 milhões de brasileiros com DM (6). Diante deste quadro alarmante sobre a situação do DM, tem-se buscado compreender causas ou fatores determinantes, passo fundamental na tentativa de reverter a progressão desta epidemia. Parte desta pode ser atribuída ao aumento global da expectativa de vida, observado inclusive no Brasil, segundo o IBGE. Isso tem ocorrido principalmente devido à redução da mortalidade infantil, o que também implica em aumento do percentual de casos de DM (7), de acordo com dados do censo de 2005, contidos nohttp://www.ibge.org.br, mostrados na figura 7. Fig. 07 – Expectativa de vida dos brasileiros Não cabe aqui citar os avanços na identificação de fatores causais do DM2, mas é fundamental que se reforce o papel definitivo do estilo de vida moderno que implica em acúmulo de adiposidade corporal, sendo especialmente deletério na região visceral. Como contraprova para a importância do estilo de vida para o risco de DM, estudos de grande porte, conduzidos em diferentes partes do mundo, provaram que hábitos de vida mais saudáveis (dieta balanceada, rica em fibras, visando peso corporal realisticamente adequado, associada à atividade física de, pelo menos, 150 minutos semanais) são capazes - em indivíduos pré-diabéticos - de reduzir seu risco de DM em 58% (8), conforme mostra a figura 8 que resume os resultados do estudo conduzido pelo Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS) sobre a prevenção do DM2 em pessoas com tolerância diminuída à glicose. Fig. 08 – Risco de desenvolver diabetes - Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS) Mais interessante ainda foi a observação no estudo desenvolvido pelo Diabetes Prevention Program Research Group, conduzido nos EUA, no qual a tentativa de prevenção farmacológica da doença, por meio da metformina, trouxe resultados piores que os observados com a mudança do estilo de vida, com reduções no risco de DM de 31% e 58%, respectivamente (9), conforme mostra a figura 9. Outros estudos de intervenção farmacológica, conduzidos em diferentes populações, empregando medicamentos destinados ao tratamento da obesidade ou do DM2, obtiveram sucesso na redução de risco, embora de magnitude inferior à alcançada com mudanças no estilo de vida. Fig. 09 – Eficácia das alterações do estilo de vida na redução cumulativa do diabetes A literatura dispõe de amplas evidências sobre a relevância do bom controle glicêmico e dos demais fatores de risco cardiovascular na prevenção das complicações. Em se tratando do DM2, o UKPDS, que no século passado questionou se a eficácia do controle glicêmico na preveniria as complicações crônicas diabéticas, foi, até certo ponto frustrante. Isto porque, apesar de comprovar significantes benefícios do controle da glicemia na prevenção da microangiopatia (retino e nefropatia) - à semelhança do previamente documentado em portadores de DM1 no DCCT (10) - não demonstrou redução de eventos cardiovasculares e morte (11). Ponderações sobre estes resultados foram diversas na literatura e as razões para tais achados foram em parte explicadas. A figura 10 resume os benefícios do controle da hipertensão e da glicemia em termos de redução relativa de complicações. Fig. 10 – Benefícios do controle da hipertensão e da glicemia sobre a ocorrência de complicações Outro marco importante na prevenção secundária foi a divulgação do estudo Steno-2 que convenceu a sociedade científica da necessidade de se tratar intensivamente os múltiplos fatores de risco (níveis glicêmicos, pressóricos, perfil lipídico e a microalbuminúria) para obter redução significante também dos eventos cardiovasculares e mortalidade em indivíduos com DM2 (12). Tal programa de tratamento intensivo dos múltiplos fatores de risco em pacientes com DM2 e microalbuminúria reduz o risco de eventos cardiovasculares e microvasculares em cerca de 50%, como mostra a figura 11. Fig. 11 – Resultados do estudo STENO 2: eficácia da abordagem intensiva Há consenso de que o indivíduo diabético é de altíssimo risco cardiovascular, comparável àquele não-diabético que já apresentou um infarto do miocárdio (13). O estudo de Haffner e colaboradores mostrou que a incidência de infarto agudo do miocárdio em indivíduos diabéticos sem história prévia de doença arterial coronariana (DAC) é similar àquela dos indivíduos não diabéticos com história prévia de DAC, conforme ilustra a figura 12. Fig. 12 – Incidência de infarto agudo do miocárdio em pacientes diabéticos com ou sem história prévia de doença arterial coronariana Clique na imagem pra ampliar Dessa forma, justificam-se as metas rigorosas em termos de valores de glicemia (jejum e pós-prandial), hemoglobina glicada, pressão arterial e lipoproteínas estabelecidas por sociedades científicas como a SBD, American Diabetes Association (14) e American Heart Association. O estudo DECODE avaliou a correlação entre a tolerância à glicose e a mortalidade, fornecendo convincentes evidências sobre a importância de se obter também a normalização da glicemia pós-prandial como uma das metas importantes para a redução do risco cardiovascular (15), como mostra a figura 13. Fig. 13 – Estudo DECODE: a importância da normalização da glicemia pós prandial Um dos grandes questionamentos atuais dos diabetologistas é o quanto abaixar a HbA1c para reduzir o risco de eventos cardiovascular. Estudos desenvolvidos (ACCORD, ADVANCE e VADT) para responder a esta questão trouxeram resultados preocupantes no sentido de relatarem até aumento na mortalidade cardiovascular com controle glicêmico rigoroso de indivíduos com DM2 de longa duração (16). Referências Bibliográficas 1. Wild S, Roglic G, Green A, Sicree R, King H. Global prevalence of diabetes. Estimates for the year 2000 and projections for 2030: Diabetes Care 27(5): 1047-53, 2004. 2. Barceló A, Aedo C, Rajpathak S, Robles S. The cost of diabetes in Latin America and the Caribean: Bull World Health Organ 81(1): 19-27, 2003 3. Malerbi D, Franco LJ. The Brazilian Cooperative Group on the Study of Diabetes Prevalence. Multicenter Study of the Prevalence ofdiabetes mellitus and Impaired Glucose Tolerance in the urban Brazilian population aged 30-69 years: Diabetes Care, 15: 1509-16, 1992. 4. Torquato MTCG, Montenegro Jr RN, Viana LAL, Souza RAHG, Lanna CMM, Lucas JCB et al. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban population aged 30-69 years in Ribeirao Preto (São Paulo), Brazil: Sao Paulo Med J. 121(6): 224-30, 2003. 