Buscar

labpolitica.files.wordpress.com_2010_01_nogueira-marco-aurelio-o-desafio-de-construir-e-consolidar-direitos-no-mundo-globalizado

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Serviço Social & Sociedade. ISSN 0101-6628. 
Revista Quadrimestral de Serviço Social. São Paulo, Ano XXIV, nº 82, 
julho 2005, p. 5-21. 
 
 
O desafio de construir e consolidar 
direitos 
 no mundo globalizado [1] 
Marco Aurélio Nogueira 
 
RESUMO: O artigo pretende examinar em que medida os direitos 
humanos, e particularmente os direitos sociais, encontram-se 
ameaçados pela reiteração da modernidade capitalista tardia e da 
globalização, sobretudo naquilo que eles implicam em termos de 
retração dos Estados nacionais. Seu pressuposto é que os direitos 
de cidadania refletem conquistas importantes do movimento 
democrático e das lutas sociais dos séculos XIX e XX, mas não são 
uma dádiva nem uma concessão: foram “arrancados” por 
iniciativas sociais e por operações políticas complexas. Sua 
reprodução, sua defesa e o prosseguimento de sua ampliação, nas 
condições atuais, dependem não apenas de uma valorização da 
idéia da norma e do Estado “ético”, como também da plena 
afirmação da gestão pública e da colocação em curso de uma 
dinâmica política que não dissocie a luta por direitos da luta 
democrática. 
 
PALAVRAS-CHAVE: direitos humanos, globalização, cidadania, 
Estado nacional, democracia, gestão pública. 
 
ABSTRACT: The article intends to examine if the human rights, and namely 
the social rights, are in danger in the circunstances of the capitalistic 
globalization, in which there is a national state retraction. The main argument of 
the article is that the human rights are not a gift neither a concession, but a 
result of important social actions and complex political operations. His 
reproduction, his protection and his enlargement depends on a valorization of 
the “ethical” State idea and on the affirmation of the public management and of 
a political dinamics that not separated the struggle for rights and the democratic 
struggle. 
 
KEYWORDS: Human Rights, Globalization, Citizenship, 
National State, Democracy, Public Management. 
 
 
O desafio de construir, afirmar e consolidar direitos é um tema 
caro às melhores tradições democráticas e à trajetória histórica 
das Ciências Sociais. Trata-se de um tema explosivo, estratégico, 
que nos projeta para o centro mesmo da vida moderna e nos põe 
diante de pelo menos uma questão de excepcional magnitude, 
que afeta a sociabilidade contemporânea como um todo: dadas as 
ameaças e as dificuldades que hoje se antepõem aos direitos de 
cidadania, e particularmente aos direitos sociais, estariam estes 
direitos à beira do precipício, prestes a desaparecer ou a perder a 
legitimidade de que se valeram sistematicamente no decorrer do 
século XX? Como fazer para reiterá-los e defendê-los quando tudo 
parece contra eles conspirar? 
De uma perspectiva mais geral, os direitos podem ser vistos como 
problema inerente ao modo moderno de viver e de conviver, bem 
como ao modo moderno de fazer política, entender a política e 
organizar a política. Têm acompanhado as vicissitudes da 
modernidade, se adaptado a ela e em boa medida auxiliado a dar, 
a essa modernidade, formas mais elaboradas de reconhecimento 
e de autoconsciência. Se a modernidade avança para além de sua 
dinâmica ―simples‖, se se radicaliza e se torna mais ―complexa‖, 
como sustentam diversos autores, [2] é razoável que sejamos 
obrigados a reconhecer que alguma turbulência adicional se 
instale na esfera específica dos direitos humanos. 
O presente artigo procura, antes de tudo, fixar algumas hipóteses 
de trabalho para uma reflexão preliminar sobre os direitos 
humanos em condições de modernidade radicalizada e de 
globalização econômica capitalista. A partir delas, também 
procura pensar em voz alta sobre a questão dos direitos e da 
esfera pública no Brasil e, como conclusão, lançar algumas idéias 
para o encontro de saídas para os impasses que se vislumbram 
hoje em dia. 
 
