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Os desdobramentos do conceito de cultura no estudos das sociedades contemporâneas: cultura de massa, cultura urbana, cultura do consumo Prof. Dr. Talitha Ferraz Cultura – conceitos e contextos O conceito de cultura, por uma ótica filosófica, é a forma própria e específica da existência humana no mundo. É a nossa existência fenomenologizada: um processo histórico permanente e inevitável, no qual o ser humano é ao mesmo tempo o sujeito produtivo e o objeto produzido. (VANNUCHI, 1999, p. 26). O conceito humanista de cultura propõe que o homem é superior aos animais, aos bárbaros e idealmente vinculado aos seus semelhantes. É o conjunto dos modos o viver civilizado. O conceito etnológico de cultura, em linhas gerais, designa um modo de viver típico, estilo de vida comum, o fazer e o agir em um gupo humano. As tendências acerca da noção de CULTURA na Antropologia Cultural Segundo, Aldo Vannuchi (1999), para fins didáticos, podemos distinguir algumas tendências do conceito de cultura frente aos diferentes posicionamentos antropológicos: 1) Cultura como sistema de padrões de comportamento, modos de organização econômica e política, tecnológica, em adaptação constante em meio às práticas dos grupos no contexto de seus ecossistemas; 2) Cultura como sistema de conhecimento da realidade, código mental do grupo, como fenômeno cognitivo (e não material); 3) Cultura como sistema estrutural, cujo eixo é a bipolaridade natureza-cultura. Os campos privilegiados de sua concretização é o mito, a arte, a língua e o parentesco; 4) Cultura como sistema simbólico de um grupo humano, que apenas poderá ser compreendido por outro grupo por meio de interpretação e não através de uma mera descrição. A ideia de CULTURA Segundo José Carlos Rodrigues, em “Antropologia e Comunicação: princípios radicais”, o conceito de cultura permite que antropólogos e cientistas sociais organizem uma multiplicidade de observações comportamentais, dando-lhes um sentido de base ou podendo opô-las relativamente. O conceito de cultura exigiu que a vida humana fosse pensada em suas dimensões coletivas e que a coletividade não ficasse reduzida à materialidade da população, livrando o pensamento dos determinismos biológicos, geográficos, do psicologismo e do historicismo estreito. A ideia de CULTURA Para Roy Wagner, em “A invenção da Cultura”, o termo CULTURA se tornou uma maneira de falar sobre o homem e sobre os casos particulares do homem quando visto sob uma determinada perspectiva” (p.27). Ideia de “relatividade cultural”, conforme coloca Roy Wagner, é uma pressuposição de que uma vez que toda cultura pode ser vista como uma manifestação específica, ou um caso específico do fenômeno humano, e como não há, segundo o autor, um método infalível para classificar as culturas diferentes, ordenando-as em seus tipos naturais, disso discorre que uma cultura é, portanto, equivalente a qualquer outra (p.29). A ideia de CULTURA Há uma combinação entre duas implicações da ideia de cultura, segundo Roy Wagner: O fato de que nós pertencemos a uma cultura (objetividade relativa). O fato de que devemos supor que todas as culturas são equivalentes (relatividade estrutural). Essa combinação leva então a uma proposição geral concernente ao estudo da cultura... Relativo – Relação A compreensão de outra cultura envolve a RELAÇÃO entre duas variedades do fenômeno humano. Visa à criação de uma relação intelectual entre ambas as culturas, de forma com que haja uma compreensão que as inclua. Cultura: torna-se visível pelo choque cultural. A invenção da cultura Ainda segundo Roy Wagner, as culturas existem em razão do fato de terem sido inventadas e em razão da efetividade dessa invenção. O antropólogo e sua invenção: o antropólogo inventa uma cultura para as pessoas e elas, por sua vez, inventam uma cultura para ele. À medida que ele usa a noção de cultura para controlar suas experiências em campo, tais experiências passam a controlar sua noção de cultura. A invenção da cultura “O estudo ou representação de uma outra cultura não consiste numa mera “descrição” do objeto, do mesmo modo que uma pintura não meramente “descreve” aquilo que figura. Em ambos os casos há uma simbolização que está conectada com a intenção inicial do antropólogo ou do artista de representar o seu objeto” (WAGNER, 2010, p.40). A invenção da cultura Entretanto, o inventor não pode, segundo Wagner, estar consciente de sua intuição simbólica ao exercer a “inventividade”. O risco é tornar a sua invenção autoconsciente. Ou seja, por esse ponto de vista, deve-se evitar que o estudo antropológico torne-se autoconsciente – “aquele que é manipulado por seu autor até o ponto em que ele diz exatamente o que queria dizer”, o que exclui o que Wagner chama de “autotransformação”, de “aprendizado” ou “expressão”. . Invenção da cultura e possibilidades semânticas do conceito de cultura O antropólogo “inventa” a cultura do grupo que estuda na medida em que generaliza as impressões, experiências e evidências desta cultura, como se ela fosse produzida por uma “coisa” externa (WAGNER, 2010, p.61). Sua invenção é uma “objetificação”, uma reificação daquela “coisa”. Daí, para que a esta cultura inventada faça sentido para a comunidade da qual o antropólogo participa (sua comunidade de pesquisa ou simplesmente o seu meio social), é necessário que exista um controle adicional sobre a sua invenção. A invenção, portanto, precisa estar plena de sentido e ser plausível perante os termos da “imagem de cultura” comuns ao grupo humano deste antropólogo. . Invenção da cultura e possibilidades semânticas do conceito antropológico de cultura O conceito de cultura é por si mesmo ambíguo: trabalha com sucessivos e variados significados criados a partir de metaforizações (ambiguidades). Segundo Wagner, a invenção hipotética de uma cultura por um antropólogo é um ato de extensão, ou seja, é uma derivação nova e singular do sentido abstrato de cultura, a partir de seu sentido mais restrito (p. 61). Sabe-se que o conceito antropolóico de cultura é ulterior ao sentido contemporâneo do termo, que emerge de uma metáfora elaborada (com bases no sentido de cultivo agrícola, de aperfeiçoamento por meio de um cultivo, de onde se abstrai o sentido de refinamento e domesticação do homem por ele mesmo etc). Pessoa cultivada, pessoa que “tem cultura”, cuja personalidade e estirpe é cultivada (cultured). OBS: aqui podemos expandir a análise e chegar às noções de “capital cultural” e “distinção” de Bourdieu, se optarmos por um viés sociológico. Invenção da cultura e possibilidades semânticas do conceito antropológico de cultura “Quando identificamos um conjunto de observações ou experiências como uma “cultura”, estendemos nossa ideia de cultura para englobar novos detalhes e ampliar as possibilidades tanto quanto sua ambiguidade” (WAGNER, 2010,p. 61). As noções de cultura são interdependentes. Daí, os constructos mais recentes, tais como subcultura e contracultura, por exemplo, assim como as ideias de cultura de massa, cultura do consumo e cultura urbana, “metaforizam” o termo antropológico para gerar uma riqueza ainda maior – e também uma mudança – de significados. Possibilidades semânticas do termo CULTURA: estão em função dessa riqueza e da interação entre alusão e insinuação. Os constructos são, por assim dizer, pontes aproximativas para significados;são parte de nosso entendimento, segundo Wagner, e não seus objetos. Desdobramentos do conceito de cultura – linhas tênues “O conceito de “cultura”, mais particularmente, permite conceber como é que características universais da humanidade – falar, comer, reproduzir, criar pequenos etc – adquirem cor local em cada grupo humano e devem ser compreendidas também em função dos grupos” (RODRIGUES, 1989, P. 166). A partir disso, podemos considerar várias subdivisões possíveis para o conceito de cultura: de massa, popular, ocidental, operária, burguesa, urbana, folk, marginal, contracultura, subcultura etc. As subdivisões e os desdobramentos do conceito de cultura servem como um rótulo externo, para uso externo, em direção a uma totalização e contrastes (RODRIGUES, 1989), ou seja, como partes de nosso entendimento acerca do outro (quando a pesquisa versa sobre o estranho), ou acerca do nosso próprio grupo (quando estudamos o familiar). Desdobramentos do conceito de cultura: fragilidades O conceito de cultura oferece uma armadilha sutil: sugere que uma homogeneidade artificialmente construída pelo procedimento de abstração e totalização seja verdadeira. Outra fragilidade: pode-se cair na ideia de que tudo o que um “desdobramento” da cultura engloba está sob a égide de uma uniformidade, esta mesma que deve ser atentamente observada. Cultura de Massa, Cultura do Consumo, Cultura Urbana: aproximações Termos que se interprenetram em níveis históricos e sociopolíticos, gerando implicações comunicacionais e econômicas. Cultura de massa Escola de Frankfurt – Teoria Crítica da Cultura: aplicada à investigação dos mal-estares das sociedades capitalistas industrializadas ocidentais. Reproposição do método marxista da interpretação da história a partir de uma filosofia da cultura, da ética e da psicologia e da psicanálise. Afirmação categórica da Kultur (associado à ideia de criação que o espírito humano é capaz: arte, filosofia, ciência e religião): libertação moderna das potencialidades do espírito, que é alcançado através do refinamento de maneiras. Progresso esclarecido: material, moral, intelectual e espiritual. Conceitos-chave: dialética do esclarecimento + indústria cultural Cultura de massa Dialética do esclarecimento: linhas gerais Crítica radical à razão instrumental (o que pode ser útil), a qual, por sua vez, veio se sobrepor à razão objetiva (sentido para vida humana). O ponto de crítica era: “Se o iluminismo filosófico do século XVIII chegara a libertar o homem do misticismo e da mitificação, também lhe havia assegurado o acesso aos benefícios da razão. Todavia, a racionalidade técnica – hoje tecnológica – vigente em sociedades capitalistas e industrializadas, longe de garantir a seus membros o exercício de um livre arbítrio, os submeteu à dominação