5. Gimeno SGA, Ferreira SRG, Cardoso MA, Franco LJ, Iunes M. The Japanese-Brazilian Diabetes Study Group. Weight gain in adulthood and risk of developing glucose disturbance - a study of a Japanese-Brazilian population. J Epidemiol 10: 103-10, 2000. 6. http://www.saude.gov.br/ visitado em 23/mar/2011 7. http://www.ibge.gov.br/home/ visitado em 23/mar/2011 8. Tuomilehto J, Lindstrom J, Eriksson JG, Valle TT, Hamalainen H, Hanne-Parikka P, Keinanen-Kiukaanniemi S for the Finnish Diabetes Prevention Program. Prevention of type 2 diabetes mellitus by changes in life style among subjects with impaired glucose tolerance: N Engl J Med 344: 1343-50, 2001. 9. Diabetes Prevention Program Research Group. Reduction of the incidence of type 2 diabetes with life style intervention or metformin: N.Engl J Med 346: 393-403, 2002. 10. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group. The effect of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med 329: 977-986, 1993. 11. UK Prospective Diabetes Study (UKPDS) Group. Intensive blood glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes: Lancet 352: 837-853, 1998. 12. Gæde P, Vedel P, Larsen N, Jensen GVH, Parving H, Pedersen O. Multifactorial Intervention and cardiovascular disease in patients with type 2 diabetes: N Engl J Med 2003, 348: 383-393, 2003. 13. Haffner SM, D’Agostino Rjr, Mykkanen L et al. Insulin sensitivity in subjects with type 2 diabetes. Relationship to cardiovascular risk factors: the insulin resistance atherosclerosis study: Diabetes Care 22: 562-568, 1999. 14. American Diabetes Association: Standards of medical care in diabetes. Diabetes Care 23 (suppl.1): S11-S61, 2010. 15. Glucose tolerance and mortality: comparison of WHO and American Diabetic Association diagnostic criteria The DECODE study group on behalf of the Europe and Diabetes Epidemiology Group. Lancet 354: 617-621, 1999. 16. Riddle MC. Glycemic control and cardiovascular mortality. Current Opinion in Endocrinology, Diabetes & Obesity 18: 104–109, 2011. Diagnóstico do Diabetes Capítulo 2 Dr. Leão Zagury Dr. Roberto Luis Zagury Dr. Ricardo de Andrade Oliveira O diabetes mellitus (DM) é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia crônica com alterações do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, resultante de defeitos na secreção ou ação da insulina ou ambas. Independente de sua etiologia, o DM passa por vários estágios clínicos durante sua evolução natural. Atualmente, em todo o mundo ocorre uma pandemia de obesidade e diabetes mellitus (DM) do tipo 2. Dados norte-americanos indicam que naquele país, por exemplo, cerca de 24 milhões de pessoas são afetadas por esta enfermidade, estimando-se, ainda, cerca de 1 milhão e meio de novos casos por ano. Esta epidemia afeta tanto os países desenvolvidos quanto aqueles ainda em desenvolvimento, de modo que se prevê que aumente dramaticamente até o ano de 2025. Entretanto, um número ainda mais expressivo de indivíduos, na faixa de 57 milhões norte- americanos, tem pré-diabetes, termo utilizado para enquadrar aqueles indivíduos cujos níveis glicêmicos encontram-se acima dos valores normais da população não-diabética, porém não preenchem os critérios de DM. Destes, uma parcela considerável já tem lesão de órgãos-alvo, em especial lesões microvasculares características do DM que podem levar a cegueira, insuficiência renal e amputações. O aumento do numero de diabéticos e pré diabéticos se deve ao estilo vida contemporâneo que induz sobrepeso e obesidade. Essas alterações, acompanhadas de predisposição genética e resistência insulínica, resultam no aumento dos níveis glicêmicos. A doença pode ser reconhecida nos estágios iniciais a que chamamos de intolerância a glicose. O DM pode se apresentar com sintomas característicos, como sede, polúria, visão turva, perda ponderal e hiperfagia, e em suas formas mais graves, com cetoacidose ou estado hiperosmolar não-cetótico. Estes últimos, na ausência de tratamento adequado, podem levar ao coma e até a morte. Frequentemente, os sintomas não são evidentes ou estão ausentes, principalmente no estagio de pré-diabetes. Desta forma, hiperglicemia pode já estar presente muito tempo antes do diagnóstico de DM. Consequentemente, o diagnóstico de DM ou pré-diabetes é frequentemente descoberto em decorrência de resultados anormais de exames de sangue ou de urina realizados em avaliação laboratorial, ou quando da descoberta de complicação relacionada ao DM. Estima-se que o número de casos não-diagnosticados seja igual ao dos diagnosticados. Existem evidências sugerindo que as complicações relacionadas ao DM começam precocemente ainda na fase de mínimas alterações na glicemia progredindo nos estágios de pré-diabetes e, posteriormente, DM. Por esse motivo se torna extremamente importante diagnosticar alterações na glicemia precocemente. Níveis glicêmicos elevados em jejum e, principalmente, pós-prandiais implicam em maior risco cardiovascular. Os idosos diabéticos constituem um grupo peculiar, onde os sintomas clássicos costumam estar ausentes e manifestações menos comuns podem ocorrer. Enquanto nos jovens a glicosúria pode ser observada com valores de glicemia acima de 180 mg/dL, nos idosos geralmente só ocorre quando a glicemia ultrapassa 220 mg/dL, em virtude de uma fisiologicamente menor taxa de filtração glomerular nesta faixa etária. Além disso, nesta população é comum a atenuação nos mecanismos da sede. Sintomas como mialgia, fadiga, adinamia, estado confusional e incontinência urinária são frequentes. As dores musculares podem ocorrer em consequência da chamada amiotrofia diabética, condição clínica caracterizada por fraqueza dolorosa e assimétrica na musculatura pélvica, com curso benigno e resolução com o tratamento do DM. Caracteristicamente, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) costuma estar presente nestes indivíduos e tais pacientes apresentam maior taxa de complicações micro e macrovasculares. A diurese osmótica ocorre quando os níveis glicêmicos se tornam muito elevados, acima da taxa de reabsorção tubular, podendo levar aos sinais e sintomas característicos (poliúria, polidipsia e perda ponderal), os quais, em última instância, podem induzir desidratação. Com frequência, estes indivíduos apresentam queixas de turvação visual, nem sempre valorizada, em razão das alterações visuais comuns nessa faixa etária. Infecções fúngicas e bacterianas podem ser o primeiro sinal de descompensação glicêmica tanto em idoso quanto nos mais jovens. Aplica-se o termo pré-diabetes àqueles indivíduos com uma glicemia de jejum alterada (GJA) e/ou tolerância à glicose diminuída (TGD). Define-se