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A MORTE DO JORNALISMO INFORMATIVO 29 l l N o v e m b ro d e 2 0 0 0 CONCEITOS REVISTA DA ADUFPB-JP 1. As configurações teóricas do Realjornalismo. AA dificuldade em compreender asrelações entre a política do go- verno e o cotidiano da socie- dade brasileira é um dos problemas im- postos pelo jornalismo informativo na sociedade, cujo modelo evidencia um cotidiano marcado pela divisão social do trabalho1 e a fragmentação das re- lações sociais. O modelo jornalismo que tem legitimado a prática social da exclu- são, através da defesa do modelo eco- nômico neoliberal e da globalização das economias mais ricas, tem como um de suas principais características criar «fantasmagorias» conceituais, «re- alidades lingüísticas» para justificar processos de dominação. Esta catego- ria de jornalismo denominamos «re-«re- aljornalismo»aljornalismo». Às vezes, podemos constatar certas similitudes entre o realjornalis-realjornalis- momo e a realpolitik, realpolitik, principalmente quando consideramos a construção de um processo político como extensão da violência e da sedução da socieade de consumo. Mas, do ponto de vista da criação das «realidades», o realjorna-realjorna- lismolismo não demonstra aos leitores as diferenças ideológicas que são pontos de articulações do tecido social O tempo social no realjornalis- mo nasce a partir da fratura entre o dis- curso dos atores sociais e as estratégias político-partidárias patrocinadas e cons- truídas pelo estados totalitários. Por isto, nesta linguagem referencial do jornalis- mo informativo, como nos demonstra Nílson Lage, em seu livro Linguagem Jornalística2 , a construção dos fatos jor- nalísticos obedece à lógica do espetá- culo, na qual prevalecem o tempo de exposição e a profusão de imagens. No realjornalismorealjornalismo, a única coisa importante é a demonstração dos eventos no nível da descrição, haja vista que narrar um fato social exige uma democratização das falas - pluralidade dos discursos -, aspecto negado pela concepção do modelo jornalístico que enfatiza a materialização do signo, sem se preocupar com a produção de idéi- as. Pois ao jornalismo informativo inte- ressa apenas o que pode ser anuncia- do enquanto forma discursiva, através de seus referentes. Como a realpolitikrealpolitik, o real-real- jornalismojornalismo tem por finalidade a cons- trução de um imaginário social sem conflitos ideológicos, o que demons- tra a conjugação no presente de tem- pos sociais distintos, num exercício de «effacement» dos problemas políticos enfrentados em outros períodos histó- ricos. Isto porque o principal objetivo do realjornalismorealjornalismo é: empilhar ima- gens, discursos, inscrevendo-os numa nova ordem estético-política, negan- do a complexidade do cotidiano, subs- tituindo a razão pela utopia e a utopia pelo nada. POR WELLINGTON PEREIRA A MORTE DO JORNALISMO INFORMATIVO e o nascimento do realjornalismo 30 N o v e m b ro d e 2 0 0 0 CONCEITOS REVISTA DA ADUFPB-JP 2. O Realjornalismo e a construção do Cotidiano AAs representações do cotidiano, no realjornalismo, são efetivadas a partir de uma busca pela sociedade per- feita, na qual o tempo presente (mes- mo o presente do indicativo) é negado. Isto se enfatiza no «modus» autoritário como este novo modelo de jornalismo substitui as realidades estético-sociais por «realidades lingüísticas», de forma totalitária, tudo em nome da perfeição e da estandardização das formas (aqui entendidas no sentido simmeliano)3 , como demonstra Michel Maffesoli, em seu livro, La Violence Totalitaire: «Sauter pardessus le présent au nom de la perfection de la socié- té parfaite, c´est encore passer à côté de l´épaisseur et de la densité sociale du vécu social, ce qui revient à dire qu´il ne convi- ent pas de canoniser la réalité, le statu quo, mais de voir com- ment les situations humaines sont un mixte de spectacle et d´authenticité, d´acceptation et de révolte, de banalité et d´aventure, en un moto, sont les liens de l´ambivalence (...)»4 . O realjornalismorealjornalismo concebe o mundo através da «trucagem» de ima- ges, da distorção de conceitos. Neste sentido, a técnica de construção dos textos informativos, que estabeleciam a metonímia como figura de explica- ção do mundo dos homens e dos ob- jetos, é subordinada às novas regras de «representação» do real que tomam a vida cotidiana como sendo estan- dardizada e mecânica, sem sentido fi- losófico. A violência semântica do rea-rea- jornalismojornalismo se configura na troca de una realidade por outra, obedecen- do à concepção dos sistemas políti- cos autoritários, como nos explica Hannah Arendt: «Rien ne caractérise meiux les mouvements totalitaires en géné- rale, et la gloire de leurs chefs en particulier, que la rapidité sur- prenante avec laquelle on les oublie et la facilité surprenante avec on les remplace».5 Uma das formas de dominação