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CAPISTRANO FERREIRA Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

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Anais Eletrônicos do SIMPORI 2015  
Simpósio de Pós­Graduação em Relações Internacionais do 
Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUC­SP) 
“Governança Global: transformações, dilemas e perspectivas” 
São Paulo, 09 a 12 de novembro de 2015 
ISSN 1984­9265 
 
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE A 
PARTIR DA PERSPECTIVA DA ​INCLUSÃO​ E DO ​RECONHECIMENTO​ DAS 
DIFERENÇAS IDENTITÁRIAS  1
 
 
EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS: AN ANALYSIS FROM THE 
PERSPECTIVE OF INCLUSION AND RECOGNITION OF IDENTITY 
DIFFERENCES 
Vanessa Capistrano Ferreira  2
 
  
RESUMO 
A partir da análise factual dos casos de intolerância e racismo (art.14 da Convenção                           
Europeia dos Direitos Humanos) julgados pelo Tribunal Europeu dos Direitos                   
Humanos, este trabalho pretende identificar os atuais quadros limítrofes de promoção da                       
inclusão social ​e do ​reconhecimento das diferenças ​no continente europeu. Sob a                       
perspectiva da ​Teoria Reconstrutiva do Direito ​de Jürgen Habermas e da ​Teoria do                         
Reconhecimento ​de Axel Honneth, será possível contestarmos a aplicação ​exclusivista                   
dos direitos humanos na Europa, com a exposição de suas lacunas jurisprudenciais, as                         
quais comprometem, em sentido substantivo, sua efetividade e legitimidade democrática                   
no escopo social. Arguir­se­ão, ainda, os efeitos colaterais de um ​sistema de direitos                         
efetivado e legitimado pelas vias particularistas de uma cultura ocidental majoritária,                     
1 Trabalho apresentado ​V Simpósio do Programa de Pós­Graduação em Relações Internacionais                       
(UNESP/UNICAMP/PUC­SP). 
2 Doutoranda pelo Programa de Pós­Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP,                           
PUC­SP), na área de “Instituições, Processos e Atores”. Mestre em Ciências Sociais, com ênfase em “Relações                               
Internacionais e Desenvolvimento”, pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de                           
Filosofia e Ciências/ UNESP – Marília/SP. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista                           
“Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Filosofia e Ciências/ UNESP – Marília/SP. Coordenadora da linha de                                 
“Direitos Humanos, Migrações e Novas Subjetividades”, no Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI do                             
Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP), e membro do Grupo de Pesquisa em Relações                                 
Internacionais e Política Exterior do Brasil na área de “Direitos Humanos e Relações Internacionais”. Bolsista de                               
doutorado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 
que silencia a arbitrariedade e a opressão a que são submetidos grupos constantemente                         
inferiorizados e não incluídos no direito moderno. Por fim, espera­se problematizar, a                       
própria ordem jurídica do Estado democrático de direito, com vistas à superação de suas                           
vicissitudes no âmbito internacional à luz das possíveis realizações emancipatórias do                     
tempo presente. 
 
Palavras­chave: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; Reconhecimento;             
Emancipação. 
  
 
ABSTRACT 
From the analysis of the cases of intolerance and racism (​article 14 European Court on                             
Human Rights) judged by the European Court of Human Rights, this work aims to                           
identify the current limits for both the promotion of social inclusion and the recognition                           
of identity differences in Europe continent. Using the ​Reconstructive Theory of Law by                         
Jürgen Habermas and the ​Theory of the Struggle for Recognition by Axel Honneth, it                           
will be possible to refute the exclusive application of human rights in Europe, with the                             
exposure of its jurisprudential gaps, which significantly impairs, its effectiveness and                     
democratic legitimacy in the social scope. Also, there will be considerations about the                         
side effects of a system of rights carried out and legitimated majority by occidental                           
culture, which silences the arbitrariness and oppression of minority groups, which are                       
constantly inferiorized and not included in modern law. Finally, the egalitarian law of                         
the democratic State will also be questioned, in order to overcome its vicissitudes in the                             
international extent in the light of possible emancipatory achievements at the present                       
time. 
 
Keywords: ​European Court of Human Rights; Recognition; Emancipation.  
 
 
1. INTRODUÇÃO 
A conformação do corpo jurídico ao conjunto de elementos jusfilosóficos                   
ocorreu com a ​Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ​de ​1789​. ​Regida pela                             
doutrina dos direitos naturais​, ​a declaração possibilitou o surgimento da acepção de que                         
todos os seres humanos possuem ​direitos, ​pela sua “igualdade essencial, como seres                       
dotados de liberdade e razão” (COMPARATO, 2003, p.11). Após a definição das                       
perspectivas individuais e coletivas no campo jurídico, essa nova constelação de valores                       
influenciou a aplicação dos ​direitos (vistos como ​fundamentais​)​, ​no âmbito do exercício                       
da cidadania ​nos Estados modernos, e na criação de estruturas jurídicas eficazes para a                           
implementação de tais diretrizes no escopo social (ALEXY, 2011, p.12). 
O ​sistema de direitos​, anteriormente, restrito às fronteiras nacionais e ao                       
desenvolvimento interno do Estado de direito, foi ampliado com a proclamação da                       
Declaração Universal dos Direitos Humanos ​de 1948​. No art.I da declaração, é                       
reiterado que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”​,                           
sendo ainda atribuído em seu preâmbulo, a aproximação dos ​direitos fundamentais ao                       
novo conjunto moral de valores ascendentes. Isto é, na defesa “[d]a fé nos direitos                           
fundamentais do Homem, na dignidade ​e no valor da pessoa humana”, como sendo os                           
princípios normativos a serem seguidos também no âmbito internacional                 
(HABERMAS, 2012, p.07).  
Com a radicalização dos conceitos de ​igualdade​, ​dignidade e ​liberdade​, em                     
1950, sob o anseio de “assegurar o reconhecimento e aplicação ​universais ​e ​efetivos dos                           
direitos do homem”​, ​garantir a promoção da unidade europeia e o fomento do progresso                           
econômico e social, é celebrada, no bojo do Conselho da Europa (CE), ​a ​Convenção                           
Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). A CEDH traduziu­se num mecanismo de                     
reconhecimento universal da condição humana de ​igualdade ​essencial, visando a                   
“proteção e o desenvolvimento dos direitos humanos”, os quais passaram a se constituir                         
como “as verdadeiras bases da justiça”, que repousam “num regime democrático”                     
(CONVENÇÃO, 2014, grifos nossos). 
Ao incipiente papel dos direitosindividuais clássicos foram incorporados, no                   
seio da CEDH​, os debates atinentes aos direitos econômicos, sociais e culturais, com a                           
adição formal da ​Carta Social Europeia ​em 1961 e dos ​Protocolos Adicionais ​em 1988.                           
No entanto, sua contribuição mais notória deu­se a partir da criação de órgãos                         
destinados a julgar e a executar sentenças, acerca da transgressão dos direitos humanos                         
na Europa, por meio do ​Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e do ​Comitê de                           3
Ministros​ do CE , respectivamente. 4
3 Constitui­se como órgão incumbido de julgar casos individuais de violação dos Direitos Humanos na Europa, tendo                                 
como base a ​CEDH ​e seus ​protocolos adicionais​. Os casos são encaminhados por vítimas diretas ou indiretas, e                                   
analisados por um juiz singular, o qual é assessorado por um conjunto de relatores não judiciais. Se a queixa for                                       
considerada ​admissível​, o caso é avaliado com base na jurisprudência anterior do Tribunal pelo comitê de juízes                                 
(formado por três membros) ou pela Câmara (formada por sete juízes), sendo assim, atribuída a sentença. No entanto,                                   
se não houver precedência na história do Tribunal, o caso é encaminhado para julgamento na “Grande Câmara”                                 
(composta por 17 juízes) e deliberado a sentença, que é obrigatória. Se a queixa for considerada ​inadmissível​, é                                   
impossível a apelação, tendo como base o mesmo processo. ​Até 2010, cerca de 95% do casos avaliados, foram                                   
considerados inadmissíveis pelo Tribunal (ESQUEMA, 2014). 
4 Órgão responsável pela execução obrigatória das sentenças proferidas pelo Tribunal. Por ele, é encaminhado um                               
dossiê que estipula o “pagamento de uma compensação”, ou a adoção de medidas gerais (como, por exemplo, a                                   
alteração da legislação do Estado parte), ou a adoção de medidas individuais (com a reabertura do processo). Caso o                                     
Estado parte não cumpra o dossiê, uma nova apreciação é realizada pelo Comitê de Ministros, com a aplicação de                                     
penalidades (TRAMITAÇÃO, 2014). 
No que tange às competências do Tribunal, desde que foi instituído em 1959,                         
pode­se considerar a preservação dos valores inspirados no ​Estado de direito (para além                         
de seus restritos projetos nacionais), a defesa da ​democracia pluralista e, acima de tudo,                           
a proteção dos ​direitos do homem e de suas liberdades fundamentais. Sua assistência se                           
estende a todos os cidadãos dos Estados­parte que compõe o CE, bem como os ​não                             
cidadãos​, que residem em seu espaço jurisdicional (BATTJES et all, 2009). Em suma,                         
utilizando­se do argumento de Soysal (2012), o Tribunal Europeu se apresenta como um                         
órgão de representação dos valores universalistas e de validação dos direitos humanos,                       
sob a forma do exercício pleno de um modelo de ​cidadania transnacional.  
A dicotomia entre ​cidadania e ​direitos humanos é cada vez mais                     
insustentável [...] a institucionalização crescente dos direitos humanos é bem                   
documentada. Não só o número de tratados e organizações internacionais                   
dedicadas à proteção dos direitos humanos aumentou, como também o                   
número de ratificações e de adesões dos países. As normas legais e                       
institucionais também passaram a incorporar os direitos humanos [...] mas o                     
mais importante, [...] ​é a expansão para além dos próprios termos da                       
cidadania [...] tanto na gama dos requerentes contemplados quanto na gama                     
de reivindicações aplicáveis. Amplos direitos para as mulheres, crianças,                 
idosos, minorias, para as questões de gênero e para a cultura, para as pessoas                           
com deficiências, os quais colocam em prática a​democracia social europeia​,                     
estendida aos residentes que não são cidadãos [...] ​esses direitos foram                     
definidos em uma razão universalista e codificados na convenção                 
internacional dos direitos humanos (SOYSAL, 2012, p.16, tradução livre,                 
grifo nosso). 
 
