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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ Curso de Direito CONTRATO DE SEGURO: ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DO TERCEIRO PREJUDICADO AJUIZAR AÇÃO DIRETA E EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA SEGURADORA DO APONTADO COMO CAUSADOR DO DANO Diego Capelo Vitoriano Matricula: 1122114/9 Fortaleza–CE Dezembro, 2016 2 DIEGO CAPELO VITORIANO CONTRATO DE SEGURO: ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DO TERCEIRO PREJUDICADO AJUIZAR AÇÃO DIRETA E EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA SEGURADORA CONTRATADA PELO CAUSADOR DO DANO Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação de conteúdo do Professor David Accioly de Carvalho e orientação metodológica da professora Simone Trindade. Fortaleza–Ceará Dezembro, 2016 3 4 DIEGO CAPELO VITORIANO CONTRATO DE SEGURO: ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DO TERCEIRO PREJUDICADO AJUIZAR AÇÃO DIRETA E EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA SEGURADORA CONTRATADA PELO CAUSADOR DO DANO Monografia apresentada à banca examinadora e à Coordenação do Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade de Fortaleza, adequada e aprovada para suprir exigência parcial inerente à obtenção do grau de bacharel em Direito, em conformidade com os normativos do MEC, regulamentada pela Res. nº R028/99 da Universidade de Fortaleza. Fortaleza (CE), 02 de dezembro de 2016. David Accioly de Carvalho, Ms. Profº. Orientador da Universidade de Fortaleza Cilana de Morais Soares Rabelo, Ms. Profº. Examinador da Universidade de Fortaleza Ruth Leite Vieira, Ms. Profº. Examinador da Universidade de Fortaleza Simone Trindade da Cunha, Dra. Profª. Orientadora de Metodologia Profª. Núbia Maria Garcia Bastos, Ms. Supervisora de Monografia Coordenação do Curso de Direito 5 RESUMO Este trabalho tem como objetivo geral analisar a possibilidade de um terceiro acionar judicialmente, de forma direta e exclusiva a companhia seguradora do apontado como possível causador do dano, nos casos do seguro de responsabilidade civil facultativo. Para isso, estudaremos as peculiaridades do contrato de seguro, apresentando os seus sujeitos, a sua natureza jurídica, o seu objeto e as suas espécies. Verificaremos a evolução dos princípios contratuais, levando em consideração os denominados princípios clássicos e sociais, através de uma perspectiva histórica. Por fim analisar-se-á, questões relativas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacando a existência de decisões divergentes, onde inicialmente citaremos o enunciado nº 544 da VI Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), com o entendimento de que deveria ocorrer uma mitigação dos princípios da relatividade dos efeitos dos contratos e do pacta sunt servanda, em razão do princípio da função social, afirmando que o seguro possui o objetivo de evitar o dano patrimonial do segurado, mas também funciona como uma espécie de estipulação em favor de terceiros, dessa forma sendo possível acionar judicialmente a seguradora. Posteriormente ocorreu uma mudança neste entendimento, inclusive com a publicação da Súmula nº 529, do mesmo tribunal, que reconhece a ilegitimidade da seguradora para atuar individualmente no pólo passivo, levando em consideração o devido processo legal e a ampla defesa, uma vez que ocorreria cerceamento na defesa do segurador, pois como poderia o mesmo produzir provas, por exemplo, para alegar exclusão de ilicitude ou até mesmo a inexistência do fato. Dessa forma, concluímos que o terceiro deve ingressar com ação em face do segurado e da seguradora, em conjunto, em regime de litisconsórcio, não acarretando em prejuízo para o mesmo. Palavras-chaves: Contrato de seguro. Princípios contratuais. Processo civil. Ação direta. Seguro de responsabilidade civil facultativo. Seguro de dano. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 7 1 O CONTRATO E SUA PRINCIPIOLOGIA ........................................................................ 10 1.1 Principiologia clássica .................................................................................................... 12 1.1.1 Princípio da liberdade contratual ........................................................................................ 12 1.1.2 Princípio da força obrigatória dos contratos ...................................................................... 13 1.1.3 Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos ............................................................ 14 1.2 Principiologia social ....................................................................................................... 14 1.2.1 Princípio da boa-fé objetiva ................................................................................................. 15 1.2.2 Princípio da equivalência material ....................................................................................... 17 1.2.3 Princípio da função social do contrato ................................................................................. 17 2 O CONTRATO DE SEGURO .............................................................................................. 20 2.1 Natureza jurídica ............................................................................................................. 20 2.2 Sujeitos e Objeto ............................................................................................................. 22 2.3 Espécies de seguro .......................................................................................................... 24 2.3.1 Seguro de dano .................................................................................................................... 24 2.3.2 Seguro de pessoas ................................................................................................................ 26 2.4 Instrumentos contratuais ................................................................................................. 27 2.5 Prescrição ........................................................................................................................ 28 3 POSSIBILIDADE DO TERCEIRO PREJUDICADO AJUIZAR AÇÃO DIRETA E EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA SEGURADORA CONTRATADA PELO CAUSADOR DO DANO ................................................................................................................................ 30 3.1 Análise principiológica ................................................................................................... 31 3.2 Análise jurisprudencial ................................................................................................... 33 CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 38 REFERÊNCIAS........................................................................................................................40 7 INTRODUÇÃO O Estado Brasileiro passou nas últimas décadas por um período de grande avanço econômico, o que acarretou na constituição e no acúmulo de riquezas dos membros da sociedade de umaforma em geral. Assim a preocupação com a preservação do patrimônio constituído ou ao menos a mitigação de um possível prejuízo é consequência natural, afinal estamos expostos a diversos riscos, sejam decorrentes de eventos naturais ou da própria atividade humana. Neste sentido os contratos de seguro são essenciais para a nossa sociedade e ocupam relevante papel no ordenamento jurídico, principalmente pelos seus aspectos econômicos e sociais, pois podemos verificar que com a redução ou a extinção de um eventual dano que possa acarretar em prejuízos, o indivíduo tem a chance de manter seu patrimônio e condição de vida, isso em muito possui influência do princípio da dignidade humana e da função social do contrato. O seguro possui sua base no mutualismo, funcionando através de uma cooperação coletiva para amortizar os prejuízos e consequências danosas, uma vez que de forma individual os membros da sociedade enfrentariam sérias dificuldades no enfrentamento das contingências. O seguro assim é fruto do sentimento de solidariedade. Com o avanço tecnológico e a complexidade das relações e as atividades da sociedade moderna, a probabilidade de acidentes foi potencialmente multiplicada, fato que podemos verificar observando o número de mortes provenientes de acidentes de trânsito, seja terrestre ou aéreo, do emprego de armas de fogo na violência urbana, entre diversos outros. Como resultado dessas interações sociais é normal o aparecimento de conflitos, onde o Estado é chamado para cumprir sua obrigação jurisdicional e apresentar solução para a lide, o contrato de seguro é justamente mecanismo de proteção, possibilitando uma maior segurança e estabilidade jurídica. 