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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL JÉSSICA LIMA DE SOUSA OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES NA OPERACIONALIZAÇÃO DO PAIF- SERVIÇO DE PROTEÇÃO E ATENDIMENTO INTEGRAL À FAMÍLIA NO CRAS ACARACUZINHO/MARACANAÚ-CE FORTALEZA-CE 2013 JÉSSICA LIMA DE SOUSA OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES NA OPERACIONALIZAÇÃO DO PAIF- SERVIÇO DE PROTEÇÃO E ATENDIMENTO INTEGRAL À FAMÍLIA NO CRAS ACARACUZINHO/ MARACANAÚ-CE Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. Orientadora: Ms. Karlene Gonçalves Marinho FORTALEZA-CE 2013 JÉSSICA LIMA DE SOUSA Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense-FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/____/____ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Ms. Karlene Gonçalves Marinho Orientadora ______________________________________________________ Profª. Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves Faculdade Cearense ___________________________________________________ Profº. Ms. Emanuel Bruno Lopes de Sousa Faculdade Cearense A Deus pela dádiva da vida e a minha família pelos ensinamentos, pela dedicação, confiança e apoio na realização dos meus sonhos. AGRADECIMENTOS Inicio os meus sinceros agradecimentos primeiramente a Deus, por iluminar e abençoar todos os meus caminhos e escolhas da minha vida. À minha mãe, Maria Artemisia, pela dedicação, carinho e amor que me fizeram chegar à concretização deste sonho. Ao meu pai, Benedito Joelson, pelo amor e dedicação à realização deste sonho. À minha irmã, Jeysa Lima, pelo apoio e carinho durante esta longa caminhada. Ao meu namorado, Marcelo Gondim, pelo apoio, pela compreensão e carinho em todos os momentos ao seu lado. Às minhas amigas, Inácia Bastos, Jamille Ximenes, Maíra Rodrigues, Germana Vasconcelos, Janielle Lira e Maria Vilderlane pelos grandes e felizes momentos compartilhados durante os quatros anos de minha formação profissional, as levarei por toda minha vida como símbolo de uma verdadeira amizade. À minha grande amiga e assistente social, Priscila Gonçalves, pelo apoio, dedicação e ensinamentos grandiosos à minha formação profissional e realização deste sonho e pelo exemplo de uma grande profissional. À minha orientadora, Ms. Karlene Gonçalves, pela dedicação, esforço e disponibilidade na construção deste estudo. À equipe do PAIF do CRAS Acaracuzinho/Maracanaú-CE, pela atenção, participação e disponibilidade em fornecer informações importantes para a concretização desta pesquisa. À banca examinadora composta pelo profº. Ms. Emanuel Bruno e pela profª. Ms Rúbia Cristina, pela disponibilidade e dedicação em contribuírem com o processo de concretização deste sonho; A todos os amigos e familiares, pelo apoio e carinho e por se fazerem presentes durante a caminhada rumo à concretização desta pesquisa. “A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, essas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos em gestos de súplicas. Súplica de humilde a poderosos. E vão se fazendo, cada vez mais, mãos humanas, que trabalham e transformam o mundo”. (Paulo Freire) RESUMO O objetivo geral deste estudo é identificar os limites e as possibilidades na operacionalização do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), a partir das percepções da equipe técnica do Centro de Referência de Assistência Social-CRAS Acaracuzinho, localizado no município de Maracanaú-CE. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de natureza qualitativa, tendo como instrumento de coleta de dados a aplicação de entrevistas semi-estruturadas com os profissionais que compõe a equipe técnica de nível superior. Os resultados revelam que a equipe busca alcançar os objetivos preconizados através de suas qualificações profissionais e dispõe de um espaço físico compatível com a garantia do sigilo profissional. O fato de serem estatutários favorece a continuidade do Serviço, além disso, o trabalho interdisciplinar é percebido como uma troca de saberes que propicia um atendimento mais qualificado. No entanto, os limites impostos com a insuficiência do quantitativo de profissionais gera uma sobrecarga de tarefas e prejudica na efetivação a contento de todas as ações do PAIF e na disponibilidade para momentos de reflexão das ações. A intersetorialidade e articulação em rede devem ser fortalecidas para atender às múltiplas demandas que uma Política por si só não consegue responder. O processo de planejamento, monitoramento e avaliação das ações apresentam-se fragmentados e insuficientes para identificar as contribuições do PAIF às famílias. Com isso, como questões conclusivas, apesar dos consideráveis avanços da Política de Assistência Social, ainda faz-se necessário diversos investimentos e um maior compromisso dos entes federativos com a qualidade da oferta, com as condições de trabalho e com os recursos humanos para que se vislumbre uma Política de fato protetiva e garantidora do atendimento integral às famílias, através de respostas efetivas às suas demandas. Palavras-chave: Política de Assistência Social, família, vulnerabilidade social,matricialidadesociofamiliar. ABSTRACT The general objective of this study is to identify the limits and possibilities in operationalising Protection Service and Integral Care of Family ( PAIF ), from the perceptions of the team of the Reference Center for Social Assistance-CRAS Acaracuzinho, located in Maracanaú-CE. For this, we carried out a qualitative research, with the instrument of data collection application of interviews with professionals who make up the team of the upper level. The results reveal that the team seeks to achieve the recommended goals, through their professional qualifications and have a compatible with the guarantee of professional secrecy physical space. The fact that they were statutory favors the continuity of service, in addition, interdisciplinary work is perceived as an exchange of knowledge that provides a more qualified service. However, the limits imposed by the insufficient quantity of professionals creates an overload of tasks and impairs the effectiveness to the satisfaction of all shares of the PAIF and availability for moments of reflection actions. The intersectoriality and networking should be strengthened to meet the multiple demands that a policy alone can not answer, as the process of planning, monitoring and evaluation of actions, present themselves fragmented and insufficient to identify the contributions of the PAIF families. With this as conclusive issues, despite considerable advances in Social Assistance Policy still makes many investments are required and a greater commitment of federal entities with the quality of supply, with the working conditions and human resources for that glimpse a policy for protective apparel and guarantor of comprehensive care to families through effective responsesto their demands. Keywords :social assistance policy, family, social vulnerability, social-family main. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AVISA - Área de Vigilância à Saúde BPC - Benefício de Prestação Continuada CBCISS - Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais CFP - Conselho Federal de Psicologia CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil/1988 Federal CFESS - Conselho Federal de Serviço Social CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social CNSS - Conselho Nacional de Serviço Social CRAS - Centro de Referência de Assistência Social CREAS - Centro Especializado em Assistência Social ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente FAC- Faculdade Cearense FHC - Fernando Henrique Cardoso FNAS - Fundo Nacional de Assistência Social IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LBA - Legião Brasileira de Assistência LOAS - Lei Orgânica de Assistência Social LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social LOS - Lei Orgânica da Saúde MDS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MPAS - Ministério de Previdência e Assistência Social NAF - Programa Núcleo de Apoio à Família NOB/SUAS - Norma Operacional Básica/ Sistema Único de Assistência Social NOB-RH/SUAS - Norma Operacional de Recursos Humanos PAA - Programa de Aquisição de Alimentos PAIF - Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família PAEFI - Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PBF - Programa Bolsa Família PCS - Programa Comunidade Solidária PNAS - Política Nacional de Assistência Social PND - Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República PNAIF - Plano Nacional de Atendimento Integral à Família PNI - Política Nacional do Idoso PNIPD - Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência PRONATEC - Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego PSB - Proteção Social Básica PSE - Proteção Social Especial SASC - Secretaria de Assistência Social e Cidadania SUAS - Sistema Único de Assistência Social SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 1 DESDOBRAMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA 1.1 Primeiras aproximações ao objeto de estudo ................................................. 17 1.2 Delimitação do cenário da pesquisa ............................................................... 