 
  Entretanto, a enfermidade do otimismo mostra­se perceptível quando analisamos                 
a jurisprudência do Tribunal na atualidade, apresentada por meio dos documentos                     
oficiais: o ​Country Fact Sheets (1959­2010) ​e o ​Factsheet – Racial Discrimination                       
(2013) . ​O estudo crítico­jurisprudencial desses relatórios proporciona a observância de                     5
possíveis ​omissões jurídicas, ​nos casos que envolvem as leis e as políticas de ​não                           
discriminação​, ligadas aos grupos minoritários no continente. Pois, como argumenta                   
Battjes (2009), a situação dos estrangeiros e não cidadãos ainda varia conforme as                         
noções de ​identidade​, construídas no interior dos Estados nacionais, nos valores étnicos                       
e culturais, nas raças e nas lealdades nacionais. 
A partir do estudo do ​Factsheet – Racial Discrimination (FRD)​, nota­se que,                       
desde 1978, muitos casos passaram a ser apresentados ao Tribunal Europeu em matéria                         
5 Esses relatórios traduzem em síntese, as bases jurisprudenciais do Tribunal Europeu que datam do ano de 1959 até                                     
2013. Suas violações dizem respeito a todos os artigos que envolvem a CEDH, no entanto, concentrar­nos­emos                               
apenas nos casos de violação do art.14 da CEDH (foco de estudo dessa pesquisa). Eles estão disponíveis, em sua                                     
íntegra, no ​website oficial​ do Tribunal Europeu. 
de violação dos direitos do homem, com a exposição de ameaças à integridade física e à                               
dignidade humana, em associação às formas de ​discriminação com base na raça, na cor,                           
na origem étnica e em outras situações. O relatório ilustra – no que tange à                             
jurisprudência ​do Tribunal, acerca do art.14 da CEDH –, como ​notórios êxitos, os                         
julgamentos de ​Sander contra o Reino Unido ​(processo nº34129/96) e de ​Nachova                       
contra a Bulgária ​(processo nº43577/98 e 43579/98). Segundo ele, esses processos                     
apresentaram­se como ​ímpares no combate ao racismo e ​à intolerância na Europa e                         
serviram para reforçar “a visão da democracia numa sociedade em que a diversidade                         
não deve ser percebida como ameaça” (FRD, 2013, p.03). 
Em consonância a essa conduta, também são elencados no ​Country Fact Sheets                       
(CFS) (1959­2010) ​alguns dos principais ​padrões jurisprudenciais que se constituíram                   
como as bases para a história de formação do Tribunal. Sobre o direito de ​não                             
discriminação encontram­se referidos os casos de ​Velikova contra a Bulgária (processo                     
nº 41488/98) ​e de ​Anguelova contra a Bulgária (processo nº 38361/97). Sob essa                         
insígnia, Marie­Bénedicte Dembour(2009), em seu artigo “​Still silencing the racismo                     
suffered by migrants”, ​tece vigorosas críticas à ​jurisprudência ​do Tribunal no combate                       
à discriminação no continente.  
Segundo Dembour (2009), as ​omissões do Tribunal são evidentes no que se                       
refere ao ​reconhecimento das diferenças e das ​garantias morais de acesso aos direitos                         
equitativos de ​inclusão social​, face às arbitrárias decisões estatais e ao abuso de poder                           
na Europa. Pois, apesar dos casos de ​Sander contra o Reino Unido ​(processo                         
nº34129/96), de ​Velikova contra a Bulgária (processo nº 41488/98), ​de ​Anguelova                     
contra a Bulgária (processo nº 38361/97)​, e de ​Nachova contra a Bulgária ​(processo                         
nº43577/98 e 43579/98), serem avaliados pelo Tribunal como exemplos de “sucesso” na                       
luta contra a discriminação, para a autora, eles se transformaram “numa elaborada                       
técnica jurídica, que produziu paradoxalmente a possibilidade e a necessidade de                     
silenciar o racismo ​na Europa” (DEMBOUR, 2009, p.223, tradução livre, grifo nosso). 
(Esses) julgamentos configuram­se como os mais polêmicos do Tribunal,                 
pois ​revelam os pontos internos da crítica, acerca de sua jurisprudência [..]                       
Como Dembour argumenta, o ​tabu ​que repousa sobre o racismo tem                     
fomentado uma mentalidade de negação, tornando muitos de nós – incluindo                     
os juízes do Tribunal – cegos para as tensões raciais que ainda marcam as                           
sociedades europeias (HEMME, 2009, p. 203, tradução livre, grifo nosso). 
 
 
Nas palavras de Dembour (2009, p.223­231, grifo nosso, tradução livre): 
[...] o caso de ​Sander contra o Reino Unido foi um julgamento comumente                         
considerado por analistas como um caso ilustre no combate ao racismo pelo                       
Tribunal. No entanto, minha tese sugere o oposto, que nem de longe se                         
configurou numa ação jurídica de combate ao racismo, mas apenas o                     
silenciou [...] (Em Velikova e Anguelova) explora­se também como se                   
constituiu a ​regra de direito que tornou possível o Tribunal se manter                       
distante de reconhecer o racismo por décadas, insistindo, até recentemente                   
num ​padrão irreal de prova e por rejeitar, o próprio ​conceito de                       
discriminação indireta​. [...] E, (finalmente), em Nachova, o Tribunal                 
encontrou uma violação do art.14 da CEDH, mas que poderia ser identificada                       
apenas em seu ​aspecto processual [...] (Apesar disso) o Tribunal não                     
encontrou violação em seu ​sentido substantivo [...] ​A verdade é que (todos                       
esses casos) são invariavelmente analisados como conquistas por juristas                 
otimistas que afirmam existir uma mudança. No entanto, eles representam                   
apenas pequenas concessões num espaço onde o racismo cresce a cada dia                       
[...] e referem­se às ocorrências de não reconhecimento do racismo e no seu                         
contínuo silêncio. 
 
