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TAVARES A Soberania e o Direito Internacional, análise do caso Guerrilha do Araguaia e da ADPF 153

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A SOBERANIA E O DIREITO INTERNACIONAL: ANÁLISE DO 
CASO GUERRILHA DO ARAGUAIA E DA ADPF 153. 
 
Aderruan Rodrigues Tavares(*)1 
 
 
RESUMO: Este artigo visa contribuir com a compreensão atual da soberania 
inserida no direito internacional e, em certa medida, no direito interno. Para 
tanto, necessita-se rever algumas concepções históricas do conceito da 
soberania. Nesse estudo, será revista a atuação dos Estados no atual 
panorama internacional, principalmente quanto ao cumprimento de decisões de 
cortes internacionais. Assim, traremos a relação entre a decisão do Supremo 
Tribunal Federal na ADPF 153 e a da Corte Interamericana de Direitos 
Humanos no caso Guerrilha do Araguaia, buscando uma possível conformação 
entre essas duas importantes decisões. 
Palavras-chaves: Soberania, Direito Internacional, ADPF 53/DF, Caso 
Guerrilha do Araguaia 
 
ABSTRACT: This article aims to contribute with the actual comprehension of 
the sovereignty in the international law and, somehow, in the national law. Thus, 
it´s necessary review some history conception of sovereignty´s concept. In this 
study, the performance of States will be review in the actual international 
panorama, mainly in relation to the fulfillment of International Courts´ decisions. 
Therefore, we´ll reflect in the relation between the Supremo Tribunal Federal´s 
decision in the ADPF 153 and the Corte Interamericana de Diretos Humanos´ 
decision in the case Guerrilha do Araguaia, seeking a possible solution between 
these decisions. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
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  Assessor	
  de	
  Juiz	
  auxiliar	
  da	
  Presidência	
  do	
  Conselho	
  Nacional	
  de	
  Justiça.	
  Graduado	
  em	
  Direito	
  pela	
  
UDF.	
  Pós-­‐graduando	
  em	
  Direito	
  Constitucional	
  pelo	
  Instituto	
  Brasiliense	
  de	
  Direito	
  Público	
  –	
  IDP.	
  
Membro	
  do	
  Conselho	
  Administrativo	
  Editorial	
  da	
  Revista	
  Direito	
  Público.	
  
Keywords: Sovereignty, International Law, ADPF 53/DF, Case Guerrilha do 
Araguaia. 
 
 
 
1 – INTRODUÇÃO 
O conceito de soberania é um dos temas mais tormentosos que a 
doutrina internacionalista e a constitucionalista têm enfrentado recentemente. A 
soberania para alguns é ínsita ao Estado, não podendo pensar nele sem ela. 
O presente trabalho não tem o condão de fazer um buscado dos 
mais variados entendimentos sobre a soberania. Tem, todavia, o intuito de, 
partindo de algumas concepções, contribuir para situar a soberania no atual 
contexto contemporâneo. 
Nesse sentido, o pensamento vanguardista de HANS KELSEN 
sobre a relação entre soberania e direito internacional, aliado à síntese 
doutrinária de DALMO DE ABREU DALLARI sobre o mesmo tema, dá o norte 
deste estudo. Contudo, as ideias de UMBERTO CAMPAGNOLO, 
representando a teoria do dualismo na relação entre direito interno e direito 
internacional, também são de grande valia para o enriquecimento deste 
trabalho, até para ser fiel ao pensamento contrário da linha seguida por esse 
estudo. 
Defender-se-á aqui a tese da relativização da soberania estatal 
para que os Estados possam conviver harmonicamente uns com os outros, 
com fim de uma sociedade internacional livre de guerras armadas, o que gera 
desrespeito com os direitos humanos. Assim, os Estados são partes de um 
sistema jurídico mais evoluído, que preza a qualificação e intensificação das 
relações internacionais, com a devida proteção dos direitos humanos. 
Entretanto, embora tal tese não seja nova no campo do 
conhecimento jurídico, ainda encontra diversas resistências em algumas 
instituições internas dos Estados, ainda mais, naquelas que exercem parcelas 
de poder. Trata-se, pois, de um processo longínquo, e, quiçá, maçante, da 
realidade de vários países, entre eles, da República Federativa do Brasil. 
Assim, o recorte exemplificativo utilizado para a denotação de tal 
processo é a relação entre a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 
153, em que o STF considerou válida e recepcionada, nos termos da 
Constituição de 1988, a Lei de Anistia, e a decisão da Corte Interamericana de 
Direitos Humanos no Caso Guerrilha do Araguaia ou Caso Gomes Lund e 
outros, em que essa Corte condenou o Brasil por diversas violações à 
Convenção Americana de Direitos Humanos e determinando que o Brasil adote 
bastantes medidas para saná-las. A problemática é saber qual decisão dessas 
duas vale: se a do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da jurisdição 
brasileira, ou se a da Corte Interamericana de Direitos Humanos, instância 
última na proteção dos direitos humanos no continente americano. 
 
2 – DA SOBERANIA 
No ordenamento jurídico brasileiro, a soberania é tida como um 
fundamento da República Federativa do Brasil, encartada no inciso I do art. 1º 
da nossa Constituição Federal de 1988. 
Constitucionalizada, a soberania passa a vincular todas as ações 
dos atores internos da sociedade brasileira e dos externos que de alguma 
forma se sujeitam ao ordenamento jurídico pátrio. 
Nessa perspectiva, entender o conceito e a natureza jurídica, bem 
como sua natureza política, da soberania é de fundamental importância na 
atual conformação moderno-contextual do direito constitucional e do direito 
internacional. Assim, nessa parte do trabalho, cabe apenas uma simplificada 
passagem sobre o conceito e as características da soberania, sob pena de 
desvio do foco do presente estudo. 
MIGUEL REALE conceitua soberania como “o poder de organizar-
se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de 
suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência.2” 
Busca-se em DALMO DE ABREU DALLARI as ditas 
características da soberania3. Vejamos: 
a) una: a soberania é assim tida pois “não se admite no 
mesmo Estado a convivência de duas soberanias”. Assim, o poder soberano se 
manifesta como um poder superior a todos que eventualmente possam existir, 
não sendo, portanto, possível existir, num mesmo espaço territorial duas forças 
com tal característica; 
b) indivisível: é que “além das razões que impõem sua 
unidade, ela se aplica à universidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo 
inadmissível, por isso mesmo, a existência de várias partes separadas da 
mesma soberania”. 
c) Inalienável: “pois aquele que a detém desaparece quando 
ficar sem ela, seja o povo, a nação, ou o Estado”. 
d) Imprescritível: “porque jamais seria verdadeiramente 
superior se tivesse prazo certo de duração. Todo poder soberano aspira a 
existir permanente e só desaparece quando forçado por uma vontade superior.” 
 
2.1.- A SOBERANIA PARA DALMO DE ABREU DALLARI. 
Para DALMO DE ABREU DALLARI, a soberania é uma 
característica fundamental do Estado, sem a qual, não podemos pensá-lo.4 
Para o citado autor, o conceito de soberania, que tem despertado 
a atenção de todos desde o século XVI, é tido como um termo político e um 
termo jurídico, ao mesmo tempo. Devido a isso, surgiram diversas teorias sobre 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
2	
  DALLARI,	
  Dalmo	
  de	
  Abreu.	
  Elementos	
  de	
  Teoria	
  Geral	
  do	
  Estado.	
  21ª	
  ed.	
  São	
  Paulo:	
  Ed.	
  Saraiva,2011,	
  