8 Assim é necessário que os operadores do direito reflitam sobre as problemáticas existentes decorrentes do seguro, questões processuais, choques principiológicos e outros temas afins, para que ocorra a construção de conhecimento sobre a temática e uma resposta efetiva do Estado para com a sociedade, fazendo com que aumente o sentimento de confiança e segurança, que beneficia todo o ordenamento econômico e jurídico. Dessa forma este trabalho irá tratar sobre a possibilidade de um terceiro, que não figura no contrato, acionar direta e exclusivamente o segurador. Diante da relevância do tema, o objetivo será analisar como se dá a relação jurídica contratual do seguro? Como se aplicam os princípios clássicos e os princípios sociais do contrato aos seguros no atual contexto jurídico brasileiro? Como se posiciona a jurisprudência em relação ao assunto? A temática estudada, exige que tenhamos conhecimento sobre a definição e os princípios inerentes aos contratos de uma forma em geral, suas características e o conhecimento da legislação, para assim obtermos uma conclusão sobre a indagação. O trabalho foi dividido em três capítulos, no primeiro iremos tratar os princípios, que são os pilares que sustentam o sistema contratual, estes são divididos em duas fases, correspondentes ao tipo de Estado adotado naquele momento histórico, o que podemos dividir em principiologia clássica e principiologia social. No segundo capítulo falaremos sobre a própria definição do contrato de seguro e suas características, analisando sua natureza jurídica, seus sujeitos, suas espécies e prazos de prescrição. Depois de termos analisado os princípios contratuais e o contrato de seguro propriamente dito, iniciaremos o terceiro capítulo, que fará uma delimitação do assunto e em seguida irá analisar os possíveis conflitos entre os princípios, com base no posicionamento jurisprudencial. Devido a relevância geral do tema, o STJ se manifestou, objetivando unificar as decisões e garantir uma maior celeridade processual. Assim, o posicionamento foi alterado, não reconhecendo o vínculo jurídico de direito material, entre o terceiro e o segurador, afirmando que caso fosse possível o acionamento, ocorreria a violação do devido processo legal e da ampla defesa, pois o segurador somente possui a obrigação de indenizar, mediante a comprovação da responsabilidade civil do segurado, que não estaria presente no processo, como pode ser visto 9 mediante a decisão do Recurso especial nº 962.230 - RS (2007/0140983-5) e através da Súmula nº 529, do ano de 2015, onde fica esclarecida a impossibilidade do segurador ser acionado de forma direta pelo terceiro. O trabalho utilizou de pesquisa bibliográfica e documental, com o uso de referências teóricas, como livros, artigos científicos e monografias. Quanto à utilização dos resultados, a pesquisa é pura, por ter como finalidade precípua a ampliação dos conhecimentos sobre a temática. No que se refere aos fins, a pesquisa classificar-se-á como exploratória e descritiva. Quanto à abordagem a pesquisa é qualitativa, enfatizando a compreensão e a interpretação do tema, atribuindo significado aos dados coletados a pesquisa. 10 1 O CONTRATO E SUA PRINCIPIOLOGIA Conforme Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 39) a definição de contrato é “ Negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades”. O contrato é um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial. Os contratos são, em suma, todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores acessórios (TARTUCE, 2015, p. 02). A partir da definição é de vital importância o entendimento sobre a autonomia da vontade das partes na celebração deste negócio jurídico, uma vez que não, ocorrendo essa manifestação, não há o que se falar em contrato, pois o mesmo é inexistente. Como nos ensina Diniz (2011, p. 485) “ É indubitável que a manifestação de vontade exerce papel preponderante no negócio jurídico, sendo um de seus elementos básicos. Tal declaração volitiva deverá ser livre e de boa- fé, não podendo conter vício de consentimento, nem social, sob pena de invalidade negocial”. De acordo com Tartuce (2015, p. 16) “ Todas as vezes que foi mencionada a expressão negócio jurídico, poder – se – ia substituir por contrato, pois todo contrato é negócio jurídico”. Por se tratar de negócio jurídico devemos lembrar da denominada pela doutrina em geral, Escada Ponteana, correspondente a Teoria de Pontes de Miranda, que nos informa sobre a existência de três planos que nos ajudam no seu melhor entendimento, sendo o plano de existência, o plano de validade e o plano de eficácia. Gagliano e Pamplona Filho (2014a), explicam que esses planos tornam possível uma análise científica e bem detalhada do contrato, permitindo a dissecação dos seus elementos constitutivos, dos pressupostos de validade e de fatores que possam interferir na sua eficácia jurídica. 11 Figura 1 – Elementos constitutivos do contrato e do negócio jurídico “Escada Ponteana” Fonte: Tartuce (2015, p. 43). Em relação à forma dos contratos, a regra é que seja realizada de maneira livre, exceto nos casos em que a lei define forma específica. Diniz (2011, p. 541) “ A sistemática de nosso Código Civil inspira-se pelo princípio da forma livre, o que quer dizer que a validade da declaração de vontade só depende de forma determinada quando a norma jurídica explicitamente o exigir”. Obedecendo o disposto no art.107 do Código Civil: “ A validade das declarações de vontade não dependerá de formaespecial, senão quando a lei expressamente a exigir”. É o exemplo no caso do art. 108, do Código Civil: Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. Assim, ocorrendo determinação de forma expressa em lei e a mesma não sendo cumprida, o contrato será considerado nulo, não produzindo efeitos. 12 1.1 Principiologia clássica A Principiologia clássica dos contratos possuí vínculo direto com o modelo de Estado Liberal que prevaleceu durante os séculos XVIII e XIX, onde ocorreu o desenvolvimento da classe burguesa e consequente aumento das relações mercantis, após a queda do sistema feudal e do Estado Absolutista. O Estado liberal significou a antítese do Estado absolutista, no qual as relações privadas, especialmente as atividades econômicas, dependiam da vontade e concessão do soberano político. As constituições liberais, notadamente a partir das revoluções americana e francesa, incorporaram o ideário liberal burguês triunfante da plenitude da autodeterminação individual o que significou o controle político do Estado, com sua ausência de controle da atividade econômica, para garantir a ilimitada liberdade contratual. A ausência de previsão constitucional, sobre a liberdade contratual, correspondia à concepção que passou a ser dominante de que “a mão invisível” do mercado daria conta do equilíbrio dos interesses privados, sem necessidade da interferência do Estado. Minimização do Estado e maximização da liberdade individual e contratual passaram a ser lugares-comuns. Todavia, como a experiência histórica demonstrou, assegurou-se a liberdade dos que efetivamente exerciam poderes negociais dominantes, submetendo na prática os demais contratantes a situações injustamente desvantajosas e abusivas. O poder negocial, como qualquer poder livre de controle social ou público, leva ao abuso (LÔBO, 2014, p. 39) Podemos observar que o Estado Liberal possui algumas características próprias, como a pouca participação estatal nas relações privadas, a manutenção da liberdade dos indivíduos e a defesa do ideal de auto regulação do mercado, o que em muito influenciou os princípios clássicos, como veremos a diante. 1.1.1 Princípio da liberdade contratual O princípio da liberdade contratual é caracterizado pela possibilidade de contratar ou não contratar, de escolher com quem contratar e de estabelecer o seu conteúdo, isto é essencial para que os contratos acompanhem a dinâmica das relações privadas. Assim observamos que existe um duplo sentido de liberdade, o de liberdade de contratar e o de liberdade contratual. Dessa dupla liberdade da pessoa, sujeito contratual, é que decorre a autonomia privada, que constitui a liberdade que a pessoa tem para regular os próprios interesses. De qualquer forma que fique claro, que essa autonomia não é absoluta, encontrando limitações em normas de ordem pública (TARTUCE, 2015, p. 55). A liberdade contratual aqui apresentada é limitada em alguns aspectos, pois não podemos contratar com qualquer pessoa, existindo diversos requisitos legais para que seja garantida a 13 sua validade jurídica. Em relação ao seu conteúdo também existem limitações, podendo ser citados como exemplo as imposições da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que norteiam o conteúdo dos contratos de trabalho. Importa observar desde logo, que a doutrina é unânime em reconhecer que a liberdade contratual nunca foi exercida de modo absoluto, sempre encontrando limites assim na lei, como nos costumes, na Moral e na ordem pública, de tal modo que, quando se afirmou o menor grau de intervenção nas relações econômicas como uma característica do Estado Liberal, não se disse, por óbvio, que tal intervenção era nula. Assim, mesmo no período liberal, o Estado interveio nas relações contratuais, contudo de modo menos acentuado (CARVALHO; PEREIRA JUNIOR, 2014, online). Mesmo com a presença dessas limitações, ocorre o respeito e a preservação da autonomia privada, até mesmo nos casos dos denominados contratos massificados ou de adesão, pois o indivíduo continua a exercer a sua liberdade de contratar ou não. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014a). Então não há o que se falar em desconsideração do princípio da liberdade contratual, pois o mesmo continua a existir, ainda que controlado em alguns aspectos. 1.1.2 Princípio da força obrigatória dos contratos A razão lógica ao se celebrar um contrato, é que o seu conteúdo torne obrigatório o cumprimento do que foi ali estipulado entre as partes. A partir deste raciocínio conseguimos enxergar o princípio da força obrigatória dos contratos. Para Venosa (2014, p. 409) “ Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos”. Diante deste prisma, ocorre a impossibilidade da alteração do contrato por somente decisão de umas das partes, pois se fosse possível tais modificações, acarretaria em uma grande insegurança dentro das relações existentes no nosso ordenamento jurídico. O princípio da força obrigatória, denominado classicamente pacta sunt servanda, traduz a natural cogência que deve emanar do contrato, a fim de que se lhe possa reconhecer utilidade econômica e social. De nada valeria o negócio, se o acordo firmado entre os contraentes não tivesse força obrigatória. Seria mero protocolo de intenções, sem validade jurídica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014a, p. 58). Devemos ressaltar que existe uma mitigação da força obrigatória dos contratos em relação a outros princípios, como o da função social do contrato, o que não nos permite dizer 14 que o mesmo não é mais valido no nosso ordenamento jurídico, pois sua aplicação continua válida. 1.1.3 Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos Este princípio decorre do limite imposto aos efeitos dos contratos, sendo limite em relação aos sujeitos, ou seja, somente sofre os efeitos do que foi estipulado em contrato, as partes que o celebraram, não produzindo efeitos a terceiros. O outro limite faz referência ao objeto, e parte do mesmo raciocínio de que, se o contrato trata de objeto que não é de direito dos sujeitos, não produzirá nenhum efeito a terceiros. Segundo Venosa (2014, p. 409) “ A regra geral é que os contratos só ata aqueles que dele participaram. Seus efeitos não podem, em princípio, nem prejudicar, nem a aproveitar a terceiros. Daí dizemos que, com relação a terceiros, o contrato é res inter alios acta, aliis neque nocet neque potest”. Da mesma forma que em outros princípios, a relatividade dos efeitos do contrato não deve ser considerada uma verdade absoluta, pois comporta exceção, em alguns casos estes efeitos são estendidos a terceiros, como por exemplo nas situações que tratem sobre direitos coletivos ou na estipulação em favor de terceiro. 1.2 Principiologia social O não intervencionismo do Estado nas relações privadas, resultado do ideal de liberalismo econômico, foi fundamental para que ocorresse o estímulo e o crescimento das relações econômicas, o grande problema é que essa abstenção, também foi favorável para práticas abusivas de pequenos grupos donos dos meios de produção, fazendo com que existissem diversos incidentes no contexto social. Logo após o final da Segunda Guerra Mundial, o mundo iniciou uma nova forma de olhar o aspecto social das relações humanas, inclusive com a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), assim as constituições foram sofrendotransformações, para Carvalho e Pereira Junior (2014, online): 15 O individualismo foi paulatinamente substituído pelo solidarismo, o patrimonialismo pelo reconhecimento da primazia da condição humana e assim foi que se assistiu à promulgação de constituições intervencionistas, consagradoras dos direitos fundamentais de segunda dimensão ou geração (direitos sociais, econômicos e culturais), à semelhança daquelas promulgadas pelo México em 1917 e pela Alemanha em 1919, esta mais conhecida como a Constituição de Weimar. Tais Constituições traduziram os ideais de um Estado-Garantia, chamado a desempenhar papéis nos campos econômico e social, notadamente com vistas à reestruturação social, mediante a realização e a promoção do bem-estar da sociedade como um todo, motivo porque também foi definido como Estado-Providência. Os contratos começaram a ser visualizados através de uma visão social, em que existe uma relevante preocupação em como se comportam em relação a sociedade, dando uma atenção em especial para a tutela dos direitos difusos e coletivos, pois a amplitude de titulares destes direitos é grande, assim como o seu impacto social, como por exemplo nos casos de contratos que alcancem direitos ambientais ou trabalhistas. De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2014a, p. 62) “O contrato, portanto, para poder ser chancelado pelo Poder Judiciário deve respeitar regras formais de validade jurídica, mas, sobretudo, normas superiores de cunho moral e social, que, por serem valoradas pelo ordenamento como inestimáveis, são de inegável exigibilidade jurídica”. Esta denominada principiologia social do contrato, formada pelos princípios da boa-fé, da equivalência material e da função social do contrato, não eliminaram os princípios clássicos, os mesmos continuam vigentes, mas possuem sua abrangência restringida. 1.2.1 Princípio da boa-fé objetiva A previsão em lei da boa-fé objetiva aconteceu através do nosso atual Código Civil, em seu art. 422, pelo qual “ Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. A boa-fé objetiva, por se tratar de um princípio social surgiu da superação da principiologia clássica, possuindo assim uma preocupação com os valores sociais, para Gagliano e Pamplona Filho (2014a, p. 79) “ [...] consiste em um princípio vinculado a uma imprescindível regra de comportamento, umbilicalmente ligada à eticidade que se espera seja observada em nossa ordem social”. Este princípio permite que o contrato obtenha os sentimentos de segurança e estabilidade, pois dele decorre a presunção de que as partes necessitam para que acreditem no cumprimento 16 do que foi contratado, resultando em uma justa expectativa, tanto para o contratante, como para o contratado, pois fora a obrigação principal, surgem outros deveres, como assegura Gagliano e Pamplona Filho (2014a, p. 79): Ladeando, pois, esse dever jurídico principal, a boa-fé objetiva impõe também a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção, não menos relevantes, a exemplo dos deveres de lealdade e confiança, assistência, confidencialidade ou sigilo, informação etc. Tais deveres – é importante registrar – são impostos tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo da relação jurídica obrigacional, pois referem-se, em verdade, à exata satisfação dos interesses envolvidos na obrigação assumida, por força da boa-fé contratual. Os chamados deveres anexos acima citados, são resultados de uma das funções do princípio da boa-fé objetiva, a de criadora de deveres jurídicos, que são obrigações secundárias em relação objeto do contrato, mas que de acordo com Tartuce (2015, p. 94) “ A quebra desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato, com responsabilização civil daquele que desrespeita a boa-fé objetiva”. Outra função do princípio estudado, é a de controle, que vem justamente para proteger e evitar o desrespeito a boa-fé, pois quem assim o faz comete abuso de direto, o art. 187 do nosso Código Civil diz “ Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. O controle aqui aplicado, busca evitar a abusividade de direitos. A última função a ser estudada é a interpretativa, que foi consagrada no Código Civil Brasileiro, forma literal no art. 113 “ Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos o lugar de sua celebração”. Como o seu próprio nome sugere, a boa-fé objetiva vem direcionar a análise interpretativa dos aplicadores do direito, serve como alicerce hermenêutico, para que o resultado seja o mais correto moralmente e útil para a sociedade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014a). Diante de tudo o que foi apresentado, percebemos que a boa-fé objetiva não deve estar presente somente na execução do contrato, mas também nos atos anteriores a sua celebração e após a sua extinção, existindo uma considerável flexibilização dos princípios clássicos, onde ocorre a possibilidade de revisão ou até mesmo extinção do contrato, em face de uma agressão ao princípio da boa-fé objetiva, não existe mais assim aquela rigidez imposta pelos princípios da autonomia privada e do pacta sunt servanda. 