GJA valores de glicemia em jejum mais elevados do que o valor de referência normal, porém inferiores aos níveis diagnósticos de DM: GJ entre 100 e 125 mg/dL. Embora a Organização Mundial de Saúde ainda não tenha adotado esse critério, tanto a Sociedade Brasileira de Diabetes assim como a Academia Americana de Diabetes já utilizam tal ponto de corte (GJ normal até 99 mg/dL). Já a TGD é caracterizada por uma alteração na regulação da glicose no estado pós-sobrecarga (TOTG: teste oral de tolerância à glicose com 75 g de dextrosol). Níveis glicêmicos 2 horas após o TOTG entre 140 e 199 mg/dL definem a TGD. O método de escolha para a aferição da glicemia é a mensuração plasmática. Coleta-se o sangue num tubo com fluoreto de sódio, centrifugado, com separação do plasma, que deverá ser congelado para uma posterior utilização. A glicemia de jejum deve ser realizada pela manhã, após jejum de apenas 8 horas. A realização do TOTG deve obedecer a alguns pré-requisitos: jejum entre 10 e 16 horas; ingestão de um mínimo de 150 gramas de carboidrato nos 3 dias que antecedem a realização do teste; atividade física habitual; comunicar a presença de infecções ou medicações que possam interferir no resultado do teste; utilização de 1,75 g de glicose (dextrosol) por quilograma de peso até o máximo de 75 gramas. Aos indivíduos com GJA e/ou TGD, aplica-se, então, a expressão pré-diabetes, em virtude do alto risco de que venham a desenvolver DM no futuro. Tais condições representam um estado intermediário de alteração do metabolismo da glicose, não devendo ser encaradas como uma condição benigna, uma vez que aumentam em até 2 vezes a mortalidade cardiovascular. Cerca de metade dos pacientes portadores de TGD preenchem os critérios de síndrome metabólica. A progressão para DM nos pacientes com GJA é de 6-10% por ano, enquanto que a incidência cumulativa de DM nos portadores de GJA e TGD é da ordem de 60% em 6 anos. No entanto, tais condições não devem ser encaradas como entidades clínicas isoladas e distintas, e sim, como fatores de risco para DM, assim como para doença cardiovascular. Com base nisso, recentemente a Academia Americana de Diabetes definiu as chamadas “Categorias de Risco Aumentado para Diabetes”, nomenclatura vista por vários autores como mais adequada do que o termo pré-diabetes, uma vez que nem todos os indivíduos com esta condição evoluirão para DM. Dentro destas categorias de risco aumentado, encontram-se, além da GJA e TGD, aqueles com níveis de hemoglobina glicada (A1C) entre 5,7 e 6,4%( Tabela 2). Nos últimos anos, o interesse no estudo desta fase que antecede o DM vem aumentando exponencialmente. Ensaios clínicos randomizados mostraram que aos indivíduos de alto risco de progressão para DM (GJA, TGD ou ambos) podem ser oferecidas intervenções que diminuam tal taxa de progressão. Estas medidas incluem: modificação do estilo de vida, qual se mostrou ser muito eficaz com redução do risco significativa; uso de medicações (metformina, acarbose, orlistat, tiazolidinedionas e outros), os quais reduzem em graus variados tais taxas de progressão da doença. O Finish Diabetes Prevention Study (DPS) e o Diabetes Prevention Study (DPP) mostraram que mudanças no padrão alimentar e na atividade física implicaram numa redução do risco de progressão para DM de até 58%. O DPP, o qual testou a metformina (MTF), e o STOP-NIDDM, o qual testou acarbose, identificaram uma redução no risco de progressão para DM de 31% e 32%, respectivamente. O estudo XENDOS, o qual utilizou orlistat por 4 anos em indivíduos obesos e portadores de pré-diabetes, mostrou uma redução de 37% na progressão para DM nestes indivíduos. O ACT-NOW, o qual encontra-se em andamento, avaliará o impacto da pioglitazona neste contexto. O estudo NAVIGATOR, o qual avaliou o papel na nateglinida e do valsartan sobre a progressão para DM, no entanto, não encontrou redução de risco alguma. A ADA, em sua mais recente diretriz (2011) recomenda, de modo consensual, a MTF como única droga a ser considerada no estado de pré-diabetes, em virtude do baixo custo, segurança e persistência de seu efeito a longo prazo. É válido, no entanto, registrar que foi significativamente menos eficaz do que modificação do estilo de vida e atividade física, as quais indubitavelmente devem ser sempre tentadas ao máximo. Ela deve, portanto, ser considerada para aqueles pacientes de muito alto risco (vários fatores de risco para DM e/ou hiperglicemia progressiva e de grande magnitude). Ressalta-se, ainda, que no estudo DPP ela foi mais eficaz até do que a modificação do estilo de vida nos indivíduos com índice de massa corporal maior que 35 kg/m2 e não foi mais eficaz do que o placebo naqueles com idade superior a 60 anos. Há décadas o diagnóstico de DM vem se baseando na GJ e no TOTG, utilizando os níveis de GJ e sua associação com retinopatia para se definir o ponto de corte acima do qual o risco de comprometimento da retina aumenta. Com base nisso, chegou-se aos pontos de corte de 126 mg/dL em jejum e 200 mg/dL após a sobrecarga de glicose anidra. A hemoglobina glicada, também conhecida como glicohemoglobina ou HbA1C, embora seja utilizada desde 1958 como ferramenta na avaliação do controle glicêmico de diabéticos, passou a ser cada vez mais empregada e aceita pela comunidade científica após 1993 quando foi validada pelos estudos DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) e UKPDS (United Kingdom Proscpective Diabetes Study). A A1C é sabidamente um marcador de hiperglicemia crônica, refletindo a média dos níveis glicêmicos nos últimos 2 a 3 meses. Tem impacto crucial no acompanhamento dos diabéticos, uma vez que possui uma boa correlação com lesão microvascular e, em menor proporção, com lesão macrovascular. Até pouco tempo sua utilidade era apenas para acompanhamento do controle glicêmico, e não, para fins diagnósticos, uma vez que não havia padronização adequada do método. Atualmente já existe padronização do teste, que deve ser realizado pelo método de cromatografia líquida de alta performance (HPLC). O HPLC foi validado em diferentes populações com uma boa reprodutibilidade entre elas e permanece estável após a coleta, o que não ocorre quando se afere a glicose diretamente. É válido lembrar que, mesmo quando se realiza a dosagem da glicemia nas condições ideais, há chance de erro pré-analítico, de modo que reduções na ordem de 3 a 10 mg/dL na glicemia plasmática podem ocorrer mesmo em não-diabéticos, determinando erro de até 12% dos indivíduos. A determinação da A1C, além de não requerer