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tomadas de 1º de abril a 18 de setembro de 1937". Segundo o relatório, a NKVD local prendera 420 membros de uma conspiração "trotskista"; 120 "direitistas"; mais de 2 mil integrantes de uma "organização militar nipo-cossaca de direita"; mais de 1.500 oficiais e funcionários públicos czaristas degredados de São Petersburgo em 1935; uns 250 poloneses indiciados como parte de um processo contra "espiões polacos"; 95 pessoas que haviam trabalhado na Ferrovia Oriental Chinesa e eram consideradas espiões japoneses; 3.290 ex-kulaks; e 1.300 "elementos criminosos". No todo, a NKVD de Orenburg detivera mais de 7.500 pessoas num período de cinco meses, o que não deixava muito tempo para um exame cuidadoso das provas. Isso nem importava, pois, na realidade, os inquéritos sobre cada uma dessas conspirações haviam sido iniciados em Moscou. A NKVD estava apenas cumprindo obrigação, preenchendo as cotas de presos que lhe tinham sido impostas de cima.{476} Por causa do grande volume de detenções, foi preciso estabelecer procedimentos especiais. Estes nem sempre acarretavam mais crueldade. Pelo contrário: às vezes, o grande número de presos levava a NKVD a reduzir ao mínimo o trabalho de real investigação. O acusado era interrogado às pressas e condenado igualmente às pressas, por vezes com uma audiência judicial extremamente rápida. O general Aleksander Gorbatov recordaria que sua audiência demorou "quatro ou cinco minutos" e consistiu na confirmação de detalhes pessoais e numa única pergunta: "Por que você não confessou seus crimes durante o inquérito?" Em seguida, recebeu sentença de quinze anos de prisão.{477} Outros nem sequer tinham julgamento: eram condenados in absentia, procedimento realizado ou por uma osoboe soveshchanie (comissão especial), ou por uma tróica de altos funcionários. Foi o caso de Thomas Sgovio, cujo inquérito se mostrou inteiramente superficial. Nascido em Buffalo (estado de Nova York), Sgovio chegara à URSS em 1935 como refugiado político, sendo filho de um comunista ítalo-americano que, por causa de suas atividades políticas, fora deportado dos Estados Unidos para lá. Durante os três anos em que morou em Moscou, Sgovio foi aos poucos se desiludindo, até procurar reaver seu passaporte norte-americano (abrira mão dele quando entrara na URSS), a fim de poder voltar para casa. Em 12 de março de 1938, foi preso ao sair a pé da embaixada americana. O registro do inquérito subseqüente - que Sgovio, décadas depois, fotocopiou num arquivo de Moscou e doou à Hoover Institution - é sumário, no que, aliás, corresponde à lembrança que o próprio acusado tem dos acontecimentos. Entre as provas contra ele, inclui-se uma lista do que se achou durante a revista corporal; entre outras coisas, sua caderneta sindical, sua agenda de endereços e telefones, seu cartão de biblioteca, uma folha de papel ("com texto escrito em língua estrangeira"), sete fotos, um canivete e um envelope com selos estrangeiros. Há uma declaração do camarada Sorokin, capitão da Segurança do Estado, atestando que o acusado entrara a pé na embaixada dos Estados Unidos em 12 de março de 1938. Há também uma declaração de testemunha, atestando que ele deixara a embaixada às 13h15. O prontuário ainda compreende as minutas do inquérito inicial e os dois breves interrogatórios, tendo sido cada página assinada por Sgovio e pelo interrogador. A declaração inicial de Sgovio está transcrita assim: "Eu queria recuperar minha cidadania americana. Três meses atrás, fui à embaixada americana pela primeira vez e solicitei minha cidadania de volta. Hoje voltei lá [...] a recepção me disse que o funcionário americano encarregado de meu caso tinha ido almoçar, e mandaram que eu retornasse em uma ou duas horas".