20 1.3 A escolha do caminho metodológico ............................................................... 25 1.4 Sujeitos da pesquisa ....................................................................................... 30 2 A FAMÍLIA NO FOCO DE INTERVENÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL 2.1 A Família brasileira: aspectos conceituais e históricos ................................... 32 2.2 A Família nas Políticas Sociais: tendências contemporâneas ........................ 36 2.3 A trajetória da Política de Assistência Social Brasileira: do assistencialismo e focalização em segmentos específicos da população à política pública e a matricialidade sociofamiliar ................................................................................... 41 2.3.1 O SUAS e Matricialidade sociofamiliar: a primazia da família na Política de Assistência Social ............................................................................................... 55 3 O SERVIÇO DE PROTEÇÃO E ATENDIMENTO INTEGRAL À FAMÍLIA-PAIF: A EXPERIÊNCIA NO CRAS ACARACUZINHO 3.1 PAIF: aspectos conceituais ............................................................................. 58 3.2 O PAIF e a experiência no CRAS Acaracuzinho: limites e possibilidades ...... 63 3.2.1 Relevância social do PAIF ........................................................................ 65 3.2.2 Equipe técnica e recursos humanos ......................................................... 66 3.2.3 Capacitação continuada e articulação entre gestão e operacionalização 74 3.2.4 Infraestrutura e recursos materiais ........................................................... 76 3.2.5 Trabalho interdisciplinar ............................................................................ 79 3.2.6 Articulação com a rede socioassistencial e a intersetorialidade ............... 81 3.2.7 Planejamento, monitoramento e avaliação das ações .............................. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 92 APÊNDICES ............................................................................................................. 97 12 INTRODUÇÃO O objeto desta pesquisa consiste em um estudo acerca dos limites e das possibilidades na operacionalização do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) no contexto do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a partir das percepções da equipe técnica do Centro de Referência de Assistência Social-CRAS Acaracuzinho, no município de Maracanaú-CE. O Serviço de Atendimento Integral à Família (PAIF) configura-se como principal Serviço de Proteção Social Básica implementado nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), o qual consiste no trabalho social com famílias, desenvolvido a partir de pressupostos éticos, conhecimento teórico- metodológico e técnico-operativo, com a finalidade de favorecer a convivência, o reconhecimento de direitos e possibilidades de intervenção na vida social das famílias – um conjunto de pessoas, unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade- a partir do reconhecimento do papel do Estado na proteção às famílias e aos seus membros mais vulneráveis (Orientações técnicas sobre o PAIF, 2012b). O interesse por este estudo foi despertado pelo contato e envolvimento no período de maio de 2012 a maio do ano corrente enquanto estagiária de Serviço Social no CRAS Acaracuzinho, lócus desta pesquisa, como elemento indispensável no processo de formação do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense (FAC). Nesse período, a referida pesquisadora atou diretamente no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) juntamente com a equipe técnica de referência do referido equipamento socioassistencial. A aproximação e atuação no âmbito do PAIF despertaram o desenvolvimento deste estudo, particularmente ao considerar sua relevância para as famílias atendidas e acompanhadas no território de abrangência do CRAS Acaracuzinho. A fim de que se possa compreender o desenvolvimento do PAIF, bem como os limites e as possibilidades presentes no cotidiano institucional em seu 13 processo de operacionalização, fez-se necessário, neste ensaio monográfico, uma breve discussão de fundamentações importantes para o desenrolar desta pesquisa. Nesta perspectiva, com o intuito de aprofundar o referido objeto de estudo e de desvendar o principal objetivo traçado, o qual consiste em identificar os limites e as possibilidades na operacionalização do PAIF, a partir das percepções da equipe técnica de referência, foram estabelecidos objetivos específicos que subsidiarão o evolver deste trabalho. Pretendeu-se ao analisar a centralidade dada à família no âmbito da Política de Assistência Social, por meio do eixo matricialidade sociofamiliar no desenvolvimento de seus serviços, programas, projetos e benefícios, fazer uma breve explanação histórica da Assistência Social até seu despertarenquanto Política Pública de direito. Diante disto, o presente estudo buscou, também, desenvolver primeiramente uma sucinta discussão sobre os aspectos conceituais e históricos da família na sociedade brasileira, bem como acerca da relação Família-Estado no processo de proteção social por meio das Políticas Sociais, compreendendo as principais tendências contemporâneas. Por fim, compreender como é constituído o PAIF, suas ações, objetivos e seu processo de operacionalização no contexto institucional. É válido ressaltar que a Assistência Social no Brasil, por um longo período, teve seu percurso permeado por práticas filantrópicas e benemerentes, caracterizadas pelo viés da solidariedade e da ajuda aos considerados incapazes e pobres. Somente nos anos 1930, com o agravamento da questão social1, o Estado passa a regular e a conduzir ações voltadas à área da Assistência Social. Desde então, foram empreitadas ações focalizadas a segmentos específicos da população, estes considerados 1 Compreende-se por questão social neste estudo o que coloca Pastorini (2010, p. 100-101): “Se partirmos do pressuposto de que a ‘questão social’ tem sua gênese na forma como os homens se organizam para produzir numa determinada sociedade e num contexto histórico dado, e que essa organização tem suas expressões na esfera da reprodução social [...] está elementarmente determinada pelo traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho- a exploração [...], ou seja, as principais manifestações da ‘questão social’- a pauperização, a exclusão, as desigualdades sociais- são decorrentes das contradições inerentes ao sistema capitalista [...]”. 14 excluídos da relação capital-trabalho e incapazes de garantir o próprio sustento, tendo como intuito a legitimidade junto à população pobre, disseminando, assim, práticas instituídas pelo viés assistencialista e autoritário centralizador. É somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que a Assistência Social é instituída no campo da Seguridade Social2, juntamente com a Política de Saúde e a Política de Previdência Social, compondo assim o Sistema de Proteção Social brasileiro. Desse modo, passa a ser constituída uma Política Social de direito. Posteriormente, com a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Assistência Social é regulamentada de fato enquanto política pública não contributiva, ao passo que também frisa a primazia do Estado em sua condução. Com a vigência da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), a partir da Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, e conseguinte a instituição do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), através da Resolução nº 130, de 15 de julho de 2005, houve uma ampliação de seus serviços, programas, projetos e benefícios. Além disso, passa a ser estruturada em duas modalidades, Proteção Social Básica e Proteção Social Especial. A Proteção Social Básica, dada ênfase neste estudo, tem como objetivos o desenvolvimento de serviços, programas, projetos e benefícios que buscam prevenir situações de vulnerabilidade e risco social, estes operacionalizados prioritariamente no âmbito dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). Segundo a LOAS (1993, p. 17): O CRAS é a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias. 2 Conforme a Constituição Federal de 1988 “A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 15 Diante disso, são nos CRAS que, de forma territorializada, ocorre a implementação e operacionalização do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), principal Serviço de Proteção Social Básica da Política de Assistência Social e que tem a família, nas suas diversas configurações, seu principal público alvo. São através dessas unidades públicas que as demandas das famílias são registradas e atendidas. Além disso, configuram-se enquanto equipamentos sociais responsáveis por prestar informações, referenciar famílias e possibilitar o acesso à rede socioassistencial e a outras políticas públicas setoriais, através da implementação de serviços, programas, projetos e benefícios. Este trabalho foi então estruturado em três capítulos. O primeiro, intitulado “Desdobramentos Metodológicos da Pesquisa”, consiste em discorrer acerca do contexto em que está inserido o objeto de estudo, as