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! DEPARTAMENTO DE DIREITO DO ESTADO DIREITO ADMINISTRATIVO I Prof. Dr. Farlei Martins Riccio RESENHA DO CURSO - 2016.2 I – ESTADO E DIREITO ADMINISTRATIVO I.1 - Introdução O indivíduo vive socialmente em grupos e se relaciona com outros na busca de bens para a satisfação de suas necessidades individuais. Como os bens e os recursos são escassos e limitados a busca por eles torna-se fonte de conflito e desarmonia social. 1 Para que a convivência dos indivíduos ou de cada grupo com os demais seja harmoniosa e pacífica é preciso que se estabeleçam regras de conduta que restringem a liberdade e impõem condutas comissivas ou omissivas. Para que as regras de conduta possam ter eficácia é preciso uma força coercitiva para produzi-las e aplicá-las com aceitação dos membros do grupo social. A essa força denomina-se poder. O poder é sempre uma relação social. Em seu sentido sociológico, poder é a capacidade do homem de determinar a conduta de outro homem. 2 A necessidade de atender a interesses que demandam escala metaindividual acarretou a concentração do poder, que estabilizadas pelo consenso e pelo costume, levaram aos surgimento das instituições políticas, tais como Estado. Para George Jellinek, Estado é a corporação de um povo, assentado num determinado território e dotado de um poder de mando. O poder político do Estado exercido com legitimidade denomina-se autoridade. Essa autoridade é exercida por meio do governo. Em resumo, o Estado, como organização juspolítica da sociedade, atua compondo os conflitos de interesses e promovendo o bem-estar individual (Kant) e em realizar o bem-comum (Sao Tomas de Aquino) para satisfação das necessidades gerais. Ao Estado, como organização juspolítica da sociedade, cabe declarar quais são os interesses que demandam escala metaindividual e escolher os meios para satisfazer esses interesses e realizar o bem-comum. É através da função legislativa que o Estado seleciona os interesses que são relevantes para o grupo social. Assim, os interesses são politicamente selecionados (regime democrático) para serem juridicamente protegidos (positivados no ordenamento jurídico). Assim, um interesse metaindividual cometido pelo ordenamento jurídico ao A satisfação das necessidades individuais ou sociais pode se dar por meio da atividade econômica. O 1 conceito de economia resulta da lei da escassez, em que as necessidades são muito superiores aos bens disponíveis para satisfazê-las. A economia é a administração da escassez. CAETANO, Marcelo. Manual de Ciência Política e Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2003.2 !2 Estado caracteriza um interesse público. Diogo de Figueiredo Moreira Neto define 3 interesse público como “interesses coletivos gerais que a sociedade comete ao Estado para que ele os satisfaça, através de ação política juridicamente embasada ou através de ação jurídica politicamente fundada”. 4 Segundo Maria Sylvia Di Pietro, a pluralização dos interesses públicos na sociedade moderna levou a uma reclassificação. A expressão interesse público, em sentido amplo, constitui o gênero que compreende várias modalidades: “o interesse geral, afeto a toda a sociedade; o interesse difuso, pertinente a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e indivisibilidade; e o interesse coletivo, que diz respeito a um grupo de pessoas determinadas ou determináveis.” - 5 6 Assim sendo, o próprio Estado escolhe os bens que considera imprescindíveis para a convivência social e a lei faz a discriminação (princípio da legalidade). Mas a legalidade não se confunde com a legitimidade. A captação política dos interesses da sociedade é imediata e define a legitimidade, enquanto a positivação jurídica desses interesses é mediata e define a legalidade. As dimensões e funções são bem distintas: o interesse público, antes ou depois de legislado, é sempre padrão de legitimidade, mas só o interesse público legislado alcança o padrão de legalidade. Em resumo, a legitimidade é muito mais ampla que a legalidade, simplesmente porque é impossível, em qualquer sociedade, que a lei defina exaustivamente todas as hipóteses do interesse público. 7 Nestes termos, a legalidade passa a ser um referencial ético-jurídico (normas) enquanto a legitimidade e a licitude são referenciais ético-morais (valores). Jurgen Habermas afirma que não basta a dimensão fática da validade do Direito para que ele se ponha como regulador/ordenador social, mais que isso, depende esta dimensão de uma base legítima de reconhecimento social da sua validade. De outra forma, implica reconhecer que o sistema jurídico que se encontra ancorado tão-somente em uma justificação lógico-formal (provido de legalidade positiva), pode não ser fruto da vontade Há quem faça a distinção entre interesse público primário e secundário. Para Luis Roberto Barroso, “o 3 interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica – quer se trate da União, do Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas.” O Estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do interesse público. Prefácio. in SARMENTO, Daniel (org). Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Legitimidade e Discricionariedade. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 13.4 DI PIETRO, M. S. Z. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2001, 5 p. 224. Vide art. 81 da Lei n. 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor.6 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 14.7 !3 geral da comunidade que alcança, impondo-se por argumentos não racionais (de força e do medo pelo castigo). Sob esse referencial, contrasta-se a ação estatal com a vontade dominante na sociedade e retira-se a conclusão: legítima, se concorda, ou ilegítima, se não é com ela concordante. Assim sendo, no Estado democrático de direito, a legalidade e a legitimidade devem convergir para atendimento ao interesse público, detalhando e precisando, de várias formas e em vários níveis, o seu conteúdo em uma sociedade organizada. Como a legitimidade possui uma estreita relação com o poder político, a crise deste reflete invariavelmente na captação dos interesses públicos e na legitimidade de ações governamentais. Por conseguinte, a democracia representativa entra em crise, 8 pois se revela insuficiente como instrumento de legitimação do poder político. Busca-se então uma democracia participativa, semidireta ou substancial como uma forma de reforçar o controle social sobre a atuação estatal e torná-la associada ao papel de efetivação dos direitos fundamentais, objetivos do Estado de Direito em sua acepção material. I.2 - Conceito de Direito Administrativo Para realizar o interesse público e o bem-comum da sociedade o Estado participa ativamente da vida social e econômica, por meio dos seus órgãos, entidades e agentes públicos, os quais desempenham, entre outras, a chamada função administrativa. A função ou atividade administrativa pode ser definida como a gestão, nos termos da lei, de bens, interesses e serviços públicos visando o bem comum. Essa função administrativa, exercida formalmente por órgãos e agentes que integram, na ordem constitucional, o Poder Executivo, é regulada através de normas (leis, regulamentos e outras regras de menor hierarquia jurídica) que compreendemo chamado Direito Administrativo. Nestes termos, o direito administrativo representa um subsistema de normas jurídicas, integrado no direito público interno, disciplinador da organização, das formas de expressão e dos limites jurídicos comuns ao desempenho da função administrativa, realizada por órgãos, entidades e agentes públicos ou por Marcos Augusto Perez refere alguns problemas identificados pela ciência política quanto à democracia 8 representativa: “(1) oligarquização dos partidos políticos; (2) excessiva profissionalização da política; (3) desinteresse dos eleitores pela participação política; (4) incapacidade dos parlamentares para identificar e resolver os complexos problemas inerentes à atuação estatal no domínio social e econômico; (5) falta de educação política dos eleitores, levando-os a optar mais emotiva do que racionalmente, no momento de escolha dos governantes; (6) dificuldade de contenção do abuso do poder econômico nas eleições; (7) influência nociva dos meios de comunicação de massas; (8) personalização excessiva do processo eleitoral; (10) concentração de poderes nas mãos da burocracia do Executivo; (11) cerceamento do debate parlamentar mediante a edição de atos normativos com força de lei pelo Executivo.” A Administração Pública Democrática. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 31. !4 particulares em atividade delegada. Nele se incluem também as normas voltadas a disciplinar as garantias e controle da função administrativa pelos cidadãos. Importante observar que o Direito Administrativo não se limita a regular a atividade do Poder Executivo, no marco constitucional da separação de poderes. Ou seja, não é direito próprio e exclusivo do Poder Executivo. Não é próprio porque regula também o desempenho da função administrativa nos demais poderes, bem como o exercício da função administrativa a cargo dos particulares em funções delegadas. Não é exclusivo porque o Poder Executivo e as demais entidades são também regidos por outras normas de direito publico e em algumas hipóteses pelo direito privado. I.3 - Objeto do Direito Administrativo O objeto de estudo do Direito Administrativo é a Administração Pública, que pode ser definida a partir de dois critérios: um objetivo ou material e um subjetivo ou formal. Em sentido objetivo ou material, a Administração Pública abrange as atividades de fomento, polícia administrativa, serviço público e intervenção no domínio econômico, exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas. Esse critério corresponde, portanto, à função administrativa atribuída preferencialmente ao Poder Executivo. Em sentido subjetivo ou formal, a Administração Pública abrange todos os órgãos integrantes das Entidades Federativas (União, Estado, Municípios e Distrito Federal) ou das entidades descentralizadas, aos quais a lei confere o exercício de funções administrativas. Conjugando esses dois aspectos podemos definir Administração Pública como atividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção e fiscalização do poder politico, desempenham em nome da coletividade a tarefa de prover a satisfação regular e continua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar econômico e social, nos termos da legislação aplicável e sob o controle de tribunais competentes. Quando a Administração Pública atua por suas entidades de forma centralizada, surge a expressão Administração Direta. Quando atua por suas entidades de forma descentralizada, surge a expressão Administração Indireta. Quando atua em associação, parceria ou colaboração com a iniciativa privada surge a Administração Associada ou Terceiro Setor. Cabe ressaltar que Administração Pública e Governo não se confundem. Governo é a condução política dos negócios públicos. É a fixação dos objetivos do Estado e das políticas públicas (função política). Administração pública é a prática dos atos de execução dos objetivos políticos do Estado (função administrativa). !5 I.3 - Fontes do Direito Administrativo Fonte é o lugar de onde brota água, através da terra. Fontes do Direito são as formas que o revelam. Denomina-se fonte de determinado ramo jurídico o ato ou fato que concorra para formar as normas jurídicas. Os autores costumam separar as fontes do Direito em escritas e não escritas. As fontes escritas são as chamadas genericamente de lei. Enquanto as fontes não escritas são a jurisprudência, os costumes, a doutrina e os princípios gerais de direito. 9 Pode-se ainda classificar as fontes do Direito em materiais e metajurídicas. As fontes materiais são aquelas que formalmente não são leis, mas materialmente trazem um comando legal (p.ex. atos normativos, regulamentos, circulares, portarias etc). As fontes metajurídicas ou de conhecimento são as fontes em que o Direito vai buscar fundamento para suas disposições na medicina, na engenharia, na economia, p.ex., a norma administrativa do código de posturas que estabelece a altura mínima de uma parede depende de regras de engenharia; a comunicação de doenças venéreas, necessita da medicina para dizer quais são. As fontes escritas e formais são as mais importantes fontes do Direito Administrativo, notadamente pela necessidade dos atos públicos em geral estarem sujeitos ao princípio da legalidade. I.4 - Relação com as demais disciplinas O Direito Administrativo tem um caráter concursal, isto é, para ele concorrem diversos outros ramos do Direito. Com o Direito Constitucional o Direito Administrativo mantém estreita afinidade, pois ambos tem como objeto a mesma entidade: o Estado. O Direito Constitucional se preocupa com a estrutura estatal e pela instituição política, enquanto que o Direito Administrativo se interessa tão-somente pela organização interna dos órgãos da Administração Pública, de seu pessoal e do funcionamento de seus serviços, de modo a satisfazer as finalidades que lhe são constitucionalmente atribuídas. Daí dizer que o Direito Constitucional dá os lineamentos gerais do Estado, institui órgão essenciais, define direitos e garantias individuais, cuida da estrutura, da forma da substância do Estado, no aspecto estático, enquanto o Direito Administrativo estuda a sua movimentação, a sua dinâmica, disciplina os serviços públicos e regulamenta as relações entre a Administração e os administrados dentro dos princípios constitucionais previamente estabelecidos. Com o Direito Tributário e Financeiro são sensíveis as relações com o Direito Administrativo, dado que as atividades vinculadas à imposição e arrecadação de Decreto-Lei n. 4.657/1942 - Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Art. 4o - Quando a lei for 9 omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. !6 tributos, à realização da receita e efetivação das despesas são atividades eminentemente administrativas. Com Direito Penal a relação também é evidente, como no caso dos crimes contra a Administração Pública (art. 312 a 327), onde subordina a definição do delito à conceituação de atos e fatos administrativos, muitas vezes equiparando o particular à agente públicos (art. 327), além de caracterizar as infrações dependentes das chamadas normas penais em branco. Com o Direito do Trabalho, basta mencionar a submissão dos empregados públicos que exercem funções em empresas estatais ao regime geral da Consolidação das Leis Trabalhistas. Com o Direito Civil e Comercial são muito intensas as relações, principalmente, no que tange às normas referente a contratos e obrigações. Com o Direito Processual (Civil e Penal), a relação ocorre em função do seu caráter instrumental e que aplicam-se aos procedimentos administrativos em geral. I.5 - Origem e evolução históricado Direito Administrativo O Direito Administrativo, como ciência jurídica autônoma e ramo do Direito Público Interno, originou-se das Revoluções liberais do final do século XVIII, especialmente a revolução francesa de 1789, que acabaram com o velho regime absolutista que vinha desde a idade média, porque só então se cogitou de normas delimitadoras da organização do Estado. Isso não significa dizer, que muito antes da idade moderna tenham existido normas administrativas, já que partindo do pressuposto que existe Estado, não há como se negar a existência de órgãos incumbidos da função administrativa como um todo. As cidades gregas, de um modo geral, eram dotadas de serviços administrativos, tais como a superintendência da indústria e do comércio, da inspeção dos edifícios públicos, polícia das casas e das ruas, recebedores e tesoureiros das rendas públicas, oficiais da administração naval e militar etc. Em Atenas, com sua importante legislação concernente à fiscalização do dinheiro público, lançou as bases históricas dos atuais Tribunais de Contas que existem em quase todos os países civilizados. Na idade média, no período da administração comunal, baseada no modelo da constituição municipal romana, surge uma tradição jurídico-administrativa referente a responsabilidade pública, o sindicato e as corporações de ofício. Mas é na idade moderna que o Direito Administrativo surge com autonomia, em decorrência do desenvolvimento do conceito de Estado de Direito, estruturado sobre o princípio da legalidade, onde até os governantes, indistintamente, se submetem à lei e no princípio da separação dos poderes, que tem por objetivo assegurar a proteção dos !7 direito individuais, não apenas nas relações entre particulares, mas também entre estes e o Estado. É usual entre os autores a identificação da Lei francesa de 28 Pluviose do ano VIII (1800) como marco de nascimento do Direito Administrativo por ter essa lei conferido à Administração francesa uma organização juridicamente garantida e exteriormente obrigatória. Por sua vez, a primeira cátedra de Direito Administrativo na França é de 1817 na Universidade de Paris. Cabe ressaltar que no processo de origem e evolução histórica, a Administração Pública se identificou primeiramente com o Poder Executivo no marco constitucional da separação de poderes. O Direito Administrativo passou a ser então o regime jurídico especial do Poder Executivo. A primeira e mais tradicional definição do direito administrativo o considera como o direito da Administração Pública. Nessa primeira fase da evolução histórica, o Poder Executivo, sede da Administração Pública, não apresentou qualquer destaque significativo de efetiva absorção dos princípios liberais revolucionários, razão pela qual o jurista português Paulo Otero afirma a existência de uma ilusão garantística da sua gênese. Ao contrário, sua evolução seguiu uma principiologia oposta, dando ênfase, a institutos que reforçavam o poder de império do Estado, atuação discricionária, exclusão do administrado na formação do processo decisório, a executoriedade dos atos administrativos etc. Posteriormente, a doutrina alemã dirigiu esforços em garantir a autonomia científica do novo direito público reconhecendo ao Estado uma personalidade jurídica. Essa concepção faz com que os poderes do Estado perdessem substantividade própria e se convertessem em simples expressões orgânicas do Estado. A Administração Pública