17 1.2.2 Princípio da equivalência material O princípio da equivalência material busca a superação da igualdade formal, confrontando os desequilíbrios excessivos que possam existir, beneficiando exageradamente uma parte em função do prejuízo causado à outra. Essa visão de igualdade meramente formal era aquela defendida na principiologia clássica do Estado Liberal, onde não existia a preocupação com os possíveis abusos existentes, pois o contrato é lei entre as partes. O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio clássico pacta sunt servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas. (LÔBO, 2002, online) É necessário salientar que o desequilíbrio ocasionado pela relação entre direitos e obrigações entre as partes, é proveniente da própria natureza contratual, afinal ao contratar as partes almejam sobre tudo a obtenção de resultados positivos, assim a desigualdade aqui combatida é aquela visivelmente excessiva e onerosa. 1.2.3 Princípio da função social do contrato O princípio da função social do contrato, é fruto do reconhecimento do modelo de Estado Social, de que os efeitos relativos ao contrato, atingem não somente as partes, mas toda a coletividade, o que fundamenta a necessidade do seu caráter intervencionista nas relações entre os particulares. Conforme Gagliano e Pamplona Filho (2014a, p. 63) “A partir do momento em que o Estado passou a adotar uma postura mais intervencionista, abandonando o ultrapassado papel de mero expectador da ambiência econômica, a função social do contrato ganhou contornos mais específicos”. No período do Estadoliberal a inevitável dimensão social do contrato era desconsiderada para que não prejudicasse a realização individual, em conformidade com a ideologia constitucionalmente estabelecida; o interesse individual era o valor supremo, apenas admitindo-se limites negativos gerais 18 de ordem pública e bons costumes, não cabendo ao Estado e ao direito considerações de justiça social. A função exclusivamente individual do contrato é incompatível com o Estado social, caracterizado, sob o ponto de vista do direito, como já vimos, pela tutela explícita da ordem econômica e social na Constituição (LÔBO, 2002, online). O contrato não é somente um instrumento que proporciona a circulação de bens e serviços, é na verdade um importante mecanismo para o mercado e a sociedade, pois auxilia na evolução social, o que poderia justificar a superação do pensamento liberal. O nosso atual código civil faz referência a função social do contrato através do seu art. 421 onde diz “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Devemos interpretar com atenção este artigo, pois sua análise nos remete a dois critérios que caracterizam o princípio estudado, segundo Carvalho e Pereira Junior (2014a, online): É interessante observar que, nos termos em que foi positivada, a função social dos contratos assumiu duplo caráter. Um finalístico, perceptível a partir da expressão ‘em razão’ utilizada pelo legislador e outro limitativo já que, de acordo com o texto legal destacado, os sujeitos, ao contratar, devem fazê-lo nos limites da função social. Partindo destes dois critérios, o finalístico e o limitativo, fica entendido que o primeiro enfoca que a razão de ser do contrato é a sua própria função social, da mesma forma o segundo estipula que o seu limite é o interesse social, mitigando a liberdade contratual das partes. A função social dos contratos, como foi dito acima, impõe limites aos contratantes, para que a coletividade não seja prejudicada. Da mesma forma o efeito reverso deve acontecer, os terceiros, devem respeitar e não ferir os interesses estipulados contratualmente. Em razão do princípio ora estudado é que se verifica assim no Código Civil como na legislação civil extravagante, dispositivos que limitam a atuação contratual, em consideração aos aspectos mencionados ao longo do presente tópico, à semelhança daqueles que regulamentam a fraude contra credores (art. 158 e ss. CCB); os efeitos contratuais em relação a terceiros –dentre estes, a estipulação em favor de terceiros, promessa de fato de terceiro e contrato com pessoa a declarar –previstos nos arts. 436 a 440 e 467 a 471, todos do CCB; a tutela da coação exercida por terceiro (art. 154, CCB); a ressalva aos direitos de terceiros de boa-fé e a punição das condutas praticadas por terceiros de má-fé (arts. 161; 167, §º; 172; 191; 298, 359; 380; 385; 523; 563; 673; 814 etc.); a figura do terceiro interessado ou não interessado prevista na teoria geral do pagamento (art. 304 e seguintes do CCB); a tutela do terceiro prejudicado nos contratos de seguro (arts. 206, §1º, II, ae §3º, IX; 787, §§2º e 4º; 788, CCB); a possibilidade de responsabilização do fabricante e do fornecedor, não 19 obstante não tenha participado do negócio celebrado com o consumidor vítima de fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC); além de outros tantos (CARVALHO; PEREIRA JUNIOR, 2014a, online). Diante do que foi apresentado, verificamos a relevância dada pelo ordenamento jurídico, ao princípio estudado, onde foi afastada a ótica individualista dos princípios clássicos, que priorizava a autonomia privada, agora, à luz do pensamento do Estado Social, os efeitos entre as partes e como eles alcançam a coletividade, devem atender a sua finalidade social. 20 2 O CONTRATO DE SEGURO De acordo com Tartuce (2015, p. 639): “Sem dúvidas, trata-se de um dos contratos mais complexos e importantes do Direito Privado Brasileiro, uma vez que viver tornou-se algo arriscado. Na prática, o contrato representa instrumento de socialização dos riscos”. O código civil faz referência ao contrato de seguro em seu art. 757: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”. Através deste enunciado, o legislador informa que o contrato de seguro é firmado por intermédio do segurador e do segurado, no qual este último deve realizar o pagamento do prêmio para que o segurador esteja obrigado a cumprir o que foi estabelecido sobre o risco, previamente determinado. Diante do texto legal, pode-se observar uma divisão de elementos específicos do contrato estudado, o segurado e o segurador são as partes, o interesse segurável é o objeto e o prêmio, é a remuneração, ou seja, o pagamento realizado pelo segurado. No decorrer do capítulo serão desenvolvidos tais elementos e demais fatores que devem ser apresentados, para um melhor entendimento do tema. 2.1 Natureza jurídica Em relação à natureza jurídica, verificamos algumas características do contrato de seguro. Inicialmente trata-se de contrato bilateral, pois ambas as partes assumem obrigações. É típico ou nominado, pois como já vimos a sua previsão é tipificada no Código Civil. É contrato aleatório, devido ao fato de que a prestação de umas das partes, depende de um uso futuro e incerto, ou seja, casual. O dispositivo que melhor reflete essa característica é o art. 764 do CCB “Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio”. Existem doutrinadores que acreditam que na verdade o contrato de seguro seria comutativo, o que seria bastante preocupante, segundo Tartuce (2015, p. 641): 21 [...] Parece temerário afirmar que o seguro é contrato comutativo. Isso principalmente por que o argumento da comutatividade pode servir a interesses escusos de seguradoras. Imagine-se, por exemplo, que a seguradora, pode alegar que o contrato é comutativo para resolver ou rever o negócio que foi pago anos a fio pelo segurado, com base na imprevisibilidade e na onerosidade excessiva. Nesse contexto, a tese de comutatividade, parecer ser antifuncional, ou mesmo antissocial, em conflito com o que consta nos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, do Código Civil. Ademais, a tese de que o contrato de seguro é comutativo pode ser alegada por empresas seguradoras para auferir vantagens excessivas frente aos consumidores, particularmente com o intuito de obter a rescisão unilateral do contrato. É oneroso, pois existe sacrifício patrimonial do segurado, para que obtenha o benefício oferecido pela seguradora. É contrato evolutivo, que segundo Gagliano e Pamplona Filho (2014), tais contratos possuem cláusulas que impõem a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato. São constituídos, assim, por cláusulas estáticas, bem como por outras ditas dinâmicas. É considerado contrato de duração, com execução continuada, uma vez que se executa durante todo o período de vigência estipulado entre as partes, sendo, inclusive, permitida a sua renovação de forma de tácita, respeitando o disposto no art.774 do CCB “ A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez”. O contrato de seguro é