primeiras aproximações com o objeto e a justificativa pelo interesse e escolha da temática, assim como, delimita-se o cenário em que foi desenvolvida a pesquisa. Contempla, também, o percurso metodológico, bem como os instrumentos técnicos para a coleta dos dados utilizados para a fundamentação da pesquisa; e, por fim, o perfil biográfico dos sujeitos da pesquisa. O segundo capítulo, por sua vez, chamado de “A família no foco de intervenção da Política de Assistência Social”, centra-se em uma discussão da centralidade dada à família no âmbito da Política de Assistência Social, por meio do eixo matricialidade sociofamiliar. Para tanto, fez-se necessário compreender os aspectos conceituais e históricos da família brasileira, bem como das principais tendências contemporâneas no processo de Proteção Social. Busca-se discorrer sobre o percurso histórico da Assistência Social, do assistencialismo até o seu despertar enquanto política pública de direito e como primazia de intervenção à família. No terceiro capítulo, por seu turno, intitulado de “O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF): a experiência no CRAS Acaracuzinho”, serão destacadas as questões conceituais do PAIF, suas ações e objetivos, a partir dos documentos “Orientações Técnicas sobre o PAIF”, e por fim, por meio das percepções da equipe técnica que o operacionaliza, analisar os principais limites, 16 entraves, avanços e possibilidades identificados em seu processo de operacionalização no CRAS Acaracuzinho. 17 1 DESDOBRAMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA Reconhecendo o caráter problematizante da metodologia, decorre ser mister aceitar que tudo em ciência é discutível, sobretudo nas ciências sociais. Não há teoria final, prova cabal, prática intocável, dado evidente. Isto é uma característica, não uma fraqueza, o que funda, ademais, à necessidade inacabável da pesquisa, seja porque nunca esgotamos a realidade, seja porque as maneiras como a tratamos podem sempre ser questionadas. (DEMO, 2011, p. 11). 1.1 Primeiras aproximações ao objeto de estudo Apropriar-se das questões pertinentes ao contexto histórico da Assistência Social no Brasil até seu despertar enquanto política pública, bem como dos avanços conquistados por esta Política com a promulgação da nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004 e a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005, implica no reconhecimento da perspectiva universalista da Assistência Social e da família como foco de intervenção desta Política, no desenvolvimento de seus serviços, programas, projetos e benefícios. O SUAS, por meio do seu eixo estruturantematricialidade sociofamiliar, coloca a família como ator principal de intervenção da Política de Assistência Social, no qual busca possibilitar o atendimento de suas demandas sociais, o fortalecimento do convívio familiar e comunitário e apoiá-las no desempenho da sua função de proteção e socialização de seus membros. Conforme a PNAS (2004), a centralidade dada à família na condução da Política de Assistência Social ganha ênfase, ao considerar que para que a família possa ter condições de prevenir, proteger, promover e incluir seus membros, é importante lhe dar condições de sustentabilidade. A própria Constituição Federal de 1988, já fazia menção à família, ao afirmar que “A família, a base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (Art. 226). Logo, os serviços, programas, projetos e benefícios desenvolvidos no âmbito da Política de Assistência Social passam a ser implementados tendo como foco de intervenção o contexto familiar, com vistas a “[...] contribuir com a inclusão e 18 equidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais [...]” (PNAS, 2004), além do desenvolvimento das potencialidades das famílias em situação de vulnerabilidade social decorrente dos múltiplos desdobramentos da questão social. A PNAS/2004 não traz o conceito de vulnerabilidade social, mas aponta que as situações de vulnerabilidade podem decorrer: da pobreza, privação ou ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, por calamidade pública, fragilização de vínculos afetivos, comunitários e de pertencimento social decorrentes de discriminações etárias, étnicas, de gênero, relacionadas à sexualidade, deficiência, entre outros, a que estão expostas famílias e indivíduos, e que dificultam seu acesso aos direitos e exigem Proteção Social do Estado. Segundo Bronzo (2009, p. 173): Vulnerabilidade relaciona-se, por um lado, com a exposição ao risco e, por outro, com a capacidade de resposta, material e simbólica que indivíduos, famílias e comunidades conseguem dar para fazer frente ao risco ou ao choque [...]. As políticas e os programas inserem-se nesse campo como elementos que podem fortalecer a capacidade de resposta das famílias e de seus membros e reduzir-lhes a vulnerabilidade. O Serviço de Atendimento Integral à Família (PAIF), norteado pelo eixo matricialidade sociofamiliar tem como principais objetivos, o fortalecimento da função protetiva da família, prevenindo a ruptura dos vínculos familiares e comunitários; o desenvolvimento das potencialidades, autonomia e protagonismo das famílias; o acesso à rede de proteção social e a outras políticas públicas, contribuindo para a promoção dos direitos socioassistenciais, além de possibilitar a participação das mesmas em espaços coletivos de troca e vivências familiares. São incontestáveis os avanços conquistados pela Política de Assistência Social que é ainda tão nova, no entanto, apesar dos diversos avanços e conquistas no cenário de Proteção Social com a abertura democrática, mais precisamente a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, Pereira e Siqueira (2010) destacam que o modelo de Proteção Social, guiado pelos princípios de universalidade, igualdade, equidade e justiça distributiva, vem sendo fragilizado, desde o final dos anos 1990. Ganha destaque a redefinição de interesses, estes voltados prioritariamente aos setores econômicos e privados, que impõem limites à 19 concretização dos direitos via políticas públicas universais, direcionando as Políticas Sociais à ações pontuais e compensatórias. As mesmas autoras afirmam que se destacam nas Políticas Públicas contemporâneas, permeadas por concepções e influências neoliberais, a focalização na pobreza, a centralização dos programas de transferências de renda e a privatização das Políticas Sociais. Estes caracterizam por reduzir a pobreza a cortes de renda, desconsiderando a garantia dos mínimos sociais preconizados pela Política de Assistência Social. Neste sentido, a prestação de serviços socioassistenciais é enfraquecida por uma ideologia compensatória e seletiva. Considerando a conjuntura socioeconômica atual, o presente estudo, ao descrever e analisar o desenvolvimento do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), busca identificar os principais entraves, limites e possibilidades percebidas pela equipe técnica que o operacionaliza. Foi dentro desta perspectiva que o interesse por este tema foi despertado, a partir de uma experiência desta pesquisadora enquanto estagiária de Serviço Social no CRAS Acaracuzinho, através da participação efetiva no cotidiano da instituição, bem como no desenvolvimento de seus serviços, programas, projetos e benefícios. A participação interventiva no âmbito do PAIF foi primordial para a escolha do referido objeto de pesquisa. A escolha do objeto de pesquisa se deu também por acessibilidade, pois de início o interesse centrava-se em analisar as contribuições na realidade das famílias acompanhadas pelo PAIF do CRAS Acaracuzinho, a partir das percepções das próprias famílias. No entanto, tendo em vista a dificuldade de acesso, pela necessidade de deslocamento até suas residências, o que demandaria a necessidade de um automóvel para locomoção e considerando a dificuldade de acesso a algumas localidades do território, foi percebido que a pesquisa não seria exequível dessa forma e nesse momento. Assim, foi decidido mudar o objeto, focando no universo interventivo que perpassa o Serviço e das condições operacionais disponibilizadas à equipe que o operacionaliza. 