passa então a ser identificada não mais com o Poder Executivo, mas com a função administrativa. A questão passa a ser então a de verificar em que consiste a função de administrar dentro do quadro de funções gerais do Estado. O entendimento dominante procurou conciliar dois critérios para identificar o objeto do Direito Administrativo e a aplicação de um regime jurídico administrativo derrogatório do direito comum (direito civil). Assim, aplicam-se as normas de Direito Administrativo sempre que em um dos pólos da relação social e jurídica encontrar-se um dos órgãos ou entidades da Administração Pública (critério subjetivo, formal ou orgânico) ou quando a atividade estatal tiver a natureza de função administrativa (critério objetivo ou material), de caráter residual, atribuída preferencialmente ao Poder Executivo. No Brasil, a disciplina passou a ser ministrada a partir de 1855, mas o seu desenvolvimento científico e dogmático ocorreu a partir da Constituição de 1934 na medida em que esta Constituição ampliou as atividades do Estado nos setores sociais e econômicos. A partir de então, o Estado brasileiro transforma-se sensivelmente, necessitando de novas pessoas jurídicas públicas (autarquias, etc), para atuar nesses !8 novos setores, aumentando-se, assim, o quadro de funcionários públicos e o conjunto de regras jurídicas a disciplinarem o exercício da função administrativa. Com a Constituição de 1988, o Brasil adota o modelo de Estado Democrático de Direito, baseado em duas grandes idéias: de um lado, a de vincular a lei aos ideais de justiça, ou seja, a de submeter o Estado de Direito e não à lei em sentido puramente formal. A outra, de participação do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública, no processo político, econômico, social e cultural. Com as reformas constitucionais iniciadas a partir da década de 90, sob influência do processo de globalização econômica e da chamada Reforma do Estado, o Brasil implanta a ideia de Estado subsidiário, segundo o qual o Estado deve respeitar os direitos individuais, pelo reconhecimento de que a iniciativa privada, seja através dos indivíduos, seja através das associações, tem primazia sobre a iniciativa estatal. Em consequência, o Estado deve abster-se de exercer atividades que o particular tem condições de exercer por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos, pois o princípio da subsidiariedade implica a limitação à intervenção estatal. Cabe ao Estado nesse processo, fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de tal modo a permitir aos particulares, sempre que possível, o sucesso na condução de seus empreendimentos. Em consonância com essa política, várias medidas vêm sendo adotadas, tais como: a privatização de empresas estatais; a volta ao instituto da concessão de serviço público; a ampliação da atividade de fomento a entidades particulares que desempenham atividades de interesse público; a desregulamentação, pela qual se busca estabelecer novo equilíbrio entre liberdade e autoridade; a diminuição do aparelhamento administrativo, mediante a extinção de entidades da administração indireta e de órgãos públicos, bem como a diminuição do quadro de servidores públicos. Paralelamente, colocando-se como meta a eficiência na prestação dos serviços públicos, busca-se substituir, em alguns setores da Administração Pública, a forma de organização burocrática pela Administração Gerencial. Nesta, as ideias básicas são: a definição de metas a serem cumpridas pelos órgãos públicos e entidades da Administração Indireta; a outorga de maior autonomia administrativa, financeira e gerencial àqueles entes para permitir o cumprimento de metas; e a substituição dos controles formais, hoje existentes, considerados inadequados porque preocupados apenas com os meios, por um controle de resultados, em que a eficiência dos resultados é mais importante do que os fins. I.6 - As transformações do Direito Administrativo contemporâneo O Direito Administrativo passa nos dias atuais por uma profunda mutação em suas bases teóricas e dogmáticas. Isso se deve pela superação de tradicionais paradigmas de legitimidade dos atos da Administração Pública, influenciado pelo neoconstitucionalismo, que por razões históricas, filosóficas e teóricas, propiciou a !9 constitucionalização dosdireito fundamentais e empreendeu força normativa aos princípios constitucionais a partir da dignidade da pessoa humana. 10 O Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, a da proteção aos direito individuais diante do Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de direito; de outro lado, a da necessidade de satisfação de interesses públicos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo, quer para a prestação do serviço público. 11 No entanto, a evolução do Estado de direito para o Estado democrático de direito, de matriz principiológica, ou como preferem alguns, pós-positivista, consagra a dignidade da pessoa humana como seu centro de gravidade. Nesse diapasão, os direitos fundamentais da pessoa humana ganham relevância e efetividade, devendo o aplicador do direito buscar a sua máxima concretude e otimização diante do caso concreto. 12 Dessa forma, o moderno direito administrativo precisa dispor de uma metodologia que incorpore o viés de um pensamento jurídico retórico-argumentativo, e não mais lógico-sistemático ou formalista, próprio das concepções positivistas, bem como vincular a atividade administrativa à realização dos direitos fundamentais, Sobre o neoconstitucionalismo na doutrina brasileira, consulte-se, por todos, Luis Roberto Barroso, 10 Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. O Triunfo Tardio do Direito Constitucional Brasileiro. Revista da EMERJ, v, 9, n. 33, pp. 43/92, 2006: “O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo desenvolveu-se na Europa, ao longo da segunda metade do século XX, e, no Brasil, após a Constituição de 1988. O ambiente filosófico em que floresceu foi o do pós-positivismo, tendo como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional.” (p. 92). É o que Maria Sylvia Zanella Di Pietro denomina de “bipolaridade intrínseca” do direito administrativo: 11 “Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se o Estado à observância da lei; é a aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgadas prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular.” Cf. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 317. Luís Roberto Barroso assevera, a respeito do pós-positivismo ou neoconstitucionalismo, que se trata 12 de um esforço de superação do legalismo estrito, característico do positivismo normativista, sem recorrer às categorias metafísicas do jusnaturalismo. Nesse esforço, segundo o mesmo publicista, se incluem a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana, reaproximando, dessa forma, o Direito e a Ética. Cf. O Estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do interesse público. Prefácio. in SARMENTO, Daniel (org). Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. !10 definidos a partir da dignidade da pessoa humana. 13 Por conta das mutações do Estado de direito e do que se convencionou denominar neoconstitucionalismo, o direito administrativo passou a incorporar um déficit de legitimidade democrática nas suas categorias jurídicas e institutos. Essa carência de legitimidade, mais do que em outro ramo da ciência jurídica, adveio da circunstância do regime jurídico-administrativo contrapor direito fundamental com práticas e atos de autoridade, cujo fundamento originou-se no absolutismo da idade média e no Estado de polícia. Atento para tais circunstâncias, Gustavo Binenbojm identifica quatro 14 paradigmas clássicos do Direito Administrativo que fizeram carreira no Brasil e que se encontram em xeque na atualidade: a) o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, que serviria de fundamento e fator de legitimação para todo o conjunto de privilégios de natureza material e processual que constituem o cerne do regime jurídico-administrativo; b) a legalidade administrativa como vinculação positiva à lei, traduzida numa suposta submissão total do agir administrativo à vontade previamente manifestada pelo Poder Legislativo. Tal paradigma costuma ser sintetizado na negação formal de qualquer vontade autônoma aos órgãos administrativos, que só estariam autorizados a agir de acordo com o que a lei rigidamente prescreve ou faculta; c) a intangibilidade do mérito administrativo, consistente na incontrolabilidade das escolhas discricionárias da Administração Pública, seja pelos órgãos do contencioso administrativo, seja pelo Poder Judiciário (em países, como o Brasil, que adotam o sistema de jurisdição una), seja pelos cidadãos, através de mecanismos de participação direta na gestão da máquina administrativa; e d) a idéia de um Poder Executivo unitário, fundada em relações de subordinação hierárquica (formal ou política) entre a burocracia e os órgãos de cúpula do governo, como os Ministérios e a Presidência da República. 