p.	
  87	
  
3	
  DALLARI, Dalmo de Abreu, op, cit.,	
  p.	
  82-­‐83	
  
4	
  DALLARI, Dalmo de Abreu, op, cit.,	
  p.	
  82	
  
o conceito, o que, de certa forma, prejudicou o real entendimento do conceito, 
por torná-lo mais impreciso. A soberania comporta um conteúdo 
intrinsecamente político, “apesar de todo o esforço, relativamente bem-
sucedido, para discipliná-lo juridicamente”.5 Nessa relação, entre a percepção 
jurídica e política sobre o conceito de soberania que DALMO DE ABREU 
DALLARI desenvolve esse tema. 
Para DALMO DE ABREU DALLARI a noção de soberania 
encontra-se “sempre ligada a uma concepção de poder”. Em termos políticos, 
isso significa que a soberania pode ser conceituada como “o poder 
incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências”. Com 
esse vetor, o poder soberano é absoluto, não admitindo qualquer subversão e 
não se preocupando, pois, em ser legítimo ou de acordo com o ordenamento 
jurídico. A consequência disso resultou num forte egoísmo entre os Estados, 
principalmente entre os mais fortes, que invocavam suas soberanias para 
agirem do modo que lhes conviessem.6 
Já com uma percepção jurídica, a soberania é tida como o “poder 
de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, vale dizer, 
sobre a eficácia do direito”. Ou seja, a soberania “é poder jurídico utilizado para 
fins jurídicos”, cabendo ao Estado o poder de decidir qual a regra jurídica a ser 
aplicada em cada caso. Em tal sentido, não há que se falar em Estados “mais 
fortes ou mais fracos”, vez que a noção de direito é a mesma para todos. “A 
grande vantagem dessa conceituação jurídica é que mesmo os atos praticados 
pelos Estados mais fortes podem ser qualificados como antijurídicos, 
permitindo e favorecendo a reação de todos os demais Estados.”7 
Ademais, para DALMO DE ABREU DALLARI a soberania ainda é 
aceita como independência e poder jurídico mais alto. Naquela concepção, o 
Estado não aceita ser submisso a qualquer outro, invocando para tanto 
autoafirmação de seu povo. Para esse, o Estado, dentro de seus limites 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
5	
  DALLARI, Dalmo de Abreu, op, cit, p. 81	
  
6	
  DALLARI, Dalmo de Abreu, op, cit, p. 86	
  
7	
  DALLARI, Dalmo de Abreu, op, cit, p. 86	
  
territoriais, exercerá a jurisdição, decidindo a sua situação eventualmente 
guerreada em detrimento de qualquer norma jurídica.8 
 
É óbvio que a afirmação de soberania, no sentido de 
independência, se apóia no poder de fato que tenha o Estado, 
de fazer prevalecer sua vontade dentro de seus limites 
jurisdicionais. A conceituação jurídica de soberania, no entanto, 
considera irrelevante, em princípio, o potencial de força 
material, uma vez que se baseia na igualdade jurídica dos 
Estados e pressupõe o respeito recíproco, como regra de 
convivência. Neste caso, a prevalência da vontade de um 
Estado mais forte nos limites da jurisdição de um mais fraco, é 
sempre um ato irregular, antijurídico, configurando uma 
violação de soberania, passível de sanções jurídicas. E mesmo 
que tais sanções não possam ser aplicadas imediatamente, por 
deficiência de meios materiais, o caráter antijurídico da 
violação permanece, podendo servir de base a futuras 
reivindicações bem como à obtenção de solidariedade de 
outros Estados.9 
 
Com essas premissas, DALMO DE ABREU DALLARI entende 
que o Estado soberano, dentro de seus limites territoriais, exercerá com 
exclusividade sua jurisdição, por meio de normas ou produzidas por eles ou 
aceitas do direito internacional. Em relação à comunidade internacional, o autor 
pontua a necessidade de independência entre os Estados, de modo que 
nenhum Estado subverta outro Estado. 
 
2.2. A SOBERANIA E O DIREITO INTERNACIONAL PARA HANS KELSEN 
HANS KELSEN talvez seja um dos maiores críticos do conceito 
de soberania, principalmente se considerando o seu viés político apresentado 
por DALMO DE ABREU DALLARI, em que refuta com certa veemência. 
Ademais, HANS KELSEN é um dos principais defensores da teoria monista, 
com prevalência do direito internacional. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
8	
  DALLARI, Dalmo de Abreu, op, cit, p. 90	
  
9	
  DALLARI, Dalmo de Abreu, op, cit, p. 90	
  
Para o autor austríaco, “o dogma da soberania leva 
necessariamente a uma negação judicial do direito internacional”10 
HANS KELSEN critica principalmente a teoria do reconhecimento 
do direito internacional pelos Estados nacionais. Ao sustentarem essa tese, os 
Estados negam que o Direito internacional seja uma norma jurídica superior 
aos próprios e Estados e suas ordens jurídicas.11 Em sua doutrina, pela teoria 
do reconhecimento a norma fundamental seria uma norma do ordenamento 
nacional, sendo que o direito internacional só teria validade caso estivesse em 
sintonia com essa norma fundamental. Assim, o direito internacional somente 
fundamentaria e determinaria a esfera do direito nacional, caso fosse aceito 
pelo Estado nacional.12 
Ele vê, na discussão de se afirmar que um Estado é realmente 
soberano, em que “a ordem jurídica nacional é uma ordem acima da qual não 
existe nenhuma outra”, não existindo, inclusive ordenamento superior, no caso 
o direito internacional, o ponto central para definir se o direito internacional é 
superior ou não ao direito nacional.13 
 
O resultado da nossa análise foi o de que o Direito 
internacional, através do princípio de eficácia, determina a 
esfera e o fundamento de validade da ordem do Direito 
nacional, e, desse modo, a superioridade do Direito 
internacional sobre o Direito nacional parece ser imposta pelo 
conteúdo do próprio Direito.14 
 
Nessa linha de raciocínio, HANS KELSEN entende que um 
Estado não pode ser ou não soberano. No máximo, o que se pode é pressupor 
que um Estado seja ou não soberano. Essa pressuposição é constatada a 
partir de qual teoria é aceita pelo Estado. Caso seja aceita a teoria da primazia 
do direito internacional, então se pressupõe que o Estado não é soberano. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
10	
  KELSEN,	
  Hans,	
  CAMPAGNOLO,	
  Umberto.	
  Direito	
  Internacional	
  e	
  Estado	
  Soberano.	
  Org:	
  Mario	
  Losano.	
  
São	
  Paulo:	
  Martins	
  Fontes,	
  2002,	
  p.	
  131	
  
11	
  KELSEN,	
  Hans.	
  Teoria	
  geral	
  do	
  direito	
  e	
  do	
  estado.	
  Tradução	
  de	
  Luís	
  Carlos	
  Borges.	
  4.	
  ed.	
  São	
  Paulo:	
  
Martins	
  Fontes,	
  2005,	
  p. 544	
  
12	
  KELSEN,	
  Hans,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  546	
  
13	
  KELSEN,	
  Hans,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  545	
  
14	
  KELSEN,	
  Hans,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  546	
  
Com isso, a “soberania” do Estado seria em termos relativos, sendo que 
somente o direito internacional seria superior ao ordenamento jurídico nacional, 
com exclusão de qualquer outro direito nacional. Mas, se por outro lado, houver 
a validação da teoria do reconhecimento,pressupõe-se que o Estado é, então, 
soberano.15 
HANS KELSEN prega a unidade do direito. Assim, não entende 
possível que houvesse diversos “direitos estatais”, além do direito internacional. 
A começar pela tese da soberania do Estado, HANS KELSEN sustenta a sua 
impossibilidade, sendo apenas o direito internacional “soberano”, absoluto, em 
que todos os Estados nacionais retiram do direito internacional a sua validade. 
Dessa forma, os Estados gozariam de uma soberania relativa, preservando 
cada Estado uma ordem jurídica que, na visão do direito internacional, essas 
demais ordens jurídicas seriam “válidas exclusivamente para as suas esferas 
territoriais e pessoais específicas, e podem ser criadas e modificadas em 
conformidade com as suas próprias constituições”. Para HANS KELSEN, “a 
soberania de um Estado exclui a soberania de todos os outros Estados”16. 
Entender que cada Estado equivale a uma ordem jurídica nacional 
isolada, todas soberanas, com o direito internacional fazendo parte de cada 
uma, para HANS KELSEN, é conceber que existam “tantas ordens jurídicas 
internacionais diferentes quanto há Estados ou ordens jurídicas nacionais”. 
Tendo em vista que cada Estado irá aplicar o direito internacional do modo que 
suas leis lhe permitirem. Ele não vê problemas quando cada Estado se 
pressuponha soberano, entendido aqui a primazia do direito nacional, desde 
que o direito internacional estabeleça “as relações com as ordens jurídicas dos 
outros Estados e essas ordens jurídicas nacionais como partes da ordem 
jurídica do seu próprio Estado, concebido como uma ordem jurídica 
universal”.17 
Ou seja, HANS KELSEN apenas aceita a soberania em termos 
relativos, com a primazia do direito internacional sobre os ordenamentos 
jurídicos nacionais, refutando, pois, a teoria do reconhecimento pelo Estado 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
15	
  KELSEN,	
  Hans,	
  op,	
  cit,	
  pp.	
  546-­‐547	
  