20 O contato direto com a realidade do Serviço, bem como com seu público- alvo, despertou, então, questionamentos e inquietações de conhecer e pesquisar de forma crítica e abrangente os limites e as possibilidades em sua operacionalização, a partir das percepções da equipe técnica de referência, esta correspondente aos profissionais de nível superior do CRAS Acaracuzinho, composta por duas assistentes sociais, uma psicóloga, uma pedagoga e pela coordenadora do equipamento, com formação em Serviço Social. Ocorre que, ao passo que foi ocorrendo o contato com as ações e operacionalização do PAIF no âmbito do CRAS, bem como com as famílias referenciadas, logo ficou perceptível alguns impasses e limitações no cotidiano institucional que acabam por dificultar o alcance de alguns objetivos propostos pelo Serviço. Ao mesmo tempo, é válido ressaltar que, apesar dos limites impostos à execução das ações do PAIF, este possui possibilidades e alcance social definidos por suas diretrizes e objetivos, bem como pela atuação profissional que o operacionaliza, a partir de suas qualificações teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Ademais, é válido e enriquecedor a relevância deste estudo, tanto para o âmbito acadêmico como também para a dimensão operacional, ao passo que busca analisar e gerar conhecimentos a partir da ótica dos próprios profissionais atuantes na Política de Assistência Social, por meio dos seus discursos, percepções e fundamentações teórico-metodológicas e ético-políticas, bem como de suas intervenções profissionais, além de propiciar o conhecimento dos entraves e possibilidades presentes no cotidiano institucional no processo interventivo do PAIF. 1.2 Delimitação do cenário da pesquisa Conforme anteriormente citado, constitui-se como o cenário desta pesquisa o Centro de Referência de Assistência Social-CRAS Acaracuzinho, localizado à Rua 101, nº 17 – Bairro Acaracuzinho, vinculado à Secretaria de Assistência Social e Cidadania (SASC) do municípiode Maracanaú, localizada à Av. 21 II, nº 150 – Bairro Jereissati I, responsável pela gestão da Política de Assistência Social no município de Maracanaú-CE. Neste sentido, a fim de uma melhor compreensão do objeto de estudo, faz-se necessário uma breve exposição do contexto histórico, político, econômico e social do município de Maracanaú. Segundo dados constantes do Diagnóstico Socioterritorial do CRAS Acaracuzinho (2013), o município de Maracanaú está localizado a 22km de Fortaleza, capital cearense, e compõe um dos municípios da Região Metropolitana de Fortaleza. Sua extensão territorial compreende a 106Km² e está situado entre as serras de Maranguape e Aratanha, além de constituir-se como um importante pólo industrial do Estado. Sua emancipação do município de Maranguape ocorreu em 1983, caracterizando-se assim por ser um município relativamente novo. Tem uma população estimada em 209.478 habitantes, concentrada majoritariamente na zona urbana, com apenas 0,31% na área rural. No município de Maracanaú, apesar deste contemplar o maior pólo industrial do Estado do Ceará, cerca de 70% da população não usufrui da riqueza produzida pelo município. Neste contexto, a população maracanauense convive com um intenso cenário de pobreza e violência urbana (DIAGNÓSTICO, 2013). Assim, fica evidente a relevância e urgência de uma maior intensificação por parte do poder público na oferta de serviços públicos, bem como a expansão da Política de Assistência Social, a fim de propiciar às famílias a garantia de seus direitos e a devida Proteção Social. Após a emancipação do município, a Assistência Social era implementada pela Secretaria de Promoção Social e tinha como titular a primeira-dama do município. A Assistência Social neste período era compreendida por ações descontinuadas e de caráter filantrópico e assistencialista. Destacavam-se ações com idosos e com creches conveniadas com as entidades comunitárias (DIAGNÓSTICO, 2013). Posteriormente, com a aprovação da Lei nº 795, de 18 de dezembro de 2000, a Secretaria foi renomeada para Secretaria de Saúde e Ação Social, na qual a Assistência Social passou a ser constituída como uma Coordenadoria vinculada à 22 Secretaria de Saúde. Neste contexto, a Assistência Social acabou por desenvolver ações fragmentadas e serviços restritos à assessoria jurídica e aos departamentos de apoio comunitário e o de apoio à criança e ao adolescente (DIAGNÓSTICO, 2013). Somente em 2005, a partir da Lei nº 986, de 7 de janeiro de 2005, ocorreu a criação da Secretaria de Assistência Social e Cidadania (SASC), agora dissociada da Secretaria de Saúde, em meio a um cenário de mudanças e avanços, decorrentes da instituição da nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004 e da implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005 (DIAGNÓSTICO, 2013). A partir de então, a nova gestão municipal da Política de Assistência Social, ao buscar consolidar o preconizado no Sistema Único de Assistência Social, tendo em vista a garantia da Proteção Social às famílias, passa a estruturar-se em Proteção Social Básica e Proteção Social Especial, e a expandir, a partir de 2006, a implementação de Centros de Referência de Assistência Social para a prestação direta dos serviços, programas, projetos e benefícios (DIAGNÓSTICO, 2013). Atualmente, a SASC além de estruturar-se em Proteção Social Básica e Proteção Social Especial, possui ainda em sua estrutura a Coordenadoria de Ações Complementares, constituída pela Política de Segurança Alimentar e Nutricional e pela Inclusão Produtiva e tem como Secretária de Assistência Social uma profissional de carreira com formação em Serviço Social, buscando assim desconstruir a presença do primeiro-damismo que se fez presente por um longo período na Assistência Social do Município. Segundo dados do DIAGNÓSTICO (2013), em 2012 o município passou a contar com 01 (um) Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), 10 (dez) Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), 01 (um) Centro de Convivência do Idoso, 01 (um) abrigo, 01 (um) Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), 01(um) Restaurante Popular, 05 (cinco) Cozinhas Comunitárias e 01 (um) Banco de Alimentos. 23 Em outubro de 2011 ocorreu a implantação do CRAS Acaracuzinho, demandado pelas famílias que residiam nos bairros: Acaracuzinho, Novo oriente, Santo Sátiro e Jardim das Maravilhas, as quais eram atendidas pelo CRAS Alto Alegre, pelo fato de terem que atravessarem uma rodovia estadual para acessarem o referido CRAS. Desse modo, após diversas discussões entre a Proteção Social Básica e o CRAS Alto Alegre, ficou definido que o CRAS Acaracuzinho teria como área de abrangência os bairros: Alto Alegre I, Acaracuzinho, Novo Oriente, Santo Sátiro, Jardim das Maravilhas, Vila Vintém, Vila Buriti, Vila da Paz e DI 2000 (DIAGNÓSTICO, 2013). Contudo, como não havia um imóvel disponível para a implantação do CRAS Acaracuzinho, este ficou locado, por um certo período, juntamente com o CRAS Alto Alegre. Posteriormente, em novembro de 2011, após análise da Coordenadoria de Proteção Social e da Diretoria de Gestão Integrada, o Centro de Convivência Social Pólo Acaracuzinho encerrou suas atividades e o prédio passou a ser a sede do CRAS Acaracuzinho (DIAGNÓSTICO, 2013). Assim, o CRAS Acaracuzinho passa de fato a desenvolver, de forma territorializada, os serviços, programas, projetos e benefícios às famílias, com vistas a dar respostas às diversas demandas sociais. Inicia a implementação de ações preventivas e atividades voltadas à promoção social e, por meio da rede de Proteção Social Básica, passa a atender/acompanhar as famílias em situação de vulnerabilidade social, através do desenvolvimento de potencialidades e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Para tanto, é válido salientar que atualmente cerca de 5.000 famílias são referenciadas em seu território de abrangência e que desenvolve ações por demanda espontânea, por busca ativa e encaminhamentos. Apresenta como principal serviço socioassistncial o PAIF e, concomitantemente, desenvolve o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para crianças e adolescentes de 7 a 14 anos; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para jovens adolescentes de 15 a 17 anos e o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos. Além de prestar atendimento referente ao Cadastro Único e Programa Bolsa Família, disponibiliza benefícios eventuais e socioassistenciais como auxílio natalidade, auxílio funeral, 2ª via da certidão de nascimento, 24 encaminhamento para casamento civil, passe-livre para deficiente e transporte de mudança. São disponibilizados, também, para as famílias referenciadas, cursos profissionalizantes do Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), bem como encaminhamentos a serviços, programas, projetos e benefícios da rede socioassistencial e demais políticas públicas. As famílias referenciadas também buscam no CRAS orientações e encaminhamento ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), para obtenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), assegurado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) aos idosos e pessoas com deficiência provenientes de famílias com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. E ainda, de forma intersetorial com a Política de Segurança Alimentar e Nutricional, através da Cozinha Comunitária, são ofertadas em média 120 refeições por dia para famílias em situação de insegurança alimentar e nutricionale ainda é operacionalizado o Programa de Aquisição de Alimentos- PAA Leite, em que cerca de 130 famílias são beneficiadas com o recebimento de leite integral. No ano de 2012, seu quadro de profissionais foi ampliado após concurso público realizado no município, o que favoreceu a ampliação e uma melhor qualidade nos serviços, programas, projetos e benefícios prestados às famílias. Quanto à descrição e análise socioeconômica das famílias residentes no território de abrangência do CRAS, conforme dados do Diagnóstico Socioterritorial do CRAS Acaracuzinho (2013), extraídos do banco de dados do Cadastro Único de Maracanaú, atualizado em novembro de 2012 (modificado em 07 de janeiro de 2013), da folha de pagamento gerada em janeiro de 2013 e da listagem do BPC 2012, cerca de 4.714 famílias são cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, totalizando 15.879 pessoas, sendo que dessas famílias, 2.210 recebem algum benefício de transferência de renda. Da população cadastrada, 55,7 % é do sexo feminino e 44,3 % do sexo masculino. Outro fator identificado, a partir dos dados cadastrais das famílias do território do CRAS Acaracuzinho, refere-se ao considerável quantitativo de pessoas com idade superior a 18 anos que não estão inseridos em nenhuma atividade laboral, seja no mercado formal ou informal, seguido por 61,3% dos que exercem alguma atividade informal sem contribuir com a previdência social e os assalariados 25 com carteira de trabalho, que representam 31,3% desse universo. Ressalta-se, ainda, que 1,16% das famílias têm o idoso como provedor. Quanto aos rendimentos dessas famílias, os dados mostraram que das 4.714 famílias cadastradas, cerca de 3.030 famílias têm sua renda familiar per capita de até R$140,00 mensais e as demais de R$141,00 a R$545,00 mensais. Percebe- se assim um quantitativo considerável de famílias que se encontram na linha da extrema pobreza e da pobreza. A questão educacional é outro aspecto observado, em que 15,6% das pessoas cadastradas são analfabetos, 11,3% não concluíram o ensino fundamental e apenas 19,6% concluíram o ensino médio regular. Considerando esse cenário, fica evidente a importância territorial do CRAS Acaracuzinho para as famílias as quais referencia. E por considerar sua relevância social para as famílias, leva ao seguinte questionamento: como o PAIF vem sendo operacionalizado e quais são as condições disponibilizadas para sua efetivação? 1.3 A escolha do caminho metodológico Ao tratar do percurso metodológico deste estudo, primeiramente é importante ressaltar as considerações que permeiam a concepção do conceito de metodologia. Minayo (2007) faz referência à metodologia como o caminho do pensamento e um processo de abordagem da realidade. Ou seja, o processo metodológico inclui um conjunto de abordagens de métodos, teorias e técnicas que propiciam o conhecimento e estudo da realidade. A autora ainda faz menção à dimensão criativa do pesquisador, permeada por suas experiências, vivências e sensibilidade no processo investigativo. De acordo com Demo (2011), para alguns a pesquisa constitui-se em um processo de coleta de dados, sistematização e posteriormente uma descrição da realidade. Outros, voltados a uma concepção mais teórica, entendem por pesquisa o processo de estudo e produção de quadros teóricos de referência, para que possam desvendar e explicar a realidade. Outros mais acreditam que o processo de pesquisa envolve teoria e prática, ao passo que suas junções levam à compreensão e ao mesmo tempo à intervenção da realidade. 26 Minayo (2007) faz menção à pesquisa como um mecanismo básico da ciência para dar respostas às indagações e construção da realidade. Ainda enfatiza a vinculação entre pensamento e ação no processo da pesquisa. Gil (2011), em suas considerações, retrata que o objetivo fundamental da pesquisa é possibilitar a apreensão de respostas e solução de problemas mediante procedimentos científicos. Partindo dessa compreensão, o autor define a pesquisa social como o processo, permeado por procedimentos metodológicos, que permite a obtenção de novos conhecimentos acerca da realidade social. Esta compreendida em seu sentido amplo, envolve todos os aspectos relativos ao homem em suas múltiplas relações com outros homens e com as diversas instituições da sociedade. Nesta direção, a fim de apreender e conhecer a realidade na qual está inserido o referido objeto de estudo, foram utilizadas técnicas e procedimentos metodológicos, tendo em vista o embasamento abrangente dos objetivos propostos. Ao considerar esta pesquisa inserida no contexto da pesquisa social, pressupõem- se, enquanto técnica de coleta de dados, procedimentos no qual pesquisador além do contato com a realidade empírica, pudesse estar em interação com os sujeitos pesquisados. Diante desta consideração, Baptista (1999, p. 35-36) ressalta que, [...] A realidade é uma construção social da qual o investigador participa. Os fenômenos são compreendidos dentro de uma perspectiva histórica e holística – componentes de uma dada situação estão inter-relacionados e influenciados reciprocamente, e se procura compreender essas inter- relações em um determinado contexto. O pesquisador e o pesquisado estão em interação em um processo multidirecionado no qual há ampla interação entre sujeito e o objeto do conhecimento. Os valores estão presentes no processo de investigação [...] Há uma preocupação hermenêutica – no significado que os sujeitos dão a sua vida. Neste sentido, o desvelar metodológico desta pesquisa configura-se por sua natureza qualitativa, método indispensável para a apreensão empírica do real, que não pode ser traduzida ou reduzida a fatores quantitativos. Minayo (2007) destaca que a pesquisa qualitativa responde a questões bem específicas, pelo fato de apreender-se a um nível de realidade que não pode ser quantificado, pois trabalha com o universo dos significados, das percepções, dos valores, dos motivos, das crenças e das atitudes. Esse conjunto de fenômenos humanos é compreendido 27 como parte integrante da realidade social, pois são diversos os modos de pensar, agir e interpretar a realidade vivida e partilhada com seus semelhantes. Assim, ao considerar os objetivos elencados neste estudo, a pesquisa de cunho qualitativo possibilita uma apreensão acerca de elementos subjetivos dos sujeitos pesquisados, suas percepções e concepções do objeto direcionam a compreensão de sua realidade. No que se refere ao desenvolvimento desta pesquisa e para o enriquecimento e credibilidade das análises, fez-se primordial a existência de fundamentações teóricas a partir de estudos bibliográficos e documentais, apreendendo-se de ideias e reflexões de diversos autores, pesquisadores e de documentos legais sobre o objeto de estudo, por intermédio da pesquisa bibliográfica e documental, realizadas antes e no percorrer do processo empírico. Durante a pesquisa de campo, foi utilizada, como técnica de coleta de dados empíricos, a aplicação de entrevistas semi-estruturadas. No que concerne à realização da pesquisa bibliográfica, foram utilizados uma gama de acervos bibliográficos, tais como, livros, artigos científicos e demais trabalhos que abordam as categorias estudadas. A aproximação à pesquisa documental se deu por intermédio de leis constitucionais, regulamentações, documentos oficiais, relatórios e diagnóstico da instituição. A segunda etapa desta pesquisa constitui-se na pesquisa de campo, que por sua vez, “consiste em levar para a prática empírica a construção teórica elaborada na primeira etapa.” (MINAYO, 2007, p. 26). Nesta fase,foram feitas observações, registros e realização das entrevistas semi-estruturadas com os sujeitos da pesquisa, quais sejam: a Coordenadora técnica do CRAS Acaracuzinho, as duas assistentes sociais, a psicóloga e pedagoga da referida unidade, profissionais que compõem a equipe técnica de referência do PAIF; a fim de coletar dados necessários para o conhecimento da realidade institucional em que o referido Serviço é operacionalizado, através de suas percepções, posicionamentos e inquietações em relação ao cotidiano institucional. A relevância dada à entrevista, como instrumento e técnica de coleta de dados, deu-se pelo fato, conforme explana Neto (1994), da entrevista ser o 28 procedimento mais usual no âmbito da pesquisa de campo, o qual possibilita que o pesquisador obtenha, através da fala dos atores sociais envolvidos, informações que subsidiarão o conhecimento da realidade pesquisada. Para Minayo (2010) a entrevista é uma fonte de informações que fornece dados secundários e primários de duas naturezas. A primeira, o pesquisador poderia conseguir por meio de outras fontes, como dados estatísticos, censos, registros e outros. A segunda refere-se diretamente ao sujeito pesquisado, através de suas reflexões sobre a realidade que vivencia, trata-se de suas subjetividades que só podem ser conseguidos por meio de sua contribuição. A entrevista semi-estrutura conforme a referida autora, “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada” (p. 261- 262). O processo de inserção no campo se deu primeiramente, após aprovação do projeto de pesquisa pela Secretaria do Município, através do setor Gestão do Trabalho, que após análise, disponibilizou uma carta de encaminhamento para a realização da pesquisa de campo. A pesquisa então teve início em setembro do ano corrente. O primeiro contato com o campo se deu através de uma visita na qual foi apresentado aos profissionais, sujeitos da pesquisa, o objeto de estudo. Foram também feitas as marcações das entrevistas, através da disponibilidade de cada profissional, pois estas foram realizadas no CRAS. As realizações das entrevistas se deram mediante apresentação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A) para cada entrevista realizada, os quais foram assinados pela pesquisadora, pela orientadora e pela profissional, como forma de firmar a participação na pesquisa, lhes sendo resguardado o sigilo de suas identidades e a devida permissão para que fossem gravadas. Com o