 
Assim, a partir da análise da literatura existente sobre as sentenças proferidas                       
pelo Tribunal Europeu – no que tange à violação do art.14 da CEDH – , surgem como                                 
casos exemplares a serem avaliados por esse trabalho, os casos de ​Sander contra o                           
Reino Unido (processo nº34129/96), de ​Velikova contra a Bulgária (processo nº                     
41488/98), de ​Anguelova contra a Bulgária (processo nº 38361/97), e de ​Nachova                       
contra a Bulgária (processo nº43577/98 e 43579/98). Com a utilização dessa ​amostra                       
jurisprudencial, ​propõe­se problematizar o fundamento último dos direitos humanos,                 
concebidos também como um ​legado moral​, acerca da concretização de seu projeto de                         
reconhecimento do pluralismo sociocultural – mediante acesso igualitário ao ​sistema de                     
direitos na Europa – e, da consolidação dos espaços de luta pela ​preservação da                           
dignidade humana (HONNETH, 1999). Em suma, colocar­se­ão em evidência, os                   
possíveis empecilhos socionormativos inclusivos do ​reconhecimento humano​, o qual é                   
continuamente subjugado pelo viés cultural e pelos males etnocêntricos, recorrentes na                     
tradição ocidental. 
Em seguida, a persecução deste artigo visa testar a hipótese de que os ​marcos                           
tradicionais ainda estão presentes nas deliberações do Tribunal Europeu, o que abala,                       
não apenas as premissas igualitárias existentes no interior da concepção                   
político­filosófica do Estado democrático de direito, mas principalmente, a                 
resolidarização dos laços sociais pautados no ​reconhecimento das especificidades de                   
toda a pessoa e de todas as pessoas, sem que ocorra a inferiorização ou a discriminação.                               
Condição essa, imprescindível para a realização da ​autonomia individual​, base de                     
edificação e desenvolvimento dos parâmetros elementares do ​sistema ​moderno ​de                   
direitos​ (CRISSIUMA, 2013).  
A partir disso, buscaremos responder: Seria o Tribunal Europeu o exemplo de                       
maior eficácia, no que tange à proteção dos direitos humanos, justamente por ​silenciar                         
as violações cometidas no âmbito dos Estados nacionais? As estruturas jurídicas                     
supraestatais, criadas e inspiradas nas bases político­filosóficas do Estado de direito,                     
seriam mecanismos incumbidos de ​reconhecer e simultaneamente ​omitir ​os direitos                   
humanos? Por meio da análise dos casos empíricos, seria o suposto ​universalismo                       
categórico dos direitos humanos fruto de direitos ​exclusivistas, pautados no ​não                     
reconhecimento de outras ​formas de vida​? As ​omissões nos procedimentos jurídicos,                     
que garantem a ​ordem ​em detrimento do caos ​do reconhecimento do outro, ​seriam casos                           
nítidos de fracasso da aplicação dos ​direitos de cidadania sob uma perspectiva                       
universal?  
Com base em tais indagações, esse trabalho será desenvolvido e justificado, a                       
fim de analisar as reais implicações das ​práticas jurisprudenciais do Tribunal, as quais,                         
presumivelmente, ainda versam sobre prerrogativas de aplicação ​exclusivista de                 
direitos, o que enfraquece o seu ideal de ​universalidade​, tornando­o controverso em                       
sociedades cada vez mais complexas.  
 
2. OS DIREITOS HUMANOS E O PARADOXO DA UNIVERSALIDADE 
As perspectivas de ​universalidade e ​inclusão em torno dos direitos do homem                       
foram introduzidas pela filosofia iluminista do séc.XVIII. Muitos filósofos do                   
Esclarecimento, tais como Voltaire, Rousseau, Diderot, Grotius, Kant, Locke, e                   
Montesquieu, construíram uma base transcendental para a criação de uma comunidade                     
política humana, a qual poderia se estender para além das fronteiras territoriais dos                         
Estados europeus e da própria história cristã (GIESEN, 2001, p.37).  
Aacepção de que todos os seres humanos possuíam ​direitos​, pela sua intrínseca                         
igualdade – como seres dotados de razão –, passou a definir uma constelação ascendente                           
de valores. Contudo, apesar de seus elementos­chave sustentarem o ​universalismo do                     
exercício dos direitos, da ​proteção ​substantiva, ​das ​garantias​, ​da preservação da                     
igualdade​, da ​liberdade e da ​dignidade humana​, um novo modelo de privilégios foi                         
instituído. Estabeleceram­se no interior das comunidades políticas ocidentais relações                 
de ​igualdade entre aqueles que estavam ​incluídos​, excluindo­se concomitantemente a                   
maior parte da população dos assuntos públicos: pois, nenhum camponês, plebeu,                     
escravo, mulher, ou indígena teriam a “educação” ou a “liberdade” necessárias para                       
serem incluídos como ​iguais​ (EDER; GIESEN, 2001, p.06­07).  
A dualidade existente entre os ​direitos humanos universais de abrangência                   
irrestrita e os ​direitos de cidadania ​(ancorados em marcadores estáticos e oposições                       
binárias – tais como o nós/eles, nacionais/estrangeiros, cidadãos/não cidadãos), passou a                     
moldar grande parte dos debates acerca do ​sistema ​moderno de direitos​. Entre os                         
teóricos clássicos encontram­se, principalmente, Theodor Marshall, Isaiah Berlim,               
Ronald Dworkin, Stuart Mill, John Rawls, Michael Walzer, Charles Taylor, dentre                     
outros. Esses apresentaram notórias contribuições acerca dos embates recorrentes entre                   
liberdade ​e ​igualdade, ​sem perder de vista às exigências de ​justiça e de ​pertença                           
comunitária​ (KYNLICKA, NORMAN; 1997). 
Não obstante, a ​teoria dos direitos ocupou­se, majoritariamente, com a conduta                     
dos cidadãos, ora oscilando entre a passividade comunitária e a participação ativa, ora                         
sobre suas responsabilidades, papéis e lealdades. A ênfase na ​virtude cívica e na                         
participação auxiliou a produção legal de novas e mais radicais ​distinções no interior                         
dos contextos sociais. Pois, como lembra Boaventura de Souza Santos (2007), tanto no                         
âmbito do ​conhecimento como no do ​direito moderno​, mantiveram­se as mesmas ​linhas                       
abissais da Era colonial, ou seja, a existência de delimitações rotineiras entre aqueles                         
que eram considerados ​amigos ​e ​inimigos. ​Apesar das conquistas, para cada ​novo                       
direito instituído se perpetuava estruturalmente a ​exclusão​. Segundo ele, “a teoria do                       
direito mostra os lastros de exclusões e de decadência das próprias perspectivas [de                         
universalidade] e inclusão” (SANTOS, 2007).   
Linda Bosniak (2000, p. 963), em seu ensaio “​Universal citizenship and the                       
problem of alienage”, ​também ​reflete sobre as permanentes tensões existentes entre a                       
natureza e a qualidade ​do ​sistema ​moderno ​de direitos​. Para a autora, não basta                           
clarificar o vago conceito de ​universalidade, ​com vistas à criação de uma desejada                         
cidadania universal – como pressupõe os defensores da cidadania liberal –, sem ao                         
menos considerar as reais ocorrências de ​exclusão ​e de ​inferiorização do outro. ​Já que,                           
torna­se imperioso refletir sobre as prementes questões da ​justiça distributiva ​e,                     
compreender, ​a priori​, como os ​limites ​da “Era dos Direitos” são criados e executados                           
pelos seus respectivos órgãos implementadores. Nas palavras de Bosniak (2000, p. 970,                       
grifo nosso),  
[...] o reconhecimento dos direitos de cidadania sob a ​forma (exclusiva) ​de                       
lei, não desfaz as miríades das ​desigualdades substantivas e da ​exclusão                     
sofrida por vários grupos de pessoas nas sociedades liberais [...] (ao contrário                       
disso) serve para perpetuar as ​desvantagens​ e a ​opressão​. 
 