Para pensar os direitos 
1. Os direitos de cidadania, e particularmente os direitos sociais, 
são um parâmetro fundamental da vida civilizada e refletem 
conquistas importantes do movimento democrático e das lutas 
sociais dos séculos XIX e XX. São uma prova cabal de que a 
humanidade tem sabido construir, ao lado da exacerbação do 
mercado, da competição, da violência e da exploração capitalista, 
formas mais dignas de convivência. Os direitos, porém, não são 
uma dádiva, nem uma concessão. Foram ―arrancados‖ por lutas e 
operações políticas complexas. Além disso, também têm 
funcionado como um importante fator de reprodução social e de 
reposição da força de trabalho: não são uma doação dos 
poderosos, mas um recurso com o qual os poderosos se adaptam 
às novas circunstâncias histórico-sociais, dobrando-se com isso, 
contraditoriamente, às exigências e pressões em favor de mais 
vida civilizada. 
Os direitos também não constituem a expressão de uma chegada 
da classe operária ao paraíso, isto é, da plena e definitiva 
emancipação social. São uma espécie de tradução jurídica do 
processo de socialização política que acompanha a modernidade 
capitalista, e que se manifesta na instauração de níveis 
progressivos de cidadania e na participação de grupos 
populacionais cada vez mais amplos no governo da sociedade. 
São, em suma, um fator que viabiliza o sistema e ao mesmo 
tempo um fator que ajuda a que avance a oposição ao sistema 
por dentro do sistema. Os direitos como um todo são 
indispensáveis para que se possa pensar numa forma democrática 
e justa de vida. No mínimo por isso, deveriam ser sempre 
plenamente valorizados e defendidos. 
2. Nas últimas décadas, a cidadania dilatou-se de forma inédita e 
inusitada. O campo dos direitos está hoje definido pela reiteração 
de antigas conquistas (direitos civis e políticos), pela oscilação dos 
direitos sociais e pela afirmação incessante de ―novos direitos‖, 
que recobrem territórios tão vastos quanto o meio ambiente, a 
sexualidade e a bioética. A vida moderna ficou inseparável de um 
progressivo, tenso e irregular reconhecimento jurídico dos direitos 
de cidadania. Ao mesmo tempo, a luta por direitos está longe de 
se ter esgotado ou de ter encontrado um ritmo regular. 
Paralelamente à reiteração jurídico-formal dos direitos, continuam 
a se multiplicar as situações de desrespeito, preconceito, exclusão 
e indiferença, assim como continuam a se prolongar as situações 
de marginalidade, ―desproteção‖ e arbítrio. 
Devemos tentar compreender as razões dessa sinuosidade e as 
conseqüências e implicações dessa dilatação. 
Quando, no correr do século XX, os interesses homogêneos das 
grandes classes do mundo do trabalho foram se inserindo na 
arena pluralista da representação e no status de cidadania, 
algumas contradições se evidenciaram. Tal processo, por um lado, 
permitiu o surgimento dos grandes agregados de cidadãos 
incluídos e protegidos, mas não promoveu o desaparecimento dos 
grupos de excluídos, pobres e marginalizados. Com isso, muitos 
indivíduos perderam concretamente as condições para exercer e 
reclamar o cumprimento de direitos humanos básicos (de primeira 
e segunda geração, por exemplo), passando a viver à margem de 
proteções formais ao seu status nominal de cidadão. 
A «era dos direitos» acabou, assim, por produzir um certo 
impasse no campo da cidadania. Afinal, os que se organizam com 
maior competência podem se fazer representar de modo 
qualitativamente superior e, nessa medida, podem participar 
melhor da vida pública, influenciar os mecanismos de decisão, 
conquistar direitos e posições mais vantajosas na escala 
distributiva. 
A extensão da cidadania também formulou, para o século XX, o 
desafio dos chamados direitos de terceira e quarta geração, que 
não dizem respeito a grandes interesses agregados e homogêneosmas a diversificados interesses difusos, multidimensionais, 
referidos a questões que são vitais para todos os habitantes da 
Terra. Incluem-se aí tanto os direitos vinculados ao gênero, às 
várias fases da vida (crianças, terceira idade), aos estados 
excepcionais da existência (enfermos, portadores de limitações 
físicas ou mentais), ao meio ambiente e à natureza, quanto os 
direitos associados à integridade genética das pessoas, por 
exemplo. 
Todo esse processo expandiu e recriou a cidadania, associando a 
ela novos temas e novas dimensões. Trouxe também 
interrogações e dúvidas até então adormecidas, bem como um 
conjunto de novas exigências em termos de gestão de políticas 
públicas. Entre outras coisas, a multiplicação das demandas e a 
fragmentação dos interesses puseram em xeque os critérios até 
então prevalecentes para estabelecer e fixar o quadro dos 
direitos: quem tem direito a que, quando e em que proporções? 
Ao mesmo tempo, agravou-se o problema do financiamento dos 
gastos públicos e, mais ainda, o da gestão financeira e o da 
tributação. Tornou-se decisivo saber administrar os custos 
derivados da afirmação do pluralismo sem afetar ou rebaixar suas 
virtudes, o que exige doses extras de competência técnica, 
densidade cultural e sensibilidade política. Mais do que nunca 
passamos a depender de políticas sociais ativas, tanto no que elas 
representam para a viabilização dos direitos sociais, quanto no 
que têm de repercussão sobre os direitos civis e políticos. 
A cidadania social terminou, desse modo, por ficar cortada por 
uma contradição, já que, para ser viabilizada, não só requisita 
uma maior fatia dos fundos públicos e força a expansão das 
burocracias estatais, como também consolida o protagonismo e as 
vantagens das organizações corporativas ou dos grupos sociais 
mais fortes. Mais significa mais emancipação, mas significa 
também maior esforço e mais custo social, uma maior disposição 
para o ―sacrifício‖. Sem isso, ela não se estabiliza, nem tem como 
continuar avançando. 
3. O quadro dos direitos humanos encontra-se complicado e 