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  KELSEN,	
  Hans,	
  op,	
  cit,	
  pp.	
  547-­‐548	
  
17	
  KELSEN,	
  Hans,	
  op,	
  cit,	
  pp.	
  548	
  
das normas internacionais. Nesse caso, essas normas existem e são válidas 
juridicamente independente da “aceitabilidade” ou não do Estado. 
Com efeito, analisando os estudos de UMBERTO 
CAMPAGNOLO, HANS KELSEN “reconhece o Estado apenas como um 
ordenamento jurídico ao lado ou acima de outros ordenamentos jurídicos, 
deixando, assim, aberta a possibilidade de um direito internacional não 
coincidente com o direito estatal”18. 
Destarte, para HANS KELSEN, a unidade do direito só seria 
possível quando todas as normas de direito, advindas de todos os Estados e 
do direito internacional, estiverem em apenas um sistema normativo, sem 
contradições, em que o próprio direito internacional seria essa unidade 
unificadora dos ordenamentos jurídicos, e que os Estados nacionais 
receberiam uma delegação judicante para atuar por meio de sua constituição, 
mas de acordo com o sistema jurídico internacional.19 
Por fim, por consequência dessas ideias apresentadas, o autor 
austríaco defende a constituição de um Estado universal, sendo dois meios 
possíveis para sua concepção, uma por meio do imperialismo, em que um 
Estado por meio de sua força econômica e/ou militar estende sua soberania 
sobre os outros Estados, e a outra pelo federalismo, com os Estados se unindo 
no sentido da formação de uma confederação universal.20 
 
2.3. A SOBERANIA E O DIREITO INTERNACIONAL PARA UMBERTO 
CAMPAGNOLO 
UMBERTO CAMPAGNOLO foi um grande crítico da doutrina pura 
do direito apresentada por HANS KELSEN, especificamente, quando o assunto 
é relação entre soberania e direito internacional. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
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  KELSEN,	
  Hans,	
  CAMPAGNOLO,	
  Umberto,	
  op,	
  cit,	
  p.	
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  KELSEN,	
  Hans,	
  CAMPAGNOLO,	
  Umberto,	
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  KELSEN,	
  Hans,	
  CAMPAGNOLO,	
  Umberto,	
  op,	
  cit,	
  p.	
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O autor italiano, que inclusive foi aluno de HANS KELSEN, 
defende a teoria do reconhecimento, em que o direito internacional só tem 
validade caso seja validado pelo direito nacional. 
Em sua visão, a soberania é inseparável da ideia de Estado, por 
que aquela é essencial a esse21. Assim, a soberania define a relação de 
autoridade entre o Estado e os seus nacionais, que são chamados por 
UMBERTO CAMPAGNOLO de súditos22. Nesse sentido, ele não vê a 
possibilidade de que um súdito possa estar “contemporaneamente sujeito a 
dois ordenamentos jurídicos”23, o que de plano refuta o direito internacional 
como um ordenamento jurídico. 
Para UMBETO CAMPAGNOLO, o direito internacional não 
poderia, em hipótese alguma, ser superior aos ordenamentos jurídicos 
nacionais, visto que o direito representa a reação do Estado contra seus 
súditos, não podendo haver duas possibilidades reacionárias contemporâneas. 
“Se Estados fossem incluídos num sistema jurídico mais vasto (direito 
internacional), o Estado seria esse sistema mesmo e, em relação a esse, os 
assim chamados Estados seriam apenas províncias”24. 
 
Na minha opinião, é indiscutível que a experiência concreta do 
direito internacional não possa ser definida soberana mais do 
que aquela do direito interno, como por outro lado a lei dos 
Estados considerados totalitários não parece aos seus súditos 
mais soberana do que a Lei dos Estados liberais. Na minha 
tese, demonstrei não ser possível separar a ideia de soberania 
da ideia de Estado e de direito demonstrei ainda que Hans 
Kelsen, tendo-as separado, não consegue oferecer um 
conceito científico de Estado. De fato, ele mesmo define o seu 
conceito de Estado como uma norma consuetudinária do direito 
internacional25. 
 
Assim, UMBERTO CAMPAGNOLO entende que “o direito 
internacional não é o resultado da colaboração dos outros Estados com o 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
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  cit,	
  p.	
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  Hans,	
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  op,	
  cit,	
  p.	
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Estado do qual emana porque a sua validade, ou seja, a sua existência 
mesma, depende exclusivamente do Estado da qual faz parte”26. 
 
2.4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOBERANIA E O DIREITO 
INTERNACIONAL. 
É necessária a reanálise do conceito e dos efeitos da soberania 
na busca de novos elementos que possam dar-lhe novo sentido, diante do 
atual panorama das relações internacionais, sob pena de se estar diante de um 
conceito falacioso e inútil para o desenvolvimento humano e do próprio 
conceito de Estado pós-moderno. 
Para FERNANDO DE MAGALHÃES FURLAN, a soberania foi 
dogmatizada para “justificara superioridade de um poder, livre de qualquer 
sujeição”. Dessa forma, “tomava-se a soberania pelo mais alto poder, a 
supremitas, traço essencial para distinguir o Estado dos demais poderes que 
com ele disputavam27”. Nesse sentido, também, como se viu acima, é a teoria 
de UMBERTO CAMPAGNOLO. 
Tal perspectiva do conceito de soberania parece não encontrar 
mais guarida na atualidade, em que o “sentimento nacional de soberania” cede 
lugar às ideologias nas relações entre Estados, ao que podemos chamar de 
relatividade da soberania. Certamente, no plano internacional, as relações 
interestatais limitam a força irrestrita da soberania.28 
Daí advém a necessidade de perceber a soberania como um 
conceito relativo na sua relação com o Estado, para que ela não possa, de 
alguma forma, impedir que a interação do Estado com dos outros, quer em 
nível regional, quer, internacional29. 
Com efeito, CELSO DE ALBURQUERQUE DE MELLO aduz que: 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
26	
  KELSEN,	
  Hans,	
  CAMPAGNOLO,	
  Umberto,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  180	
  
27	
  FURLAN,	
  Fernando	
  de	
  Magalhães.	
  Integração	
  e	
  Soberania	
  –	
  O	
  Brasil	
  e	
  o	
  Mercosul.	
  São	
  Paulo:	
  Ed.	
  
Aduaneiras,	
  2004,	
  p.	
  21	
  
28	
  FURLAN,	
  Fernando	
  de	
  Magalhães,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  21	
  
29	
  FURLAN,	
  Fernando	
  de	
  Magalhães,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  60	
  
 
Esta (a soberania) passa a ser uma noção quase que formal, 
vez que seu conteúdo é cada vez mais diminuído pela criação 
e desenvolvimento das organizações internacionais. Muitas 
vezes, a própria palavra soberania é evitada, como ocorre na 
Carta da ONU, que prefere usar expressões como ‘jurisdição 
doméstica’ ou ‘domínio reservado30. 
 
Assim, diante da relativização do conceito de soberania, os 
Estados, sob pena de isolamento, são tidos por unidades jurídicas autônomas, 
em que são competentes para criar o direito de acordo com suas 
peculiaridades culturais, econômicas e sociais, mas que não podem 
desrespeitar o direito internacional, sob pena de sanção econômica, por 
exemplo. 
Dessa forma, cada Estado deve estar em consonância com os 
preceitos do direito internacional, das relações internacionais (no tocante a 
relações econômicas, diplomáticas, etc.) e da prevalência de proteção aos 
direitos humanos. 
Embora proponha-se a autonomia jurídica de cada Estado, ainda 
subsiste a tese de que nenhum outro Estado poderá adentrar na jurisdição 
alheia sem o respectivo consentimento. Consequentemente, caso essa invasão 
aconteça, o próprio direito internacional se encarregará de solucionar a 
questão. 
Destarte, a soberania é a atribuição exclusiva que tem o Estado 
de executar suas decisões ou de órgãos internacionais competentes, com 
exclusividade dentro do seu próprio território. Ademais, ainda assim, nenhum 
outro Estado poderá expedir qualquer determinação vinculante para outro 
Estado, sem o devido consentimento deste, sendo possível ser visualizada a 
competência de um órgão superior aos Estados em expedição de decisões ou 
normas vinculantes internacional, como, por exemplo, as decisões da Corte 
Internacional de Justiça. Ou seja, mesmo que a decisão seja internacional, 
apenas o Estado em seu próprio território poderá executá-la. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
30	
  FURLAN,	
  Fernando	
  de	
  Magalhães,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  60	
  
Dessa forma, o direito nacional tem a obrigação de estar em 
sintonia com o direito internacional, sendo este um ordenamento jurídico 
coordenador e agregador das vontades Estatais, coordenado-as com a 
finalidade de proteção dos direitos humanos31. 
 