 
Neste contexto, os direitos humanos fundamentais passaram a ser concebidos ora                     
como fruto de reivindicações de privilégios, ora como formas alternativas de um                       
universalismo ​utópico, sendo essa tensão um dos principais motivos de ineficácia dos                       
sistemas de proteção contemporâneos. Pois, por vezes, os direitos humanos tornaram­se                     
instrumentos de um artefato cultural particularista, que “apenas a cultura ocidental                     
tendia a formulá­los como universais” (SANTOS, 1997, p.112), quando nada mais                     
pretendiam do que legitimar suas posições de poder hegemônico em detrimento de                       
grupos minoritários.  
Entretanto, quando analisamos os direitos humanos sob o prisma das                   
reivindicações morais​, esses passam a se configurar como espaços primordiais de                     
realização da ​dignidade humana​, que realçam, sobretudo, “a esperança de um horizonte                       
moral, pautado pela gramática da inclusão, refletindo a plataforma emancipatória de                     
nosso tempo” (PIOVESAN, 2005, p.44). Boaventura (1997, p.122) ressalta, ainda, a                     
importância de não reduzirmos o estudo científico ao que existe de mais concreto, “pois,                           
de outro modo, podemos ficar obrigados a justificar o que existe, por mais injusto ou                             
opressivo que seja”. 
Tendo como base as possibilidades de realização dos potenciais emancipatórios,                   
fundamentados no ideal de justiça social e no reconhecimento do ​outro​, Habermas                       
(1997; 2002; 2012) apresenta um modelo reconstrutivo do ​sistema dos direitos, que                       
cumpra o seu papel de conectar as tensões iminentes nas sociedades modernas, acerca                         
dos dilemas do ​universalismo vs particularismo​, da ​liberdade vs igualdade​, da                     
autonomia pública vs autonomia privada​, presentes nos direitos humanos fundamentais,                   
e que ainda sejam compatíveis com as pressuposições da ​soberania popular​, do ​Estado                         
de direito​, e da ​democracia deliberativa (WERLE, 2012, p.187). Seus esforços estão                       6
6 “Esse modelo propõe concentrar­se nos discursos e processos intersubjetivos de entendimento entre os cidadãos. A                               
deliberação oferece a oportunidade de envolver a solidariedade que se forma comunicativamente. As qualidades                           
orientados para o reestabelecimento de diretrizes capazes de conduzir a uma nova ​práxis                         
jurídico­democrática, à luz das transformações histórico­sociais de seus contextos de                   
aplicação. 
Com a utilização do conceito kantiano de ​legalidade ​, Habermas (2002, p.286)                     7
considera as normas jurídicas, pautadas na garantia dos direitos fundamentais, como ​leis                       
coercitivas (devido à sua obrigatoriedade fática) e ​leis da liberdade (devido ao seu teor                           
ético de interesse simétrico de todos, acerca da preservação dos bens morais pertinentes                         
à vida). Isto é, somente com a preservação concomitante dessas duas esferas, é possívelenredar­se à ​legitimação do direito, o qual torna viável a preservação igualitária da                         
autonomia​ de todas as pessoas, independentemente de seus costumes e/ou tradições. 
Ao abordar a complementariedade entre o ​direito ​e a ​moral​, Flynn (2003)                       
relembra o caráter peculiar dos direitos humanos para Habermas, como sendo ​normas                       
jurídicas​, que apresentam­se também como ​normas morais​. Segundo o autor, Habermas                     
(2001) os considera como a ​cabeça de Janus​, estando voltada uma face para o direito                             
positivo e outra para a moral. Em seu aspecto moral se expressa, sobretudo, a substância                             
universal da ​dignidade humana de cada um e do acesso igualitário ao direito, devido sua                             
condição humana de ser dotado de unicidade existencial. Nas palavras de Habermas                       
(2001, p.149­150): 
Os direitos humanos possuem uma cabeça de Janus voltada ao mesmo tempo                       
para a moral e para o direito. Independentemente do seu conteúdo moral, eles                         
possuem a forma de direitos jurídicos. Relacionam­se ​como ​normas morais                   
com tudo “que porta o rosto humano”, mas ​como ​normas jurídicas que                       
protegem as pessoas individualmente apenas à medida que elas pertencem a                     
uma comunidade jurídica [...] Portanto, existe uma tensão peculiar entre o                     
sentido universal dos direitos humanos e as condições locais da sua                     
efetivação: (no entanto) eles ​devem ​valer de modo ilimitado para todas as                       
pessoas. 
 
 
Entretanto, o conteúdo moral dos direitos humanos não pode satisfazer seu                     
imperativo funcional no escopo da aplicabilidade nas sociedades modernas, mas                   
somente ele é capaz de justificá­lo simetricamente e de modo indivisível. Assim como a                           
argumentativas de processos de deliberação trazem adicionalmente momentos de racionalidade no processo político                         
democrático. O sistema político é então não mais a ponta nem o centro da sociedade, mas um sistema comunicativo                                     
de ações, entre outros” (REESE­SCHÄRFER, 2010, p. 177). 
7 “Na verdade, para Kant, o conceito de legalidade se refere exclusivamente à capacidade de seguir uma norma                                   
exclusivamente conforme com a lei, enquanto segui­la por respeito à lei consiste no conceito de moralidade. Ao                                 
afirmar que o conceito kantiano de legalidade implica a dupla possibilidade de ação conforme com a lei e respeito à                                       
lei, Habermas está simplesmente expressando uma interpretação mais útil para os propósitos da sua própria teoria do                                 
direito, ao invés de se envolver em precisões conceituais acerca da teoria kantiana do direito” (DURÃO, 2008: 17). 
moral, o direito também deve preservar equitativamente a ​autonomia de todos,                     
provando para além da própria ​legitimidade​, seu aspecto garantidor da ​liberdade​.                     
Segundo o autor, “a autonomia, que no campo da moral é monolítica, por assim dizer,                             
surge no campo do direito apenas sob a dupla forma da autonomia pública e privada”                             
(HABERMAS, 2002, p.290). 
A ​autonomia pública dos cidadãos adquire sua forma na organização social de                       
uma ​comunidade ético­política, regida pela ​ação comunicativa e pelas experiências de                     
reconhecimento mútuo, a qual atribui a si própria suas leis, por meio do exercício da                             
vontade soberana do povo​. Já a esfera da ​autonomia privada encarrega­se de afigurar a                           
garantia da ​autorrealização ​dos seres humanos, no que tange às suas relações pessoais e                           
sociais.  
Em síntese, pela imbricação dessas duas esferas, Habermas (2002) formula o                     
nexo existente entre a ​formação da opinião e da vontade​, mediada pela ​soberania do                           
povo num espaço público, e os ​direitos humanos​, garantidores dos parâmetros                     
universais de reconhecimento da ​dignidade humana​, dos parâmetros particulares da                   
autorrealização individual e da garantia do acesso igualitário ao ​sistema de direitos.                       
Conjuga­se, por intermédio dos direitos humanos e da democracia, os valores da                       
liberdade​ e da ​igualdade​, tão caros ao Ocidente.  
Habermas (1997) apresenta uma interpretação ​com a edificação de um ​sistema                     
que não negue o reconhecimento das particularidades humanas, consubstancializado em                   
padrões de ​eticidade ​em decomposição. E que traduza, ainda, as “expectativas de                       
comportamento generalizadas temporal, social e objetivamente” (HABERMAS, 1997,               
p.142). Estabelece­se um ​modelo democrático deliberativo ​capaz de abarcar a totalidade                     
de subculturas e que não abdique de sua obrigação de se fundamentar em ​padrões                           
morais de respeito à ​dignidade humana​, bem como no ​respaldo ético garantido pela                         
participação de toda a comunidade política. Logo, seria por intermédio dos direitos                       
humanos, que a ​autodeterminação ​dos povos e a ​autorrealização ​individual,                   
tornar­se­iam possíveis e alcançariam o objetivo ideal de uma sociedade justa e                       
emancipada. 
Contudo, as experiências de inferiorização, privação de direitos, degradação e de                     
não inclusão, possivelmente, perpetuadas pelas ​omissões jurídicas de condenação das                   
formas de intolerância e racismo nas sociedades contemporâneas, transformaram os                   
sistemas de proteção ocidentais em meros simulacros e veículos de imposição de                       
parâmetros e interesses provenientes de uma cultura majoritária, incapazes de promover                     
as concepções de justiça, necessárias para a edificação de um ​sistema de direitos regido                           
pelas prerrogativas de preservação da dignidade ​e dos princípios democráticos de                     
bem­comum. Pois, com a ​negação de oportunidades reais de inclusão e ​reconhecimento                       
das diferenças, os indivíduos seriam negados de desenvolver seus próprios mundos de                       
herança, bem como seus sensos internos de ​autonomia (autoconfiança​, ​autorrespeito e                     
autoestima) ​(WERLE, 2012, p.193). Para Honneth (2009, p.211), somente com o                     
desenvolvimento desses três elementos, seria possível que se atingisse espaços sociais                     
verdadeiramente democráticos, e se implementasse os próprios parâmetros normativos                 
que sustentam as concepções jurídico­filosóficas do Estado de direito. 
Essas três esferas de reconhecimento proporcionam os níveis reguladores para o                     
desenvolvimento da ​confiança​, do ​respeito e da ​estima​, tanto nos âmbitos individuais                       
quanto coletivos, sendo somente por intermédio do reconhecimento das identidades                   
particulares, que seria viável concebermos seres ​autônomos​, ​individuados​, e de ​igual                     
valor (HONNETH, 2009, p.266). Em suma, segundo ​a teoria do reconhecimento                     
honnethiana, processosde negação do ​outro transformam­se em requisitos que                   
inviabilizam a concretização da ​dignidade humana​, com a inferiorização devido às                     
diferenças identitárias.  
A ​teoria do reconhecimento aborda as experiências que levam ao rebaixamento                     
do ​autorrespeito moral dos indivíduos, estruturalmente, ​excluídos ou ​inferiorizados no                   
interior de comunidades políticas. Se direitos são ​negados ou ​omitidos a determinados                       
grupos sociais, está implícito que esses não são reconhecidos como parceiros ​dignos de                         
interação. Para Honneth (2009, p.216), “a denegação de pretensões jurídicas                   
socialmente vigentes significa ser lesado na expectativa de ser reconhecido como sujeito                       
capaz de formar juízo moral; nesse sentido vai de par com a experiência de privação de                               
direito uma perda do autorrespeito”. 
O desrespeito constitui­se como o último rebaixamento social possível, através                   
do qual se nega o valor social de indivíduos e coletividades, com a depreciação de suas                               
tradições e formas de vida. Uma vez que, para existir ​estima​, é fundamental que seja                             
concedido juridicamente uma real inclusão e reconhecimento do ​outro​, capazes de                     
fazerem nascer sentimentos de ​autorrealização​, bem como laços abstratos de                   
solidariedade cívica ​. Portanto, a discriminação, o desrespeito e os procedimentos                   8
exclusivistas​ acabam por abalar o significado positivo de grupos inteiros. 
[a] ofensa ou [o] rebaixamento, referem­se às formas de desrespeito, ou seja,                       
às formas de reconhecimento recusado. Conceitos negativos dessa espécie                 
designam um comportamento que não representa uma injustiça só porque ele                     
estorva os sujeitos em sua liberdade de ação, ou lhes inflige danos; pelo                         
contrário, visa­se àquele aspecto de um comportamento lesivo pelo qual as                     
pessoas são feridas numa compreensão positiva de si mesmas (HONNETH,                   
2003, p. 213). 
 