consensual, dependendo do acordo de vontades entre as partes e não solene, pois de acordo com o art. 758 do CCB “O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio”. Finalmente,é típico contrato de consumo, assim é justificada à aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), nas causas que tratam de conflitos entre o segurador e o segurado. Na atualidade os contratos de seguro, em sua grande maioria, aderiram ao denominado contrato de adesão, em que o proponente somente escolhe qual companhia seguradora contratar, pois suas cláusulas já estão estipuladas nas condições gerais de cada seguradora. Em tal técnica de formação no contrato de seguro, não se tem, pois, ampla liberdade na estipulação do conteúdo do negócio, uma vez que o segurado, ao optar por determinada companhia de seguro — e a esta ‘opção’, basicamente, está reservada a sua liberdade! — Adere à proposta de contratar que lhe é apresentada, sem a possibilidade de mudança de fundo das cláusulas contratuais. Ou aceita, ou não contrata! E, tamanha é a vulnerabilidade do segurado, no momento desta contratação, 22 por conta da limitação em sua manifestação volitiva, que, atualmente, é possível pactuar-se o seguro, simplesmente, anuindo a uma cartilha apresentada (formulário), pela via impressa ou eletrônica, ou, até mesmo, por telefone ou fax. Em verdade, consoante dissemos acima, esta desoxigenação de sua autonomia negocial justifica-se pela própria necessidade social de contratação em massa, impeditiva da celebração paritária de contratos deste matiz. No entanto, isso não significa, obviamente, a legitimação do abuso de poder econômico, rechaçado pelo próprio sistema, que cuidou de consagrar princípios supranegociais, a exemplo da função social do contrato e da boa-fé objetiva, insculpidos não apenas no Código Civil, mas também no Código de Defesa do Consumidor, e umbilicalmente conectados ao superior (e matricial) princípio da dignidade da pessoa humana, com assento constitucional (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014b, p.355). Conclui-se aqui a natureza jurídica do contrato aqui estudado, havendo sido analisadas suas características. Verifica-se que no atual contexto histórico, as seguradoras se utilizam da modalidade de contrato de adesão, diante da necessidade do mercado e que embora ocorra uma certa limitação negocial em relação às cláusulas por parte do segurado, o ordenamento jurídico intervém através dos princípios sociais, estudados ao longo do primeiro capítulo, extraídos da Constituição Federal (CF), do CDC e do CCB. 2.2 Sujeitos e Objeto Os sujeitos existentes no contrato de seguro são o segurado e o segurador, sendo possível à presença de um terceiro sujeito, estipulado em contrato, como beneficiário. O segurado é, de acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2014b, p.358), “[...] pessoa física ou jurídica, consumidora da prestação de serviço da companhia seguradora, e que tem a precípua obrigação de pagar-lhe uma obrigação pecuniária denominada prêmio, visando a acautelar interesse legítimo seu”. O segurador deve obedecer ao parágrafo único do art.757 do CCB, segundo o qual “Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada”. O legislador assim exige que para ser uma seguradora, deve existir uma autorização legal para tal, que é realizada por uma autarquia, vinculada ao Ministério da Fazenda, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), que monitora as atividades relacionadas ao seguro no país. O segurador, por sua vez, é, necessariamente, pessoa jurídica sob a forma de sociedade anônima, cooperativa ou sociedade mútua, devidamente autorizada pelo Poder Executivo. Trata-se, portanto, de uma pessoa jurídica que, para ter existência legal, e validamente funcionar, exige, além do registro público, autorização específica do 23 governo, sob pena de se reputar inexistente a sua constituição constitucional (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014b, p.358). Em relação ao objeto do contrato de seguro, para Gonçalves (2016, p.501) “O risco é o objeto do contrato e está sempre presente, mas o sinistro é eventual: pode, ou não, ocorrer. Se incorrer, o segurador recebe o prêmio sem efetuar nenhum reembolso e sem pagar indenização”. Existe divergência doutrinária acerca do assunto, afirmando que na verdade, o objeto seria o interesse segurável. Segundo o que observamos modernamente, o seguro dirige-se a proteger a coisa, o risco ou um interesse segurável, como mais propriamente hoje se coloca. Melhor concluir que esse contrato não possui como objeto exatamente um risco ou proteção da coisa, porém mais apropriadamente o que a doutrina denomina a garantia de interesse segurável. Esse interesse representa uma relação econômica ameaçada ou posta em risco, sendo essencial para a contratação. Nesse diapasão, qualquer conteúdo do patrimônio ou atividade humana pode ser objeto de seguro. Sobre a mesma coisa podem incidir vários interesses econômicos: sobre um veículo, por exemplo, pode ser pactuado seguro contra per- da ou deterioração da coisa, bem como contra danos ocasionados a terceiros. Falta interesse, por outro lado, de contratar seguro sobre bem alheio, ou interesse de terceiro, porque equivaleria a uma aposta. O interesse deve ser próprio do contratante, o que avulta de importância no seguro de vida com relação à morte de terceiros (VENOSA, 2014, p. 411). O art. 779 do CCB nos diz “O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa”. Dessa forma o segurador é responsável também pelo ressarcimento dos gastos do segurado ao cumprir o seu dever anexo de colaboração, que está associado ao princípio da boa-fé objetiva. Ainda em relação ao objeto do seguro, o art.762 do CCB faz referência a hipótese de nulidade do contrato, nos casos de fraude no seguro “Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro”. Além da nulidade contratual, a conduta descrita é tipificada como crime de estelionato pelo Código Penal Brasileiro (CPB): Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa. § 1.º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2.º. § 2.º Nas mesmas penas incorre quem: [...] V - Destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro. 24 Essa vedação do legislador ao conhecido golpe do seguro é de vital importância para manutenção dos seguros, pois se isso não ocorresse a atividade das seguradoras se tornaria inviável, devido ao número de indenizações pagas, decorrentes de fraude. Ademais, o aspecto aleatório do contrato de seguro, estaria falido. 2.3 Espécies de seguro Inicialmente podemos verificar a distinção entre seguros sociais e seguros privados realizada por Gonçalves (2016, p.508) “Podem-se distinguir, os seguros sociais dos seguros privados. Estes são, em regra, facultativos e dizem respeito a coisas e pessoas. Aqueles, de cunho obrigatório, tutelam determinadas classes de pessoas, como os idosos, os inválidos, os acidentados no trabalho [...]”. Como o objeto do estudo são os chamados seguros privados, analisaremos as suas espécies, que são os seguros de dano e o seguro de pessoas. O primeiro é referente ao seguro de responsabilidade civil e ao seguro de coisas, enquanto o segundo trata do seguro de vida e do seguro de acidentes pessoais. 2.3.1 Seguro de dano O seguro de dano possui claramentenatureza indenizatória, isto é não tem caráter especulativo, objetivando a reparação do dano sofrido, motivo pelo qual o valor da cobertura contratada não pode ultrapassar o valor do bem segurado. O CCB trata dessa regra no art. 778 “Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber”. Essa regra visa coibir o enriquecimento sem causa por parte do segurado, à semelhança do art.781 também do CCB, que diz “A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador”. Aqui verifica-se a possibilidade de 25 depreciação do valor do bem segurado em relação ao que foi estipulado na apólice, sobre essa possibilidade Gonçalves (2016, p. 512): Pode ocorrer variação do valor do interesse segurado. Tal circunstância deve ser considerada, para que o sinistro não resulte em fonte de lucro para o segurado, ou, ao contrário, em fonte de prejuízo, quando, por exemplo, o pagamento do prêmio foi feito com base no valor fixado inicialmente na apólice. A rigor o montante do prêmio é fixado com base na indenização estimada em função do valor do interesse segurado. Se a coisa se desvaloriza, a indenização não pode ultrapassar o valor que possuía no momento do sinistro. O CCB também prevê a possibilidade da contratação de mais de um seguro sobre a mesma coisa, desde que o segurado comunique previamente a seguradora sobre sua intenção e o valor a ser contratado, a fim de que se possa adequar o contrato as regras acima, conforme orientação do art. 782: O segurado que, na vigência do contrato, pretender obter novo seguro sobre o mesmo interesse, e contra