2.5. O CONSTITUCIONALISMO E O DIREITO INTERNACIONAL NA 
ANÁLISE DA SOBERANIA 
A maioria dos Estados se regula por meio de uma Constituição, 
ou uma norma fundamental que faça as vias daquela. Além da relação da 
soberania, que, em muitos Estados, é quista pela Constituição32. Com o direito 
internacional, interessante estudo também é a relação entre o 
constitucionalismo e o direito internacional sob a ótica do estudo sobre a 
soberania. 
Para CELSO DE ALBURQUERQUE DE MELLO, não há 
Constituição, ou mesmo entendimento de tribunal constitucional, que permita a 
“alienação” da soberania estatal, “porque fazê-lo seria consagrar o fim do 
Estado”33. 
Com efeito, não é, para as Cortes Constitucionais, das mais 
confortáveis teses afirmar que o direito internacional tem prevalência a suas 
decisões. Para tanto, é necessário um pensamento institucionalizado 
vanguardista dessas Cortes, mas, faticamente, parecem ainda não estar 
preparadas para lidar com as decisões e/ou jurisprudências dos órgãos 
internacionais. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
31	
  “Na	
  interconexão	
  do	
  direito	
  interno	
  com	
  o	
  direito	
  internacional,	
  a	
  limitação	
  das	
  competências	
  do	
  
Estado,	
  pela	
  atribuição	
  conferida	
  aos	
  órgãos	
  que	
  produzem	
  as	
  normas	
  supranacionais,	
  constitui,	
  
iniludivelmente,	
  uma	
  limitação	
  à	
  própria	
  soberania	
  do	
  Estado,	
  considerada	
  esta	
  em	
  sua	
  concepção	
  mais	
  
vinculada	
  à	
  ideia	
  de	
  capacidade	
  suprema	
  de	
  produzir,	
  por	
  si	
  e	
  internamente,	
  uma	
  ordem	
  jurídica”.	
  
FURLAN,	
  Fernando	
  de	
  Magalhães,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  59	
  
32	
  “Se	
  de	
  um	
  lado	
  o	
  conceito	
  tradicional	
  e	
  hermético	
  de	
  soberania	
  já	
  não	
  mais	
  prevalece,	
  até	
  mesmo	
  
porque	
  desatende	
  aos	
  reclamos	
  da	
  sociedade	
  contemporânea,	
  é	
  certo	
  que	
  ele	
  ainda	
  é	
  proclamado,	
  
inclusive	
  nas	
  Constituições,	
  por	
  resguardar	
  o	
  direito	
  de	
  cada	
  povo	
  de	
  decidir	
  a	
  sua	
  forma	
  política	
  de	
  ser	
  
e	
  de	
  fazer-­‐se	
  construir	
  em	
  sua	
  história	
  de	
  maneira	
  a	
  não	
  se	
  subordinar	
  aos	
  comandos	
  de	
  potências	
  
estrangeiras”	
  FURLAN,	
  Fernando	
  de	
  Magalhães,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  59	
  
33	
  FURLAN,	
  Fernando	
  de	
  Magalhães,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  60	
  
Todavia, o constitucionalismo, apoiando-se na soberania estatal, 
não pode estar alheio ao processo de internacionalização do direito, bem como 
afastado das decisões internacionais. Não pode, pois, servir de barreira para a 
efetivação dos direitos humanos decorrente dos institutos do Direito 
Internacional. Os direitos fundamentais e os direitos humanos não podem ser 
duas esferas isoladas e ciumentas entre si; mas devem atentar que a finalidade 
do direito é a proteção do indivíduo em todas as suas esferas, pois os Estados 
existem para somente isso. 
Conceber duas esferas protetivas distantes e sem diálogo é 
conceber dois direitos que não protegemninguém ao cabo, tendo em vista que 
uma via sempre vai querer a prevalência de sua decisão, e não havendo uma 
confirmação ao final desse processo. A decisão a ser cumprida no caso 
concreto é sempre a mais benéfica para os indivíduos, seja ela de cunho 
constitucional ou de cunho internacional, não podendo de forma alguma o 
Estado se utilizar de uma pretenciosa soberania para descumprir decisões 
internacionais. 
 
3. A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADPF 153. 
A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 
153/DF – ADPF 153 foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos 
Advogados do Brasil – CFOAB contra a Lei n. 6.683, de 19 de dezembro de 
1979 – Lei de Anistia com o intuito de que o Supremo Tribunal Federal – STF 
considerasse tal lei não recepcionada pela Constituição Federal de 1988. 
Segundo essa lei acatada, todos aqueles que cometeram crimes 
políticos ou conexos com estes, no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de 
agosto de 1979, foram anistiados. Para o CFOAB não é 
 
possível, consoante o texto da Constituição do Brasil, 
considerar válida a interpretação segundo a qual a Lei n. 6.683 
anistiaria vários agentes públicos responsáveis, entre outras 
violências, pela prática de homicídios, desaparecimentos 
forçados, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e 
atentado violento ao pudor, Sustenta que essa interpretação 
violaria frontalmente diversos preceitos fundamentais.34 
 
Diante disso, O STF afirmou, em suma, que: (a) a lei de anistia se 
deu por solução consensual das partes (em plena época da ditadura)35; (b) que 
não era aplicável a jurisprudência internacional, porque não seria hipótese de 
anistia ‘unilateral’, mas sim recíproca, sem questionar, contudo, quem foi que 
se autoconcedeu a anistia; e (c) que o cidadão tinha direito à verdade, mas fez 
questão de frisar que eventual ‘Comissão de Verdade’ não teria nem poderia 
ter qualquer finalidade de persecução penal”36. 
Os Ministros EROS GRAU, CÁRMEM LÚCIA, GILMAR MENDES, 
ELLEN GRACIE, MARCO AURÉLIO, CELSO DE MELLO e o presidente do 
Supremo CÉSAR PELUSO votaram pela recepção da Lei de Anistia. Ficaram 
vencidos o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI e o Ministro CARLOS AYRES 
BRITTO. O Ministro JOAQUIM BARBOSA, quando do julgamento, estava 
licenciado e o Ministro DIAS TÓFFOLI estava impedido de julgar, vez que tinha 
atuado no caso na função de Advogado Geral da União. 
A partir de agora, destacam-se as principais fundamentações dos 
ministros do STF levadas a efeito para o desfecho do caso posto, que têm 
alguma relevância para o estudo do presente artigo, qual seja, a soberania e o 
direito internacional. 
O relator da ADPF 153, Ministro EROS GRAU, voto condutor do 
julgamento, pautou seu voto pela posição restritiva do Supremo (self restraint), 
vez que afirma que não é o caso do Poder Judiciário proceder à modificação da 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
34	
  Trecho	
  do	
  relatório	
  do	
  Ministro	
  EROS	
  ROBERTO	
  GRAU,	
  relator	
  da	
  ADPF	
  153.	
  