ameaçado pelos impactos e pelas implicações da globalização, 
que entre outras coisas retira soberania dos Estados nacionais e, 
com isso, reduz a capacidade que estes Estados têm de regular, 
controlar e proteger, perturbando-os como fonte de garantia de 
expectativas normativas. Os direitos humanos em geral e 
particularmente os direitos sociais ficam, deste modo, sem o 
devido anteparo estatal, correndo o risco de se perderem ou de 
simplesmente não serem efetivados. Na marcha rumo à 
―sociedade global‖, emergem novos espaços de produção de 
direitos que, no entanto, não gozam de garantias ou proteções 
consistentes, ficando na dependência da vontade política dos 
governantes, da dura luta dos interessados ou da ativação ético-
política da sociedade civil. 
Vivemos em uma época que apresenta um mercado mundial, 
que assiste à constituição de uma sociedade mundial mas que 
nem de longe se reconhece em um Estado mundial. Há muito 
pouco de ordem na ―ordem mundial‖ em que estamos inseridos. 
Há pouca regulação, pouca justiça social e pouca igualdade 
efetiva. Que mundo global é este em que cerca de 300 
multimilionários possuem renda superior a tudo o que é 
acumulado por 2,3 bilhões de habitantes da Terra? Em que 
aproximadamente 17 milhões de pessoas morrem a cada ano de 
doenças como malária, diarréia ou tuberculose? Em que quase 
1/3 da população mundial (1,3 bilhão de pessoas) vegeta na 
pobreza? 
Não há regras categóricas estabelecidas e respeitadas, apenas 
―janelas de oportunidades‖, como se costuma dizer. Muitos 
espaços locais (regionais ou subnacionais) movem-se animados 
pelo desejo de contrastar uma ―ordem mundial‖ marcada pela 
indiferença, pela agressividade, pela violência. Comunidades 
inteiras sentem-se prejudicadas pelas forças globais e como não 
conseguem encontrar respostas dos governos a que estão 
submetidas, amplificam suas demandas de autonomia e vão de 
alguma forma à luta. 
Os fatores de ―desagregação‖ e de quebra de hierarquias 
institucionais são poderosos. O ímpeto de defender identidades e 
tradições ameaçadas é igualmente potencializado, até mesmo 
como meio de resistir a mudanças que não podem ser 
controladas. O fundamentalismo e o sectarismo surgem, assim, 
como uma tendência inscrita na própria lógica da globalização. 
Ao mesmo tempo, porém, como que a contrastar e a frear tal 
tendência, percebe-se que a movimentação geral também contém 
uma orientação distinta, de natureza cosmopolita e receptiva à 
expansão da democracia participativa em nível global. Hoje, agem 
no mundo não apenas os Estados nacionais, mas também 
inúmeras outras formas de ―associação‖: cidades, regiões, 
movimentos políticos e redes globais. E não há porque duvidar 
que, desta pluralização e desta efervescência, não possam surgir 
vetores positivos e ações afirmativas, voltadas para a composição 
democrática de uma efetiva ordem mundial. 
4. Apesar de vivermos numa ―era de direitos‖ repleta de 
conquistas e avanços, os direitos sociais parecem hoje viver muito 
mais como direitos proclamados, ―direitos em sentido fraco‖ ou 
expectativas de direitos, como diria Norberto Bobbio, do que 
como direitos efetivamente usufruídos, ou seja, ―direitos em 
sentido forte‖. Há, no campo dos direitos sociais, um maior grau 
de defasagem entre a norma jurídica e a sua efetiva aplicação. 
Trata-se de uma defasagem comum a todas as áreas, mas que, 
na área social, parece ser maior, basicamente porque os direitos 
sociais dependem muito, para serem efetivamente usufruídos, de 
decisões políticas cotidianas, tomadas no dia-a-dia, em função de 
mil e uma contingências políticas, econômicas ou financeiras. Os 
direitos sociais trazem consigo, como sabemos, a necessidade de 
alocações expressivas de recursos: financeiros, humanos, técnico-
científicos, organizacionais, políticos, seja para que se financiem 
os direitos, seja para viabilizá-los no plano organizacional. Como 
são recursos de natureza ampla, quase sempre mexem com 
interesses estabelecidos, e por isso acabam ficando na 
dependência de acertos, acordos, pactos societais, decisões de 
natureza governamental e política, que muitas vezes 
comprometem a efetiva aplicação, implementação e proteção 
desses direitos. 
5. Os direitos sociais são direitos de tipo especial, já que não 
implicam a possibilidade da criminalização. Diferentemente do 
que ocorre com os demais direitos, que trazem consigo a 
possibilidade de penalizar aqueles que os infringem, no caso dos 
direitos sociais essa possibilidade, ou não existe, ou está 
radicalmente enfraquecida. O governante que não cumpre o que 
estabelece a norma constitucional no plano dos direitos sociais 
pode, quando muito, sofrer sanções morais e desgaste político. 
Somente será criminalizado se o não-cumprimento vier 
acompanhado de atos abertos de corrupção: a incompetência ou 
a opção por uma política social inconsistente, equivocada, 
prejudicial à população, não são ―crimes‖. Vale a pena, portanto, 
pensar na provocativa pergunta feita por Bobbio: será que ainda 
podemos chamar de direitos aqueles direitos ―cujo 
reconhecimento e cuja efetiva proteção podem ser adiados sine 
die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de 
executar o ‗programa‘ é apenas uma obrigação moral ou, no 
máximo, política?‖. [3] 
Podemos, é claro, continuar chamando de direitos a essas 
exigências, que são sobretudo expectativas de direitos, mas só 
teremos a ganhar se soubermos evitar a confusão entre a 
exigência de proteção futura de um certo bem (a saúde, por 
exemplo), que posso proclamar e exigir com certa facilidade, e a 
proteçãoefetiva desse bem, algo que muitas vezes só posso 
conquistar mediante recurso a uma corte de justiça. No campo 
dos direitos sociais, não há tribunais capazes de reparar erros 
gerenciais, má alocação de verbas ou opções políticas 
equivocadas, nem muito menos de punir os culpados. 
 