auxílio de um Formulário de Entrevista (Apêndice B) foram realizadas em média duas entrevistas por dia, nos períodos em que os profissionais já haviam terminado o atendimento às famílias e na sexta-feira, em que não havia 29 expediente externo, das quais quatro entrevistas forma realizadas nas salas de atendimento e apenas uma na sala da Coordenação. Durante o processo não foi encontrada nenhuma restrição ou dificuldade na concretização das entrevistas, nem mesmo no que se refere aos termos técnicos utilizados pelos profissionais, pelo fato da pesquisadora já possuir uma apropriação com a Política de Assistência Social, bem como com o equipamento socioassistencial. Ficou notório, durante as entrevistas, o quanto os profissionais se sentiram dispostos a fornecer o máximo de informações acerca do objeto de estudo. As observações foram realizadas concomitantemente no período das realizações das entrevistas e se destinaram às questões físicas e materiais disponibilizados no CRAS, aspecto que se buscava analisar. Foram obtidos também, durante o processo da pesquisa de campo, dados importantes referentes ao PAIF, como quantitativo de famílias atendidas, em acompanhamento sociofamiliar e referenciadas pelo CRAS Acaracuzinho e ainda disponibilizado o diagnóstico socioterritorial do CRAS Acaracuzinho, necessários para obtenção do processo histórico do CRAS e para obtenção de informações importantes sobre os perfis das famílias referenciadas. É valido ressaltar que no processo da pesquisa é preciso que o pesquisador relativize as suas concepções de mundo, cultura, valores e experiências do que lhe é familiar de certa forma, pois poderá comprometer o conhecimento concreto sobre a realidade. É necessário, portanto, um distanciamento crítico e compreender o ponto de vista do outro, sem preconceitos e prejulgamentos. Assim como ressalta Velho (1999, p. 127): [...] dispomos de um mapa que nos familiariza com os cenários e situações sociais de nosso cotidiano, dando nome, lugar e posição aos indivíduos. Isso, no entanto, não significa que conhecemos o ponto de vista e a visão de mundo dos diferentes atores em uma situação social nem as regras que estão por detrás dessas interações [...]. Por fim, foi desenvolvida a sistematização dos dados coletados e análise dos resultados obtidos dialogando com as fundamentações teóricas consultadas anteriormente e no decorrer do processo investigativo, resultados estes que poderão ser visualizados no decorrer deste trabalho. 30 1.4 Sujeitos da pesquisa A fim de que se possa compreender o processo de operacionalização do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) situado no atual contexto da Política de Assistência Social, bem como com a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), busca-se, no decorrer deste trabalho, propiciar diálogos entre os referencias teóricos levantados e as percepções dos sujeitos da pesquisa acerca do objeto de estudo. Os sujeitos desta pesquisa consistem nos profissionais que compõe a equipe técnica de nível superior do PAIF do CRAS Acaracuzinho, intitulados neste estudo conforme a seguir: Profissional 1; Profissional 2; Profissional 3; Profissional 4; Profissional 5. 31 2 A FAMÍLIA COMO FOCO DE INTERVENÇÃO NA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A família, no processo de desenvolvimento da humanidade, sempre se apresentou como uma importante instância de proteção social. Atualmente na sociedade brasileira, em que diferentes projetos de proteção social encontram-se em constantes tensões e disputas, a compreensão acerca do lugar da família no âmbito das Políticas Sociais não pode ser desconsiderada. Mais precisamente nos anos 1990, a família apresenta-se como foco central de intervenção no âmbito das Políticas Sociais brasileiras, a partir do contexto de reestruturação do Estado, o qual se caracteriza por uma retração contínua de um Estado interventor e protecionista e a adesão aos princípios da doutrina neoliberal, fortalecendo o Estado mínimo. Desse modo, o mercado, o setor privado e filantrópico vão ganhando espaço e fortalecendo suas ações na estrutura econômica e social. Neste contexto, Pereira-Pereira (2010, p. 30-31) ressalta que: A expansão do consumo de massa – com a ajuda da industrialização, do crescimento das atividades produtivas e da distribuição de bens e serviços, realizada por um Estado garantidor de direitos sociais e trabalhistas – entrou em declínio. Da mesma forma, o compromisso estatal com o pleno emprego (fortalecedor dos sindicados), com a segurança no trabalho, com a oferta de políticas sociais universais e com a garantia geral de estabelecimento de um patamar mínimo de bem-estar, vem se desfazendo a passos largos. Diante deste cenário, a família assume centralidade nas Políticas Sociais brasileiras, em especial, na Assistência Social, o que acaba por demandar o desenvolvimento de serviços, programas, projetos e benefícios com vistasao fortalecimento das potencialidades das famílias em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, da ausência de acesso a serviços públicos, da privação de acesso a renda, dentre outros fatores. No entanto, para chegar a este patamar, um longo caminho foi percorrido pela Assistência Social no Brasil, que somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi instituída uma Política Pública de direito social. Posteriormente, com as promulgações da LOAS (1993), da PNAS (2004) e do SUAS (2005), é então 32 materializada enquanto Política Pública, ao passo que promoveram reordenamentos institucionais; definiram objetivos e responsabilidades; territorializaram a proteção social oferecida; ampliaram seu público alvo; definiram formas de financiamento, gestão e de controle social. Neste sentido, discutir questões relativas à organização e operacionalização do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) no contexto de implementação do SUAS, implica recorrer a marcos conceituais e históricos imbricados na instituição família, bem como da relação expressa entre a Família e o Estado no processo de Proteção Social, sobretudo das tendências contemporâneas das Políticas Sociais frente às demandas familiares, dando ênfase nesta pesquisa especificamente ao desenvolvimento da Política de Assistência Social no cenário brasileiro, enquanto Política Pública de direito que tem como foco de intervenção a família, a partir do eixo estruturante matricialidade sociofamiliar. Para isso, este capítulo centra-se primeiramente em uma reflexão sobre os aspectos conceituais e históricos da família brasileira. Posteriormente, busca-se realizar uma análise das tendências contemporâneas acerca da relação Família e Políticas Sociais, ao considerar a existência de dois projetos em disputa no cenário contemporâneo, a “proposta familista” e a “proposta protetiva”, para, por fim, discutir a trajetória da Política de Assistência Social, do assistencialismo até seu despertar enquanto política pública, destacando o eixo matricialidade sociofamiliar, pelo qual a família ganha centralidade no desenvolvimento de seus serviços, programas, projetos e benefícios, aspectos importantes para compreensão do desenvolvimento do PAIF na atual configuração desta Política. 2.1 A Família brasileira: aspectos conceituais e históricos Pretende-se aqui apreender os caminhos percorridos pela categoria família, bem como os processos de transformação da família no cenário brasileiro até a contemporaneidade. É válido ressaltar que, historicamente a instituição família é definida por suas funções e modelos. Mas, afinal, o que é família? 33 Os estudos da história cultural das famílias no Brasil ainda são recentes e encontram-se fragmentados. Desse modo, pretende-se explanar de forma breve alguns apontamentos sobre as principais organizações familiares na sociedade brasileira. A relevância da apreensão dos aspectos conceituais e históricos são imprescindíveis para o entendimento de como a família vem se modificando ao longo do tempo. No cenário brasileiro, ao ser considerado sua extensão territorial e as diversas culturas e etnias que povoaram o Brasil, percebe-se as diversificidades culturais e, por consequência, a existência de modelos distintos de famílias. Apesar disto, a cada período histórico, predominou-se um modelo específico de família. Desde a colonização brasileira, percebe-se a existência de modelos e funções familiares intrínsecas na sociedade. Segundo Costa (1989, apud COSTA, 2006) a formação do modelo de família patriarcal rural brasileira, originou-se da adaptação do modelo de família trazida pelos portugueses ao modelo socioeconômico vigente no país no início da colonização, no qual Costa (2006, p. 13) especifica suas principais características: Voltada para seus próprios interesses, a família funcionava como um verdadeiro clã. O pater famílias, chefe da família, concentrava as funções militares, empresariais e afetivas. Sob o seu poder viviam sua mulher, filhos, parentes, escravos e agregados. Essa característica senhorial foi absorvida também pelas famílias não proprietárias, funcionários públicos, militares e profissionais liberais. Percebe-se neste período a hegemonia do modelo de família patriarcal, tradicional, extensa e sob a dominação masculina, em que todos