35	
  CF.	
  PIOVESAN,	
  Flávia.	
  Lei	
  de	
  Anistia,	
  Sistema	
  Interamericano	
  e	
  o	
  caso	
  brasileiro.	
  In:	
  Crimes	
  da	
  
Ditadura	
  Militar:	
  Uma	
  análise	
  à	
  luz	
  da	
  jurisprudência	
  atual	
  da	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Diretos	
  
Humanos.	
  GOMES,	
  Luiz	
  Flávio,	
  MAZZUOLI,	
  Valerio	
  de	
  Oliveira	
  (Coords).	
  São	
  Paulo:	
  Ed.	
  Revista	
  dos	
  
Tribunais,	
  2011,	
  pp.	
  73-­‐86,	
  p.	
  81	
  
36	
  BALDI,	
  César	
  Augusto.	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia	
  e	
  direitos	
  humanos:	
  considerações	
  sobre	
  a	
  decisão	
  da	
  
Corte	
  Interamericana.	
  In:	
  Crimes	
  da	
  Ditadura	
  Militar:	
  Uma	
  análise	
  à	
  luz	
  da	
  jurisprudência	
  atual	
  da	
  
Corte	
  Interamericana	
  de	
  Diretos	
  Humanos.	
  GOMES,	
  Luiz	
  Flávio,	
  MAZZUOLI,	
  Valerio	
  de	
  Oliveira	
  (Coords).	
  
São	
  Paulo:	
  Ed.	
  Revista	
  dos	
  Tribunais,	
  2011,	
  pp	
  154-­‐173,	
  p.	
  154	
  
situação fático-jurídica dos anistiados, cabendo isso, tão somente, ao Poder 
Legislativo.37 
A Ministra CÁRMEM LÚCIA, embora tenha votado pela recepção 
da Lei de Anistia, nos termos do voto do relator, reconheceu a injustiça do art 
1º da Lei de Anistia, mesmo tisnando os direitos humanos, mas que a esfera 
judicial não é a própria para revisão desse ato.38 
O Ministro CELSO DE MELLO também votou de acordo com o 
relator, mas teve o cuidado de analisar decisões da Corte Interamericana de 
Direitos Humanos sobre leis de anistia, embora tenha chegado a um 
entendimento diverso da Corte: 
 
Reconheço que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, 
em diversos julgamentos – como aqueles proferidos, p. ex., nos 
casos contra o Peru (‘Barrios Altos’, em 2001, e ‘Loyaza 
Tamayo’, em 1998) e contra o Chile (‘Almonacid Arellano e 
outros’, em 2006) -, proclamou a absoluta incompatibilidade, 
com os princípios consagrados na Convenção Americana de 
Direitos Humanos, das leis nacionais que concederam anistia, 
unicamente, a agentes estatais, as denominadas ‘leis de 
autoanistia’. 
A razão dos diversos precedentes firmados pela Corte 
Interamericana de Direitos Humanos apóia-se no 
reconhecimento de que o Pacto de São José da Costa Rica 
não tolera o esquecimento pela de violações aos direitos 
fundamentais da pessoa humana nem legitima leis nacionais 
que amparam e protegem criminosos que ultrajaram, de modo 
sistemático, valores essenciais protegidos pela Convenção 
Americana de Direitos Humanos e que perpetraram, 
covardemente, à sombra do Poder e nos porões da ditadura e 
que serviram, os mais ominosos e cruéis delitos, como o 
homicídio, o sequestro, o desaparecimento forçado das 
vítimas, o estupro, a tortura e outros atentados às pessoas 
daqueles que se opuserem aos regimes de exceção que 
vigoraram, em determinados momentos históricos, em 
inúmeros países da América Latina. 
É preciso ressaltar, no entanto, como já referido, que a lei de 
anistia brasileira, exatamente por seu caráter bilateral, não 
pode ser qualificada como uma lei de auto-anistia, o que torna 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
37	
  RAMOS,	
  André	
  de	
  Carvalho.	
  Crimes	
  da	
  ditadura	
  militar:	
  A	
  ADPF	
  e	
  a	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  
Humanos.	
  In:	
  Crimes	
  da	
  Ditadura	
  Militar:	
  Uma	
  análise	
  à	
  luz	
  da	
  jurisprudência	
  atual	
  da	
  Corte	
  
Interamericana	
  de	
  Diretos	
  Humanos.	
  GOMES,	
  Luiz	
  Flávio,	
  MAZZUOLI,	
  Valerio	
  de	
  Oliveira	
  (Coords).	
  São	
  
Paulo:	
  Ed.	
  Revista	
  dos	
  Tribunais,	
  2011,	
  pp.	
  174-­‐226,	
  p.	
  186	
  
38	
  RAMOS,	
  André	
  de	
  Carvalho,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  186	
  
inconsistente, para os fins deste julgamento, a inovação dos 
mencionados precedentes da Corte Interamericana de Direitos 
Humanos. 
 
Destaca-se, de igual forma uma passagem do voto do Ministro 
GILMAR MENDES entendendo que a Lei de Anistia não deve ser modificada 
tendo em vista à época da entrada da sua vigência:Devemos refletir, então, sobre a própria legitimidade 
constitucional de qualquer ato tendente a revisar ou restringir a 
anistia incorporada à EC 26/1985. Parece certo que estamos, 
dessa forma, diante de uma hipótese na qual estão em jogo os 
próprios fundamentos de nossa ordem constitucional. Enfim, a 
EC 26/1985 incorporou a anistia como um dos fundamentos da 
nova ordem constitucional que se construía à época, fato que 
torna praticamente impensável qualquer modificação de seus 
contornos originais que não repercuta nas próprias bases de 
nossa Constituição e, portanto, de toda a vida político-
institucional pós-1988. 
 
O Ministro RICARDO LEWANDOWSKI foi o primeiro a se 
manifestar contrariamente ao voto do relator. Para ele, aqueles que cometeram 
crimes comuns não poderiam ser anistiados, somente os que por ventura 
cometeram crimes políticos. 
Para o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, a Lei de Anistia 
impede que as partes envolvidas busquem a tutela jurisdicional, em claro 
desrespeito ao inc. XXXV do art. 5º da Constituição. Ademais, aduz que: 
 
A Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou que os 
Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos 
Humanos - também internalizada pelo Brasil - têm o dever de 
investigar, ajuizar e punir as violações graves aos direitos 
humanos, obrigação que nasce a partir do momento da 
retificação de seu texto, conforme estabelece o seu art. 1.1. A 
Corte Interamericana acrescentou, ainda, que o 
descumprimento dessa obrigação configura uma violação à 
Convenção, gerando a responsabilidade internacional do 
Estado, em face da ação ou omissão de qualquer de seus 
poderes ou órgãos 
 
O Ministro CARLOS AYRES BRITTO, foi o outro vencido nesse 
julgamento, na esteira do pensamento do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, 
não entende cabível conceder anistia àqueles que cometeram crimes comuns, 
dando parcial provimento à ADPF, seguindo o entendimento da Corte 
Interamericana de Direito Humanos, embora, em nenhum momento, a ela faça 
referência. 
 
4 – A DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 
NO CASO GUERRILHA DO ARAGUAIA 
4.1 – DO DEVER DE INVESTIGAR OS CRIMES OCORRIDOS NA 
GUERRILHA DO ARAGUAIA 
No Caso Guerrilha do Araguaia, a Corte Interamericana de 
Direitos Humanos condenou o Brasil por violação a direitos humanos, em 
virtude de crimes cometidos contra o desaparecimento de 62 pessoas na 
Guerrilha do Araguaia, não se tendo informações sobre o paradeiro de 60 deles 
até a data da decisão no caso, que é datada de 24.11.2010, quase 7 (sete) 
meses após a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 
153, que foi no dia 29.04.2010. 
O caso foi levado à esta Corte, após a denúncia de que em 
virtude da Lei de Anistia, o Estado não realizou uma investigação penal com a 
finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis pelo desaparecimento 
forçado de 70 vítimas e a execução extrajudicial de outra pessoa.39 
Diante disso, a Corte enfatizou que os Estados signatários do 
Pacto de San José da Costa Rica têm: 
 
“(...) a obrigação, conforme o Direito Internacional, de 
processar e, caso de determine sua responsabilidade penal, 
punir os autores de violações de direitos humanos, decorre da 
obrigação de garantia, consagrada no artigo 1.1 da Convenção 
Americana. Essa obrigação implica o dever dos Estados-Partes 
de organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
39	
  Parágrafo	
  2	
  do	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos.	
  	
  
as estruturas por meio das quais se manifesta o exercício do 
poder público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar 
juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. 
Como conseqüência dessa obrigação, os Estados devem 
prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos humanos 
reconhecidos pela Convenção e procurar, ademais, o 
restabelecimento, caso seja possível, do direito violado e, se 
for o caso, a reparação dos danos provocados pela violação 
dos direitos humanos. Se o aparato estatal age de modo que 
essa violação fique impune e não se reestabelece, na medida 
das possibilidades, à vítima a plenitude de seus direitos, pode-
se afirmar que se descumpriu o dever de garantir às pessoas 
sujeitas a sua jurisdição o livre e pleno exercícios de seus 
direitos. 
 