15 Ainda nesse contexto, notadamente no direito brasileiro, a eficácia vinculante dos direitos fundamentais pelos órgãos e entidades da Administração Pública, extraído implicitamente da norma contida no art. 5o § 1o da Constituição Federal, acarretou para os agentes públicos o dever de observar em suas decisões os parâmetros contidos na “É fundamental eliminar o preconceito de que as organizações estatais possuem justificativas de 13 existência em si mesmas. O Estado não existe para satisfazer as suas estruturas burocráticas internas nem para realizar interesses exclusivos de alguma classe dominante (qualquer que seja ela). Não é satisfatório aludir a concepções meramente formais tais como ´interesse público´, ´Bem Comum´ e assim por diante. O direito administrativo – e o Estado, assim como outras instituições não governamentais que desempenham atividades similares – somente se justificam como instrumentos para a realização dos direitos fundamentais, entre os quais avulta de importância a dignidade humana.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, p. 3/4. BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e 14 Constitucionalização. p. 23/24. Na tradição do constitucionalismo brasileiro, a fórmula da Administração unitária é sintetizada, como no 15 art. 84, inciso II, da Constituição de 1988, na competência do Chefe do Executivo para exercer a direção superior da Administração, com o auxílio dos Ministros de Estado. !11 ordem de valores da Constituição. Nesse processo, que a doutrina portuguesa e 16 nacional tem denominado de filtragem constitucional, determinadas categorias jurídicas do direito administrativo não ficam imunes a uma reinterpretação e reformulação axiológica. 17 Por essa razão, ganha força e relevo na doutrina publicista contemporânea, o entendimento de que os paradigmas tradicionais de legitimidade e validade da atividade administrativa, que sempre tiveram na autoridade e poder do Estado o seu fundamento dogmático e axiológico, devem ser revistos e/ou substituídos. Essa problemática específica não escapa da análise do jurista argentino Agustín Gordillo, para quem a superação dos velhos paradigmas de legitimaçãodo Estado, propiciada pelo constitucionalismo e pelo reconhecimento supranacional e internacional de determinadas garantias e liberdades, inicia uma nova etapa de ampla e difícil luta contra as imunidades do poder. Dessa luta surge o moderno direito administrativo, consciente da existência de direitos individuais frente ao Estado e da necessidade de se construir princípios norteadores dessa relação jurídico-administrativa. Nesse passo, dentre os novos paradigmas recentemente identificados e pesquisados pela moderna doutrina publicista, o dever de proporcionalidade e a conseqüente técnica de ponderação de valores que lhe é inerente, se presta de modo eficiente a explicar e justificar a lógica estrutural dos atos da Administração Pública. 18 “No que diz com a relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais, no qual vigora 16 o princípio da constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional, isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos fundamentais.” SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 365. Consulte-se, ainda, do mesmo autor: A Eficácia do Direito Fundamental à Segurança Jurídica: Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Fundamentais e Proibição de Retrocesso Social no Direito Constitucional Brasileiro. Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, ano 3, n. 11, p. 111-156, out./dez., 2005. Sobre o tema, consulte-se SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional: construindo uma nova 17 dogmática jurídica. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999. “O reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído pela Constituição e a 18 estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais inviabiliza a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses coletivos sobre os interesses individuais ou dos interesses públicos sobre interesses privados. A fluidez concceitual inerente à noção de interesse público, aliada à natural dificuldade em sopesar quando o atendimento do interesse público reside na própria preservação dos direitos fundamentais (e não na sua limitação em prol de algum interesse contraposto da coletividade), impõem à Administração Pública o dever jurídico de ponderar os interesses em jogo, buscando a sua concretização até um grau máximo de otimização.” BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização, p. 31/32. Sobre o critério da ponderação proporcional no âmbito do processo civil, consulte-se Fernando Gama de Miranda Netto, A Ponderação de Interesses na Tutela de Urgência Irreversível. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. !12 II – PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA II.1 - Introdução O direito como qualquer outra ciência não prescinde de princípios, isto é, de proposições que lhe dão coerência e unidade sistemática, qualidades indispensáveis para o status de ciência. Nesse sentido, costuma-se dizer que há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e normas que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais ramificações do direito. No período das codificações do séc. XIX, orientado pelo positivismo jurídico, os princípios foram tratados pelo códigos como fonte normativa subsidiária. A partir da segunda metade do sécu lo XX, o r ien tado pe lo pós-pos i t i v i smo ou neoconstitucionalismo, os princípios passaram por uma fase de juridicidade, adquirindo uma hegemonia axiológica e força normativa (Konrad Hesse), identificando-se com a ideia de “reserva de justiça” Os princípios passaram então a ser diferenciados das regras jurídicas segundo o seu modo de aplicação. Segundo Ronald Dworkin , as regras são aplicadas segundo o método lógico-19 formal da subsunção (tudo ou nada) e as antinomias são resolvidas no plano da validade (critério de hierarquia, especialidade, temporalidade). Já os princípios apresentam uma dimensão de peso ou importância e a colisão será resolvida pelo método da ponderação. Para Robert Alexy , princípios são normas que permitem que 20 algo seja realizado, da maneira mais completa possível, tanto no que diz respeito à possibilidade jurídica quanto à possibilidade fática. Princípios são, nestes termos, mandatos de otimização. Regras são mandatos definitivos. Para Sergio Ferraz , 21 princípios são normas dotadas de positividade, pois determinam condutas obrigatórias, ou impedem a adoção de comportamentos com eles incompatíveis. Além disso, são vetores interpretativos, porque servem para orientar a correta interpretação das normas isoladas. Princípios administrativos são, portanto, os postulados fundamentais e valorativos que inspiram todo o modo de agir da Administração pública. Os direitos levados a sério.19 Teoria de los derechos fundamentales, p. 86/87.20 Processo Administrativo, p. 49.21 !13 II.2 – Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e princípio da indisponibilidade do interesse público As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para beneficio da coletividade. Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. As relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado. Ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público (da coletividade). Essa posição de supremacia se materializa em privilégios de diversas ordens, tais como: presunção de legitimidade dos atos administrativos, prazos processuais diferenciados, prazos especiais para prescrição de ações, etc. A indisponibilidade do interesse publico significa que sendo os interesses públicos qualificados como aqueles próprios da coletividade/sociedade, não se encontram à livre disposição da Administração pública. A Administração tem apenas o dever de preservá-los de acordo com as finalidades predeterminadas legalmente. Por essa razão é que os bens públicos só podem ser alienados na forma em que a lei dispuser. Da mesma forma, os contratos administrativos reclamam, como regra, a realização da licitação de modo que se possa realizar as obras e serviços de modo mais vantajoso para a Administração pública. Celso Antonio Bandeira de Mello , sustenta que a supremacia do interesse 22 público sobre o interesse privado e a indisponibilidade do interesse público são as pedras angulares de todo o direito administrativo, sob os quais se constrói todo o regime jurídico da Administração Pública e desempenham funções explicadora e aglutinadora mais eficientes que as noções de serviço público, puissance publique, ou utilidade pública. Agustin Gordillo , por sua vez, assevera que a supremacia do interesse público 23 sobre o privado, tem servido de escudo para utilização de critérios apriorísticos a favor do funcionário ou agente público. A favor do poder, contra o indivíduo. Não se utiliza como um parâmetro a ser aferido caso a caso na individualização concreta do interesse público, nem muito menos como um limite implícito que é da norma e da discricionariedade administrativa. Segundo o jurista platino, se adota assim uma posição de partida a favor do funcionário ou empregado público que se desempenha em uma Administração transmudada de “Olimpo”, ao contrário de imparcial e independente: no lugar do in favorem libertatis, in dubio pro administratione, geralmente embaixo do manto de que ele serve ao interesse público ou bem comum, como se ao bem comum não interessasse a tutela da liberdade individual. Curso de Direito Administrativo, p. 28.22 Tratado de Derecho Administrativo,p. 4/6.23 !14 II.3 – Princípios constitucionais A Constituição Federal de 1988, no art. 37, caput, estabelece que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. II.3.1 - Princípio da legalidade O princípio da legalidade no Estado Democrático de Direito, garante que a ninguém será imposta uma obrigação (fazer ou não fazer) sem prévia cominação legal – artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal. Trata-se, portanto, da expressão máxima da autonomia da vontade: o particular pode fazer tudo o que a lei permite e o que ela não proíbe. No entanto, a legalidade administrativa possui outra concepção. Enquanto os particulares agem com ampla liberdade, mas são desprovidos de poderes e prerrogativas, a Administração Pública é detentora de poderes e prerrogativas, mas não tem liberdade. Enquanto os particulares podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei determina. 