o mesmo risco junto a outro segurador, deve previamente comunicar sua intenção por escrito ao primeiro, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778. Existe também a possibilidade da contratação de um valor abaixo do valor real da coisa, de acordo com o art. 783 do mesmo CCB “Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial”. A afirmativa no início do artigo, salvo disposição em contrário, permite que os sujeitos do seguro possam acordar sobre a matéria. A outra modalidade referente ao seguro de dano é o seguro de responsabilidade civil, que, como o próprio nome sugere, é referente à cobertura sobre a responsabilidade civil do segurado perante terceiros. O art. 787 do CCB, informa que: No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro. §1º. Tão logo saiba o segurado das consequências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador. § 2o É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador. § 3o Intentada a ação contra o segurado, dará este ciência da lide ao segurador. § 4o Subsistirá a responsabilidade do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente. O §1º, fala sobre a obrigação do segurado em comunicar ao segurador a ocorrência de sinistro, esta obrigação é reflexo do dever anexo de informação, relacionado ao princípio da 26 boa-fé objetiva. O §2º, fala sobre a possibilidade de o segurado celebrar acordo, reconhecendo sua culpa, mas tal acordo deve ser acompanhado de um representante da seguradora, pois é parte interessada. O §3º, também é resultado do dever de informação. O §4º, explica que não hipótese de insolvência da seguradora, a responsabilidade do segurado perante o terceiro permanecerá, nessa situação o segurado pode posteriormente entrar com ação regressiva contra a companhia seguradora. 2.3.2 Seguro de pessoas O seguro de pessoas possui características próprias. Para Tartuce (2015, p.672) “Esse contrato de seguro visa à pessoa humana, protegendo-a contra riscos de morte, comprometimentos da sua saúde, incapacidades em geral e acidentes que podem atingi-la”. Gagliano e Pamplona Filho (2014b, p. 399) explicam que: O seguro de pessoa, já comentado, escapa da natureza compensatória dos seguros em geral, consistindo em obrigações especiais acautelatórias de eventuais violações a direitos da personalidade. Desdobra-se tal espécie contratual em outras duas específicas, a saber, o seguro de vida e o seguro de acidentes pessoais, ambas modalidades negociais especiais, que visam a cobrir riscos de lesões a bens extrapatrimoniais insuscetíveis de valoração, o que justifica o tratamento diferenciado por parte do legislador. Portanto, diferente do seguro de dano, sua natureza não é meramente indenizatória, não existindo aquela proibição sobre o limite a ser contratado, pois o bem a ser valorado é a vida. Segundo Tartuce (2015, p.672) “[...] Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores”. Diante das modalidades de seguro de pessoas, o seguro de vida pode ser considerado o de maior relevância. Gonçalves (2016, p. 520), explica: Na sua constituição, a duração da vida humana atua como parâmetro para o cálculo do prêmio devido ao segurador, que se obriga a pagar ao beneficiário um capital ou uma renda, por morte do segurado ou para a hipótese de sobreviver por um prazo determinado. O seguro de vida tem por objeto garantir, mediante o prêmio que se ajustar, o pagamento de certa soma a determinada ou determinadas pessoas, por morte do segurado, sendo considerado, neste caso, seguro de vida propriamente dito. 27 Em relação à natureza do seguro de vida, podemos ver claramente que tratamos de estipulação em favor de terceiros, uma vez que o pagamento da indenização, decorrente da morte do estipulante, será realizado ao beneficiário indicado no contrato, ou aos herdeiros legais. Sobre o assunto o art.792 do CCB nos diz: Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária. Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência. O legislador permitiu através do art.797 do CCB, que a seguradora pode estipular um chamado período de carência, dessa forma ocorrendo um sinistro dentro do respectivo período a o segurador não teria a responsabilidade de indenizar, mas terá que devolver o valor constituído como reserva técnica até o momento da ocorrência do fato, ao beneficiário. 2.4 Instrumentos contratuais Os instrumentos do contrato estudado são à apólice e o bilhete de seguro. O primeiro deve respeitar a forma expressa e conter todas as cláusulas acordadas entre as partes. O segundo, referente a alguns casos específicos, são efetuados por bilhetes, documento mais simples. O principal exemplo de bilhete, é o caso do seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres (DPVAT). É importante ressaltar que a apólice não deve ser confundida com o próprio contrato de seguro, de acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2014b, p. 372): A apólice tem dimensão menor: trata-se, simplesmente,do instrumento que consubstancia e descreve os limites de incidência do seguro pactuado. Por meio da apólice, portanto, descreve-se o risco e delimita-se o período de vigência do seguro, em dias e horas, visando, com isso, a tornar clara e precisa a assunção do risco pelo segurador, permitindo, em contrapartida, ao segurado, ter a exata noção da abrangência do seu direito. Em relação à forma, tanto a apólice quanto o bilhete de seguro podem ser nominativas, à ordem ou ao portador. A forma nominativa, quer dizer que pode ser transferida através de cessão civil; à ordem, significa dizer que é transmissível através de endosso; e ao portador, significa que sua transmissão pode ocorrer através de simples tradição ao detentor da apólice. O CCB fala sobre o assunto em seu art.760: 28 A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. Parágrafo único. No seguro de pessoas, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador. O parágrafo único conforme pode ser observado faz uma ressalva em relação a forma do seguro de pessoas, segundo Gagliano e Pamplona Filho (2014b, p.373) “ No seguro de pessoas, a exemplo do seguro de vida, a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador”. 2.5 Prescrição Na concepção de Gagliano e Pamplona Filho (2014b, p.408) “[...] É a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular no prazo previsto pela lei. ” Dessa forma o que acontece é que o detentor do direito, perde a possibilidade de acionar judicialmente aquele a quem o violou. Neste caso, a obrigação jurídica prescrita converte-se em obrigação natural, que é aquela que não confere o direito de exigir seu cumprimento, mas, se cumprida espontaneamente, autoriza a retenção do que foi pago. Tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis, não afetando, por isso, direitos sem conteúdo patrimonial direto como os direitos personalíssimos, de estado ou de família, que são irrenunciáveis e indisponíveis. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,2014b, p.408) A regulação dos prazos prescricionais relacionados aos seguros está prevista no CCB, através do art.206, § 1º, II, alíneas a e b, e § 3º, IX., assim vamos primordialmente analisar o parágrafo primeiro: Prescreve: § 1º. Em um ano: [...] II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão. É interessante observar na leitura deste dispositivo, que o legislador estabelece o prazo prescricional de um ano, para que o segurado acione judicialmente a companhia seguradora e mantém esse mesmo prazo, para a hipótese da seguradora através da sub-rogação de direitos, acionar o terceiro causador do dano. Sobre o assunto possuímos decisão do STJ: 29 RECURSO ESPECIAL Nº 77.397 – RJ (95.0054269-9). RELATOR: MINISTRO EDUARDO RIBEIRO. RECORRENTE: GENERAL ACCIDENT COMPANHIA DE SEGUROS. ADVOGADOS: MARCOS ANTONIO FERREIRA DA COSTA E OUTROS; SERGIO DE SA MENDES E OUTROS. RECORRIDO: AUTO VIAÇÃO JABOUR LTDA PRESCRIÇÃO. EMENTA: AÇÃO REGRESSIVA. SEGURADOR. SUB-ROGANDO-SE O SEGURADOR NOS DIREITOS DO SEGURADO, O PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CONTRA O CAUSADOR DO DANO SERA O MESMO ESTABELECIDO PARA AQUELA QUE PODERIA SER MOVIMENTADA PELO TITULAR ORIGINARIO DOS DIREITOS. Já o parágrafo terceiro faz referência ao prazo prescricional de três anos no seguinte caso “ [...] IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório”. Nota-se que a parte referente à pretensão do beneficiário, trata claramente sobre o seguro de pessoas, onde este é a pessoa indicada pelo próprio segurado para receber a indenização. Já na segunda parte é citada a figura do terceiro prejudicado, em seguros de responsabilidade civil obrigatório, como é o caso do DPVAT. Como o legislador não foi específico para os casos de seguro de responsabilidade civil facultativo, o prazo prescricional para terceiros nessa possibilidade é de três anos, obedecendo o art.206 §3º, V, do CCB, que trata sobre a pretensão de reparação civil. As demais hipóteses obedecem ao prazo de prescrição geral de 10 anos, de acordo com o art.205 do CCB “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. 