 
Para o autor, as relações jurídicas e as comunidades, a despeito das ​diferenças​,                         
devem estar sempre abertas aos processos de subversões, mediadas pelos ​conflitos                     
morais­intersubjetivos​, capazes de conduzir as sociedades à novas conquistas                 
universalistas de igualdade ​e particularistas de autonomia e ​autorrealização ​pessoal.                   
Torna­se evidente que o Direito, que busca se isolar das reivindicações sociais e de seus                             
dissensos, condensando­se à mera função simbólica, torna­se inidôneo para representar                   
as sociedades modernas, marcadas pela convivência supercomplexa (HONTEH, 2009,                 
p.267).  
Em suma, a tarefa basilar deste trabalho assenta­se numa verificação                   
político­sociológica dos possíveis parâmetros ​exclusivistas de aplicação dos direitos                 
humanos fundamentais na Europa contemporânea. Visto que sua conivência representa                   
não apenas uma negação do projeto ​universalista dos direitos humanos – sobre seus                         
imperativos morais de respeito à dignidade humana, à liberdade e à igualdade –, mas de                             
negação dos próprios preceitos da ​democracia​, do ​Estado de direito e da formação                         
identitária autônoma (fundada a partir das experiências de ​reconhecimento mútuo​).                   
Deste modo, este estudo se constituirá num importante debate acerca das possibilidades                       
de se conceber os direitos humanos como uma ​linguagem ​viável, no campo das                         
Relações Internacionais, para a produção de conhecimento crítico e emancipatório. 
 
3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: SANDER ​versus REINO UNIDO,           
VELIKOVA ​versus BULGÁRIA, ANGUELOVA ​versus BULGÁRIA, E             
NACHOVA ​versus​ BULGÁRIA 
8“Que nasce no nível da heterogeneidade das consciências populares. [Provenientes] das experiências vividas no                           
âmbito da sociedade e derivadas dos processos de socialização, que distinguem a necessidade de um homem livre e                                   
solitário, que possa contrapor os desafios e a crescente complexidade social que a modernidade traz. A partir dessas                                   
experiências surge a questão de como sua universalidade se comporta frente às diversidades culturais” (ALVES;                             
POKER; FERREIRA, 2015, p. 118).  
Como exposto até o momento, a prática “bem sucedida” dos ​princípios                     
universalistas (presentes nos sistemas de proteção nacionais e internacionais                 
contemporâneos, acerca da garantia e da defesa irrestrita dos direitos humanos                     
fundamentais), torna­se, possivelmente, menos convincente quando analisada sob o viés                   
crítico­normativo. Uma vez que, simultaneamente à constante reiteração jurídico­formal                 
da nova “Era dos direitos” nas sociedades liberais, continua­se a proliferar casos de                         
desrespeito, discriminação, exclusão e indiferença, bem como situações de                 
inferiorização, não reconhecimento e desproteção, que negam as prerrogativas                 
jurídico­filosóficas da constituição elementar do Estado Democrático de Direito                 
(NOGUEIRA, 2005, p. 05).   
Para tanto, o foco deste artigo assenta­se em uma avaliação rigorosa da atual                         
jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, acerca do combate ao                     
preconceito, ao racismo e à discriminação no continente (violação do art.14 da CEDH),                         
a fim de compreender como são traçados os ​limites do reconhecimento e da ​inclusão​,                           
na nova “Era dos Direitos”, por intermédio de um de seus principais órgãos                         
formuladores e implementadores no escopo institucional e social. Visto que, como                     
menciona Nina­Louisa Arold (2007, p.02, tradução livre),  
[...] o Tribunal é (considerado) um sucesso excepcional: composto por 46                     
Estados membros, possui tamanho, alcance e impacto únicos [...]                 
(constitui­se, ainda) como a mais alta competência em questões                 
constitucionais, abraça(ndo) muitas tradições jurídicas, e dando soluções               
eficazes para os indivíduos [...] (Sendo ele descrito) na literatura como o                       
sistema de controle mais eficaz para os direitos humanos em matéria de                       
proteção na Europa. 
 
 
Devido à sua estrutura constitucional­doutrinária, faz­se necessária uma               
verificação de seus atuais códigos jurídicos e procedimentos formais de combate às                       
formas de discriminação de grupos alternativos, no âmbito dos Estados nacionais                     
europeus e, de suas sociedades supercomplexas. Na medida que, um possível ​caráter                       
exclusivista​, compromete a conquista de perspectivas mais abrangentes de ​inclusão                   
social e a edificação de espaços plurais. Condição esta, elementar para a concretização                         
democrática do ​sistema moderno de direitos​, que incorpora todas as projeções das                       
liberdades individuais e coletivas de seus contextos sociais de aplicação e formulação.Assim, no tocante às análises empíricas, em ​Sander contra o Reino Unido​, o                         
requerente de origem asiática, pautou­se na refutação de sua condenação pela Corte de                         
Birmingham, com a alegação de que comentários racistas haviam sido proferidos                     
durante as deliberações do júri, o que comprometia a imparcialidade da sentença                       
emitida. O juiz nacional, diante do ocorrido, apenas relembrou a importância de julgar                         
com base nas provas, para que o art.6 da CEDH, acerca da garantia de um julgamento                               
justo, fosse respeitado. No entanto, por considerar as posições do júri e do juiz ética e                               
racialmente tendenciosas, Sander recorreu ao Tribunal Europeu que considerou a                   
reclamação juridicamente ​admissível, ​nos termos da CEDH.  
Nas circunstâncias do caso relatado ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos,                     
foi defendido no processo nº 34129/96, que: 
[...] um jurado chegou ao Tribunal de Birmingham e entregou um envelope                       
contendo uma queixa: ​“Eu decidi que não poderia permanecer em silêncio                     
por mais tempo. Durante o julgamento, eu me preocupei, pois dois colegas                       
jurados não estavam levando a sério seus deveres. Os dois fizeram                     
comentários abertamente racistas e piadas que temo que estão em direção de                       
condenar o réu não pela evidência, mas porque é asiático. Minha                     
preocupação, portanto, é de receber um veredito que não seja justo” [...]                       
(Posteriormente) o juiz de Birmingham leu a denúncia ao júri e disse: ​“Eu                         
não sou capaz de realizar um inquérito sobre a validade dessas afirmações e                         
não me proponho a fazê­lo [...] quando você faz um juramento ou confirma                         
ser um jurado, precisa considerar as provas. Isso é solene e obrigatório. Vou                         
adiar agora e pedir para que todos procurem sua consciência durante a                       
noite, e se você sentir que não é capaz de julgar esse caso apenas com base                               
nas provas e descobrir que não é capaz de deixar seus preconceitos de lado,                           
deverá indicar numa nota pessoal e entrega­la ao oficial de justiça” [...] Na                         
manhã seguinte, o juiz recebeu duas cartas do júri. A primeira carta foi                         
assinada por todos os jurados, incluindo o jurado que tinha enviado a                       
denúncia, que declarava: ​“Nós, abaixo assinados, membros do júri,                 
desejamos colocar no registro do Tribunal nossa resposta à nota de um                       
jurado implicando possível viés racial: 1) Nós refutamos a acusação; 2)                     
Estamos profundamente ofendidos com essa acusação; 3) Nós, asseguramos                 
ao Tribunal que temos a intenção de chegar a um veredicto exclusivamente                       
com base nas provas sem o viés racial”. A segunda carta, que o juiz elogiou,                             
foi escrita por um dos jurados que parecia ser um daqueles que haviam                         
realizado as piadas. O jurado explicou que poderia ter feito piadas racistas, e                         
que estava arrependido por qualquer ofensa, que ele era alguém com muitas                       
ligações com pessoas de minorias étnicas e que não era racialmente                     
preconceituoso. (Diante disso o juiz atestou) que era​bastante claro que todos                       
estavam conscientes de seu juramento e preparados para cumprir sua                   
obrigação. Em 8 de março de 1995, o júri condenou Sander e aplicou a pena                             
de cinco anos de prisão. (Após a conclusão do processo, foi verificado que) o                           
jurado que tinha escrito a reclamação foi por um tempo separado dos outros                         
membros do júri, o que levou também à sua identificação perante aos demais                         
(ECHR SANDER, 1996, tradução livre, grifo nosso). 
 