24 Oportuno ressaltar que, nos últimos anos, o princípio da legalidade administrativa vem passando por uma releitura diante do processo de constitucionalização do direito (neoconstitucionalismo e centralidade da Constituição) e da própria evolução do Estado. Como se sabe, o princípio da legalidade é um produto do liberalismo, que atribuía ao Poder Legislativo um status de superioridade em relação aos demais poderes (Locke e Rousseau). A legalidade administrativa na visão liberal significava que a Administração Pública só poderia atuar quando expressamente autorizada por lei (princípio da reserva da lei ou vinculação positiva à lei). Segundo essa concepção clássica, a atividade administrativa se desenvolve debaixo da lei, na forma da lei, nos limites da lei e para atingir fins assinalados pela lei. Em outras palavras, a Administração Pública só pode fazer o que a lei autoriza. No entanto, essa visão gerou consequências negativas como o apego ao exagerado formalismo deixando de lado as ideias de justiça. Por outro lado, a evolução da sociedade passou a exigir cada vez mais regulação e conhecimentos técnicos e celeridade nas decisões administrativas. Com isso, a concepção liberal da lei entra em crise. A legalidade administrativa passa então a assumir uma concepção de vinculação Hely Lopes Meirelles ensina: “enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não 24 proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.” in Direito Administrativo Brasileiro, p. 82. !15 negativa à lei. A legalidade representaria uma limitação para a atuação da Administração, de modo que na ausência da lei, poderia ela atuar com maior liberdade. Surge então a noção de discricionariedade administrativa ou poder discricionário. No entanto, essa concepção também levou a abusos e uso arbitrário do poder pela Administração pública e dificultou o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Atualmente prevalece a ideia de "graus de vinculação" da Administração pública à lei. Em outras palavras, a vinculação positiva da administração à lei poderá variar de intensidade para mais ou para menos, dependendo do caso concreto. Outra ideia corrente é o da prevalência do princípio da juridicidade em substituição ao princípio da legalidade, segundo o qual a Administração não está vinculada apenas à lei em sentido formal, mas ao direito em geral. II.3.2 - Princípio da impessoalidade Impessoal é o que não pertence a uma pessoal em especial. O principio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração pública deve dispensar aos administrados que se encontram em idêntica situação jurídica. Nesse ponto representa uma face do princípio da isonomia ou igualdade. Tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual (máxima aristotélica). Por outro lado, para que haja a verdadeira impessoalidade, deve a Administração pública voltar-se exclusivamente para o interesse público ou finalidade pública. Aqui reflete a aplicação do princípio da finalidade. Veda, portanto, os desvios em favor ou desfavor de pessoas ou grupos. O desvio de finalidade de um ato conduz à sua nulidade (art. 2o, alínea “e” da Lei n. 4.717/65). Para Lucia Valle do Figueiredo a impessoalidade na atividade administrativa caracteriza-se pela valoração objetiva dos interesses públicos e privados envolvidos na relação jurídica a se formar, independentemente de qualquer interesse político. 25 Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da impessoalidade define a correta atuação do Estado, enquanto administrador, totalmente despido de qualquer inclinação, tendência ou preferência subjetiva. Admite uma tríplice acepção: veda a administração a) distinguir interesses onde a lei não o fizer; b) perseguir interesses públicos secundários próprios, desvinculados dos previstos em lei; c)veda que dê preferencia a quaisquer interesses outros, em detrimento dos finalísticos. Curso de Direito Administrativo, pp. 57-58.25 !16 II.3.3 - Princípio da moralidade É o substrato ético-jurídico sobre o qual repousa a atividade administrativa, sendo um dos pressupostos de validade da sua própria ação. Em outras palavras, significa que os atos e atividades da Administração pública devem pautar-se não só pelas leis, mas também na conformidade de princípios éticos, de boa-fé. A falta da moralidade administrativa pode afetar vários aspectos da atividade administrativa. Quando a imoralidade consiste em atos de improbidade, causando prejuízo ao Erário, o diploma regulador é a Lei n. 8.429/92. Além disso, os agentes políticos que não agem com probidade, podem responder por crime de responsabilidade (art. 85, inciso V c.c art. 37 § 4o da Constituição Federal, Lei n. 1.079/50 e DL n. 201/67, que regulam o processo de impeachment). Outro instrumento relevante de proteção jurisdicional da moralidade administrativa é a ação popular, prevista no art. 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 4.717/65, bem como a ação civil publica, prevista no art. 129, inciso III da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 7.347/85. Recentemente o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n. 13, proibindo a prática do nepotismo em todos os órgãos e entidades da Administração Pública e em todos os Poderes do Estado, com fundamento exclusivamente no princípio da moralidade administrativa. Segundo Carmem Lúcia Antunes Rocha, o princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos e implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. 26 II.3.4 - Princípio da publicidade Se a Administração do Estado é pública, público deve ser tudo quanto pratique. Assim, o principio da publicidade impõe a transparência na atividade administrativa exatamente para que os administrados possam conferir se está sendo bem ou mal conduzida. O princípio obriga a divulgação dos atos e contratos administrativos para conhecimento, fiscalização e controle (art. 37 § 1o Constituição Federal e Lei n. 12.527/2011 - Lei de acesso à informação pública), com exceção das hipóteses constitucionais e legais de sigilo (art. 5o , XXXIII, Const. Federal). Princípios constitucionais da administração pública, pp. 213-214.26 !17 A falta de publicidade ou informação pública podeser reclamada através de dois instrumentos básicos: a) pelo direito de petição (art. 5o XXXIV, alínea "a" da Const. Federal), pelo qual os indivíduos podem dirigir-se aos órgãos administrativos para formular qualquer tipo de postulação; a) por meio de certidões (art. 5o, XXXIV, alínea "b", da Const. Federal), que expedidas pelos órgãos administrativos, registram a verdade dos fatos e permite a defesa dos direitos dos administrados. Negado o exercício de tais direitos, terá o prejudicado os instrumentos constitucionais para garantir a restauração da legalidade: mandado de segurança (art. 5o, LXIX Const. Federal) e o habeas data (art. 5o, LXXII Const. Federal) II.3.5 - Princípio da eficiência Foi incluído na Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n. 19/98 por inspiração do direito italiano (princípio da boa administração) e denominado no projeto de emenda de princípio da qualidade do serviço prestado. Com a positivação desse principio pretendeu o legislador impor à Administração pública a obrigação de realizar suas atribuições e prestar os serviços públicos com rapidez, perfeição e rendimento. O desempenho dever ser rápido e oferecido de forma a satisfazer os interesses dos administrados em particular e da coletividade em geral. Sob esse aspecto, nada justifica a procrastinação, podendo o cidadão ou usuário do serviço obter indenização pelo prejuízos que a demora ocasionar. Por outro lado, as atribuições administrativas devem ser exercidas com perfeição, valendo-se das técnicas e conhecimentos necessários a tornar a execução a melhor possível, evitando sua repetição e reclamos por parte dos administrados. Por fim, tais atribuições devem ser praticadas com rendimento, isto é, com resultados positivos para o serviço público e satisfatório para os interesses da coletividade. Procura-se maximizar os resultados em qualquer intervenção