jejum, tem as seguintes vantagens: maior estabilidade pré-analítica, menor interferência de outras condições agudas que possam interferir com a glicemia como infecções e outros estresses metabólicos. Recomenda-se que os laboratórios clínicos usem preferencialmente os métodos de ensaio certificados pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) com rastreabilidade de desempenho analítico ao método utilizado no DCCT (HPLC). Com base nisso, em 2009, após publicação em seu compêndio oficial, a ADA passou a adotar a hemoglobina glicada como mais uma ferramenta diagnóstica para o DM. Valores de A1C maiores ou iguais a 6,5% indicam o diagnóstico de DM(Tabela 3). O ponto de corte de 6,5% não é arbitrário, e representa o ponto de inflexão da curva de prevalência de retinopatia, assim como ocorre com os valores diagnósticos da GJ e TOTG. Os já consagrados e conhecidos critérios diagnósticos de DM baseados na GJ e no TOTG permanecem válidos e inalterados. Referências Bibliográficas 1. Position Statement of the American Diabetes Association: Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care 2011, 34:Supplement 1,S62-S69. 2. International Expert Committee: International Expert Committee report on the role of the A1C assay in the diagnosis of diabetes. Diabetes Care 2009; 32:1327-1334. 3. Nathan D, Davidson MB, Defronzo RA et al. Impaired fasting glucose and impaired glucose tolerance. Diabetes Care 2007; 30:753-759. 4. Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Report of the Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care 1997; 20:1183-1197. 5. Kahn CR. Diabetes: definição, genética e patogênese. Em: Joslin – Diabetes Mellitus, Parte III. Definição, diagnóstico e classificação do diabetes mellitus e da homeostasia da glicose. Bennett, PH e Knowler WC, ARTMED EDITORA AS, 345-353, 2009. 6. Santaguida PL, Balion C, Hunt D et al. Diagnosis, prognosis, and treatment of impaired glucose tolerance and impaired fasting glucose. AHRQ Study 128:1-12, 2006. 7. Genuth S, Alberti KG, Bennett P et al. Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus type 2. Follow-up report on the diagnosis of diabetes mellitus. Diabetes Care 2003; 26:3160-3167. 8. Edelman D, Olsen MK, Dudley TK et al. Utility of hemoglobin A1C in predicting diabetes risk. J Gen Intern Med 2004; 19:1175-1180. 9. Barzilay JI, Spiekerman CS, Wahl P et al. Cardiovascular disease in older adults with glucose disorders: comparison of American Diabetes Association criteria for diabetes mellitus with WHO criteria. Lancet 354: 622-625, 1999. 10. Engelgau MM, Thompson TJ, Herman WH et al. Comparison of fasting and 2 hours glucose and A1C levels for diagnosing diabetes. Diagnostic criteria and performance revisited. Diabetes Care 1997; 20:785-791. 11. Valerio, CM, Zagury L. Prevenção do diabetes mellitus tipo 2. Em: Tratamento Atual do Diabetes Mellitus. Leão Zagury, RL Zagury (Eds.). Editora Guanabara Koogan: 71-75, 2009. Fisiologia e fisiopatologia das células beta: implicações clínicas e terapêuticas Capítulo 3 Dr. Lício Velloso Dr. Augusto Pimazoni Netto O Pâncreas Endócrino A porção endócrina do pâncreas é composta por agregados celulares denominados ilhotas de Langerhans (Fig. 1) distribuídas no parênquima pancreático em um número que varia de 300 mil a 1,5 milhão, compostas por quatro tipos celulares [1,2]: Células alfa, produtoras de glucagon (15-20% do total); Células beta, produtoras de insulina (70-80%); Células delta, produtoras de somatostatina (5%); Células PP produtoras de peptídeo pancreático (1%) (Figura 2). Fig. 01 - Estrutura das ilhotas de Langerhans Com os avanços alcançados na obtenção e caracterização de células-tronco, torna-se importante conhecer a origem embrionária e as características de expressão gênica do pâncreas endócrino, e particularmente da célula beta. Evidências histológicas revelam que o pâncreas endócrino se origina a partir de precursores do epitélio endodérmico [3], que podem ser identificados, por volta da metade da gestação, como agregados de poucas células ainda fundidas ao epitélio dos ductos pancreáticos em formação. Ainda durante o segundo terço do período gestacional, ilhotas já apresentando características mais próximas às de adultos, podem ser vistas ligadas a ductos pancreáticos. Somente poucas semanas antes do final da gestação serão identificadas ilhotas totalmente envoltas por parênquima pancreático exócrino e com morfologia e distribuição celular definitiva [4]. Fig. 02 - Células secretoras nas ilhotas de Langerhans Os mecanismos de diferenciação celular que levam ao desenvolvimento das células beta são alvos de intensa investigação, pois podem revelar meios de se obter células produtoras de insulina a partir de precursores indiferenciados. Genes da família Notch são expressos em ductos pancreáticos e parecem atuar como repressores do desenvolvimento de células do pâncreas endócrino [5]. Sua supressão faz com que genes comprometidos com as diferentes linhagens endócrinas possam ser ativados. Desses, os mais importantes são; Pdx1, envolvido na ativação do gene da insulina e de GLUT2; Isl1, envolvido no controle transcricional do gene da insulina; genes da família Pax, importantes na maturação da célula beta; e genes Nkx, importantes na expansão numérica da população de células beta [6]. Produção e Secreção de Insulina A expressão do gene da insulina é restrita à célula beta pancreática, o que confere a esse tipo celular o controle total sobre o único hormônio hipoglicemiante existente [7]. O gene da insulina se localiza no cromossomo 2 (2p21) sendo composto por 3 exons que codificam uma proteína imatura denominada pré-proinsulina [8], a partir da qual formar-se a pró-insulina com 86 aminoácidos. Este peptídeo é então direcionado para grânulos secretórios, onde, por ação de três enzimas, PC2, PC3 e carboxipeptidase H, gerará a insulina com 51 aminoácidos e o peptídeo C, o qual é armazenado e secretado em concentração equimolar à insulina (Fig. 3) [9]. Fig. 03 - As moléculas de insulina e de peptídeo C Mutações no gene da insulina são raras, porém algumas formas são relacionadas ao desenvolvimento de DM por levarem à produção de uma forma de insulina com baixa atividade biológica. Pacientes com tais mutações são hiperinsulinêmicos e inicialmente intolerantes à glicose, progredindo para a hiperglicemia. De forma interessante e diferente do que ocorre com pacientes com forma clássica de DM2, tais indivíduos tem resposta normal à insulina exógena [10]. Sob condições fisiológicas, as concentrações sanguíneas