Assim, gera-se a obrigação de investigar e punir aqueles que 
deram causa ao desaparecimento forçado de pessoas, bem como daqueles 
que cometeram crimes de torturas e homicídios. Em relação ao crime de 
desaparecimento forçado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos 
entende que este crime tem um caráter permanente, não cessando até que se 
tenham notícias sobre o paradeiro do indivíduo: 
 
No Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi 
precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente 
da gravidade e do caráter continuado ou permanente da 
figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato 
de desaparecimento e sua execução se iniciam com a 
privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de 
informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se 
conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine 
com certeza sua identidade. Em conformidade com todo o 
exposto, a Corte reiterou que o desaparecimento forçado 
constitui uma violação múltipla de vários direitos protegidos 
pela Convenção Americana, que coloca a vítima em um 
estado de completa desproteção e acarreta outras violações 
conexas, sendo especialmente grave quando faz parte de um 
padrão sistemático ou prática aplicada ou tolerada pelo 
Estado.40 
 
Com isso, mesmo que se entenda que o Brasil não estava 
obrigado a investigar fatos ocorridos antes de 10 de dezembro de 1998, 
quando foi reconhecida a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
40	
  Parágrafo	
  103	
  da	
  caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos.	
  
Humanos, a obrigação subsiste após essa data, tendo em vista o caráter 
permanente do crime de desaparecimento forçado de pessoas. 
Assim, o Brasil está sendo obrigado pela Corte Interamericana de 
Direitos Humanos a investigar e, se for o caso, punir os violadores de direitos 
humanos, com intuito de informar os familiares sobre o paradeiro dos 
desaparecidos na região do Araguaia, quando da Guerrilha: 
 
Desde sua primeira sentença, esta Corte destacou a 
importância do dever estatal de investigar e punir as violações 
de direitos humanos. A obrigação de investigar e, se for o caso, 
julgar e punir, adquire particular importância ante a gravidade 
dos crimes cometidos e a natureza dos direitos ofendidos, 
especialmente em vista de que a proibição do desaparecimento 
forçado de pessoas e o correspondente dever de investigar e 
punir aos responsáveis há muito alcançaram o caráter de jus 
cogens.41 
 
 
4.2. AS LEIS DE ANISTIAS E A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS 
HUMANOS 
 
Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, as leis de 
anistias, relativas a graves violações de direitos humanos, são incompatíveis 
com o direito internacional e as obrigações internacionaisdos Estados,42 tendo 
em vista que elas contribuem para a perpetuação da impunidade: 
 
(...) são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições 
de prescrição e o estabelecimento de excludentes de 
responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e 
punição dos responsáveis por graves violações dos direitos 
humanos, como a tortura, as execuções sumárias, 
extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados, 
todas elas proibidas, por violar direitos inderrogáveis 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
41	
  Parágrafo	
  137,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos.	
  	
  
42	
  Parágrafo	
  147,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos.	
  	
  
reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos 
Humanos.43 
 
Nessa esteira, para a Corte Interamericana de Direitos Humanos 
não só as leis de autoanistias são consideradas contrárias ao Direito 
Internacional, mas igualmente, a lei de anistia, nos moldes que foi aprovada 
pelo Brasil. Para a Corte, o mais importante não está na forma como fora 
concebida a norma de anistia, se por acordo político, ou se tratando de lei de 
autoanistia, mas sim no aspecto material da lei, em que essa é obstáculo para 
investigação e punição de graves violações de direitos humanos.44 
 
4.3 – DA OBRIGAÇÃO DO BRASIL EM CUMPRIR A DECISÃO DA CORTE 
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é a ultima instância, 
quando o assunto é direitos humanos no continente americano45. Assim, suas 
decisões devem ser atendidas por todos aqueles Estados que reconhecem sua 
jurisdição, como é o caso do Brasil, sob pena de transgressão do art. 68, §1º, 
da Convenção de Americana de Direitos Humanos46 e do artigo 2747 da 
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. 
Dessa forma, a República Federativa do Brasil, conforme a 
decisão da Corte no caso Guerrilha do Araguaia está obrigado a: 
a) investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os 
responsáveis, em que a Lei de Anistia não sirva de obstáculo a essa 
determinação48; 
b) determinar do paradeiro das vítimas49; 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
43	
  Parágrafo	
  171,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
44	
  Parágrafo	
  175,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
45	
  Parágrafo	
  176,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
46	
  “Artigo	
  68	
  -­‐	
  1.	
  Os	
  Estados-­‐partes	
  na	
  Convenção	
  comprometem-­‐se	
  a	
  cumprir	
  a	
  decisão	
  da	
  Corte	
  em	
  
todo	
  caso	
  em	
  que	
  forem	
  partes”.	
  
47	
  “Artigo	
  27	
  -­‐	
  Uma	
  parte	
  não	
  pode	
  invocar	
  as	
  disposições	
  de	
  seu	
  direito	
  interno	
  para	
  justificar	
  o	
  
inadimplemento	
  de	
  um	
  tratado”	
  
48	
  Parágrafo	
  253	
  e	
  ss,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
c) publicar da sentença da Corte50, que aliás, já foi cumprida, 
quando a Secretaria Especial de Direitos Humanos, vinculada à Presidência da 
República, disponibilizou a sentença em seu sítio eletrônico; 
d) editar ato público de reconhecimento de responsabilidade 
internacional, em que a Corte determina que o Brasil reconheça sua 
responsabilidade internacional, bem como celebre atos de importância 
simbólica, que assegurem a não repetição das violações ocorridas no presente 
caso51; 
e) tipificar do delito de desaparecimento forçado, em que a Corte 
determinou que o Brasil continue com as proposições legislativas para essa 
tipificação (PL 4038/08 e PL 301/07)52; 
f) instituir a Comissão da Verdade, com o intuito de vasculhar o 
passado referente às pessoas desaparecidas, em busca de elementos que 
possam determinar seu paradeiro. Todavia, a Corte ressalva que a instituição 
dessa Comissão, não exclui a obrigatoriedade do Brasil de investigar e punir os 
violadores de direitos humanos da época em questão5354. 
Diante de tais mandamentos, para VALERIO DE OLIVEIRA 
MAZZUOLI e LUIZ FLAVIO GOMES, o Brasil tem a obrigação de cumprir a 
decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não tendo qualquer 
“valor jurídico a Lei de Anistia brasileira”55. 
 
5. A RELAÇÃO ENTRE A DECISÃO DA CORTE E A DO STF 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
49	
  Parágrafo	
  258	
  e	
  ss,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
50	
  Parágrafo	
  270	
  e	
  ss,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
51	
  Parágrafo	
  274	
  e	
  ss,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
52	
  Parágrafo	
  284	
  e	
  ss,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
53	
  Parágrafo	
  297	
  e	
  ss,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
54	
  Cumprindo	
  essa	
  decisão,	
  o	
  Brasil	
  editou	
  a	
  Lei	
  nº	
  12.528,	
  de	
  18	
  de	
  novembro	
  de	
  2011,	
  que	
  cria	
  a	
  
Comissão	
  Nacional	
  da	
  Verdade	
  no	
  âmbito	
  da	
  Casa	
  Civil	
  da	
  Presidência	
  da	
  República.	
  	