ou decisão administrativa. É a relação custo-benefício que deve pautar todas as ações administrativas. Diz respeito ao modo pelo qual se processa o desempenho de atividades administrativas. Diferencia-se da eficácia, que tem relação com os meios e os instrumentos empregados pelos agentes no exercício das funções administrativas, e com a efetividade, que é voltado para os resultados obtidos com as ações administrativas. Segundo Maria Sylvia Di Pietro, o principio apresenta dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente publico, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, e em relação ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a administração pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. !18 O princípio pode ser concretização e reclamado por meio de programas de qualidade/produtividade (art. 39 § 2o Const. Federal); direito de participação dos usuários (art. 37 § 3o Const. Federal); e por meio de controles internos e externos da Administração pública (art. 74, II Const. Federal) II.4 – Princípios reconhecidos Alguns princípios, embora não previstos na Constituição, foram positivados no ordenamento jurídico ou foram reconhecidos como correlatos de outros princípios. II.4.1 – Princípio da motivação O princípio implica para a Administração Pública o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada. A necessidade de fundamentação do ato administrativo, segundo o publicista alemão Hartmut Maurer, tem uma tríplice função: ela deve, por um lado, comunicar ao destinatário as considerações determinantes da autoridade para que ele se possa fazer uma idéia sobre a conformidade ao direito do ato administrativo e estimar as chances de um recurso jurídico; ela, por outro lado, serve de autocontrole da administração que, pelo dever da declaração expressa dos fundamentos, é coagida a examinar rigorosamente os pressupostos do ato administrativo; ela deve, por fim, facilitar o controle pelos tribunais administrativos. 27 Assim sendo, independentemente da natureza do ato, qualquer manifestação da Administração Pública deve ser motivada com os pressupostos de fato e de direito que determinaram a sua edição. II.4.2 – Princípio da autotutela Significa o dever que tem a Administração pública de rever os atos praticados com irregularidade. Envolve dois aspectos quanto à atuação administrativa: aspectos de legalidade (em relação aos quais a Administração pública, de oficio, procede a revisão de atos ilegais) e de mérito (em que reexamina atos quanto à conveniência e oportunidade de sua manutenção ou desfazimento). A autotutela encontra respaldo jurisprudencial, consoante se infere das Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, bem como legal, art. 54 da Lei n. 9784/99. 28 29 Elementos de direito administrativo alemão, p. 103/104.27 A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.28 A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, 29 porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicia. !19 Por fim, cabe recordar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 158.543-RS, impôs uma severa restrição ao poder de autotutela da Administração Pública ao decidir que quando o ato de anulação afetar interesses de pessoas, contrário ao desfazimento do ato, é necessário que se confira ao interessado o direito ao contraditório e ampla defesa. II.4.3 – Princípio da razoabilidade O princípio da razoabilidade tem se mostrado um versátil instrumento de proteção de direitos e do interesse público contra o abuso da discricionariedade, tanto do legislador quanto do administrador. Surgiu e evolui associado à garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direito anglo-saxão. Em seu desenvolvimento doutrinário, o due process of law, passou por duas fases. Na primeira, teve caráter meramente processual (procedural due process), abrigando garantias, voltadas inicialmente para o processo penal, que incluíam os direitos a citação, ampla defesa, contraditório e recursos. Na segunda fase, passou a ter alcance substantivo (substantive due process) que se tornou fundamento de um criativo exercício jurisprudencial, por ensejar ao juiz o exame de determinados aspectos das leis e atos administrativos, como sua racionalidade e razoabilidade, domínios tradicionalmente imunes a apreciação judicial, tendo em vista a doutrina clássica da separação de poderes. Cabe observar que parte da doutrina, sobretudo a de origem alemã, costuma referir-se ao princípio da proporcionalidade ou princípio da vedação de excessos, conceito em linhas gerais fungível com o da razoabilidade. Segundo Luis Roberto Barroso são fatores presentes em toda ação relevante 30 para a criação do direito: os motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disso, hão de levar-se em conta também os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou implícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade, em última análise, a justiça. A razoabilidade é precisamente a adequação de sentido que deve haver entre tais elementos. Além dessa adequação entre o meio empregado e o fim perseguido, a idéia de razoabilidade compõe-se ainda de dois elementos: a necessidade ou exigibilidade, que impõe verificar a inexistência de meio menos gravoso para a consecução dos fins visados, e a proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o beneficio trazido, para constatar se a medida é legitima. Temas de DireitoConstitucional30 !20 Em resumo, a razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos e administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento ou meio empregado; b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha. Cabe destacar que a proporcionalidade dá a entender que deva existir relação equilibrada entre o sacrifício imposto ao interesse do particular e à satisfação do interesse publico. Em outras palavras, quando existir desproporção entre meio e o fim colimado pela Administração pública haverá violação desse princípio. O grande fundamento, portanto, é o excesso de poder. Segundo José dos Santos Carvalho Filho a razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro dos limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns, pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer que a valoração se situou dentro dos standard de aceitabilidade. 31 Para Weida Zancaner, os atos administrativos seriam irrazoáveis quando não existiram os fatos em que se embasou; quando os fatos, embora existentes, não guardam relação lógica com a medida tomada; quando mesmo existente alguma relação lógica, não há adequada proporção entre uns e outros; quando se assentou em argumentos ou em premissas, explícitas ou implícitas que não autorizam do ponto de vista lógico, a conclusão deles extraída. 32 Manual de Direito Administrativo31 Razoabilidade e Moralidade, p. 04.32 !21 III – ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Administração pública, no exercício das funções administrativas atua por intermédio de seus órgãos (centros de decisão despersonalizados), entidades (pessoas jurídicas) e de seus agentes públicos (pessoas físicas investidas em cargos e em funções públicas). Quando a Administração Pública atua por suas entidades de forma centralizada, surge a expressão Administração Direta. Quando atua por suas entidades de forma descentralizada, surge a expressão Administração Indireta. Quando atua em associação ou parceria com a iniciativa privada surge a Administração Associada. A divisão da Administração pública em direta e indireta deve-se, sobretudo, a três situações distintas: centralização, descentralização e desconcentração. A desconcentração é interna e significa a distribuição de competências dentro de uma mesma pessoa jurídica. Liga-se ao poder hierarquia. A descentralização administrativa é externa e significa a distribuição de competências de uma para outra pessoa jurídica. III.1 - Administração direta Administração direta pode ser definida como o conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado. Em outras palavras, a Administração publica é, ao mesmo tempo, a titular e a executora do serviço publico. No Brasil a Administração direta é composta pelas pessoas jurídicas de direito público interno que integram a estrutura constitucional do Estado (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e têm poderes políticos (Executivo, Legislativo e Judiciário). Por ser um Estado federativo, os Entes políticos possuem autonomia para desempenhar a sua cota de atribuições estatais. O Poder Executivo concentra a maior parte das atividades administrativas. O critério para partilha da função administrativa usada na Constituição foi a predominância do interesse: nacional (União), regional (Estados) e local (município). A Constituição Federal estabelece a partir do art. 18 a organização político- administrativa do Estado. Nos artigos 21 a 24 são definidas as competências materiais e legislativas dos Entes federativos. A estrutura, organização e competências dos órgãos integrantes do Poder Executivo federal está prevista no DL n. 200/67 e na Lei n. 10.683/03. Importante destacar que sendo uma pessoa jurídica, a vontade do Estado manifesta-se através de seus agentes públicos (pessoas naturais que recebem a competência de atuar em nome do Estado). !22 Por sua vez, os agentes públicos são agrupados em grande número de repartições internas, necessários a sua organização e funcionamento. Tais repartições denominam-se tecnicamente de órgãos públicos. Por conta dessa necessidade de agrupamento dos agentes em órgãos, a vontade do Estado é imputada ou atribuída ao órgão e à pessoa jurídica que integra e não ao agente individualmente. Assim sendo, os órgãos públicos são centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. Importante ressaltar que o órgão público não é um ente autônomo. O órgão publico é considerado uma unidade do Estado, sendo dele inseparável e por meio dele atua. Os órgãos são, assim, meros instrumentos da atuação estatal. São entes despersonalizados, ou seja, não possuem personalidade jurídica. 