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Metodologia da Economia O: Bianchi (2003). S: Fernandes et al. (2008); Paulani (2005), cap.6. C: Fernández (1996); Rego (1996). Aula 15 Aplicações da retórica e a controvérsia sobre retórica no Brasil 1 0. Advertência sobre a aula • Esta aula vai mostrar dois aspectos dos trabalhos sobre retórica da economia no Brasil. • Uma parte consiste em mostrar como se faz trabalho retórico em metodologia, a partir do trabalho da Ana Maria Bianchi sobre a retórica de Prebisch (nestes slides, feito pelo professor). • Outra parte focaliza a discussão teórica sobre a importância e os limites da retórica, a ser apresentada pelos alunos, partindo do trabalho da Leda Paulani e da réplica a ela feita por Fernandes, Gala e Rego. 1. Apresentação: o espírito do artigo • O artigo aqui estudado analisa dois textos do economista argentino Raúl Prebisch (RP), diretor da CEPAL e sua principal liderança intelectual na época. – A CEPAL foi fundada em 1948. RP trabalhou nela praticamente desde o começo e foi seu secretário executivo de 1951 a 1963. • O argumento da Ana Bianchi é que ambos textos, embora tratassem do mesmo assunto, visavam auditórios diferentes, e por isso contêm significativas diferenças. 2. Contexto e argumentos - I • A CEPAL, dependente da ONU, foi formada em 1948, com sede em Santiago (Chile). • Sob a liderança de RP, a CEPAL virou um think-tank de ideias heterodoxas, especialmente defendendo a industrialização da América Latina. • RP escreveu em 1949 um ensaio intitulado “O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas” (conhecido como o Manifesto). • Defendendo a mesma perspectiva, ele escreveu em 1950 a introdução do relatório anual da CEPAL, “Estudio Económico de América Latina, 1949” (ou simplesmente o Estudio) 2. Contexto e argumentos - II • Principal tese: os países periféricos, exportadores de produtos primários para os países industrializados, enfrentavam uma deterioração secular nos termos de troca. • Em 1950, o economista Hans Singer, alemão vinculado à ONU, chegou independentemente às mesmas conclusões, por isso essa posição é conhecida na literatura como tese Prebisch-Singer. • Para eles, a única saída para o desenvolvimento era a industrialização (indo contra a visão das vantagens comparativas). 3. Os auditórios • O orador deve partir de teses aceitáveis para seu auditório, para criar a “comunhão de mentes”. • Os auditórios de ambos artigos são diferentes: • Manifesto: homens de negócios e técnicos do setor público dos países da AL, identificados com uma posição desenvolvimentista; eles precisam apoio teórico para sua visão. • Estudio: auditório internacional, grande parte com empregos acadêmicos, formação neoclássica e perspectiva política liberal. 4. Análise do “Manifesto” - I • Advoga claramente por um ponto de vista. • Constrói a metáfora “centro-periferia”, que seria essencial na consolidação da escola (essa metáfora tem um foro, centro/periferia e um tema, países industrializados/países não industrializados). • Segundo a teoria econômica tradicional, a divisão internacional do trabalho deveria beneficiar ao centro e também à periferia, mas ele afirma que não ocorre isso. • Problema: o progresso técnico não se difunde universalmente, logo a distância entre os polos cresce. • Responsabilidade pelo subdesenvolvimento não é mais dos países da AL, mas do centro. • RP fala do “manifesto desequilíbrio” entre centro e periferia, o que evoca o valor universal de justiça. 4. Análise do “Manifesto” - II • A apresentação da periferia como um todo permite ignorar os conflitos sociais no interior de cada país, e também entre países. • O autor escolheu certos dados estatísticos (lhes confere presença), procedimento nem tão comum na época em que ele escreveu, especialmente por que as estatísticas na AL eram escassas e pouco confiáveis. • Outros dados são ignorados: fala-se da baixa renda per capita, mas não se fala nada da explosão do crescimento demográfico nesses anos. • Já o título do Manifesto fala de “problemas”, o que pressupõe que há algo que exige uma solução. 4. Análise do “Manifesto” - III • RP muitas vezes escreve em primeira pessoa do plural, como que convidando os leitores a se engajarem na defesa do desenvolvimento via indústria. • Ele fala várias vezes de problemas sociais, supondo que o público estaria preocupado com o bem-estar social. • Quanto à teoria neoclássica do comércio internacional, ele a critica por se basear em “generalizações dogmáticas” e em “premissas negadas pelos fatos”, por atribuir algo exclusivo do centro para o mundo inteiro, dando um “falso senso de universalidade”. 5. Análise do “Estúdio” - I • RP mantém a metáfora “centro-periferia”, caracterizada por um “dramático contraste” entre os países, o que evoca novamente a necessidade de justiça (valor universal). • Dados estatísticos também aqui são essenciais na argumentação, mostrando a perda da capacidade de importar na AL. • A argumentação é em terceira pessoa, completamente impessoal. • Afirma-se que não se propõe nenhuma política (não tem conteúdo normativo explícito). 5. Análise do “Estúdio” - II • As críticas à teoria econômica são atenuadas, e o autor usa alguns argumentos ortodoxos, como a plena mobilidade dos fatores. • As críticas aparecem mais tarde no texto, e são justificadas como necessárias após as crises econômicas internacionais. • Fala muitas vezes de “teoria” econômica, enquanto que no Manifesto falava de “doutrina”. • A recomendação a favor da industrialização aparece como uma conclusão necessária de uma longa argumentação teórica. 6. Recepção dos argumentos - I • A argumentação de RP foi muito bem recebida pelo auditório leigo. A CEPAL desencadeou um período de otimismo na AL, influenciando a formação da seguinte geração de economistas. Estes manteriam a preocupação com o desenvolvimento da AL. • Em termos institucionais, RP foi bem sucedido, tornando a ISI como estratégia mais aceita na AL (o “consenso cepalino”). • Quanto aos economistas do centro, a estratégia fracassou totalmente: a tese Prebisch-Singer foi vista como ingênua, herética e ate perigosa. • Foi duramente criticado por sugerir que a abertura comercial podia não ser boa para alguém. 6. Recepção dos argumentos - II • Para Jacob Viner, as conclusões de RP seriam “fantasias danosas” ou, no melhor dos casos “meras hipóteses sobre períodos específicos que requereriam testes sérios. • Para Gottfried Haberler, o argumento se baseava em “evidência empírica insuficiente”, sem ter como demonstrar que a deterioração se manteria no futuro. • Em geral, o público especializado não aceitou como fatos aquilo que ele apontava como tais. • Esse quadro piorou nos anos 80, quando o sucesso das estratégias “voltadas para fora” na Ásia fez pensar que o desenvolvimento (industrial) não dependia dos mercados internos. 7. Conclusões • A reação negativa às ideias de RP pode se dever a algumas falhas no seu raciocínio (dados precários sobre o comércio internacional). • Mas certamente isso se explica por suas críticas à teoria tradicional, que ele associou a “generalizações dogmáticas”. • Também a defesa de uma estratégia voltada ao mercado interno (ao que se sumaria uma defesa de planejamento central) levou a considerar que era muito tolerante com ideias socialistas. • Segundo Pollock, a crítica a Prebisch se explica por razões teóricas, pragmáticas e geopolíticas.
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