30 3 POSSIBILIDADE DO TERCEIRO PREJUDICADO AJUIZAR AÇÃO DIRETA E EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA SEGURADORA CONTRATADA PELO CAUSADOR DO DANO Diante do que estudamos no decorrer deste trabalho, verificamos que os contratos de seguro são utilizados para mitigar possíveis danos, objetivando um risco previamente acordado entre o segurado e o segurador. Neste capítulo vamos analisar a possibilidade de um terceiro demandar judicialmente, de forma exclusiva, contra a companhia seguradora do possível agente causador do dano, nos casos de seguro facultativo de responsabilidade civil. Conforme explicado no segundo capítulo, o art. 787 do CCB dispõe “No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro”. Diniz (2014, online) esclarece que “O dever de indenizar o terceiro surge somente após a certeza de que o dano fora causado por conduta do segurado”. Portanto, é necessária a comprovação do nexo de causalidade, entre a conduta e o dano causado, por parte do terceiro. Na ocasião de um sinistro, muitas vezes o segurado não possui pretensão de acionar a seguradora, pois, comercialmente, quem não apresenta ocorrências durante a vigência do contrato, é beneficiado em sua renovação através de uma bonificação, fazendo com que o valor do prêmio a ser pago seja reduzido. Se o segurado entender que financeiramente é melhor para ele realizar o pagamento sem acionar o seguro, é uma faculdade sua, sendo legítimo o seu direito. É necessário o aprofundamento desta temática por parte dos operadores do direito, para que ocorra uma aplicação processual correta, preservando nossa segurança jurídica. Iremos analisar em seguida, o conflito de princípios e o posicionamento do tribunal superior sobre o caso. 31 3.1 Análise principiológica De acordo com o que foi estudo no nosso primeiro capítulo, os contratos possuem princípios que devem ser respeitados, quando analisamos a possibilidade de um terceiro acionar diretamente a seguradora, estaríamos diante de lesão por exemplo aos princípios da relatividade dos efeitos dos contratos e do pacta sunt servanda. A relatividade dos efeitos dos contratos, trata justamente sobre o limite em relação aos seus efeitos, não devendo alcançar terceiros. Também consectário lógico da autonomia privada negocial, o princípio da relatividade dos efeitos do contrato significa que o contrato apenas obriga e vincula suas próprias partes, não podendo ser oponível a terceiros. Na organização clássica do direito privado, o princípio ancora na concepção de direitos pessoais, que são relativos aos figurantes determinados, oponibilidade às próprias partes (LÔBO, 2014, p.62). Como então a seguradora poderia ser acionada diretamente por um terceiro, se os efeitos do contrato celebrado por ela, não alcançam esse terceiro e se o pacta sunt servanda, estabelece que a força obrigatória do contrato existe entre as partes? Lôbo (2014,p. 60) nos lembra que: O contrato obriga as partes contratantes, como se fosse lei entre elas. Seu não cumprimento enseja ao prejudicado a execução forçada pelo Poder Judiciário, quando possível, ou o equivalente em perdas e danos. A força obrigatória é assegurada pelo Estado, ainda que as cláusulas e condições do contrato não sejam normas jurídicas por ele editadas. O princípio é consectário natural da autonomia privada negocial. Sua mais antiga formulação foi expressa no art. 1.134 do Código Civil francês de 1804: ‘As convenções legalmente formadas têm força de lei para os que as contraírem’. O que ocorre é que existe corrente doutrinária, que entende que estes princípios devem ser mitigados, devido ao princípio da função social do contrato, explícito através do art. 421 do CCB “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Lôbo (2014, p.62), acredita que o princípio da função social do contrato: [...] criou profunda contenção ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato, porque os terceiros integram necessariamente o âmbito social do contrato, que não apenas têm o dever de respeitá‐lo, mas também de não serem por ele prejudicados. Nesse caso, emergem os deveres de proteção dos terceiros, oponíveis às partes contratantes. Quando o contrato puder produzir impactos em interesses difusos e coletivos, como os do meio ambiente, os do patrimônio histórico e os dos consumidores, então terceiros são ‘todos’, segundo termo significativo utilizado pelo art. 225 da Constituição Federal. 32 Inclusive, este entendimento foi afirmado na VI Jornada de Direito Civil, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF, através do enunciado nº 544. Abaixo segue a sua justificativa: Embora o art. 421 do Código Civil faça menção expressa à função social do contrato, ainda persiste, em relação ao contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, no art. 787 do mesmo diploma, a visão tradicional do princípio da relatividade dos contratos. Na linha interpretativa clássica, no seguro de responsabilidade civil, a seguradora só é obrigada a indenizar a vítima por ato do segurado senão depois de reconhecida a responsabilidade deste. Como não há relação jurídica com a seguradora, o terceiro não pode acioná-la para o recebimento da indenização. Pela teoria do reembolso, aplicável neste caso, o segurador garante o pagamento das perdas e danos devidos a terceiro pelo segurado a terceiro quando este for condenado em caráter definitivo. Por conseguinte, assume a seguradora a obrigação contratual de reembolsar o segurado das quantias que ele efetivamente vier a pagar em virtude da imputação de responsabilidade civil que o atingir. A regra acima, omissa no Código Civil de 1916, ao invés de representar a evolução na concepção do contrato de seguro, dotado de função social, corresponde ao paradigma de que o contrato não pode atingir - seja para beneficiar ou prejudicar - terceiros que dele não participaram. No seguro de responsabilidade civil, o segurado paga o prêmio à seguradora a fim de garantir eventual indenização a terceiro por danos causados. De tal sorte, a vítima tem legitimidade para pleitear diretamente do segurador o pagamento da indenização ou concomitantemente com o segurado. Há, portanto, uma estipulação em favor de terceiro, que somente será determinado se ocorrer o sinistro, tendo em vista a álea presente nesse contrato. Permite-se concluir que o seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efeitos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora. Outro princípio que devemos questionar se seria respeitado, é o da ampla defesa, já que o segurado não faz parte do processo, a seguradora muito provavelmente não conseguirá constituir provas para exclusão de ilicitude ou até mesmo a inexistência do fato, alegado pelo terceiro. Onde o segurado, é o mais apto para atender o ônus da prova, conforme o art. 373, inciso II, do CPC “O ônus da prova incumbe: II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. De acordo com Diniz (2014, online), não seria somente a companhia seguradora a prejudicada: A referida ação direta também prejudica o direito à ampla defesa do próprio terceiro, pois, processualmente, este não teria condições e legitimidade para afastar as alegações da seguradora, referentes ao contrato de seguro, do qual ele não é parte. Responsabilizar apenas o segurador tornará processualmente inviável a sustentação eficaz da ausência de culpa do segurado, o que prejudicará uma coletividade de segurados. Não é demasiado lembrar que a seguradora, na qualidade de gestora de um fundo comum, administra grupos que possuem os mesmos riscos futuros e incertos, baseados em cálculos atuariais, que proverão os prejuízos de alguns. 33 Podemos citar outra decisão do mesmo Tribunal Superior, onde o Ministro Relator, Aldir Passarinho Junior, faz referência a questão do possível cerceamento de defesa da seguradora, caso fosse possível a hipótese debatida. RECURSO ESPECIAL Nº 256.424 – SE (2000/0039923-0). RELATOR: MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR. RECORRENTE: JOSEFA DE JESUS SANTANA. ADVOGADO: ANTONIO FERNANDO VALERIANO E OUTROS. RECORRIDO: MARITMA SEGUROS S/A. ADVOGADO: JACO CARLOS SILVA COELHO E OUTROS.CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. AÇAO DIRETA MOVIDA POR VÍTIMA CONTRA A SEGURADORA SEM A PRESENÇA DO SEGURADO NA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. I. Diversamente do DPVAT, o seguro voluntário é contratado em favor do segurado, não de terceiro, de sorte que sem a sua presença concomitante no pólo passivo da lide, não se afigura possível a demanda intentada diretamente pela vítima contra a seguradora. II. A condenação da seguradora somente surgirá se comprovado que o segurado agiu com culpa ou dolo no acidente, daí a necessidade de integração do contratante, sob pena, inclusive, de cerceamento de defesa. III. Recurso especial não conhecido. Verificamos um embate em relação aos princípios aplicados no contrato de seguro, inclusive como foi citado acima, com decisões conflituosas sobre o tema. A diante iremos verificar o atual posicionamento jurisprudencial. 