  
55	
  GOMES,	
  Luiz	
  Flávio,	
  MAZZUOLI,	
  Valerio	
  de	
  Oliveira.	
  Crimes	
  da	
  ditadura	
  militar	
  e	
  o	
  “Caso	
  Araguaia”:	
  
aplicação	
  do	
  direito	
  internacional	
  dos	
  direitos	
  humanos	
  pelos	
  juízes	
  e	
  tribunais	
  brasileiros.	
  In:	
  Crimes	
  da	
  
Ditadura	
  Militar:	
  Uma	
  análise	
  à	
  luz	
  da	
  jurisprudência	
  atual	
  da	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Diretos	
  
Humanos.	
  GOMES,	
  Luiz	
  Flávio,	
  MAZZUOLI,	
  Valerio	
  de	
  Oliveira	
  (Coords).	
  São	
  Paulo:	
  Ed.	
  Revista	
  dos	
  
Tribunais,	
  2011,	
  pp.	
  49-­‐72,	
  p.	
  72	
  
Assim, como pensam VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI e LUIZFLÁVIO GOMES, também entendemos que a República Federativa do Brasil 
deverá acatar e cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos 
Humanos. Veja-se, que a obrigação de cumprir a decisão da Corte 
Interamericana recai sobre todas as funções (ou poder) do Estado brasileiro, 
não somente, sobre o Poder Executivo. 
Assim, é bom repisar que a Corte Interamericana de Direitos 
Humanos não revogou a decisão do Supremo Tribunal Federal e nem retirou 
do ordenamento jurídico brasileiro a Lei de Anistia, até porque sua função não 
é essa, apenas atuou dentro de seu âmbito de competência56. A Corte, em 
relação ao STF, apenas conclui que órgão brasileiro não levou em 
consideração os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo 
Brasil, não analisando a Lei de Anistia sob o controle de convencionalidade57: 
 
Este Tribunal estabeleceu em sua jurisprudência que é 
consciente de que as autoridades internas estão sujeitas ao 
império da lei e, por esse motivo, estão obrigadas a aplicar as 
disposições vigentes no ordenamento jurídico. No entanto, 
quando um Estado é Parte de tratado internacional, como a 
Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive juízes, 
também estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para 
que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam 
enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu 
objeto e finalidade, e que desde o início carecem de efeitos 
jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está 
internacionalmente obrigado a exercer um “controle de 
convencionalidade” ex officio entre as normas internas e a 
Convenção Americana, evidentemente no marco de suas 
respectivas competências e das regulamentações processuais 
correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve levar 
em conta não somente o tratado, mas também a interpretação 
que a ele conferiu a Corte Interamericana, intérprete última da 
Convenção Americana.58 
 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
56	
  	
  “Primeiro:	
  que	
  a	
  punição	
  do	
  Brasil	
  “não	
  revoga,	
  não	
  anula,	
  não	
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  decisão	
  do	
  Supremo”.	
  Correto,	
  
realmente.	
  Cada	
  qual	
  analisou	
  no	
  seu	
  âmbito	
  de	
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  E,	
  no	
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  do	
  direito	
  internacional,	
  a	
  lei	
  
“carece	
  de	
  efeitos	
  jurídicos”.	
  E	
  como	
  a	
  própria	
  já	
  decidiu,	
  tampouco	
  impediria	
  que	
  a	
  Constituição	
  tivesse	
  
que	
  ser	
  alterada	
  para	
  se	
  conformar	
  aos	
  parâmetros	
  do	
  direito	
  internacional”.	
  BALDI,	
  César	
  Augusto.	
  Op,	
  
cit,	
  p.	
  171	
  
57	
  GOMES,	
  Luiz	
  Flávio,	
  MAZZUOLI,	
  Valerio	
  de	
  Oliveira,	
  op,	
  cit,	
  pp.	
  52-­‐53	
  
58	
  Parágrafo	
  176,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
Ainda no juízo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a 
proteção dos direitos humanos exercida pelos órgãos internacionais tem um 
viés subsidiário, cabendo aos órgãos judiciais internos a imediatividade dessa 
proteção. Assim, os órgãos internacionais, segundo a Corte, nos quais ela se 
inclui, não têm o condão de revisar ou cassar as decisões internas dos Estados 
que julguem casos práticos sobre direitos humanos, mas apenas verificar se 
tais decisões estão de acordo ou não com as normas internacionais de 
proteção aos direitos humanos59. 
Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, o direito internacional 
considera todos os atos internos (leis, atos administrativos, decisões judiciais, 
etc.) expressões da vontade de um Estado, “que devem ser compatíveis com 
seus engajamentos internacionais anteriores, sob pena de ser o Estado 
responsabilizado internacionalmente”. Dessa forma, na esteira do visto acima, 
o Estado não poderá se utilizar de nenhum ato interno para descumprir 
obrigação internacional assumida, podendo, caso descumpra, ser coagido a 
reparar os eventuais danos causados. Assim, mesmo a norma constitucional 
de um Estado é vista não como “norma suprema”, mas como mero fato, que, 
caso venha a violar norma jurídica internacional, acarretará a responsabilização 
internacional do Estado infrator”60. 
Com efeito, outra não seria a conclusão diante de tal assunto, 
tendo em vista que a própria Constituição Federal, por meio do art. 7º61, dos 
Atos de Disposições Transitórias Constitucionais, determina a subordinação 
jurídica brasileira a um tribunal internacional de direitos humanos, ou seja, a 
jurisdição internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos é um 
ditame constitucional. 
Após sabedores da decisão da Corte Interamericana de Direitos 
Humanos, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal deram declarações a 
respeito dos efeitos jurídicos (ou não) dessa decisão internacional. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
59	
  Parágrafo	
  32,	
  Caso	
  Guerrilha	
  do	
  Araguaia,	
  Corte	
  Interamericana	
  de	
  Direitos	
  Humanos	
  
60	
  RAMOS,	
  André	
  de	
  Carvalho,	
  op,	
  cit,	
  pp.	
  209-­‐210	
  
61	
  “Art.	
  7º.	
  O	
  Brasil	
  propugnará	
  pela	
  formação	
  de	
  um	
  tribunal	
  internacional	
  dos	
  direitos	
  humanos”	
  
Para o Ministro CÉSAR PELUSO, a decisão da Corte 
Interamericana apenas gera efeitos na seara da Convenção Americana de 
Direitos Humanos, não gerando qualquer efeito para os anistiados pela lei 
brasileira. Se, porventura, a decisão internacional gerar algum efeito a essas 
pessoas, essas poderão recorrer com pedido de habeas corpus, que "O 
Supremo vai conceder na hora."62 
Essas declarações do atual Ministro Presidente do STF, ao que 
parece, vão de encontro com a passagem de seu voto na Ext. 1085, mais 
conhecido como caso Battisti, em que invocando o art. 2663 da Convenção de 
Viena afirmou categoricamente que um Estado não pode descumprir tratado ao 
qual se vinculou, “este é principal capital da teoria e da prática dos tratados, 
pois não tem nexo nem senso conceber que sejam celebrados para não ser 
cumpridos por nenhum dos Estados contratantes”. Ademais, tais declarações 
não se alinham ao entendimento do próprio Ministro no julgamento do HC 
87585, que tratava de um dos julgamentos que o STF se debruçou sobre a 
questão da prisão civil do depositário infiel: 
 
Eu estava até recentemente algo hesitante à taxonomia dos 
tratados em face da nossa Constituição, mas estou 
seguramente convencido, hoje, de que o que a globalização faz 
e opera em termos de economia, no mundo, a temática dos 
direitos humanos deve operar no campo jurídico. Os direitos 
humanos já não são propriedade de alguns países, mas 
constituem valor fundante de interesse de toda a humanidade. 
Por isso, adiro à posição do grande publicista Paulo Borba 
Casella, o qual sustenta que a temática dos direitos humanos, 
por dizer respeito aos direitos fundamentais, que têm primazia 
na Constituição, é sempre ipso facto material constitucional. E 
é possível extrair da conjugação dos §§2º e 3º do art. 5º que o 
que temos aí é, pura e simplesmente, uma distinção entre os 
tratados sem status de emenda constitucional, que são 
materialmente constitucionais, e os do §3º,que são material e 
formalmente constitucionais. Qual a substância da distinção? A 
de regimes jurídicos. Com qual consequência? Com uma única 
conseqüência: saber os efeitos ou os requisitos do ato de 
denúncia pelo qual o Estado pode desligar-se dos seus 
compromissos internacionais. Esta é a única relevância na 
distinção entre as hipóteses do §2º e do §3º. E acho que o 
Tribunal não deve, com o devido respeito, ter receio de 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
62	
  Jornal	
  Estadão,	
  dia	
  16.12.2010.	
  