os agregados, parentes, afilhados e escravos viviam sob o mesmo teto, nas chamadas “casas grandes”. Gueiros (2002, p. 107) denomina a família patriarcal como [...] a família na qual os papéis do homem e da mulher e as fronteiras entre público e privado são rigidamente definidos; o amor e o sexo são vividos em instâncias separadas, podendo ser tolerado o adultério por parte do homem e a atribuição de chefe da família é tida como exclusivamente do homem. No século XIX, a Proclamação da República em 1889 introduziu no Brasil diversas transformações, caracterizadas por aspectos de modernização e pelo fim do trabalho escravo, iniciava-se o processo de industrialização/urbanização do país. 34 Diante das diversas mudanças que adquiriram um caráter de modernização conservadora, caracterizando-se ainda por um viés de controle político e social excludente, começa, então, a se desenvolver a família moderna, evocando-se o padrão de organização burguês, com novas práticas de sociabilidade, inspirada no modismo da belle-époque francesa (NEDER, 2010). O casamento passa a ser uma escolha dos parceiros, baseado no amor, na superação da dicotomia entre o amor e sexo e em novos papéis para o homem e a mulher no âmbito do casamento (GUEIROS, 2002). Neste contexto, surgem novas concepções sobre o lugar da mulher nos eixos da moral familiar e social. A nova mulher “moderna” deveria ser educada para exercer o papel de mãe e educadora dos filhos e dar suporte para que o homem designasse sua função de provedor (NEDER, 2010). Evidentemente, este projeto voltava-se para a modernização da família branca, de origem européia, e inscrevia-se no quadro das modificações da família tradicional, que tendia a alterar-se com a urbanização e os modismos que impunham mimeticamente novos padrões de comportamento, uma vez que o país estava inserido no mercado mundial (NEDER, 2010, p. 32). Fica evidente a predominância por um longo período no contexto brasileiro da família designada nuclear, reduzida a pai, mãe e filhos, e com papeis bem definidos, em que o homem era responsável pelo sustento da família e a mãe pela educação dos filhos e dos cuidados com o lar. Contudo, ao se refletir sobre a família hoje, é preciso considerar as diversas mudanças sociais, econômicas, políticas, culturais ao longo dos tempos, e pensá-la inserida nesta nova conjuntura, permeada por uma série de mudanças nas relações de gênero e nos comportamentos e configurações das famílias. Fatores como a inserção da mulher no mercado de trabalho, bem como o uso de métodos anticoncepcionais, a fragilização dos laços matrimonias, decorrente no aumento dos divórcios e separações, a escolha do casamento entre os próprios parceiros, a união entre pessoas do mesmo sexo são determinantes nas significativas mudanças na dinâmica da instituição família, e, portanto, novas formas de ser família. “Refletir sobre a família é, portanto, refletir sobre uma unidade relacional plural e mutável [...]” (GUEIROS e SANTOS, 2011, p. 80). 35 Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), no período de 2001 a 2011, houve modificações consideráveis na distribuição dos arranjos familiares, a família formada por pai, mãe e filhos ainda continua predominandona sociedade brasileira, apesar de seu percentual estar diminuindo ao longo dos anos, (de 53,3% para 46,3%) e, consequente aumento dos casais sem filhos (de 13,8% para 18,5%), paralela a um aumento no percentual de famílias unipessoais, formada por uma única pessoa. Com relação às famílias monoparentais femininas, teve uma baixa redução, não muito significativa de 17,8% para 16,4%. Outro fator que vale destacar, se refere ao aumento do percentual de outros tipos de famílias, de 5,6% em 2001 para 6,1% em 2011. A presença ainda significativa de famílias chefiadas por mulheres, acaba sobrecarregando-a, pela somatória de papeis e funções. Muitas vezes acabam assumindo múltipla jornada de trabalho, o trabalho fora e o cuidado com sua própria casa e com os filhos. Conforme dados do IBGE (2012), 44,6% das famílias monoparentais, tendo a mulher como provedora, tinham uma renda familiar per capita de até meio salário mínimo em 2011. Nesse contexto, as famílias sob responsabilidade feminina geralmente são marcadas pela precariedade de renda e condições de subsistência, como destaca Rosa (2006, p. 10): [...] a quase totalidade destas famílias sofrem dificuldades para enfrentar e resistir à profunda desigualdade social modelada por um padrão econômico que suscita cada vez mais valores e ações individuais, levando-as à exclusão não apenas no acesso aos diversos equipamentos existente na cidade, mas sobretudo, na possibilidade de escolhas, de autonomia sobre si mesma. As famílias conviventes, caracterizada pela presença de mais de uma família em um mesmo domicílio; as famílias recompostas, formadas por um dos pais e seus filhos, caracterizada geralmente pela segunda união dos cônjuges, cujos filhos coabitam, vivendo em um ambiente fraterno, cujos laços são afetivos e não consangüíneos; e as famílias homoafetivas, formada pela união entre pessoas do mesmo sexo, são apenas alguns dos novos arranjos familiares presentes na contemporaneidade. Dentre as diversas transformações que implicam em novos arranjos e configurações familiares, bem como novas formas de pensar a família, no âmbito da perspectiva jurídica, a promulgação da Constituição Federal de 1988, além de 36 garantir a igualdade entre gêneros, amplia a concepção de família ao reconhecê-la como uma comunidade formada por pais ou por um dos pais e seus descendentes. A amplitude do conceito de família é outro aspecto importante a ser considerado, o qual permite defini-la como um grupo social unido por laços consanguíneos ou por afinidade e/ou solidariedade, com suas especificidades culturais e de classes sociais. Assim destacado por Gueiros e Santos (2011, p. 82): Assumindo a perspectiva de que esse primeiro espaço de acolhimento do indivíduo é múltiplo e está em constante transformação, diríamos que a família é uma unidade de convivência, formada a partir de vínculos de parentesco, de afinidade e de reciprocidade, cuja história e percurso social singulares demarcam sua forma de organização interna e de intercâmbio com a sociedade naquele dado momento e lugar e, em consequência, a socialização, o cuidado e a proteção de seus membros. A família contemporânea é apontada não somente como instância de sobrevivência dos indivíduos, mas também como fonte de proteção e socialização de seus membros, de transmissão de aspectos culturais, bem como de relações de gêneros e gerações. É também apontada como uma instituição de redistribuição interna de recursos importantes na satisfação das necessidades básicas de seus membros (CARVALHO e ALMEIDA, 2003, p. 109). A família brasileira tem passado por diversas transformações, decorrentes dos acontecimentos históricos, econômicos, sociais e demográficos nos últimos anos, o que possibilita não mais destacar um único modelo de família, mas diversas configurações e arranjos familiares. Desse modo, ao se pensar em família é preciso compreendê-la como uma categoria inserida numa conjuntura social complexa e que os problemas vividos pelos seus integrantes são advindos de todo um contexto social, econômico e cultural. 2.2 A Família nas Políticas Sociais: tendências contemporâneas Segundo Mioto (2010a), pensar a família no âmbito da Proteção Social implica reconhecer que a família em sua dimensão simbólica, em suas diversas configurações e formas de organizações é importante à medida que auxilia na 37 compreensão do lugar que vem ocupando na agenda das Políticas Sociais, em determinado momento histórico. Particularmente, compreender a maneira que é incorporada às Políticas Sociais, quais são as famílias incorporadas e os impactos que provocam em suas vidas. De acordo com a referida autora, estão em disputa na atualidade duas grandes tendências no campo das Políticas Sociais, das quais consiste na “proposta familista” e na “proposta protetiva”. A proposta familista pressupõe a satisfação das necessidades dos indivíduos por meio da família e do mercado, via trabalho. Somente quando ocorre a “falência” da família no provimento de recursos materiais, afetivos e de socialização de seus membros, que há interferência do Estado por meio de Políticas Sociais, estas acontecem prioritariamente de forma compensatória, temporária e residual. Correspondendo a uma menor provisão de bem-estar por parte do Estado. A idéia de falência é entendida como incapacidade das famílias gestarem e otimizarem seus recursos materiais, afetivos e de socialização de seus membros, e portanto, de firmarem estratégias de sobrevivência e de convivência. Conforme Mioto (2010b, p. 51): Na categoria das capazes incluem-se aquelas que, via mercado, trabalho e organização interna, conseguem desempenhar com êxito as funções que lhes são atribuídas pela sociedade. Na categoria de incapazes estariam aquelas que, não conseguindo atender às expectativas sociais relacionadas ao desempenho das funções atribuídas, requerem a interferência externa, a princípio do Estado, para a proteção de seus membros. Ou seja, são merecedores da ajuda pública as famílias que falharam na responsabilidade de cuidado e proteção de seus membros. Ao contrário da perspectiva familista, a proposta protetiva, configura-se pela afirmação da Proteção Social através da garantia dos direitos sociais universais, que consolidem de fato a cidadania, a equidade e a justiça social. (Mioto, 2010a). Nesta perspectiva, as Políticas Públicas são formuladas e implementadas com o intuito preventivo e protetivo às vulnerabilidades e riscos sociais, voltadas ao desenvolvimento da promoção social e fortalecimento das potencialidades de proteção social das famílias. A exemplo disso, como enunciado anteriormente, a Constituição Federal Brasileira de 1988, instituiu em seu art. 226 que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. 