33 O fato dos órgãos públicos não terem personalidade jurídica tem aplicação pratica na hipótese da chamada função de fato. Desde que a atividade provenha de um órgão, não tem relevância o fato de ter sido exercida por agente que não detenha investidura legitima. Os efeitos da conduta vão ser imputadas à pessoa jurídica. A distribuição interna de competências entre os diversos órgãos que integram a estrutura da Administração Pública é denominado de desconcentração administrativa. A criação e extinção de órgãos públicos está regulado nos arts. 88 c.c 48, XI c.c 61 § 1o II Const. Federal, enquanto a organização interna está prevista no art. 84, VI, alínea ‘a’ Const. Federal. Doutrinariamente, os órgãos públicos podem ser classificados quanto à pessoa federativa, em órgãos federais, estaduais, municipais e distritais; quanto à posição hierárquica, em independentes (originários da Constituição Federal e representativos dos Poderes do Estado, sem qualquer subordinação, p.ex. Presidência da Repúblico, Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal), autônomos (possuem subordinação direta aos órgãos independentes mas com autonomia administrativa, financeira e decisória, p.ex., Ministérios, Secretarias Estaduais, AGU); superiores (não são detentores de autonomia, mas possuem poder de decisão, direção e controle na área em que atuam, p.ex. Gabinetes, Coordenadorias, Departamentos e Divisões); e subalternos ou subordinados (não são detentores de autonomia e destinam-se a realização de atribuições de rotina, de execução de decisões superiores e atendimento ao público, p. ex. Protocolos, Portarias, Seções de Expediente). Em sendo um ente despersonalizado, regra geral o órgão não possui capacidade processual para 33 figurar em qualquer dos polos de uma relação processual. Todavia, tem evoluído na doutrina e na jurisprudência a ideia de se atribuir capacidade a órgãos públicos para determinadas tipos de litígio. Um desses casos é o da impetração de mandado de segurança por órgãos públicos de natureza constitucional e independentes quando se trata da defesa de suas prerrogativas e competência, violada por outro órgão. Outra exceção encontra-se no 82, III da Lei 8.078/90 (Cód. de Defesa do Consumidor). !23 III.2 - Administração indireta A divisão da Administração pública em direta e indireta, deve-se, sobretudo, ao processo de descentralização administrativa implantada pelo DL n. 200/67. Isto ocorreu no Brasil, como em diversas nações ocidentais, devido a excessiva concentraçãode atribuições no órgãos de cúpula, o que contribuía, em última análise, para o retardo de decisões governamentais de importância. Administração indireta pode ser conceituada como o conjunto de pessoas administrativas que, vinculadas à respectiva administração direta, tem o objetivo de desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada. A composição das entidades da Administração indireta está prevista no DL n. 200/67, na Lei n. 7.596/87 e Lei n. 11.107/05. A criação das entidades da Administração indireta está sujeito ao princípio da reserva legal (art. 37, XIX e XX CF) e ao principio da especialidade (a criação das entidades não podem ter objetivos genéricos. A lei que cria deve determinar os seus objetivos específicos). Por outro lado, todos as entidades estão sujeitas a controle ou tutela administração, denominado supervisão ministerial (art. 19 DL 200/67). Tal tipo de controle visa verificar se a entidade esta sendo administrada de acordo com as diretrizes do governo fixados pelo Poder Executivo e pela lei de criação. Tecnicamente não há um controle hierárquico do ente estatal. Esse controle finalístico ocorre por meio dos Ministérios ou Secretarias. No âmbito da Administração federal a supervisão está regulada no Decreto Federal n. 6.129/07. III.2.1 - Autarquias Etimologicamente, o termo autarquia é formado pela palavra latina autos (próprio) e arquia (comando, direção), significando, portanto, “comando próprio” ou “direção própria”. São pessoas jurídicas de direito publico, integrante da Administração pública indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidos de caráter econômico, sejam próprios e típicos do Estado, com exceção de atividades administrativas e serviços públicos de natureza social. Estão previstas no art. 5o, inciso I do DL 200/67. Possuem personalidade jurídica de direito publico (art. 41 do Cód. Civil). Em decorrência desta característica, a ela se estendem todas as prerrogativas e regime jurídico da Administração direta (patrimonial, pessoal, material e processual). E o início da personalidade jurídica se dá com a publicação da lei criadora, não incidindo, portanto, o disposto no art. 45 do Cód. Civil. !24 No processo de modernização e reforma administrativa do Estado (Emenda Constitucional n. 19 e 20/98), uma das medidas preconizadas pelo governo foi a criação de um grupo especial de autarquias a que se convencionou chamar de Agências. Foram criadas duas categorias de Agências: Executivas, mais apropriadas para a execução efetiva de certas atividades administrativas típicas do Estado; e Reguladoras, com função básica de regulação, controle e fiscalização, adequadas para o regime de privatizações e setores econômicos sensíveis. As Agências Executivas são autarquias ou fundações governamentais preexistentes que, uma vez preenchidos os requisitos legais, recebem a qualificação de Agência Executiva, podendo perdê-la se deixar de atender aos mesmos requisitos. A previsão inicial dessa categoria de Agência veio a lume com a Lei n. 9.646/98 (art. 51). Posteriormente foram regulamentadas pelos Decretos Federais n. 2.487 e n. 2488, de 2/2/98. Trata-se de medida que visa melhorar a eficiência das entidades autárquicas e fundacionais. Seu objetivo principal é o de execução de atividades administrativas e não propriamente de controle (art. 37 § 8o Const. Federal). As Agências Reguladoras surgiram no Brasil em decorrência do Plano Nacional de Desestatização – PND (L. 8031/90; L. 9491/97; L. 9700/98) que consistiu alienação de capital acionário ou privatização de empresas estatais. O afastamento do Estado das atividades anteriormente exercidas pelas empresas privatizadas determinou a criação de órgãos reguladores. As Agências passaram a ter função de controle e regulação das pessoas privadas incumbidas da prestação de serviços públicos (sob a forma de concessão e permissão), a denominada função reguladora, e também de intervenção estatal no domínio econômico, quando necessário para evitar abusos nesse campo. 34 Não existe uma lei geral disciplinando essas agências, apenas leis esparsas 35 como as que criaram a ANEEL (Lei n. 9427/96); ANATEL (Lei n. 9472/97 - art. 21, IX CF); ANP (Lei n. 9478/97 - art. 177 § 2o III CF); ANVS – agencia nacional de vigilância sanitária (Lei n. 9782/99); ANS (Lei n. 9961/2000), ANA (Lei n. 9984/2000) 36 Para alguns autores a única inovação é o próprio vocábulo, vez que a função reguladora ou normativa 34 sempre foi exercida por inúmeros órgãos da Administração pública, com maior ou menor alcance, como p.ex, o Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários. Projeto de Lei nº 3.337/2004, que dispõe sobre normas gerais de gestão, organização e mecanismos 35 de controle social das agências reguladoras. Originalmente enviada ao Congresso Nacional em regime de urgência, logo perdeu importância no primeiro mandato do Governo Lula. Mais recentemente, teve sua urgência recuperada por ter sido incluído como um dos objetivos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). De 1996 até janeiro de 2008 foram criadas onze agências federais, duas distritais, pelo menos vinte e 36 quatro estaduais e seis municipais. Cf. CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, p. 14. !25 A natureza jurídicas das Agência Reguladoras é de autarquias especiais, sujeitando-se como tal às normas constitucionais e legais que regulam esse tipo de entidade. O regime especial confere às Agências Reguladoras independência (autonomia reforçada) em relação ao governo central, que materializam-se em independência política dos dirigentes; independência técnica decisional (não sujeição a recurso hierárquico impróprio); independência normativa (deslegalização); independência gerencial, orçamentária e financeira ampliada. A par de sua importância no atual contexto