Procurando as determinações 
Se caminharmos em direção à vida concreta, podemos ver que toda a 
problemática inerente aos direitos sociais está no Brasil bastante amplificada. 
Os brasileiros não são protagonistas de uma experiência histórica rica na 
elaboração de pactos sociais consistentes ou na construção orgânica e 
―funcional‖ dos direitos de cidadania. Têm sido precários, entre nós, os 
arranjos políticos e os entendimentos comuns dedicados a estruturar e a 
viabilizar, por exemplo, uma melhor distribuição de renda e escolhas públicas 
voltadas para a valorização e a proteção efetiva dos direitos sociais. Ainda hoje 
nos faltam lealdades políticas e lealdades sociais para que se tomem decisões 
firmes em favor de direitos. Em decorrência, os direitos sociais não têm sido 
muito respeitados e nem têm fluído em condições razoáveis. 
A formação histórica brasileira teve muito Estado. Sem a 
intervenção estatal direta, sem a organização e a atuação de um 
aparelho de Estado tecnicamente qualificado e ―forte‖ não 
teríamos tido o que tivemos de desenvolvimento industrial e de 
inclusão social. Mas tivemos pouco Estado enquanto comunidade 
política e enquanto fiador da vida democrática e da cidadania 
plena. Os próprios direitos (civis, políticos e sociais) vigoraram 
entre nós de modo seletivo: tornaram-se nominalmente 
universais, mas nunca foram efetivamente usufruídos por toda a 
sociedade. Sempre existiram obstáculos complicados para a 
democratização e para a socialização efetiva dos direitos de 
cidadania, por mais que a luta em favor de um Estado 
democrático de direito tenha se mantido como horizonte de 
atuação de muitos brasileiros. Basta ver, por exemplo, a situação 
de ―abandono‖, medo e insegurança social em que vivem diversos 
setores da população (principalmente os de baixa renda) para se 
constatar como deixamos a desejar neste terreno da construção 
do Estado como comunidade política e mesmo como aparelho 
dedicado a prover os serviços básicos para a vida cotidiana. 
Houve avanço em 1988, com a nova constituição. Ela não só 
valorizou política e juridicamente os direitos de cidadania – não é 
à toa que ela passou à história como ―Constituição-cidadã‖ – 
como também abriu e fortaleceu o Estado como espaço de 
autonomia individual e de ação coletiva. A sociedade civil foi 
valorizada e inserida no campo mesmo da gestão de políticas 
sociais, via instituto da descentralização participativa. Do mesmo 
modo, o Ministério Público ganhou impulso e autonomia em todas 
as suas instâncias, a federal e as estaduais. Com isso, conseguiu 
ampliar um pouco mais a confiança dos cidadãos no Estado, ou ao 
menos compensar o grave descrédito das instituições públicas. De 
1988 para cá houve de fato muita evolução e muitas conquistas 
políticas e sociais. O Brasil não ficou parado, nem retrocedeu, 
muito ao contrário. 
Mesmo assim, ainda deixamos a desejar em termos de Estado democrático de 
direito e em direitos de cidadania. E esta é uma situação que fica 
dramaticamente agravada no quadro de uma globalização arrogante, dominada 
por um mercado irresponsável e direcionada por uma hegemonia neoliberal 
que, entre outras coisas, trava o desenvolvimento, promove o desemprego e 
exacerba a concorrência entre os diferentes grupos sociais. 
 Como então sustentar, digamos assim, as hipóteses acima 
apresentadas? Quais os fatores que determinam o atual estado de 
dificuldades e restrições que afetam os direitos sociais? Gostaria 
de apresentar alguns pontos que, na minha avaliação, ajudam a 
explicar estas restrições e dificuldades e, ao mesmo tempo, a 
avaliar os caminhos que temos de trilhar para fazer com que 
esses direitos especiais, que são os direitos sociais, ganhem 
consistência, estabilidade, proteção e efetiva aplicação. 
Começaria dizendo que conhecemos hoje uma situação de crise 
do Estado e de crise do Estado nacional. Podemos aliviar um 
pouco a carga dramática desta idéia de crise – afastá-la 
claramente, por exemplo, de qualquer visão apocalíptica, 
associada a morte, a fim, a colapso definitivo –, mas não temos 
como negar que existe hoje um profundo mal-estar no espaço 
estatal, um desarranjo, uma falta de coordenação, uma falta de 
estruturação. Com isso, estamos perdendo o terreno histórico-
social concreto em que se vincularam até hoje e em que foram 
praticados os direitos, e os direitos sociais em primeira instância. 
Tais direitos vivem hoje ao sabor de turbulências internacionais, 
escassez de recursos, planos de estabilidade recessivos, ajustes, 
pressões e constrangimentos de diferentes tipos. Justamente por 
isso, flutuam sem encontrar a devida proteção jurídica e política. 
Associado a este quadro, há o processo de mercadorização geral. 
Estamos vivendo uma fase em que predomina no mundo uma 
mentalidade de mercado. Gostemos ou não gostemos disto, 
estamos obrigados a reconhecer que este é um dado da realidade. 
A visão de que o mercado funciona como parâmetro e como 
recurso para obter todos os bens parece-me hoje dominante, 
dominante não necessariamente no coração do povo mas 
seguramente na cabeça dos dirigentes políticos, na cabeça dos 
gestores, dos gerentes, dos empresários, de muitos dirigentes 
associativos, de muitos formadores de opinião. Sendo verdadeiro 
isso, tudo tende a ser reduzido a uma relação de compra e venda, 
incluindo os direitos, a justiça, a igualdade e assim por diante. 
Tudo vira mercadoria. Hoje temos uma situação tendencialmente 
disposta no sentido da idéia de que os direitos sociais também 
podem ser ―comprados‖: os que podem pagar por eles são 
lançados para fora do campo público e os direitos sociais 
propriamente ditos (direitos publicamente garantidos, universais, 
cobertos pelo imposto recolhido pela sociedade) são, quando 
muito, previstos exclusivamente para os mais pobres. Trata-se de 
uma tendência que até pode repercutir positivamente em termos 
de finanças públicas, mas que seguramente enfraquece o campo 
dos direitos sociais e tira legitimidade deles. 
Os direitos estão complicados, também, em terceiro lugar, porque 
temos hoje no mundo, e portanto também no Brasil, uma espécie 
de crise da idéia de cidadão. A idéia de cidadão é uma idéia 
sofisticada, complicada, e hoje me parece que ela está em crise 
sobretudo porque tende a se afirmar quase que exclusivamente 
no plano dos direitos, deixando para trás o plano das obrigações. 