da glicose oscilam numa faixa estreita. Tal fenômeno, que garante simultaneamente oferta adequada de nutrientes aos tecidos e proteção contra a neuroglicopenia, só é possível graças a um sistema hormonal integrado e eficiente, composto por um hormônio hipoglicemiante, a insulina, e alguns hormônios hiperglicemiantes como, o glucagon, o cortisol, a adrenalina e o hormônio de crescimento. Por se tratar do único hormônio hipoglicemiante, a insulina dispõe de um eficiente e finamente regulado sistema de controle de secreção. A glicose é o principal estimulador da secreção de insulina (Fig. 4). Sua entrada na célula beta é garantida por um transportador de alta capacidade e baixa afinidade denominado GLUT2. Após sua entrada, a glicose é fosforilada em glicose-6-fosfato pela ação da enzima glicoquinase (hexoquinase IV), sendo a seguir direcionada à glicólise, etapa que consome 90% da glicose transportada ao interior da célula beta e responsável pela geração de piruvato [11]. Mutações do gene da glicoquinase não são infreqüentes e levam a uma forma de DM chamada MODY2 (maturity-onset diabetes of the young). Fig. 04 - Mecanismo de ação dos secretagogos de insulina O piruvato é direcionado à mitocôndria, transformado em acetil CoA e metabolizado pelo ciclo de Krebs para produção de ATP (Fig. 4). Com o aumento da relação ATP/ADP no intracelular, ocorre o fechamento de canais de K+ - ATP dependentes o que leva à despolarização da membrana. A abertura dos canais de Ca2+ - voltagem dependente permite influxo de Ca2+ para a célula beta, que ativa um complexo sistema efetor, cujo resultado é a secreção de insulina (Fig. 4) [11]. Além da glicose, poucos nutrientes (leucina, a glutamina, a alanina, a arginina, a frutose, e alguns ácidos graxos) podem induzir de forma independente ou de forma potencializadora (do efeito primário da glicose) a secreção de insulina [12]. Vários mecanismos complementares desempenham papel importante na regulação da secreção basal e estimulada da insulina, sendo os mais importantes, os hormonais, particularmente o glucagon, a somatostatina, a adrenalina, o cortisol, o hormônio de crescimento, a leptina e a própria insulina; e os neurais, que por estímulo colinérgico aumentam, e por estímulo adrenérgico inibem a secreção da insulina [13,17]. É importante ressaltar que alguns medicamentos em uso clínico modulam a secreção de insulina por atuarem em etapas fundamentais do processo secretório. As sulfoniluréias e as glinidas se ligam a uma proteína componente dos canais de K+ - ATP dependentes, chamada SUR1. Tal interação promove o fechamento desses canais, despolarizando a célula beta e induzindo a abertura de canais de Ca2+ - voltagens dependentes. Referência ao DM Neonatal De forma inversa, a diazoxida também interage com proteínas SUR1, porém neste caso impedindo o fechamento dos canais de K+ - ATP dependentes, mesmo quando a relação ATP/ADT intracelular favorece tal evento. Essa droga, utilizada em algumas condições oftalmológicas, inibe a secreção de insulina estimulada por glicose. Bloqueadores de canais de Ca2+ como verapamil e nifedipina, utilizados no tratamento da hipertensão arterial, reduzem o influxo de Ca2+ e inibem a secreção de insulina induzida por glicose, entretanto seu efeito inibitório, por ser moderado, raramente se torna um problema na prática clínica [18] Distúrbios funcionais das Ilhotas Pancreáticas nas principais Forma de DM As perdas funcionais, totais ou parciais, da capacidade produtora e secretória da célula beta pancreática, foram consideradas, em tempos pregressos, como um fenômeno presente apenas em DM tipo 1, em algumas formas genéticas de diabetes, hoje reconhecidos como MODY, e em algumas formas de DM decorrentes da perda funcional pancreática produzida por drogas, agentes tóxicos ou doenças do pâncreas exócrino que afetem a função endócrina. Hoje, reconhece-se que na forma mais prevalente de DM, o DM2, a perda funcional da célula beta é condição sine qua non para o desenvolvimento do quadro hiperglicêmico. Fig. 05 - Perda da função pancreática com o decorrer do tempo de diabetes Serão discutidas a seguir as principais características dos distúrbios funcionais da célula beta no DM1A, DM2 e em algumas formas de MODY. Diabetes mellitus tipo 1A A destruição progressiva e específica das células beta pancreáticas por mecanismo autoimune é a base fisiopatológica do DM1A. As razões pelas quais alguns indivíduos na população passam, em um determinado momento de suas vidas, a apresentar reatividade autoimune contra antígenos próprios da célula beta é questão de intensa investigação. Entre as razões mais aceitas no momento, encontram-se a falha na seleção linfocitária no timo durante a ontogênese do sistema imune; a expressão anômala de auto-antígenos através de algumas moléculas do MHC (o que explicaria o risco relativo elevado oferecido por alguns genótipos de HLA, particularmente DR3 e DR4); a infecção por alguns tipos de vírus ou bactérias em indivíduos geneticamente predispostos; ou ainda a exposição a fármacos, alimentos ou a outros fatores ambientais pouco conhecidos [19]. A destruição da célula beta é dependente de uma resposta imunológica predominantemente celular, com ativação de linfócitos T- CD4 e -CD8. Em modelos animais, a doença pode ser induzida independente da presença de linfócitos T-CD8, mas não da presença de T-CD4, o que sugere que a expressão ?, coordenada por taisg? e IFNblocal de citocinas, principalmente TNF-alfa, IL-1 linfócitos, é fator necessário à destruição celular. Na prática clínica, detecta-se a presença de autoanticorpos contra antígenos da célula beta em todos os pacientes com DM1A. Tais anticorpos não desempenham papel importante na destruição das células insulino-produtoras, mas servem como marcadores da doença e são utilizados como fatores preditivos para screening populacional ou na investigação de indivíduos sob risco acentuado de desenvolver a doença. Os principais autoanticorpos que podem ser determinados por métodos disponíveis em laboratórios de referência são ICA, insulina, GAD65 e ICA512 [20,21]. Como a lesão das células beta pancreáticas é dependente de mecanismos autoimunes estudos clínicos com uso de imunossupressores, na tentativa de se impedir a progressão da doença, foram realizados nas últimas décadas. O uso do potente imunossupressor ciclosporina A foi capaz de deter o avanço da doença enquanto em uso, entretanto as conseqüências da potente imunossupressão associadas a outros efeitos colaterais do fármaco inviabilizam seu uso clínico. Outras