ideológoca (…) (POLISTCHUK e TRINTA, 2003, p.111). Cultura de massa Papel central da Ideologia: desempenhado em formas de comunicação. Os meios de comunicação são vistos como agentes da “barbárie cultural”, trabalhando por meio de uma falsa socialização total do homem, propagando as ideologias das classes dominantes e submetendo as classes populares a um estado de alienação, via persuasão e manipulação. Os estudos de TV que Adorno e Horkheimer realizaram nos EUA (1925 e 1953) lidam com a ideia de poder de massificação dos meios de comunicação, próprio à indústria cultural, o que vai de encontro à liberdade individual e ao exercício do espírito crítico. A briga girava em torno do comprometimento que uma cultura feita para a massa, com o aporte dos mass media, poderia gerar ao criar falsas necessidades de consumo. Denúncia do processo capitalista de mercantilização da cultura, no sentido de Kultur, que então seria rebaixada por meio da reprodução técnica (reprodutibilidade técnica, tal como designada por Walter Benjamin), da descaracterização através do espetáculo (tal como colocado por Guy Debord) e da perda da unicidade do viés artístico genuíno, ligado ao caráter da Kultur (perda da aura). Cultura de massa: mass culture e o contexto do paradigma culturológico Nos estudos da Comunicação, podemos observar o conceito de cultura de massa trabalho por modelos téoricos- culturais que superam a ideia de massificação homogeneizante produtora de uma alienação via cultura de massa. Edgar Morin e Umberto Eco, por exemplo, já contemporaneidade, mais para o final do século XX, vão considerar a mass culture como algo inerente ao ambiente desta época. Dão especial importância às produçõe significativas da indústria da cultura, lançando, assim, um olhar sobre determinados produtos e dinâmicas culturais, por um viés culturológico. “Corrigem” o ideal apocalíptico da Teoria Crítica, situando-se no âmbito da Antropologia Cultural. Noções de cultura “massiva” nos paradigmas teóricos contemporâneos A cultura de massa supõe uma intensa circulação de imagens, símbolos, mitos e ideologias que fazem parte da vida prática e imaginária dos indivíduos (Morin). A cultura massiva é a forma cultural do homem moderno, inseparável dos fenômenos de Comunicação. Desdobramentos teóricos acerca da mass culture: Cultural Studies (meios de comunicação situados no âmago da sociedade e a visão de existe um sistema cultural dominante, atravessado pelos meios de comunicação). Seu ponto de virada em relação à Frankfurt é a culturalização do fato político, e, consequentemente, politiza-se a manifestação cultural. A política em si é um fato cultural. Um expoente: Gramsci e a ideia de cultura popular. Neste contexto, Raymond Williams e a ideia de que cultura não é um repositário de tradições, mas um processo em que significações são construídas e atualizadas durante as ações interativas executadas no meio social. Stuart Hall e a negociação simbólica. Cultura Urbana: alguns pontos teóricos de base Cultura de Massa e Meios de Comunicação de Massa: termos com origens que datam o século XIX. Transformações do séc. XIX: sociedade urbana emergente, urbanização, concentração populacional nos espaços e industrialização. Divisão do trabalho + Industrialização + Urbanização. Da Gemeinschaft (sociedade antiga, de tipo comunitário) para Geselschaft (sociedade moderna: sociedade da cidade). Massas populacionais – novas relações de trabalho – modos de produção e concentração da riqueza – indústria e técnica – mercado mais amplo – especialização de tarefas – aumento dos fluxos de capital, pessoal e novas formas de mobilidade. Cultura urbana: a transição moderna e o surgimento da sociedade moderna Alguns autores: Émile Durkheim, Ferdinand de Tonies, Max Weber, Gustave Le Bon. Alguns pontos de destaque: Noção de massa no contexto da passagem de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna e urbana. Ontologia do homem-massa e da cultura que o influenciará (e que ele também fomentará), a Cultura de Massa. Enfraquecimento da consciência coletiva, o isolamento dos indivíduos. Perda de laços tradicionais, indivíduos atomizados e insensíveis aos valores coletivos. Críticas centrais baseadas no medo da desintegração social. Declínio dos grupos primários (família, vizinhos etc); Burocratização crescente; insegurança. Referências e indicações bibliográficas MATTERLART, A. e M., História das teorias da comunicação. São Paulo: Eds. Loyola, 1999. MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: Comunicação, cultura e hegemonia, Rio de Janeiro: Ed UFRJ, 2001. POLISTCHUK, Ilana e TRINTA, Aluizio Ramos. Teorias da Comunicação:o pensamento e a prática da Comunicação Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. SLATER, Don. Cultura do consumo e modernidade. Nobel, 2001. VANNUCCHI, Aldo. Cultura brasileira: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999. VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. VELHO, Otávio Guilherme (orgs.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
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