3.2 Análise jurisprudencial Existe decisão do STJ, proferida no ano de 2011, reconhecendo a legitimidade de terceiro, tendo como base a função e o aspecto social do contrato de seguro: RECURSO ESPECIAL Nº 1.245.618 – RS (2011/0065463-7) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE: REAL SEGUROS S/A ADVOGADO: SIRLEI MARIA RAMA VIEIRA SILVEIRA E OUTRO (S) RECORRIDO: RENATO NEUMANN – ESPÓLIO REPR. POR: IRIA NAIR METZ NEUMANN – INVENTARIANTE ADVOGADO: LENY CAMARGO FISCH E OUTRO (S) EMENTA CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. AÇÃO PROPOSTA DIRETAMENTE EM FACE DA SEGURADORA SEM QUE O SEGURADO FOSSE INCLUÍDO NO POLO PASSIVO. LEGITIMIDADE. 1. A interpretação de cláusula contratual em recurso especial é inadmissível. Incidência da Súmula 5/STJ. 2. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 3. A interpretação do contrato de seguro dentro de uma perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos causados pelo segurado a terceiro seja por este diretamente reclamada da seguradora. 4. Não obstante o contrato de seguro ter sido celebrado apenas entre o segurado e a seguradora, dele não fazendo parte o recorrido, ele contém uma estipulação em favor de terceiro. E é em favor desse terceiro na hipótese, o recorrido que a importância segurada será paga. Daí a possibilidade de ele requererdiretamente da seguradora o referido pagamento.5. O fato de o segurado não integrar o polo passivo da ação não retira da seguradora a possibilidade de demonstrar a inexistência 34 do dever de indenizar. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. A ministra relatora cita o princípio da função social e também o princípio constitucional da solidariedade, que está disposto no art. 3º, inciso I, da Constituição Federal (CF) “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”. É importante relembrar aqui que os sujeitos dentro da relação contratual, são o segurado e a seguradora, onde: [...] O terceiro será sempre figura estranha ao contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil, posto que a seguradora não firmou qualquer pacto, bem como não praticou qualquer ato ilícito contra o mesmo. O segurado é quem possui a faculdade de acionar a seguradora, em razão de seu vínculo contratual e os respectivos limites, nos casos em que se vê diante da hipótese de reparar dano causado a terceiro (DINIZ, 2014, online). Devido a diversos recursos que tramitavam dentro do STJ, sobre esta mesma matéria, ficou diagnosticada sua relevância geral, para que o tribunal não tivesse que julgar individualmente esses recursos, respeitando o princípio da celeridade processual e evitando que fossem tomadas decisões controvérsias, que afetariam nossa segurança jurídica. Art. 1.036 do CPC: Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. Assim, o STJ, se manifestou de forma definitiva sobre o assunto, através do julgamento de recurso repetitivo, estabelecendo que não é possível o acionamento da seguradora, direta e exclusivamente por terceiro, pois não existe relação de direito material entre os mesmos, como pode ser verificado através da ementa abaixo: RECURSO ESPECIAL Nº 962.230 - RS (2007/0140983-5) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. RECORRENTE: IRMÃOS CASTRO LTDA. ADVOGADO: SÉRGIO PEREIRA DA SILVA E OUTRO (S). RECORRIDA: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS. ADVOGADA: CARMEN SUZANA LAGRANHA ADEMIRES E OUTRO (S). DESPACHO. 1. Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão assim ementado: Apelação cível. Responsabilidade cível em Acidente de trânsito. Ação de indenização. Ação direta contra a seguradora. Carência de ação reconhecida em primeiro grau. Não havendo relação de direito material entre a demandante e a seguradora ré, mantém-se a sentença de carência de ação por ilegitimidade passiva. Apelo não provido. (fl. 132, e-STJ) Às 35 razões do recurso especial, fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, o recorrente sustenta, em síntese, a possibilidade de a vítima de sinistro ajuizar ação indenizatória diretamente contra a seguradora do pretenso causador do dano, ainda que não tenha feito parte do contrato de seguro. 2. Verifico que há multiplicidade de recursos que ascendem a esta Corte a versar sobre o tema. Por isso, afeto o julgamento do presente recurso especial à e. Segunda Seção, nos termos do art. 543-C do CPC, bem como da Resolução n. 08/2008. Sobre a ação que deu origem a este recurso, o recorrente alegou que se envolveu em um sinistro com um veículo segurado através da recorrente e dessa forma iniciou os reparos de forma particular, sem nenhuma comunicação a seguradora. Cobrando da ré, indenização pelos danos materiais sofridos. Inicialmente nós já visualizamos que não foi cumprida a obrigação de comunicar a seguradora a ocorrência do sinistro, decorrente do dever anexo de informação e prevista no art.787 do CCB. Pois o processo de indenização por parte da seguradora é realizado, obedecendo as diretrizes da SUSEP, onde é realizada vistoria de constatação dos danos, para verificação do nexo de causalidade, onde após constatada a culpa do segurado, a seguradora irá providenciar o conserto ou caso necessário, o pagamento do valor de mercado do veículo, conforme tabela da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). Não podendo assim o terceiro, simplesmente consertar o veículo e posteriormente cobrar da seguradora. Sobre a ilegitimidade da seguradora de figurar no pólo passivo, o Ministro Relator, Luís Felipe Salomão, afirma que: [...] não parece cabível o ajuizamento de ação de indenização direta e exclusivamente contra a seguradora do suposto causador do acidente, sem a participação desse no processo [...] não há propriamente uma relação jurídica de direito material entre o terceiro e seguradora, sendo que a solidariedade nasce somente por força de relação de direito processual, entre vítima e seguradora, e de uma obrigação aquilina reconhecida judicialmente, entre o segurado e a vítima, sem a qual não haveria responsabilidade da seguradora de indenizar os danos sofridos por terceiros. O traço que caracteriza e conceitua o seguro de responsabilidade civil facultativo, qual seja, o de neutralizar a obrigação do segurado em indenizar danos causados a terceiros, nos limites dos valores contratados, razão pela qual não se dispensa, para exigir-se a cobertura securitária, a verificação da responsabilidade civil do segurado do sinistro. Dessa forma o segurador somente participa do processo, em conjunto com o segurado, através de litisconsórcio passivo, não ocorrendo o reconhecimento de relação jurídica entre a seguradora e o terceiro, ainda mais devido à natureza do seguro de responsabilidade civil facultativo, pois deve ser comprovada a responsabilidade do segurado, para que a seguradora 36 possa indenizar, mediante aos valores estipulados na apólice. Ocorreria uma violação do devido processo legal, uma vez que o segurado não estaria presente. A forma de chamamento ao processo em relação a seguradora, deve ser através da denunciação da lide, prevista no art. 125 do Código de Processo Civil (CPC) “É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: [...] II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo”. Sobre o tema Didier Júnior (2010, p.338), esclarece que a denunciação da lide não é obrigatória, onde “[...] na verdade, é um ônus processual: conquanto diga a lei que a denunciação da lide é obrigatória, na verdade é facultativa”. Em 2015, foi publicada a Súmula 529 do STJ, encerrando a discussão sobre o assunto, afirmando que: “No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano". Assim sendo, diferentemente dos casos do seguro de responsabilidade civil obrigatório, de acordo com o art. 788 do CCB “Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado”, nos casos do seguro de responsabilidade civil facultativa a seguradora não poderá ser acionada diretamente pelo terceiro, pois o detentor deste direito é o próprio segurado. [...] o nosso Código adotou, para o facultativo, o modelo de reembolso, pelo qual o interesse primordialmente amparado seria a reposição do patrimônio do segurado, diminuído pelo cumprimento de obrigação, fruto de responsabilidade por evento traçado contratualmente. Enquanto que, para o obrigatório, retirou-lhe a característica de seguro de reembolso e, por isso mesmo, deu a este a titularidade e legitimidade processual para
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