È uma conseqüência do clima geral, de pouca perspectiva coletiva 
e muito individualismo. Junto com a crise da idéia de cidadão há 
uma crise da idéia de República, ou seja, o cidadão republicano 
está hoje gravemente reduzido ou à condição de consumidor ou à 
condição de eleitor, de alguém que é chamado a referendar 
decisões que são tomadas em âmbitos aos quais ele não tem 
acesso. Os cidadãos reclamam, protestam, fazem plebiscitos, 
votam regularmente de dois em dois anos ou de quatro em 
quatro, mas não conseguem entrar no ventre em que são geradas 
as decisões. 
Além do mais, somos protagonistas de uma época que assiste a 
uma espécie de colisão entre o social e o institucional. Trata-
se de uma situação que se manifesta com força no Brasil. 
Estamos numa fase em que o plano social está muito excitado, 
muito exacerbado, ficou muito complexo; é diferenciado, 
diversificado, conhece uma enorme dispersão em termos de 
interesses. Há problemas sociais gravíssimos, como sabemos 
bem, e as instituições não conseguem dar contadisso, não 
parecem possuir a legitimidade e a plasticidade suficientes para 
assimilar e muito menos direcionar ou dirigir o social. Tal 
defasagem entre o mundo social, o mundo dos interesses, o 
mundo das pessoas, e o mundo das instituições é uma 
defasagem perturbadora que não só torna extremamente difíceis 
a reprodução e a renovação dos pactos fundamentais, como torna 
também extremamente árdua a organização dos instrumentos 
com os quais podem ser implementadas políticas sociais, e 
sobretudo políticas sociais mais agressivas. Não há como lutar por 
direitos sem luta institucional – luta mediante instituições, dentro 
de instituições e em defesa de instituições –, mas a luta 
institucional não pode substituir a luta social. 
Em quinto lugar, precisamos reconhecer também que, nesse 
contexto, afirma-se uma idéia perversa de reforma – de reforma 
da administração pública e de reforma do aparelho de Estado, 
sobretudo –, ou seja, uma visão que reduz a reforma ao plano 
técnico-administrativo e ao plano fiscal-financeiro. O reformismo 
com que atravessamos a última década do século XX acabou, de 
um lado, por despolitizar radicalmente todo o debate a respeito 
de seu sentido e de seu programa: tornou-se um reformismo 
incapaz de se completar e de se desdobrar em resultados 
socialmente expressivos. A dinâmica reformadora não esteve 
socialmente orientada. De outro lado, tal reformismo ajudou a 
fazer com que as instituições passassem a sangrar e a se 
desmobilizar: quebrou a identidade delas, liquidou seus recursos 
humanos, sucateou seu principal patrimônio. Tal idéia de reforma, 
que está bastante concentrada no barateamento dos serviços e no 
enxugamento da burocracia, alimenta operações gerenciais que 
levam as organizações à falência. As organizações públicas, 
maltratadas dos mais diferentes modos, foram ainda por cima 
consideradas como despreparadas para enfrentar o ambiente 
competitivo em que se vive, devendo ceder espaço para 
organizações mais ―modernas‖, quase sempre vistas como market 
oriented. 
Para complicar ainda mais a situação, esta idéia de reforma e de 
Estado prolongou-se no tempo e fixou-se na agenda nacional. 
Ainda não foi superada pelo novo governo eleito em 2002, que 
ascendeu impulsionado por um enfático compromisso com as 
reformas e com combate à questão social. Devemos portanto nos 
perguntar: pode um governo de esquerda realizar-se como 
governo de esquerda com a manutenção da idéia neoliberal de 
reforma do Estado? Pode-se reformar a sociedade – superar sua 
crônica desigualdade, distribuir renda, retomar o desenvolvimento 
e dinamizar o sistema de proteção social e de direitos de 
cidadania – sem um esforço determinado para inventar um novo 
Estado? Pode-se avançar com a reiteração de uma teimosa 
política de ajuste fiscal, mas não de desenvolvimento? 
Sabemos que não. Porém, na atual conjuntura, são muitos os 
obstáculos e os constrangimentos. Não se trata apenas de exigir 
governos com coerência programática e vontade política, mas sim 
de descobrir a maneira de agir em termos realistas e 
democráticos num contexto complexo. E o realismo 
democrático, hoje, talvez imponha um preço alto demais em 
termos de velocidade na obtenção de resultados. No fundo, todo 
governo reformador caminha hoje sobre uma corda estreita, 
estendida sobre um abismo de riscos e perigos. Temos de 
aprender a manter de pé a idéia mesma de governo reformador, 
da possibilidade de um governo que se dedique à efetivação de 
reformas socialmente orientadas e democraticamente 
implementadas, tanto para conseguirmos preservar e aprofundar 
o que já se conquistou quanto para impulsionar as ações 
governamentais em um sentido mais radical. Temos de descobrir 
um modo de criticar os governos reformadores sem inviabilizá-
los. 
Por fim, vinculado a este quadro, processa-se uma espécie de 
sofrimento organizacional generalizado: as organizações estão 
sofrendo. A vida organizada está sofrendo.[4] É como se o mundo 
estivesse ―doente‖, e se o mundo está doente as organizações 
adoecem também, e sem organizações a vida fica muito 
complicada, principalmente no campo dos direitos e dos direitos 
sociais em particular. Como as organizações estão sofrendo, elas 
tendem a criar condições para o aparecimento, no interior delas, 
de uma elite de gestores sem audácia e sem criatividade, 
gestores opacos, desvinculados de interesses ou compromissos 
organizacionais, carentes de responsabilidades públicas, que 
atuam com os olhos naquilo que é considerado o up to date da 
ciência administrativa, com os olhos no caixa, com os olhos em 
estratégias gerenciais de último tipo. Estes gestores acabam por 
minar as resistências organizacionais. Se passarmos uma vista 
panorâmica pelas organizações públicas do campo técnico-
burocrático e científico – como as universidades públicas, por 
exemplo --, veremos uma situação assustadora: as organizações 
são pressionadas a partir de fora (via cortes orçamentários ou 
imposições políticas, por exemplo) e não estão conseguindo 
contar com boas e qualificadas respostas a partir de dentro delas. 
E isto seguramente despoja os governos e os movimentos sociais 
de um aparato intelectual e operacional decisivo para fazer certas 
políticas ganhem maior consistência, maiores chances de 
implementação, maior rigor técnico, e assim por diante. 
 