abordagens imunossupressoras ou imunomoduladoras como metotrexate, nicotinamida, BCG, timodulina e insulinoterapia oral, tiveram resultados insatisfatórios no controle da doença [22]. MODY Maturity-onset diabetes of the young é definido como uma forma de DM monogênica, dominante, decorrente de mutações em genes que levam a disfunção da célula beta. De uma forma geral, há baixa produção de insulina frente a necessidades básicas periféricas. Pacientes são jovens, magros e há recorrência familiar por pelo menos duas gerações. De acordo com dados de vários estudos populacionais os genes mais freqüentemente envolvidos são: HNF-1 alfa (MODY3), 52% dos casos; e, glicoquinase (MODY2), 14% dos casos; outros genes afetados de forma mais rara são HNF-4 alfa (MODY1) e HNF-1 beta (MODY5). Aproximadamente 10% dos pacientes que preenchem critérios clínicos e familiares para diagnóstico de MODY não têm genes envolvidos identificados [24]. Diabetes Mellitus Tipo 2 A incapacidade da célula beta em responder à crescente demanda periférica de insulina, observada durante a evolução progressiva da insulino-resistência em indivíduos intolerantes à glicose, é aceito hoje como o fenômeno determinante no desenvolvimento do DM2. Alguns fatos corroboram tal conceito. Primeiro, todos os pacientes com DM2 tem disfunção mensurável da célula beta; segundo, a magnitude da insulino-resistência, após instalada sofre pequeno ou nenhum incremento com o tempo, por outro lado, a deterioração da função da célula beta é progressiva; terceiro, há perda progressiva da resposta da célula beta à terapêutica com sulfoniluréias [20]. A primeira e mais marcante evidência clínica da disfunção da célula beta em pacientes com predisposição para DM2 é a perda da primeira fase de secreção de insulina. (Fig.6). Fig. 06 - As duas fases da secreção fisiológica da insulina Alterações na segunda fase de secreção e modificação no padrão pulsátil de secreção aparecem com a evolução da doença. Durante a evolução da resistência à insulina, particularmente em indivíduos obesos, observa-se aumento progressivo da concentração sanguínea basal de insulina. Esse incremento pode ser mantido em algumas pessoas, e perdido em outras. As primeiras se manterão normoglicêmicas e resistentes à insulina, enquanto as segundas perderão definitivamente a capacidade de manter a homeostase da glicose [23]. Várias causas têm sido apontadas como determinantes da perda funcional da célula beta. Alguns polimorfismos, como do fator de transcrição TCF7L2 ou da proteína Kir6.2, foram identificados em populações especificas, porém alterações genéticas comuns a múltiplas populações não foram identificadas. Entre causas aparentemente não-genéticas discutem-se os papéis da disfunção mitocondrial com aumento da produção de espécies reativas de oxigênio, da glicotoxicidade, da lipotoxicidade, do estresse de retículo endoplasmático e finalmente da própria ação autócrina e parácrina da insulina, promovendo controle de sua própria síntese e secreção [14,15,23]. Dada a complexidade genética e a multifatorialidade ambiental de DM2, acredita-se que no futuro distintos mecanismos fisiopatológicos serão caracterizados, todos levando a um quadro clínico comum com coexistência da resistência à insulina e falência da célula beta. Resistência à insulina X deficiência insulínica: aspectos clínicos e implicações terapêuticas. Conforme mencionado, a hiperglicemia do DM2 resulta de dois mecanismos básicos, a resistência periférica à ação da insulina e a deficiência da produção deste hormônio pelas células beta do pâncreas, como mostra a figura 7. Fig. 07 - Fatores geradores da hiperglicemia Tais mecanismos podem ser precipitados pela presença de certos fatores como uma predisposição genética, a obesidade, a inatividade física e o envelhecimento, que interferem ou na reserva funcional das células beta ou na sensibilidade tecidual à insulina ou em ambos os defeitos. É difícil definir, para cada paciente, qual a participação do componente de resistência à insulina e da deficiência insulínica mas, na maioria dos casos, as duas condições coexistem em proporções diferentes para diferentes pacientes. Os indivíduos obesos são em geral mais resistentes à insulina, apresentam insulinemia elevada e mais frequentemente intolerância à glicose. Uma linha de investigação sugere o envolvimento do acúmulo de gordura visceral na gênese da resistência à insulina. Porém, não está totalmente esclarecido qual defeito ocorre primeiro. A perda de função da célula beta é um fator que aparece precocemente no desenvolvimento do DM2. Em condições normais, a secreção insulínica ocorre em dois picos ao se iniciar uma refeição: o primeiro pico é necessário para a utilização da glicose proveniente da refeição e também para sinalizar o fígado e inibir a produção endógena de glicose logo após a refeição. No indivíduo sadio, as duas fases de secreção de insulina estão preservadas enquanto no portador de DM, há perda da primeira fase e atraso na segunda fase deste processo (figura 8). Fig. 08 - No portador de DM2, o estímulo de glicose não promove a primeira fase da secreção de insulina Há evidências de que o declínio da função da célula beta possa ocorrer até 10 anos antes do momento do diagnóstico. Como o diagnóstico do DM em geral é feito tardiamente, o que se observa é que ao diagnosticar a doença o paciente já apresenta deficiência na capacidade secretória de insulina da ordem de 50%. Na evolução do DM, cada um dos mecanismos básicos tem um padrão de evolução específico, podendo ter início até 10 anos antes do diagnóstico. Na fase inicial do processo, tanto a resistência à insulina como a deficiência insulínica apresentam uma curva ascendente, refletindo a situação clínica que ocorre progressivamente na fase de pré-diabetes: à medida que a resistência à insulina progride, as células beta respondem com aumento inicial na secreção de insulina, com o objetivo de superar os efeitos hiperglicemiantes da resistência à insulina. Em geral, quando a doença é diagnosticada já existe um estado de deficiência insulínica progressivo, manifesto por níveis cada vez mais baixos de insulinemia. Entretanto, é importante salientar que a resistência à insulina pode aumentar substancialmente se o indivíduo continuar a ganhar peso, devido à hipertrofia do tecido adiposo particularmente visceral. Por outro lado, quando o indivíduo perde 5% a 10% do peso corpóreo, essa perda aparentemente discreta já apresenta um impacto positivo importante na diminuição da resistência à insulina, o