{478} Durante a maior parte do interrogatório subseqüente, pediram repetidamente a Sgovio os detalhes da visita à embaixada. Só uma vez lhe disseram: "Fale-nos de suas atividades de espionagem". Depois que replicou que "Vocês sabem que não sou espião", eles parecem não tê-lo pressionado mais, embora o interrogador brincasse com uma mangueira de borracha (do tipo em geral usado para espancar presos) de modo vagamente ameaçador.{479} A NKVD, ainda que não estivesse muito interessada no caso, não parece jamais ter duvidado do desfecho. Alguns anos depois, Sgovio requereu revisão do processo; a promotoria cumpriu as formalidades e resumiu os fatos da seguinte maneira: "Sgovio não nega que fez uma solicitação na embaixada americana. Portanto creio não haver motivo para revermos o processo". Fatalmente complicado pelo fato de que confessara ter entrado na embaixada americana (e ter desejado sair da URSS), Sgovio recebeu de uma das "comissões especiais" a pena de cinco anos de trabalhos forçados, condenado como "elemento socialmente perigoso". Seu processo fora considerado de rotina. Na onda de prisões da época, os investigadores só haviam feito o mínimo exigido.{480} Outros eram condenados com ainda menos provas, após inquéritos ainda mais superficiais. Dado que despertar suspeita já era considerado sinal de culpa, os presos raramente eram soltos sem haver cumprido pelo menos uma pena parcial. Lev Finkelstein, judeu russo aprisionado no final da década de 1940, teve a impressão de que, embora ninguém houvesse conseguido imputar-lhe culpa plausível, ele recebera uma pena curta de prisão nos campos simplesmente para mostrar que os órgãos de captura nunca erravam.{481} S. G. Durasova, outro ex-preso, até afirma que um de seus interrogadores lhe dissera especificamente que "nunca prendemos ninguém que não seja culpado. E, mesmo se você não for culpado, não poderemos soltá-lo, porque aí as pessoas diriam que estamos pegando inocentes".{482} Por outro lado, quando a NKVD tinha algum interesse mais - e, ao que parece, quando o próprio Stalin demonstrava esse interesse -, a atitude dos investigadores para com aqueles apanhados durante períodos de prisões em massa podia rapidamente passar de apática a sinistra. Em certas circunstâncias, a NKVD chegava a exigir que os investigadores forjassem provas em larga escala - como aconteceu durante o inquérito de 1937 sobre o que Nikolai Yezhov denominou "a mais poderosa e provavelmente mais importante rede diversionária da espionagem polaca na URSS".{483} Se o interrogatório de Sgovio representa um extremo (o do desinteresse), a operação maciça contra essa suposta rede de espiões representa o outro: os suspeitos eram interrogados com a determinação de fazê-los confessar. A operação se iniciou com a ordem 00485 da NKVD, que estabeleceu o padrão para prisões em massa posteriores. Ela listava claramente o tipo de pessoa que se deveria capturar: todos os prisioneiros de guerra poloneses remanescentes da Guerra Polaco-bolchevique de 1920; todos os refugiados e imigrantes poloneses na URSS; todo mundo que houvesse sido membro de algum partido político polonês; e todos os "ativistas anti-soviéticos" das regiões de língua polonesa na URSS.{484} Na prática, qualquer indivíduo de origem polonesa que morasse em território soviético - e havia muitos, em especial nas regiões de fronteira da Ucrânia e da Bielo-Rússia - tornava-se suspeito. A operação foi tão completa e minuciosa que o cônsul da Polônia em Kiev produziu um relatório secreto do que estava acontecendo, observando que, em algumas aldeias, "todos cuja origem fosse polonesa, e até todos cujo nome parecesse polonês", tinham sido presos, não importando se eram diretores de fábrica ou simples camponeses.{485} Mas as capturas eram só o começo. Já que não havia nada para incriminar alguém culpado de ter sobrenome polaco, a ordem 00485 instava os chefes regionais da NKVD a "iniciar investigações simultaneamente às detenções. O objetivo básico da investigação deve ser o total desmascaramento dos organizadores e líderes do grupo diversionário, a fim de revelar essa rede".{486} Na prática, isso significava (como em tantos outros casos) que