Para o encontro de saídas 
Sendo esse o quadro, em que saídas podemos pensar? Não há 
como sugerir qualquer pauta de soluções categóricas, mas pode-
se fixar algumas idéias preliminares. Elas não garantem o 
encontro de saídas, mas sem elas as saídas não aparecerão. 
O primeiro ponto é que temos de descobrir pela política, pelo 
social, pelo intelectual, por fóruns democráticos e eminentemente 
dialógicos, uma forma de colocar em curso um novo movimento 
de valorização da norma, um novo movimento de valorização do 
Estado, não do Estado reduzido a aparato de intervenção, porque 
deste, num certo sentido, nós até temos bastante, mas do Estado 
como expressão jurídica de pactos coletivos consistentes, com os 
quais seja possível no mínimo domesticar o mercado e frear a 
liquidação do patrimônio e dos valores públicos. Sem essa 
valorização da idéia da norma, da idéia do pacto, da idéia do 
Estado ―ético‖, não teremos como estabelecer um sentido comum, 
republicano e democrático para a vida social. 
O segundo ponto é uma espécie de princípio: se é verdade que há 
hoje uma crise no campo dos direitos sociais, que estão sendo 
questionados pelas mudanças que a inovação tecnológica, a 
globalização da economia e da comunicação, os avanços 
científicos e a reorganização das relações internacionais estão 
provocando na estrutura produtiva, no Estado, na vida em geral, 
se é verdade que há uma crise neste campo, também é verdade 
que a questão dos direitos e da luta por direitos é ineliminável e 
se reproduz de modo inevitável. Ela não consegue ser silenciada, 
nem desativada, nem represada. Em boa medida, a questão dos 
direitos espelha o mundo em que vivemos, com suas injustiças, 
suas desigualdades, seus dilemas e suas contradições. A luta por 
direitos, por isso, quando devidamente politizada, nos coloca de 
novo, o tempo todo, no olho do furacão, ou seja, no terreno dos 
conflitos, das lutas sociais, e acaba por nos animar a brigar por 
uma ordem social justa, sem miséria, sem exclusões, sem 
desigualdades. 
O terceiro ponto é que teremos de afastar os direitos do campo de 
que eles estão se aproximando perigosamente hoje. O que quero 
dizer com isso é que os direitos, e sobretudo os direitos sociais, 
não são um item do orçamento público, não podem ser reduzidos 
ao financeiro, às condições financeirasdas sociedades e muito 
menos às opções de política financeira feitas pelos governos das 
sociedades. O financeiro sempre pesa, e não há como ignorar 
suas restrições. Mas se não salvarmos os direitos da lógica 
financeira, não vejo como eles poderão ser implementados e 
protegidos. O determinismo economicista, a mentalidade contábil 
e a arrogância fiscalista do nosso tempo, dependentes que são do 
fundamentalismo de mercado hoje prevalecente, mostram sua 
pior face ao conceber os direitos como itens do orçamento. Os 
direitos não podem assentar no mercado: eles não são 
personagens do mercado, mas do Estado, e somente no Estado 
podem encontrar proteção e viabilidade. Estão inseridos, 
portanto, no coração da política. 
O quarto ponto tem a ver com gestão. Que fazer para organizar e 
dirigir os complexos sistemas que respondem pela formulação e 
pela implementação das políticas com as quais os direitos são 
viabilizados e garantidos? Além dos inúmeros problemas e 
tensões inerentes à idéia mesma de proteção social (direito do 
cidadão, dever do Estado, mas algo sempre dependente de pactos 
e decisões complicadas), além dos problemas decorrentes da 
própria natureza explosiva e desafiadora da sociedade brasileira, 
temos de enfrentar também os desafios positivos, como é o caso, 
para falar naquilo que é bem típico da área social, da tradução 
prática da diretriz da descentralização participativa, que é, em 
si mesma, complexa e, por isso, transfere ainda mais 
complexidade para os sistemas. Trata-se de uma diretriz que 
inova e promete democracia, sobretudo porque vem 
acompanhada de mudanças institucionais que ampliam 
efetivamente a participação social (como os Conselhos e, 
eventualmente, outros colegiados paritários). A diretriz inovadora, 
porém, sobretudo no curto prazo (isto é, enquanto ainda não se 
formou uma nova cultura política, organizacional e gerencial), 
acirra bastante a arena de disputas, fazendo com que o mundo 