econômico e social, o surgimento de centros de poder como o das Agências Reguladoras independentes diminuiu o espaço de tradicionais controles políticos até então existentes, especialmente do Poder Executivo, trazendo a discussão sobre a legitimidade democrática no desempenho de suas competências. Os principais focos de tensão gerados pela estrutura regulatória brasileira são os decorrentes do regime democrático, especialmente o sistema de separação de poderes (controle político do Presidente e do Congresso), denominado de accountability horizontal; e os decorrentes do sistema eleitoral, em função da sujeição de seus dirigentes a mandato a termo que ultrapassam os limites dos mandatos dos agentes políticos eleitos, denominado accountability vertical. Com o objetivo de mitigar tais problemas, a doutrina nacional concentrou seus 37 esforços analíticos no plano estritamente jurídico-formal de adequação da função regulatória aos princípios constitucionais da legalidade e da separação dos poderes. Com isso, formaram-se três teorias que buscaram fundamentar tais funções: i) teoria da transmissão democrática; ii) teoria dos burocratas técnicos; iii) teoria do procedimento. A primeira aceita a função regulatória (deslegalização) pelo fato de ser o legislador, legitimado constitucionalmente, que cria o ente e lhe transfere as balizas de atuação. A segunda teoria justifica a transferência por estarem estas agências formadas por técnicos especializados em matérias as quais o Congresso não teria condições de regular. A terceira e última, legitima a atuação das agências por garantir aos interessados a participação no seu processo de tomada de decisões. 38 III.2.2 - Fundações públicas As fundações se caracterizam pela circunstância de se atribuir personalidade jurídica a um patrimônio preordenado a certo fim social. Trata-se de uma das categorias de pessoa jurídica de direito privado reguladas peloCódigo Civil (art. 44 c.c 62 a 69). No caso das fundações públicas temos apenas a mudança na figura do instituidor que passa a ser o Estado. Tem por objeto a prestação de serviços sociais Consulte-se, por todos, ARAGÃO, Alexandre Santos de. (coord.). O poder normativo das agências 37 reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2002. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 38 p. 235. !26 sem fins lucrativos (art. 62 § único Cód. Civil). No entanto, a lei instituidora pode determinar objetivos diversos daqueles previstos no Código Civil. Estão reguladas no art. art. 5o inciso IV do DL 200/67. O conceito legal indica serem pessoas jurídicas de direito privado. No entanto, a pratica administrativa acabou por evidenciar a criação de fundações públicas para o desempenho de atividades típicas do Estado invadindo campo de atuação das autarquias. Essa situação fez com que a doutrina divergisse sobre a possibilidade de fundações públicas com personalidade jurídica de direito público. Uma primeira corrente (minoritária), entende que fundações instituídas pelo poder público tem sempre personalidade jurídica de direito privado, sob o fundamento de que esta personalidade é inerente à sua constituição. Uma segunda corrente (dominante), defende a existência de dois tipos de fundação governamental (de direito público e de direito privado). De acordo com essa posição, as fundações de direito público seriam verdadeiras autarquias (fundações autárquicas ou autarquias fundacionais). A diferença entre ambas reside fundamentalmente na finalidade e na origem dos recursos. As fundações de direito público são criadas para desempenho de funções estatais típicas já que necessita de poder de autoridade (potestade pública) e os recursos para sua manutenção tem previsão própria no orçamento da pessoa federativa. As fundações de direito privado são criadas para atividades não-exclusivas do Estado como saúde, pesquisa, educação, cultura, desporto, turismo, e os recursos para sua manutenção derivam das rendas auferidas pelo serviços que prestam ou originarias de outras fontes. Assim sendo, as Fundações públicas podem ser conceituadas como o patrimônio, total ou parcialmente público, dotado de personalidade jurídica, de direito público ou privado, e destinado, por lei, ao desempenho de atividades do Estado na ordem social, com capacidade de auto-administração e mediante controle da Administração Pública, nos limites da lei. III.2.3 - Empresas públicas e Sociedade de economia mista Embora sejam de categorias diversas, as Empresas públicas e as Sociedades de economia mista traduzem a ideia básica do Estado-empresário, que intenta aliar uma atividade econômica com outras de interesse coletivo. Assim o objetivo principal dessas entidades estatais é o desempenho de atividades econômicas e eventualmente a prestação de serviços públicos. Estão reguladas no art. 5o inciso II e III do DL 200/67 e na Lei n. 13.303/2016. Possuem personalidade jurídica de direito privado. A criação e a extinção se faz por meio de lei autorizativa (art. 37, XIX Const. Fed.), sendo que a existência legal ocorre com o registro dos atos constitutivos (art. 45 Cód. Civil). Importante ressaltar, que a simples aquisição pelo Estado do controle acionário de uma empresa privada não a torna uma empresa estatal, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal. !27 Pode-se indicar como principais diferenças, o fato de que a Empresa pública se organiza sob qualquer uma das formas de sociedade admitidas em direito (p.ex., limitada, sociedade anônima etc), enquanto a Sociedade de economia mista só pode ser organizada sob a forma de sociedade anônima. Além disso, na Empresa pública o capital é constituído apenas por recursos públicos, ou seja, só participam da empresa pessoas administrativas, seja qual for o nível federativo, enquanto na Sociedade de economia mista o capital é constituído por recursos públicos e privado, sendo que as ações com direito a voto devem pertencer em sua maioria ao poder público. !28 IV – PODERES ADMINISTRATIVOS IV.1 - Introdução A evolução do Estado demonstra que um dos principais motivos de sua existência é a necessidade de disciplinar as relações sociais. E para regular as relações sociais, o ordenamento normativo confere aos agentes públicos (elemento fisico e volitivo através do qual o Estado atua) prerrogativas peculiares indispensáveis à consecução dos fins públicos. A estas prerrogativas de direito público se atribui a denominação de poderes administrativos. Para tal desiderato contribui ainda o principio da supremacia do interesse publico sobre o privado. 39 Essa é a razão da bipolaridade intrínseca do direito administrativo que nasceu e desenvolveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, a da proteção aos direito individuais diante do Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a da necessidade de satisfação de interesses públicos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação do serviço público. Segundo Maria Sylvia Di Pietro, para assegurar-se a liberdade, sujeita-se o Estado à observância da lei; é a aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgadas prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular. 40 Os poderes administrativos são, portanto, um conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins. Diferentemente dos poderes jurídicos outorgados aos particulares, cujo exercício é facultativo (o uso ou não do poder acarreta reflexos apenas na esfera jurídica do Diogo de Figueiredo propõe a utilização do termo “funções administrativas do Estado” para designar o 39 que outros autores mencionam como “poderes administrativos”. Segundo esse doutrinador, a expressão vem manifestada de um “equívoco classificatório e a uma visão defasada da Administração Pública e do próprio Estado.” O equívoco classificatório estaria em denominar-se de poder à sua decorrência, que é o exercício. Por outro lado, com a evolução da Administração Pública e do Estado, primeiro, passou-se a entender por poder estatal, uma “unidade incindível quanto à sua titularidade, por ser inerente ao Estado nacional” e a distribuição entre os seus órgãos é “meramente o exercício” desses poderes. Segundo, que os poderes administrativos não são mais que “diferentes funções do Estado”. Terceiro, porque essas funções “tampouco são exclusivas do ramo administrativo do Estado, senão que apenas designam modos típicos de atuação do poder estatal, voltados aos específicos resultados jurídicos visados para a execução administrativa da norma legal.” Daí porque, Diogo de Figueiredo propõe a utilização do termo “funções administrativas do Estado” para designar o que outros autores mencionam como “poderes administrativos”. in Curso de Direito Administrativo, p. 121. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 317.40 !29 particular), os poderes administrativos são outorgados aos agentes públicos para lhes permitir uma atuação voltada ao interesse coletivo. Desse modo, o exercício do poder administrativo implica a idéia de uma função a cumprir, por determinado sujeito; o poder é o instrumental para o cumprimento do dever. Logo, a noção de poder é justificada apenas e à medida que possa estar
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