 
Após a verificação do caso, o Tribunal Europeu declarou: 
[...] Todos os jurados sabiam quem era o jurado delator. Obviamente, ele foi                         
forçado a retirar a queixa. A divulgação de sua identidade deve ter                       
prejudicado a sua posição, inibindo­o depois. Além disso​, um jurado admitiu                     
ter realizado comentários racistas. O outro jurado sobre quem a queixa tinha                       
sido feita permaneceu em silêncio​. Esses fatos deveriam ter alertado o juiz de                         
que havia algo errado com o júri e o juiz deveria tê­los descartado. O juiz não                               
reagiu dessa forma, e como resultado, houve ​violação do artigo 6 da                       
Convenção [...] O Tribunal considera que, uma advertência ou a direção de                       
um juiz, embora clara, detalhada e contundente, ​não mudaria opiniões                   
racistas durante a noite​. Embora, no presente caso, não se possa presumir                       
que tais pontos de vista foram de fato realizados por um ou mais jurados,​foi                             
estabelecido que pelo menos um jurado havia feito comentários racistas​.                   
Nestas condições, o Tribunal considera que a orientação dada pelo juiz ao júri                         
não poderia dissipar a impressão razoável e o medo de falta de                       
imparcialidade [...] Daqui resulta que o Tribunal de Birmingham que                   
condenou Sander ​não era imparcial de um ponto de vista objetivo (ECHR                       
SANDER,1996, tradução livre, grifo nosso).  
 
 
Não obstante, a deliberação final do Tribunal Europeu, pautou­se apenas na                     
violação ​objetiva ​do art.6 e, paradoxalmente, a proibição com base no preconceito racial                         
sofrido foi ​omitida ​da sentença. Não houve, qualquer condenação associada à                     
discriminação sofrida pelo requerente durante todo o procedimento judicial. Segundo                   
Marie Dembour (2006; 2009), o silêncio sobre o reconhecimento do racismo em Sander                         
representou a conivência do Tribunal à persistente lógica racista nas sociedades                     
europeias e a criação de uma jurisprudência incapaz de condenar a aplicação de um                           
direito construído sobre bases sociais ​exclusivistas de não reconhecimento do ​outro​.                     
Pois, enquanto a ​igualdade pressupõe formas de ​inclusão social​, a ​discriminação                     
implica em ​inferiorizações ​e em ​intolerância às diferenças e às diversidades. Nas                       
palavras da autora,   
É aceito que a Europa em geral é liberal, democrática e ligada às concepções                           
do Estado de direito e respeito aos direitos humanos. ​No entanto, essa                       
imagem baseia­se num racismo silenciado que ainda permeia a Europa​[...] a                       
jurisprudência (do Tribunal Europeu) tem sido decepcionante [...] O que                   
poderia se esperar de uma sociedade que foi, em grande parte, construída                       
sobre ideais colonialistas, e que permanece incapaz de enfrentar sua realidade                     
e implicações. ​O Tribunal Europeu não é menos racistas do que a sociedade                         
europeia, mas tão racista quanto a sociedade europeia. Assim como a                     
sociedade, ele é uma arena contestada e dividida (2009, p.226­234, traduçãolivre, grifo nosso). 
 
 
Casos semelhantes de discriminação do ​outro ​também se repetiram em ​Velikova                     
contra a Bulgária ​(processo nº 41488/98). No processo, a esposa contestava o                       
espancamento de seu marido cigano até a morte, sob custódia da polícia, o qual expunha                             
claramente a violação do direito à vida (inscrito no art.2 da CEDH), tanto em termos                             
substanciais ​(com a perda real da vida e das condições de ​dignidade humana​), quanto                           
em seus aspectos ​processuais ​(ou seja, falta de investigação efetiva da polícia sobre o                           
homicídio). Em suma, o processo de ​Velikova ​baseou­se inteiramente na crítica ao                       
preconceito generalizado contra a minoria étnica composta por ciganos na República da                       
Bulgária.  
Consta nos atos do processo judicial que, 
O homem com quem a requerente viveu por 12 anos, o Sr.Slavtcho                       
Tsonchev, pertencente ao grupo étnico dos ciganos, morreu depois de ficar 12                       
horas sob custódia da polícia, após sua detenção sob a acusação de roubo de                           
gado. [...] Segundo o depoimento do sargento, num determinado momento da                     
noite, o Sr.Tsonchev começou a vomitar na cela, onde havia sido colocado.                       
Ele foi autorizado a ir ao banheiro e não foi preso depois [...] o diretor, ao                               
notar que o Sr.Tsonchev estava​doente​, chamou a unidade de emergência que                       
chegou for volta das 2 horas da manhã, encontrando o Sr.Tsonchev morto [...]                         
Na autópsia foi revelado como causa da morte a perda aguda de sangue                         
resultante de grandes e profundos hematomas nos membros superiores e na                     
nádega esquerda (devido) ao impacto de um ou mais objetos longos e duros                         
[...] na análise, foi revelado que a morte não estaria relacionada com qualquer                         
doença anterior [...] e o horário da morte teria acontecido dez horas antes da                           
autópsia [...] a requerente alega violação do artigo 2 da CEDH em que o                           
Sr.Tsonchev teria morrido como resultado de ferimentos infringidos               
intencionalmente pela polícia, que não havia recebido tratamento médico                 
adequado e imediato, e que a polícia não havia realizado uma investigação                       
significativa sobre as circunstâncias duvidosas que envolveram sua morte                 
(devido) à sua origem étnica. A recorrente sustentou que os policiais                     
conheciam o Sr.Tsonchev e sua origem étnica era sabida por todos no                       
momento de sua prisão, e que isso era tão forte, que durante um depoimento                           
no inquérito, o sargento fez referências explícitas e pejorativas à sua origem                       
étnica. A observação de que (a polícia não havia notado os hematomas),                       
inicialmente, devido à “cor escura da pele”, também foi expressão de                     
preconceito [...] (a requerente sustenta que) a percepção dos policiais da etnia                       
de seu marido foi um fator decisivo também para o seu mau trato. O                           
preconceito foi motivo para a recusa das autoridades em investigarem as                     
causas da morte de modo eficiente (ECHR VELIKOVA, 1998, tradução                   
livre).  
 