38 Contraditoriamente, no Brasil, mais precisamente a partir dos anos 1990, a adesão à ideologia neoliberal impactou a configuração de padrões universalistas e redistributivos proteção social conquistada com a CF/88, caracterizando-se pela intensificação dos interesses econômicos e privados. Mudanças significativas ocorreram no papel do Estado em dar respostas as demandas e manifestações da questão social. Conforme Pereira-Pereira (2010), diante deste cenário, presencia-se uma nova tendência em torno das Políticas Sociais, denominado de pluralismo de bem-estar social, em que consiste na participação mais ativa da iniciativa privada e de organizações não governamentais (terceiro setor), decorrente de uma quebra da centralidade do Estado na provisão de bem-estar, exigindo da sociedade e da família maior comprometimento. Segundo Carvalho (2002,p 17): Na América Latina e Brasil, em particular, sempre se conjugou um frágil Estado-Providência com uma forte Sociedade-Providência. É assim que nestes países já há uma larga tradição da vigência do chamado Welfare MIX: a partilha de responsabilidades entre Estado, sociedade civil (com forte referência a suas organizações solidárias agrupadas sob o rótulo de terceiro setor) e a iniciativa privada. Segundo Mioto (2010a) a crítica mais significativa na afirmação da família como referência das Políticas Sociais na atualidade, deve-se à regressão do Estado na provisão de bem-estar social, por meio da garantia dos direitos sociais através de Políticas Públicas universais, ganhando evidência a focalização das Políticas Públicas na população mais pauperizada, enquanto fortalece o mercado como uma instância de provisão de bem-estar social e a organização da sociedade civil como provedora. “[...] nessa configuração a família é chamada a reincorporar os riscos sociais e, com isso, assiste-se um retrocesso em termos de cidadania social.” (MIOTO, 2010a, p. 170). [...] A maior expectativa é de que ela produza cuidados, proteção, aprendizado dos afetos, construção de identidades e vínculos relacionais de pertencimento, capazes de promover melhor qualidade de vida a seus membros e efetiva inclusão social na comunidade e sociedade em que vivem. No entanto, estas expectativas são possibilidades, e não garantias. A família vive num dado contexto que pode ser fortalecedor ou esfacelador de suas possibilidades. (CARVALHO, 2002, p. 15). Diante disso, segundo Pereira-Pereira (2010) a família deve ser encarada como uma unidade que simultaneamente apresenta-se como forte e fraca. Forte, no 39 sentido que se constitui um lócus imprescindível de solidariedades e refúgios contra o desamparo e as diversas inseguranças. É no seio familiar que se desenvolve a reprodução humana, a socialização dos seus membros e a troca de vivências, experiências e ensinamentos importantes para a vida dos seus membros. No entanto, também apresenta-se por ser frágil, pelo fato de não estar livre de rupturas, violências, contradições e desencontros. Mioto (2009) destaca que a Proteção Social no Brasil configurou-se ao longo da história fortemente influenciada pelo princípio, por ela denominado de “familismo”, no qual considera a família como ator indispensável na provisão de bem-estar de seus membros. [...] no processo de ‘familiarização’ a satisfação das necessidades das famílias passa a depender cada vez mais da participação de seus membros na esfera mercantil. Então assiste-se o atrelamento da possibilidade de provisão de bem-estar das famílias à renda que conseguem obter no mercado e, portanto, é ela que vai determinar a qualidade de vida dos indivíduos, enquanto membros de uma família. Consequentemente, esta condução reforça possibilidades diferentes de provisão, ou seja, de acesso a bens e serviços, e incremento as desigualdades entre classes sociais. (MIOTO, 2009, p. 139-140). Torna-se assim imprescindível, diante destas tendências contemporâneas, que no processo de planejamento e operacionalização das Políticas Sociais sejam consideradas as diversas mudanças da instituição família e da conjuntura socioeconômica contemporânea. As mudanças nas organizações e dinâmica das famílias, decorrente das novas configurações e arranjos familiares e o agravamento da questão social que interferem diretamente na dinâmica familiar, a fragiliza como instância e provedora de proteção social. Para tanto, a família precisa de cuidados e proteção para cumprir sua função protetiva. Desse modo, conforme Itaboraí (2006, p. 4): As novas formas de família, ao lado das mudanças no mercado de trabalho, potencializam um contexto que exige estudos não só das realidades familiares, mas também dos impactos das políticas públicas que nelas se apóiam ou são focalizadas. Sabe-se que os custos sociais dos processos econômicos não atingem igualmente os tipos de família (segundo as etapas do ciclo de vida familiar e a posição das famílias na estratificação social, por exemplo) e nem os indivíduos no interior das famílias. Deve-se destacar que a absorção de responsabilidades pelo bem-estar individual pela família não é equanimente distribuída dentro do grupo familiar, mas tende a 40 sobrecarregar as mulheres, para quem se conjuga mais facilmente o verbo cuidar: cuidar das crianças, idosos, doentes, etc. Outra tendência contemporânea no cenário das Políticas Públicas é a sobrecarga de tarefas e expectativas nas mulheres, devido ao quantitativo considerável no Brasil de famílias monoparentais femininas, ou seja, formada pela mulher e seus filhos, nos quais os homens, principalmente quando os laços conjugais são rompidos, presencia-se um processo de desresponsabilização. Nesta direção, ao ser considerado o cenário conflituoso das Políticas Públicas, que por um lado consiste no processo de institucionalização das Políticas Sociais tendo como primazia o Estado em sua implementação ao afirmar o que é preconizado pela Constituição Federal de 1988, e por outro lado na regressão do Estado na condução das Políticas Públicas, através da focalização das Políticas Sociais e afirmação do pluralismo de bem-estar social e da presença da família como parceira em sua condução, Mioto (2009, p. 144) destaca que: [...] considerando que nem a sociedade e nem o Estado são blocos monolíticos e que as relações estabelecidas nesses âmbitos são contraditórias e expressam conflitos existentes entre diferentes concepções de proteção social, a questão da centralidade da família passa a ocupar um lugar importante no confronto entre os diferentes projetos. Projetos que buscam colocar em movimento estratégias sociopolíticas diferentes e que disputam a hegemonia tanto no plano da direção política de seus formuladores, quanto nos espaços de gestão e execução das políticas públicas. Tanto naquelas que mantém o seu caráter de universalidade, quanto naquelas de caráter focalizado. Conforme Ferrari e Kaloustian (2010), a família além de ser afetada pelo processo de desenvolvimento social e econômico, é também impactada pelas ações desenvolvidas pelo Estado, por meio de Políticas Econômicas e Sociais. Nesta direção, a família demanda Políticas que levem em consideração suas especificidades e, portanto, suas particularidades. Faz-se necessário, portanto, o desenvolvimento de serviços, programas, projetos e benefícios que atendam de forma integral e universal as demandas sociais das famílias brasileiras. E que estas não sejam culpabilizadas pela situação socioeconômica que vivenciam, mas que sejam inseridas em Políticas Sociais que de fato garantam seus direitos sociais e o exercício da cidadania. “A família deve se 41 tornar referência central nos programas sociais, ganhar um lugar de visibilidade social, tornando-se alvo de políticas que realmente levem em consideração as novas configurações da questão social no país.” (ALENCAR, 2010, p.64). 2.3 A trajetória da Política de Assistência Social Brasileira: do assistencialismo e focalização em segmentos específicos da população à política pública e a matricialidade sociofamiliar A trajetória histórica da Assistência Social brasileira caracterizou-se por muito tempo por ações descontínuas e residuais, marcadas pelo favoritismo político, por práticas clientelistas e pela caridade cristã aos mais pobres. A ajuda ao próximo e as práticas de caridade e solidariedade perpetuaram por um longo período na Assistência Social até seu despertar enquanto Política Pública, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesta direção, Yazbek (2004, p. 16-17)
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