que se reflete por necessidades de doses menores de antidiabéticos, que eventualmente poderão ser inclusive suspensos se o componente de resistência à insulina for significativo e se a perda de peso for mais acentuada. Glicotoxidade e Lipotoxicidade como fatores Hiperglicemiantes A glicotoxicidade caracteriza-se por efeitos adversos da hiperglicemia crônica sobre a função da célula beta e incluem três conseqüências distintas: diminuição da tolerância à glicose; exaustão das células beta e redução da massa de células beta por apoptose. A diminuição da tolerância à glicose deve-se a uma refratariedade reversível do mecanismo de liberação da insulina produzida após a exposição a níveis elevados de glicemia devida a auto-oxidação da célula beta. Nessas circunstâncias, ocorre um mecanismo fisiológico adaptativo para preservar a célula beta, reduzindo a primeira fase de produção de insulina e promovendo menor supressão da liberação hepática de glicose após as refeições, aumentando ainda mais a hiperglicemia pós- prandial. A consequência prática direta da glicotoxicidade é a incapacidade de alguns pacientes com glicemia bastante elevada, geralmente acima de 300 mg/dl em jejum, no sentido de não conseguirem uma redução adequada dos níveis glicêmicos apenas com o tratamento oral, necessitando de um período variável de terapia insulínica para restaurar os níveis glicêmicos para patamares aceitáveis. Para muitos pacientes, essa conduta terapêutica controla a glicotoxicidade e permite que o paciente passe a responder adequadamente aos antidiabéticos orais. Fig. 09 - Fatores geradores da hiperglicemia A lipotoxidade geralmente ocorre em portadores de DM2 e obesidade, com adiposidade visceral. Neste caso, são os níveis elevados de ácidos graxos, por períodos prolongados, que resultam em resposta diminuída das células beta aos níveis de glicose sanguínea. Em condições normais, os ácidos graxos são uma forma de energia para as células beta mas se tornam tóxicos quando em concentrações cronicamente elevadas e em indivíduos geneticamente predispostos ao DM2. Os efeitos deletérios dos ácidos graxos são mediados pela presença do excesso de glicose, uma vez que os lípides aumentados não alteram a função das células beta em modelos animais mantidos em níveis normais de glicemia. Implicações terapêuticas da resistência à insulina e da deficiência insulínica Atualmente, dispomos de várias opções farmacológicas para o tratamento do DM2, as quais foram desenvolvidas graças aos conhecimentos adquiridos sobre a fisiopatologia da resistência à insulina e da deficiência insulínica. Os medicamentos que agem combatendo a resistência periférica à ação da insulina exercem seus efeitos terapêuticos através de dois mecanismos básicos: estimulando a captação de glicose pelos músculos e tecido adiposo e reduzindo a liberação de glicose pelo fígado. Este grupo de fármacos é conhecido como “grupo dos sensibilizadores da insulina” e inclui duas classes terapêuticas: as biguanidas (metformina) e as glitazonas. Ambas apresentam os mecanismos de ação semelhantes, porém, com intensidades e tecidos distintos. Por exemplo, a metformina age preponderantemente no fígado, reduzindo a liberação hepática de glicose, mas também age secundariamente em nível dos músculos e do tecido adiposo, diminuindo a resistência à ação da insulina. Por outro lado, a preponderância de mecanismos de ação é inversa no caso das glitazonas, ou seja, estas agem preponderantemente nos músculos e no tecido adiposo e também apresentam ação redutora sobre a liberação de glicose pelo fígado, embora em menor escala que a metformina. Por outro lado, o grupo terapêutico que age estimulando a produção interna de insulina pelas células beta é representado pelos chamados “secretagogos de insulina”, os quais podem ser de curta duração (como as glinidas, para uso prandial, com duração aproximada de 2 horas) ou de duração mais ampliada (como as sulfoniluréias, para cobertura insulínica por períodos de 12 a 24 horas). É importante notar que os sensibilizadores da ação periférica da insulina não costumam causar hipoglicemia, mesmo quando o paciente não se alimenta nos horários previstos. Por outro lado, os secretagogos de insulina de duração mais prolongada continuarão a exercer seu efeito estimulador da secreção de insulina pelas células beta, independentemente do paciente ter ou não se alimentado nos horários previstos. Por essa razão, deve-se sempre ter em mente a possibilidade da ocorrência de hipoglicemias nestes pacientes, principalmente quando as refeições não acontecem nas quantidades e nos horários previstos. Outro grupo terapêutico é constituído por fármacos que retardam a absorção intestinal da glicose e, assim, reduzem a hiperglicemia pós-prandial. Esses quatro grupos terapêuticos mencionados e seus respectivos mecanismos de ação estão resumidos na figura 10 a seguir. Fig. 10 - Os diferentes mecanismos de ação dos antidiabéticos orais Mais recentemente, uma nova classe de medicamentos está sendo introduzida, com uma abordagem terapêutica direcionada à inibição da secreção de glucagon, um hormônio produzido pelas células alfa das ilhotas pancreáticas e que apresenta um efeito oposto ao da insulina, ou seja, um efeito hiperglicemiante. Os chamados hormônios intestinais ou incretinas exercem fisiologicamente essa função. Dois grupos terapêuticos exercem uma ação farmacológica semelhante à das incretinas: os incretinomiméticos e os inibidores da enzima DPP-IV. Por se tratar de agentes terapêuticos ainda não lançados em alguns países, ainda não se definiu a participação desse grupo nos algoritmos de tratamento do DM2. Devido à grande atualidade deste tema, sugerimos a leitura de capítulos específicos sobre o assunto mencionados a seguir. Referências bibliográficas 1. Yamaoka T, Itakura M: Development of pancreatic islets (review). 