 
No entanto, a denúncia de ​Velikova foi rejeitada pelo Tribunal Europeu em maio                         
de 2000, devido à ausência de provas nos termos do art. 14 da CEDH, isto é, da                                 
impossibilidade objetiva de atestar os fatos em termos jurídicos. A ​admissibilidade do                       
caso fundamentou­se apenas na deficiência do Estado em garantir o auxílio médico                       
adequado ao Sr. Slavtcho Tsonchev (violação do art.2 da CEDH, nos ​termos                       
processuais​), e nas lacunas da investigação policial sobre a sua morte (violação do                         
art.13 da CEDH). Segundo o processo nº 41488/98, 
O Tribunal considera que não há provas suficientes sobre as quais, pode­se                       
concluir, sem dúvidas, que o Sr.Tsonchev morreu como resultado de                   
ferimentos infligidos enquanto ele estava sob custódia da política [...]                   
considera também que não há nenhuma evidência que a vítima tenha sido                       
examinada por um profissional, em qualquer momento durante a sua                   
detenção [...] conclui­se que, portanto, houve violação do artigo 2 da CEDH,                       
em termos processuais, no que diz respeito à morte do Sr.Tsonchev (já que)                         
cabe ao Estado assegurar a todos dentro de sua jurisdição os direitos e                         
liberdades definidos nele [...] O Tribunal admite que houve falha em realizar                       
as investigações (sendo) responsabilidade do Estado de proteger a vida do                     
Sr.Tsonchev. (Considera, portanto) que houve violação da obrigação do                 
Estado demandado nos termos do art.13 da CEDH para conduzir uma                     
investigação efetiva. ​[No que tange à violação do art.14 da CEDH) o                       
Tribunal recorda, que o nível de prova exigido ao abrigo da Convenção é                         
“acima de qualquer dúvida razoável”​. O material oferecido não permite ao                     
Tribunal concluir, sem dúvidas, que a morte do Sr.Tsonchev e a falta de                         
investigação tenha sido motivadas por preconceitos raciais, como alegado                 
pela requerente. Segue­se que não houve violação do art.14 da CEDH                     
(ECHR VELIKOVA, 1998, tradução livre, grifo nosso). 
 
Ao adotar essa doutrina ​“para além de qualquer dúvida razoável”​, nos termos                       
do art.14 da CEDH, o Tribunal Europeu transferiu o ​ônus de prova da discriminação                           
para a vítima e/ou o requerente durante o procedimento judicial. Segundo Dembour                       
(2009, p.229), o Tribunal “[...] não considerou em nenhum momento que as atitudes                         
racistas poderiam ter desempenhado um papel relevante nos eventos que levaram aos                       
ferimentos e à morte” do Sr.Tsonchev. Conduta essa, que se repetiu, por exemplo, em                           
Anguelova ​(processo nº 38361/97). Pois, para o Tribunal, todas as alegações de                       
discriminação e intolerância, retratadas até aquele momento, ​“não haviam sido                   
provadas para além de qualquer dúvida, não havendo, portanto, qualquer violação do                       
art.14 da CEDH”​ (ECHR VELIKOVA, 2014). 
No caso ​Anguelova ​(processo nº38361/97), a mãe de Anguel Zabchekov, de                     
dezessete anos, acionou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em novembro de                       
1998, com a alegação de que seu filho havia sido torturado (violação do art.3 da                             
CEDH), morto (violação do art.2 da CEDH), e privado de sua liberdade (violação do                           
art.5 da CEDH) pelas autoridades búlgaras, devido ao preconceito racial que envolve                       
toda a minoria étnica composta por ciganos (violação do art.14 da CEDH) na República                           
da Bulgária. Como é apresentado nos atos do processo,  
Anguel Zabchekov, havia saído para um bar com seus amigos na noite de 28                           
de janeiro de 1996.Sua mãe afirma que ele estava em boa saúde e sem                             
ferimentos quando o viu pela última vez, às 22:30h. O menino foi visto, à                           
meia noite, sendo perseguido por um sargento da polícia. O sargento Mutafov                       
alegou que Zabchekov caiu várias vezes com o rosto no chão ao tentar fugir                           
da polícia, em uma suspeita de furto de carro, sendo preso e levado à                           
delegacia antes da uma hora da manhã. Às três horas da manhã, a polícia                           
informou que a saúde do menino estava se deteriorando. Levaram­no para o                       
hospital, e por volta das cinco horas da manhã foi declarado morto. [...] Na                           
autópsia realizada, do primeiro relatório de exame direto do corpo, constou                     
como causa da morte uma fratura no crânio que ele teria sofrido cerca de                           
quatro horas antes de sua morte. A autópsia também encontrou um hematoma                       
na mão esquerda e graves contusões em sua mão direita. Também foi                       
relatado, que em algum momento, ele foi algemado em uma árvore, devido                       
aos arranhões e a presença de fiapos de madeira em sua pele [...] Não sendo                             
apoiado, ainda, a evidência forense de características típicas de queda [...] No                       
entanto, um segundo relatório, baseado num exame visual de fotografias de                     
coágulos de sangue, foi utilizado pela polícia búlgara no caso, e passou a                         
sugerir que as lesões teriam acontecido 10 horas antes de sua morte. O                         
inquérito da investigação se apoiou apenas no segundo relatório e o caso foi                         
encerrado. [Das reclamações], a requerente alega que seu filho morreu depois                     
de ser maltratado por policiais, que a polícia falhou em fornecer tratamento                       
médico adequado para seus ferimentos, que as autoridades não conduziram                   
uma investigação adequada do caso, que a detenção de seu filho era ilegal, e                           
que houve discriminação com base na origem étnica de Anguel Zabchekov                     
(ECHR ANGUELOVA, 2002, tradução livre). 
 
 
A sentença do Tribunal Europeu sobre o processo conduzido pela mãe da vítima,                         
Assya Anguelova, foi de que: 
[...] o Tribunal constatou que Anguel Zabchekov morreu depois de ter sido                       
detido por várias horas na delegacia Razgrad e que o primeiro relatório                       
forense considerou que sua lesão no crânio, provavelmente, tenha sido                   
infringida quatro horas antes de sua morte, um momento que ele estava sob                         
custódia da polícia [...] O governo não ofereceu nenhuma outra explicação da                       
utilização apenas do segundo relatório forense [...] O Tribunal também                   
observa que a polícia atrasou na prestação de assistência médica, o que                       
contribui de forma decisiva para a sua morte, portanto, houve violação do                       
art.2 da CEDH [...] Observado que o governo não ofereceu uma explicação                       
plausível para as lesões ao corpo de Zabchekov, e que os ferimentos indicam                         
tratamento desumano, o Tribunal considera que houve violação do art.3 da                     
CEDH [...] O Tribunal verificou que a privação da liberdade de Zabchekov                       
não foi registrada inicialmente e, que o registro na delegacia da polícia foi                         
forjado mais tarde [...] A falta de uma ordem escrita e de um registro                           
adequado informando a detenção de Zabchekov foi suficiente para confirmar                   
que seu confinamento por várias horas, caracterizou uma violação do art.5 de                       
privação da liberdade [...]​O Tribunal constatou que, apesar das alegações de                       
discriminação, baseadas em argumentos sérios, não foi capaz de concluir                   
que tenha sido “provada para além de qualquer dúvida razoável”, não                     
havendo, portanto, violação do art.14 da CEDH ​(ECHR, 2002, tradução                   
livre, grifo nosso).  
  
 
Apesar da unanimidade aparente, o juiz Giovanni Bonello no caso de ​Anguelova,                       
apresentou uma opinião divergente, sendo essa anexada ao processo final. Segundo                     
Bonello (ERRC, 2014, p.39­42, tradução livre): 
Considero particularmente perturbador que o Tribunal Europeu, em mais de                   
cinquenta anos de escrutínio judicial, não tenha, até agora, encontrado um                     
único caso de violação do direito à vida (art. 2 da CEDH) ou o direito de não                                 
ser submetido à tortura, nem a outro tratamento degradante ou desumano (art.                       
3 da CEDH), induzido pela raça, cor ou lugar de origem da vítima [...]                           
Curdos, mestiços, muçulmanos, ciganos e outras minorias são mortos,                 
torturados e mutilados, mas o Tribunal não está convencido de que sua raça,                         
cor, nacionalidade, ou lugar de origem tenha alguma coisa a ver com isso [...                           
] O caminho a seguir, ao meu ver, encontra­se num repensar radical da                         
abordagem do Tribunal, levando à remoção das barreiras que em alguns                     
domínios importantes dos direitos humanos, fazem do Tribunal um                 
administrador inepto da CEDH e da preservação dos Direitos Humanos na                     
Europa. 
 