estético-lingüística se dá através das «techniques de remplacement». Atra- vés das técnicas de substituição, o re-re- aljornalismoaljornalismo impõe e dissolve demo- cracias que nascem do populismo mi- diático (Berlusconni, Collor, Hugo Cha- ves, Fuji Mori, Bernado Tapie), e trans- forma culturas complexas, como o mun- do árabe, em representantes de Satã. A técnica do realjornalismorealjornalismo se legitima a partir da superposição de imagens, criando «realidades lingüísti- cas » para explicar a complexidade da vida cotidiana. Isto faz com que este jornalismo se aproxime mais das exi- gências do «mau» exercício publicitá- rio, negando a interpretação da «escri- ta» de algumas narrativas jornalísticas como a reportagem, por exemplo. O realjornalismorealjornalismo nasce, em nível mundial, no momento em que os governos neoliberais, as novas tecno- logias (domínios dos países mais ricos) transformam as técnicas de informação em «procedimentos» de espetaculariza- ção das formas socias, que podem ser agrupadas em dois níveis: 1) espeta- cularização da violência e da miséria (aids e fome nos países africanos, seca e fome no Nordeste brasileiro, currup- ção nos países de economia periférica, Brasil, México, por exemplo); 2) espe- tacularização das riquezas (o bem-es- tar social das nações mais ricas: os Estados Unidos, Japão, Inglaterra e Franças como forma de controle e es- petacularização do político). Colag em e digita lizaçã o de image ns public adas em re vistas e jor nais d e circ ulaçã o nac ional 31 l l N o v e m b ro d e 2 0 0 0 CONCEITOS REVISTA DA ADUFPB-JP Em suas formas narrativas, o realjornalismorealjornalismo estabelece uma alian- ça de significados e significantes entre a política e o consumo. É evidente que isto se dá através de uma linguagem sofisticada, na qual a principal função é a dominação e o aniquilamento das antinomias sociais. O contrato entre mercado de bens de consumo e mercado de infor- mação, cujos contornos estão bem de- finidos com o advento da Internet, transforma o jornalismo em campo de trocas simbólicas e circulação de mer- cadorias. Neste campo de trocas simbó- licas, a retórica do realjornalismorealjornalismo procura diminuir as distâncias geográ- ficas e desqulificar os embates ideoló- gicos em torno da supremacia dos Es- tados mais poderosos. Mas tudo isto se estabelece num programa de exclu- são, na dominação através da violên- cia econômica, sem considerar as for- mas de resistência encontradas no quotidiano, como demonstra Serge Halimi, no seu livro Les nouveaux chi- ens de garde: « La vie sociale résiste à l´écran, elle n´est pas virtuelle, elle in- forme souvent davantage que l´information sur les mécanismes du pouvoir est sur l´ urgencedes refus (...).6 O realjornalismorealjornalismo é a fusão da política de difusão « entrópica » de in- formações, sem considerar contextos sociais distintos, com a disseminação da sociedade de consumo, cujo objeti- vo é dominar os países, economica- mente, mais pobres, padronizando des- de a cozinha (verificar a proliferação da cultura macdonald’s no mundo) até a forma dos diálogos televisuais (ver a síndrome dos talks-shows). A resistência ao realjornalis-realjornalis- mo mo deve ser didático-cultural. Isto exi- ge uma leitura crítica dos referentes culturais e seus tempos sociais distin- tos nas sociedades contemporâneas, e a verificação dos significados impos- tos pela pragmática jornalística. Estas análises podem evitar que as tecnolo- gias dos mais poderosos, em termos econômicos, aniquilem as ações dos mais pobres, como se evidencia nas narrativas da Imprensa brasileira des- te final de milênio. Wellington PereiraWellington Pereira é doutor em Sociologia pela Université René Descartes, Paris V, Sor- bonne, na qual defendeu a tese: Le quotidien voilé: l’affaire Collor de Mello dans le maga- zine brésilien Veja (inédita). Desde 1986, é professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba. É autor dos livros: 1) Crônica: arte do útil ou do fútil? - ensaio sobre a crônica no jornalismo impresso, João Pessoa, Ed. Idéia, 1992; 2) As possibilidades do róseo (ficção). Atualmente, coordena uma pesquisa sobre o cotidiano dos jornalistas na Paraíba e o Seminário Leituras do Cotidiano. A U T O R 1) Durkehim, Émile. De la vision social du travail. Paris, PUF, 1998. 2) Lage, Nílson. Linguagem jornalística. São Paulo, Ática, Col. Princípios, 1990. 3) Simmel, Georg. La sociologie et l’experience du monde moderne. Org.: Patrick Watier. Paris, Méridiens, 1979. 4) Maffesoli, Michel. La violence totalitaire. Paris, Méridiens, 1979. 5) Arendt, Hannah. Le système totalitaire - Les origines du totalitarisme. Paris, éditions du Seuils, coll ; Points_Essais, 1972. 6) Halimi, Serge. Les nouveaux chiens de garde. Paris, 1998. B I B L I O G R A F I A Reprodução digital de fotografia sobre a Guerra no Golgo Pérsico
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