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Estudos epidemiológicos revelam que HA é cerca de 2 vezes mais frequente nos indivíduos diabéticos quando comparados à população não-diabética (figura 1). A associação das 2 doenças é amplamente conhecida e tal fato potencializa os efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular. O Multiple Risk Factor Intervention Trial - MRFIT mostrou que, em particular no portador de DM, à medida que a pressão arterial (PA) se eleva cresce a taxa de mortalidade por esta causa (figura 2). Fig. 01 - Frequência da hipertensão arterial na população diabética e não diabética. Fig. 02 - Aumento da mortalidade proporcional ao aumento da pressão arterial em indivíduos com ou sem diabetes. A resistência à insulina – defeito básico na etiopatogenia do DM tipo 2 – é considerada um elo fisiopatogênico entre o DM e a HA. Os mecanismos intracelulares geradores da redução da ação hormonal são hoje satisfatoriamente conhecidos. Amplas evidências confirmam a associação da HA a outras condições de resistência à insulina, como é o caso da obesidade e DM tipo 2, integrantes da chamada síndrome metabólica. A HA presente no espectro da síndrome metabólica é considerada “sal-sensível”, ou seja, responsiva às variações no consumo de sal. Em resposta à resistência tecidual à ação da insulina, há secreção insulínica aumentada pelas células beta e consequente hiperinsulinemia. Concentrações elevadas de insulina exacerbam seus efeitos sobre a reabsorção renal de sódio, bem como ativam do sistema nervoso simpático; ambos os efeitos contribuem para elevar a PA. Porém, este raciocínio fisiopatológico para gênese de HA esbarrava nos resultados conflitantes de experimentos nos quais a insulina administrada no intravascular determinava efeito vasodilatador. O estado de resistência à insulina, presente inclusive em células do endotélio de indivíduos com síndrome metabólica, explica, em parte, o aparente efeito hemodinâmico contraditório. Hoje se sabe que a condição de resistência à insulina é um fator relevante para a instalação de estado pró-hipertensivo. A angiotensina II, potente agente vasoconstritor, está envolvida no desenvolvimento de ambas, resistência à insulina e HA; agentes que inibem a ação da angiotensina (inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueadores do seu receptor) não apenas reduzem a PA, mas também são capazes de restaurar a sensibilidade à insulina. Com base nestas observações postulou-se que destas interrelações da angiotensina II às vias de sinalização de insulina poder-se-ia compreender como a angiotensina geraria resistência à insulina, predispondo à intolerância à glicose, além de elevação da PA. Estudos experimentais apontam efeito inibidor da angiotensina II sobre a secreção de insulina; em paralelo, estudos in vitro evidenciam o mecanismo intracelular pelo qual a angiotensina reduz a captação de glicose. Os mecanismos que elevam a PA do indivíduo com manifestações da síndrome metabólica são múltiplos, mas certamente envolve, dentre outros, o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), como gerador e mantenedor dos níveis pressóricos aumentados. Em adição ao efeito vasoconstritor direto da angiotensina II, este hormônio estimula a secreção adrenal de aldosterona, cuja ação principal é a reabsorção renal de sódio, aumentando o débito cardíaco e a PA. Um estado hiperglicêmico crônico provoca hiperfiltração glomerular e per se desencadeia mecanismos renais retentores de sal. O conteúdo corporal de sódio aumentado em indivíduos com DM potencializa a ação pressórica da angiotensina II. Além da vasoconstrição, estimulando receptores AT1 e AT2 presentes nos túbulos proximais, a angiotensina II contribui para agravar a retenção de sódio e água. Na musculatura lisa vascular e nos rins, a angiotensina II exerce sua ação essencialmente via receptores AT1, sobre os quais atua importante classe de agentes anti-hipertensivos (bloqueadores do receptor da angiotensina – BRAs), largamente empregados na prática clínica para controle da PA. Adicionalmente, há evidências in vitro de que a angiotensina II, atuando sobre seus receptores AT2, possa ser dotada de efeitos promotores de proliferação celular na parede vascular. A somatória de ações vasoconstritoras, tróficas e sobre a volemia resulta em papel definitivo do SRAA na elevação da PA em indivíduos com DM. Porém, a retenção renal de sódio tende, em médio prazo, a determinar compensatoriamente supressão deste sistema. Assim, a manutenção de níveis pressóricos aumentados deve ser, portanto, dependente de mecanismos outros, especialmente a ativação do sistema nervoso simpático. Já se observou que indivíduos diabéticos apresentam sensibilidade vascular aumentada a substâncias vasopressoras como a angiotensina II e noradrenalina. Alterações no transporte de cátions na musculatura lisa do vaso, provocada pela hiperinsulinemia, pode resultar em aumento do cálcio e sódio intracelular, o que o torna hiperativo a estímulos com substâncias endógenas vasopressoras. Fechando-se um ciclo vicioso, o comprometimento do fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética, principal sítio de ação da insulina, poderia agravar um estado de resistência à insulina. Outra linha de investigação reforça a estreita ligação do SRAA com anormalidades do metabolismo da glicose, distribuição central da adiposidade corporal e HA. Adiposidade excessiva comumente precede a instalação do DM tipo 2. O tecido adiposo – especialmente visceral – tem sido implicado na ativação do SRAA, uma vez que pré-adipócitos humanos são capazes de produzir angiotensinogênio, a enzima conversora e de secretar angiotensina II. Outros genes controladores da produção de substâncias relevantes para este sistema (da renina, proteína ligadora da renina e do receptor 1 da angiotensina) são expressos em pré-adipócitos, reforçando a participação deste tecido no controle da PA. Achados em tecido adiposo visceral humano comprovam ser este metabolicamente mais ativo que o subcutâneo, sendo importante fonte de angiotensinogênio para a circulação, além do fígado. A renina é responsável pela transformação deste precursor hormonal em angiotensina I. Em órgãos-alvo, sob a ação da enzima conversora da angiotensina (ECA), é convertida à forma ativa, a angiotensina II, que estimula a síntese adrenal de mineralocorticóides e, consequentemente, a expansão do volume extracelular (figura 3). Fig. 03 - Fatores envolvidos na gênese da hipertensão arterial. Mais recentemente, foi identificado novo fator sintetizado no tecido adiposo, cuja ação principal é estimular a produção e liberação de minerolocorticóide pelas adrenais. Este novo hormônio representa mais um elo fisiopatogênico da obesidade com a HA. Além do angiotensinogênio e do fator liberador de mineralocorticóide que interferem mais diretamente no controle da PA, o tecido adiposo produz outros hormônios (leptina, resistina, adiponectina) e citocinas (TNF-alfa, PAI- 1, interleucinas) que atuam na sensibilidade à insulina, função endotelial e/ou na hemodinâmica, contribuindo para aterogênese e risco de fenômenos trombo-embólicos. A este conjunto de
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