 
Como resposta às alegações de Bonello, o Tribunal Europeu (em fevereiro de                       
2004) abandonou sua exigência de obtenção de prova para “​além de qualquer dúvida                         
razoável​” nos termos do art.14 da CEDH e, finalmente, em ​Nachova contra a Bulgária                           
(processos nº 43577/98 e 43579/98), a violação foi considerada ​admissível ​nos ​termos                       
processuais​. Isto é, no que tange à ineficácia do Estado em investigar a morte de dois                               
jovens ciganos, devido aos preconceitos raciais envolvidos no processo de investigação                     
policial. Não obstante, os ​termos substantivos (de que as mortes foram motivadas                       
devido às origens étnicas das vítimas) continuaram inalterados, sob o pretexto de que a                           
função do Tribunal não consiste na avaliação do contexto social ou na condenação de                           
formas indiretas de intolerância ainda presentes nas sociedades europeias (ECHR                   
NACHOVA, 2014). 
Nas circunstâncias do caso de ​Nachova ​(processo nº43577/98 e 43579/98),                   
temos que: 
Os requerentes alegam, que seus parentes próximos o Sr. Kuncho Anguelov e                       
o Sr. Kiril Petkov, foram baleados e mortos por policiais, havendo violação                       
do art.2 da CEDH. Além disso, a investigação sobre os acontecimentos foram                       
ineficazes, com violação do art.13 da CEDH [...] e que os acontecimentos                       
denunciados foram resultado de atitudes discriminatórias contra pessoas de                 
origem cigana, com violação do art.14 em conjunto com o art.2 da CEDH.                         
[...] Tanto Angelov quanto Petkov possuíam 21 anos, já haviam sido presos                       
por ausência de licença para lidar com construção de blocos de apartamentos                       
e projetos civis. Posteriormente, foram condenados por roubo,e fugiram para                     
a casa da avó, deixando um canteiro de obras, onde trabalhavam. Nenhum                       
deles estava armado [...] imediatamente, dois oficiais com uniformes e dois                     
com trajes civis pararam na frente da casa da avó de Angelov, e o sargento K                               
reconheceu que ambos estavam lá dentro. Tendo notado o veículo da polícia,                       
os acusados tentaram fugir novamente pela janela, correndo em direção ao                     
quintal de um vizinho. O sargento N puxou a arma e gritou: “Pare! Polícia!”.                           
Ele havia sacado a arma, mas não tinha disparado nenhum tiro ainda. Foi                         
então que o Major G. gritou: “Pare ou eu atiro!”. Foi então, que o tiroteio                             
começou. O Sr. Anguelov e o Sr.Petkov foram baleados e morreram à                       
caminho do hospital. [...] De acordo com o vizinho, o Sr.MM, três policiais                         
atiraram. Dois deles haviam disparado tiros ao ar, e o terceiro oficial (Major                         
G.) disparou tiros com um rifle automático em direção aos acusados. Sr.MM                       
declara ter ouvido de 15 à 20 tiros, talvez mais. [...]​Sr.MM também atesta ter                             
escutado o Major G insultar os dois corpos caídos em seu quintal “vocês,                         
droga de ciganos!”​[...] Nove cartuchos foram recuperados pela perícia [...] E,                     
de acordo com a autópsia, a causa da morte do Sr.Petkov foi uma feria no                             
peito “de frente para trás”. No que diz respeito ao Sr. Angelov, o relatório                           
concluiu que a causa da morte foi uma ferida de bala, com a direção do tiro                               
de “trás para frente” [...] O relatório concluiu, ainda, que as lesões foram                         
causadas por um fuzil automático disparado à uma curta distância (ECHR,                     
2005, tradução livre, grifo nosso). 
 
   
Na avaliação do Tribunal Europeu sobre a alegação da privação da vida de                         
Kuncho Anguelov e de Kiril Petkov (art.2 da CEDH), tendo como base a discriminação                           
em relação à raça e à origem étnica das vítimas (art.14 da CEDH), foi declarado que: 
A violência racial é uma afronta à dignidade humana e, em vista de suas                           
consequências, exige das autoridades uma vigilância especial e uma reação                   
vigorosa. É por esta razão que as autoridades devem utilizar todos os meios                         
disponíveis para combater a discriminação e a violência racistas,​reforçando                   
a visão da democracia [...] Confrontado com a queixa de violação do art. 14                           
da CEDH​, a tarefa do Tribunal é de estabelecer se o racismo foi um fator                             
causal no tiroteio que levou à morte do Sr. Angelov e do Sr.Petkov, em                           
associação ao art.2 da CEDH ​[...] a este respeito, o Tribunal tem adotado o                           
padrão de prova “​para além de qualquer dúvida razoável”​. No entanto,                     
nunca foi o propósito de aproximar sua jurisprudência aos sistemas jurídicos                     
nacionais que se utilizam desse padrão. ​O seu papel não é o de decidir sobre                             
a culpa ou a responsabilidade civil, mas sim sobre a responsabilidade do                       
Estado contratante acerca da violação da Convenção Europeia dos Direitos                   
Humanos [...] já que, ele tem que assegurar o cumprimento e o engajamento                         
para a preservação dos direitos fundamentais consagrados na Convenção [...]                   
Em primeiro lugar, considerando os fatos revelados que o Major G                     
descarregou um rifle automático em uma área povoada, desrespeitando a                   
segurança do público, e considerando que não existe uma explicação racional                     
para tal comportamento, os requerentes são da opinião de que o racismo por                         
parte do Major G foi a única explicação plausível [...] (Mas) o Tribunal                         
observa, que o uso de armas de fogo nas circunstâncias em questão, não é                           
proibida nos termos dos regulamentos nacionais [...] No que tange à                     
declaração feita pelo vizinho, o Sr.MM, que informou o insulto ​“vocês,                     
droga de ciganos!”, imediatamente após o tiroteio... tal evidência sugere que,                     
o insulto racial sendo proferido em conexão com um ato de violência, deveria                         
ter levado as autoridades a verificar a declaração do Sr.MM, [...] No entanto,                         
essa afirmação, em si, não possui uma base suficiente para concluir que o                         
assassinato teve um impulso racista [...] O Tribunal decidiu transferir o ônus                       
da prova para o governo por conta do fracasso das autoridades em realizar                         
uma investigação eficaz sobre a alegação de motivações racistas por detrás                     
dos homicídios. ​A incapacidade do governo resultou em encontrar uma                   
violação processual do art.14 da CEDH em conjunto com o art.2 da CEDH.                         
[...] ​Em suma, depois de avaliados os elementos relevantes, o Tribunal não                       
considera que atitudes racistas desempenharam um papel na morte do                   
Sr.Anguelov e no Sr.Petkov, assim conclui que, não houve violação do art.14                       
tomada em conjunto com o art.2, em seu aspecto substantivo. 
 
 
Ao proferir tal justificativa, o Tribunal Europeu defendeu sua ausência de                     
responsabilidade em ​condenar formas de intolerância e/ou de racismo nas ​sociedades                     
civis europeias, cabendo a ele apenas a função de responsabilizar ou não os Estados                           
contratantes acerca da violação dos termos presentes na Convenção Europeia dos                     
Direitos Humanos. Sua postura não apenas descarta o desenvolvimento histórico­social                   
indispensável ao aprimoramento moral e ético da própria substância normativa dos                     
direitos humanos fundamentais, como também se utiliza de ​garantias legais para                     
omitir­se em relação ao obscurecimento e à inferiorização de determinadas ​formas de                       
vida ​em detrimento de ​outras, ​nos contextos sociais europeus. Compromete­se, assim,                     
sob um viés crítico, a maior expressão do processo de ​emancipação da humanidade​,                         
com a exposição de uma problemática que não perpassa somente sobre o âmbito                         
incipiente acerca dos imperativos da moralidade, mas da própria regressão do ideal de                         
Estado de direito legitimamente democrático (VASCONCELOS, 2012, p.544). 
Uma vez que, experiências de privação de direitos, inferiorização e degradação                     
das prerrogativas de ​reconhecimento​, influem diretamente na consolidação das esferas                   
de ​autorrespeito e ​autoestima​. Âmbitos esses, substanciais para se pensar na                     
consolidação da ​honra ​e da ​dignidade humana ​, bem como da própria ​efetividade ​dos                         9
direitos humanos fundamentais. Com o abalo das prerrogativas de autorrealização dos                     
indivíduos, torna­se inviável pensar em ideais igualitários, em concepções abrangentes                   
de ​justiça social​ e em ​emancipação humana ​.  10
O ​sistema ​moderno de direitos é apresentado por Jürgen

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