63	
  “Artigo	
  26.	
  Todo	
  tratado	
  em	
  vigor	
  obriga	
  as	
  partes	
  e	
  deve	
  ser	
  cumprido	
  por	
  elas	
  de	
  boa	
  fé”.	
  
perquirir qual a extensão dos direitos fundamentais, até porque 
eles são históricos. Ou seja, é que preciso que a Corte, no 
curso da história, diante de fatos concretos, vá descobrindo e 
revelando os direitos humanos que estejam previstos nos 
tratados internacionais, enquanto objeto da nossa 
interpretação, e lhes dispense a necessária tutela jurídico-
constitucional" (negritos no original, sublinhado pelo autor) 
 
De igual forma, O Ministro MARCO AURÉLIO aduziu que o 
executivo brasileiro está submetido ao julgamento do STF, não podendo 
afrontá-lo para seguir a Corte Interamericana de Direitos Humanos. "É uma 
decisão que pode surtir efeito ao leigo no campo moral, mas não implica 
cassação da decisão do STF", disse. "Quando não prevalecer a decisão do 
Supremo, estaremos muito mal."64 
Mais preocupado com os efeitos internacionais sobre um eventual 
descumprimento da decisão internacional, o Ministro CARLOS AYRES BRITTO 
acentuou que prevalece a decisão do Supremo, mas entendeu a situação 
ímpar em que se encontra o Brasil: "é uma saia-justa, um constrangimento para 
o País, criado pelo poder que é o menos sujeito a esse tipo de vulnerabilidade 
(o Judiciário)"65. 
Para ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, caso o Supremo Tribunal 
Federal mantenha esse “posicionamento negacionista”, o art. 68, I, da 
Convenção Americana de Direitos Humanos, que trata da força vinculante das 
decisões da Corte Interamericana, está fadado a ser considerado 
inconstitucional ou sofrer uma interpretação conforme a Constituição de 198866. 
 
6 – UMA CONCLUSÃO NECESSÁRIA: O CUMPRIMENTO DA DECISÃO DA 
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS FERE A SOBERANIA 
BRASILEIRA? 
Com a teoria da relativização da soberania, o Brasil, ao atender 
as determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cumpre com 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
64	
  Jornal	
  Estadão,	
  dia	
  16.12.2010.	
  
65	
  Jornal	
  Estadão,	
  dia	
  16.12.2010.	
  
66	
  RAMOS,	
  André	
  de	
  Carvalho,	
  op,	
  cit,	
  p.	
  214	
  
seu papel internacional, e em nada menoscaba a sua parcela de soberania, 
que, como visto, restará intocável, no sentido de preservação do seu território e 
de cumprimento de decisões internas ou internacionais. 
A soberania não poderá servir de escudo para o não cumprimento 
de decisões internacionais por qualquer que seja a entidade ou órgão do 
Estado. Ainda mais quando essas decisões vêm de uma Corte que a própria 
Constituição Federal pugnou pela sua criação, e que o Brasil aceitou sua 
jurisdição. Aceitar a jurisdição de um Tribunal implica necessariamente 
obedecer as suas decisões. 
Como defendido neste trabalho, cada Estado representa no direito 
internacional uma unidade jurídica autônoma, em que a soberania de cada 
Estado seria relativizada para reconhecer a primazia dos direitos humanos em 
toda a comunidade internacional. Assim, os Estados seriam competentes para 
disciplinar quaisquer matérias, inclusive sobre direitos humanos, que restaria 
qualificados como direitos fundamentais, mas que não poderiam estar em 
contraste com as normas de direito internacional, nem com as decisões das 
Cortes responsáveis pela defesa dos direitos humanos. Nessa esteira, 
entende-se serem infelizes as passagens acima transcritas pelos Ministros do 
Supremo, não reconhecendo a jurisdição e vinculação jurídico-operacional da 
decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não contribuindo em 
nada para o desenvolvimento do diálogo entre o STF e a CIDH. 
Ademais, frise-se que a Corte não vê nenhuma diferença entre 
decisão do Supremo, ou decreto legislativo, por exemplo, ou qualquer ato 
administrativo no âmbito do Poder Executivo. São todos esses exemplos de 
atos internos da República Federativa do Brasil. 
Buscando uma aparente conciliação entre essas duas decisões, 
pode-se supor que a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos 
apenas limitou a eficácia da decisão do Supremo Tribunal Federal ao que 
tange ao espaço da região do Araguaia, ao período de 1972 a 1975 aos crimes 
de tortura, homicídios, estupros e outros crimes graves, bem como o 
desaparecimento forçado de pessoas, durante esse período observado nesse 
espaço. Assim, em tese, a Lei de Anistia, considerada recepcionada pela 
Constituição Federal de 1988, conforme decisão do Supremo, valeria para 
todos os outros casos que não foram atacados na Corte de Direitos Humanos. 
Com efeito, essa ainda não é a melhor das soluções, pois a Corte 
Interamericana de Direitos Humanos foi enfática ao decidir que as leis de 
anistias são contrárias à Convenção Americana de Direitos Humanos. O que 
não se entende é como o STF considerou a Lei de Anistia válida diante do nível 
de proteção que a Constituição Federal de 1988 dispensa aos direitos 
fundamentais. Todavia, pode ser uma aparente solução para o problema a 
proposta no parágrafo anterior. 
Assim, cumprir a decisão da Corte Interamericana de Direitos 
Humanos, no caso Guerrilha do Araguaia, é o mínimo que se espera por parte 
da República Federativa do Brasil. Aliás, também se espera que o Supremo 
cumpra seu papel como protetor máximo, no território brasileiro, dos direitos e 
garantias individuais de toda a sociedade brasileira, ainda mais, nesse caso, 
dos direitos e garantias dos familiares dos mortos e desaparecidos em virtude 
da Guerrilha do Araguaia. Não podemos conceber que um Estado vanguardista 
na proteção dos direitos fundamentais ponha a salvo a responsabilização de 
criminosos. Realmente isso não se coaduna com a sinceridade do Estado 
brasileiro para com seus nacionais, e o STF parece estar na contramão da 
história. 
Por fim, cumpre ressaltar que o STF, cumprindo a decisão da 
Corte, não estaria de forma alguma caindo em descrédito perante a sociedade 
brasileira. Muito pelo contrário. Ao consentir na investigação dos responsáveis 
pelos violadores de direitos humanos, estaria o Supremo a reconhecer a 
primazia dos direitos humanos em solo brasileiro, sinalizando para um futuro 
em que os direitos fundamentais estarão mais efetivados. 
 
7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
BALDI, César Augusto. Guerrilha do Araguaia e direitos humanos: 
considerações sobre a decisão da Corte Interamericana. In: Crimes da 
Ditadura Militar: Uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte 
Interamericana de Diretos Humanos. GOMES, Luiz Flávio, MAZZUOLI, 
Valerio de Oliveira (Coords). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, pp 
154-173 
DALLARI, Dalmo deAbreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 21ª ed. São 
Paulo: Ed. Saraiva, 2011 
FURLAN, Fernando de Magalhães. Integração e Soberania – O Brasil e o 
Mercosul. São Paulo: Ed. Aduaneiras, 2004, 
GOMES, Luiz Flávio, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Crimes da ditadura militar 
e o “Caso Araguaia”: aplicação do direito internacional dos direitos humanos 
pelos juízes e tribunais brasileiros. In: Crimes da Ditadura Militar: Uma 
análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de Diretos 
Humanos. GOMES, Luiz Flávio, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coords). São 
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, pp. 49-72 
KELSEN, Hans, CAMPAGNOLO, Umberto. Direito Internacional e Estado 
Soberano. Org: Mario Losano. São Paulo: Martins Fontes, 2002 
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução de Luís Carlos 
Borges. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005 
PIOVESAN, Flávia. Lei de Anistia, Sistema Interamericano e o caso brasileiro. 
In: Crimes da Ditadura Militar: Uma análise à luz da jurisprudência atual da 
Corte Interamericana de Diretos Humanos. GOMES, Luiz Flávio, 
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coords). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 
2011, pp. 73-86, 
RAMOS, André de Carvalho. Crimes da ditadura militar: A ADPF e a Corte 
Interamericana de Direitos Humanos. In: Crimes da Ditadura Militar: Uma 
análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de Diretos 
Humanos. GOMES, Luiz Flávio, MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Coords). São 
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, pp. 174-226.

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