dos interesses venha à tona, quase sempre de forma bruta, isto 
é, como ―interesses particulares‖, autocentrados, refratários à 
geração de efeitos coletivos integradores. 
Como fazer isso num quadro marcado pela necessidade que 
temos, no setor público, de encontrar formas de gestão que não 
só se mostrem eficientes e prestem bons serviços, mas também 
sejam capazes de criar um trabalhar mais pleno de sentido, não 
só um emprego a ser defendido? Hoje, no Brasil, a questão 
gerencial contém uma dose tripla de dramaticidade. Precisamos 
gerir de modo democrático o sistema e os coletivos de produção 
de serviços, tanto para que eles funcionem com os olhos no 
cidadão, quanto para que eles se convertam em espaços onde os 
próprios gestores possam defender seus empregos e, acima de 
tudo, desenvolver um trabalho mais pleno de sentido. Ao mesmo 
tempo, temos de conviver com uma visão hegemônica de reforma 
que conspira abertamente contra isso. 
O tema da gestão democrática ainda não recebeu um tratamento 
cabal entre nós. Continua a nos desafiar e a nos seduzir. Trata-se 
de um tema composto de muitos temas: a participação, a 
liberdade, o controle social, a composição dos interesses, o poder 
compartilhado, os sujeitos autônomos, a eficiência. A gestão 
democrática é um arranjo sofisticado: combina institucionalidade, 
compromisso e pacto com criatividade, iniciativa e 
empreendedorismo. Trata-se de um outro modo de organizar e de 
agir: um outro modo de fazer política nas organizações e com as 
organizações. Justamente por isso, a gestão democrática não se 
identifica com inovação gerencial ou com adoção de novas 
tecnologias de gestão, como apregoa o discurso hoje dominante. 
Nela, o tema da eficiência surge de modo bem preciso: desliga-se 
do custo e concentra-se nas finalidades, preocupando-se em 
responder não ao impacto financeiro, mas ao impacto ―social‖ — 
isto é, sobre os que usam um dado serviço. A gestão democrática, 
quando pensa em eficiência, desloca a dimensão administrativa (o 
controle, o gasto, a organização, os processos) e a substitui pela 
dimensão política. Troca a norma burocrática por uma outra: não 
pela ―norma gerencial‖, mas pelas ―normas‖ definidas por sujeitos 
capazes de assumir compromissos, organizar espaços coletivos e 
criar soluções, produzindo serviços que sejam de ―qualidade 
social‖. 
Mas é óbvio que a gestão democrática não se resolve num terreno 
que esteja ―além‖ do normativo ou da organização formal. Ela 
também depende de convenções, regras, leis, que de um ou outro 
modo acabam por limitar e contrastar valores, desejos e 
interesses. Ela também convive com o tema do poder: a gestão 
democrática não ignora nem teme o tema do poder. Mas pretende 
dedicar-se a domesticar e a humanizar o poder: a transformá-lo 
em algo menos ameaçador, mais compartilhado, mais negociado. 
É por isso que não pode haver gestão democrática sem ―reforma 
intelectual e moral‖, como dizia Gramsci: sem novas 
subjetividades e sem uma nova cultura. Afinal, são as pessoas 
que fazem as instituições. São as pessoas que fazem as 
organizações. 
O desafio da gestão democrática pode ser assim apresentado: 
como dirigir sem hipertrofiar o momento do poder mas, ao 
contrário, valorizando radicalmente o momento do participar? 
Como compor interesses, vontades e desejos no interior das 
organizações sem reduzir as margens de liberdade e de 
autonomia e sem impossibilitar ou atravancar a operacionalidade 
organizacional? Como construir lealdades e compromissos para 
defender as instituições, dinamizar o convívio e otimizar a 
participação? 
Por fim, temos de lutar por direitos num plano político superior. 
Essa é uma luta que não tem viabilidade se for dissociada da luta 
política democrática. A ―estratégia dos direitos‖, tão valorizada 
pela movimentação social, não pode se completar fora da política, 
com suas instituições e seus tempos específicos. Hipostasiada, 
isolada em si, tal estratégia produz apenas expectativas mal-
dimensionadas e frustrações. Do mesmo modo, os direitos sociais 
não podem ser proclamados e defendidos em termos 
corporativos, como se fossem ―propriedade‖ de um grupo ou de 
uma profissão, de um partido ou de outro. Eles só têm chance se 
forem defendidos como causas cívicas coletivas, causas 
políticas, justamente porque anunciam formas novas e melhores 
de convivência e de responsabilidade recíproca. Sem que se 
universalizem, os direitos conquistados não se convertem em 
recursos societários de emancipação. 
A dinâmica dos direitos tende a ser sempre subversiva, a se 
indispor contra a ordem, pois aponta para novos padrões de 
convivência e de estruturação social. É justamente por isso que os 
direitos costumam ser banalizados, perseguidos e desvalorizados 
por todos aqueles que pilotam a reprodução ampliada da ordem. 
O prosseguimento da aventura da cidadania depende sempre 
mais da plena valorização da política e de uma recuperação do 
Estado. Sem isso, novos e velhos direitos poderão ser formulados 
e formalmente sancionados, mas dificilmente serão 
implementados. O Estado chegou ao final do século XX ameaçado 
em sua própria natureza pelo processo da globalização. Com isso, 
tumultuou-se ainda mais o campo da cidadania. Afinal, de que 
adiantam tantos direitos se são declinantes as condições para sua 
efetiva proteção e implementação? O grande risco dos 
movimentos que demandam novos direitos é o de não ter como 
lutar pelo fortalecimento das instituições capazes de garantir 
direitos. É o risco de não ter como evitar o contraste entre 
proclamação e efetivação. 
O empenho em favor de uma nova cidadania – disposta num 
plano compatível com a atual dimensão globalizada da vida – faz 
um convite para que se libertea cidadania dos termos clássicos 
que a objetivaram na história: o território, o Estado-nação, a 
soberania nacional. Não se trata de uma operação simples, tanto 
que, a despeito de ocupar vasto espaço na agenda de muitos 
movimentos alternativos, a idéia de uma ―cidadania global‖ ainda 
não ultrapassou os limites de uma postulação utópica, 
associando-se à imagem de uma ―sociedade civil global‖ em 
gestação. A reflexão sobre o tema é, porém, inevitável. 
Somente uma estratégia política que vá além dos direitos pode 
produzir conseqüências reais. Não nos basta afirmar um direito 
para vê-lo respeitado, nem é suficiente, por um pleito ético e 
moral, exigir o cumprimento dos direitos para que eles se 
cumpram. A estratégia precisa ser categoricamente democrática. 
No fundo, a discussão remete para a política: como fazer para 
transformar expectativas de direitos em direitos efetivos e para 
impedir que direitos efetivos fiquem ao léu ou regridam para a 
condição de expectativas? 
Para ser implementada, esta estratégia exige a construção de 
uma malha de grandes e pequenos poderes democráticos, com os 
quais seja possível processar reivindicações, garantir direitos e 
fazer com que direitos e reivindicações sejam vividos sem 
produzir dilacerações comunitárias, mas, ao contrário, reforçando 
e dando novas qualidades às comunidades. Justamente por isso, 
depende também da existência de governos que governem, isto 
é, que sejam capazes de administrar as coisas públicas mas 
também saibam fixar horizontes de sentido, auxiliando as 
comunidades a ganhar autonomia, a construir democracia e a 
viver melhor. 
 
 
 
[1] A primeira versão deste texto foi apresentada como conferência de abertura do 
XI Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais – O Serviço Social e a Esfera 
Pública no Brasil. Fortaleza, 17 de outubro de 2004. 
 
[2] Ver, por exemplo, Zygmunt Bauman, O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de 
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998, e Em busca da política. Rio de Janeiro, Jorge 
Zahar Editor, 2000; Ulrich Beck, O que é globalização? Equívocos do globalismo, 
respostas à globalização. São Paulo, Paz e Terra, 1999, e Liberdade ou capitalismo. 
São Paulo, Editora Unesp, 2004; Anthony Giddens, As conseqüências da 
modernidade. São Paulo, Editora UNESP, 1991; U. Beck, A. Giddens & S. Lash, 
Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São 
Paulo, Editora UNESP, 1997. 
 
[3] Norberto Bobbio, A era dos direitos. Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 77. 
 
[4] A esse respeito, remeto a Marco Aurélio Nogueira, Um Estado para a sociedade 
civil. Temas éticos e políticos da gestão democrática. Segunda edição. São Paulo, 
Cortez, 2005, especialmente cap. 6. 
 
 
 
Edit this page (if you have permission) | 
Google Docs -- Web word processing, presentations and spreadsheets.

Outros materiais