Buscar

filosofia como compromisso e praxis de libertaão

Prévia do material em texto

Enrique Dussel: Um filósofo comprometido!
Reflexões sobre Filosofia como compromisso e práxis de Libertação1
Hugo Allan Matos2
Introdução
Este texto é uma singela homenagem ao prof. Enrique Dussel, que - pelo menos - nos últi -
mos 60 anos, comprometeu-se com a filosofia e com o povo latino-americano. Faremos esta home-
nagem a partir de um conceito de filosofia como compromisso e práxis de libertação3. Tomaremos
como base central o texto: Filosofia como compromisso e outros ensaios4 de Leopoldo Zea, de
1952, pois assim, poderemos utilizar-nos de uma base teórica exterior a Dussel, para homenageá-lo.
No decorrer de sua vida-obra até aqui, assim como sempre Dussel nos alarma de que a filo-
sofia, pode alienar-se facilmente e servir como ideologia de alienação, de manutenção do status-
quo. Julgo que estamos em um novo momento histórico, no qual muitos intelectuais, filósofos que
eram orgânicos, inclusive, deixaram de sê-lo em nome de um projeto político específico ou de um
partido político. Partidos populares assumiram o poder, mas a crítica interna quase deixou de existir
e muitos destes partidos, como no caso do Brasil, alienados do povo, pressionados pelas burguesias,
em nome da governabilidade passam a reproduzir mecanismos de dominação, subjugando a maioria
de seu povo, servindo ao imperialismo capitalista internacional. Antes, no nascimento da Filosofia
da Libertação Latino-Americana contemporânea, tivemos as ditaduras militares estadunidenses. 
Urge aprendermos com nossa história e comprometidos com ela e com nossas comunidades,
fazer filosofia que esteja sempre sob perspectiva de libertação e crítica ao status-quo. As páginas se-
guintes trazem esta reflexão, ainda de forma inicial, mas aponta para alguns caminhos possíveis,
quais Dussel messianicamente nos mostra com sua práxis filosófica. 
A Filosofia Como Compromisso
O texto La Filosofía como compromiso escrito por Leopoldo Zea em 1952, trata-se de um
ensaio que reflete de que forma a filosofia e o filósofo -e filósofa, acrescento- estão intrinsecamente
comprometidos com sua realidade. O artigo começa com o exemplo de Sócrates, na apologia, que
diz que aquele que situa a si mesmo ou é situado por alguém como melhor, terá que sustentar-se
1Este artigo foi publicado pela editora IFIBE no livro em homenagem ao aniversário de 80 anos de 
Enrique Dussel. Você pode adquiri-lo aqui: https://goo.gl/fhPXVL
2 Docente do curso de graduação em filosofia da Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM) e da licenciatura 
em Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), coordenador do Núcleo de Estudos de Filosofia Latino-
Americana (NEFILAM). E-mail: hugo.allan@gmail.com
3 Reflexão que pretendemos publicar futuramente de forma mais completa, dado que aqui o limite é de 10 páginas. 
4 ZEA,1952 e depois a obra: La Filosofía como compromiso de Liberación, 1991. Esta segunda se trata de uma coletânea 
organizada por Liliana Weinberg de Magis e Mario Magallón, com prólogo de Arturo Ardão, corrigida pelo próprio Zea. 
como tal, ignorando os perigos e não tendo em conta nem a morte, nem outra coisa que não a ver-
gonha. 
Allí donde alguien se haya situado a sí mismo – decía Sócrates -, creyendo ser el
mejor, o donde haya sido situado por un jefe, allí hay que sostenerse arrostrando los
peligros y no teniendo em cuenta ni la muerte, ni ninguna ora cosa, más que la
verguenza. (ZEA 1952, p.11 cita Platão, Apologia de Sócrates, 28 E.)
Por conta disso, Zea afirma Sócrates como o primeiro e mais patente filósofo comprometido
com sua época. Este compromisso, contudo, não é algo interessado, barganhas políticas, tampouco
uma obrigação. Trata-se aqui, de um compromisso que todo ser humano deve assumir com sua épo-
ca. É a convicção de assumir o passado de seu lugar como seu, o presente como sua responsabilida-
de pelo futuro. O compromisso “é convicção e não cômodo contrato que se cumpre livremente se-
gundo convenha ou não a determinados interesses. A única liberdade que cabe nesta convicção é a
de atitude: vergonha ou desvergonha, valentia ou covardia, responsabilidade ou irresponsabilidade.”
(Ibid.)
Portanto, urge a questão: quão comprometidos temos sido com a América Latina em geral,
com nossos países em particular? Como seres humanos e como filósofos e filósofas. Não é fácil se
comprometer com um mundo que não ajudamos a construir. Mas tomar as leis, costumes, religião,
como obra nossa é inscrever-se na sociedade como ser humano.
A liberdade de ação, apesar de ser a única liberdade que temos é suficiente para assumirmos
o compromisso com nossa circunstância e nos responsabilizarmos pela construção de nosso futuro.
A forma como assumiremos esta liberdade é que nos faz sujeitos. Mesmo as pessoas que negam a
individualidade, como alguns marxistas ortodoxos, por exemplo, para os quais não existe subjetivi-
dade, apenas a determinação social, nem para estes é possível escapar desta responsabilidade de as -
sumir ou negar o compromisso com sua época. É necessário nos adiantarmos e apontarmos que “El
marxismo es una de las primeras filosofías que toma consciencia de estos compromisos” (Ibid. p.
25)
Há uma convocação a sermos responsáveis por nossas atitudes, pois com elas não só com-
prometemos nossa existência, mas também comprometemos a existência dos outros. (Ibid.p.13) Em
cada atitude, diz Zea, nos jogamos à existência, mas não só à nossa, também a dos outros. Assim,
em cada uma de nossas atitudes, o tempo todo, não agimos só, desvinculados do lugar onde vive -
mos. Por este motivo que devemos assumir a responsabilidade pelo passado no presente e a respon-
sabilidade em construir o futuro. Isso é a consciência histórica. Ser responsáveis frente aos outros e
pelos outros.
A Filosofia por ser obra cultural, não poderia escapar a este compromisso humano. Aliás,
para Zea é a obra humana que melhor pode expressar este compromisso. O filósofo e a filósofa são
os seres humanos que devem ser mais conscientes deste compromisso e de sua necessidade. E po-
dem assumi-lo como sujeitos, mas além disso, encarnando a humanidade, a classe, a cultura, a na-
ção... em sua obra. Nisso está a universalidade da filosofia. Assim Sócrates escolheu morrer para fa -
zer-se responsável pela injustiça da polis. Platão assumiu a responsabilidade pelos mais caros ideais
da cultura grega, enquanto presenciava sua destruição, eternizando-a em sua obra. Aristóteles assu-
me a responsabilidade pelos compromissos não cumpridos pela filosofia grega, fazendo uma síntese
desta em sua obra. Agostinho, constrói a cidade de Deus, para salvar todo ser humano condenado à
nada por ser pecador. Tomás de Aquino, como cristão, assume a responsabilidade da filosofia pagã
e de formas de vida e concepções de mundo distintas das cristãs. Kant, assume a responsabilidade
pelos erros do dogmatismo e ceticismo para encontrar uma metafísica que satisfaça os mais caros
anseios da humanidade. Hegel assume, num gesto de soberba, como diz Zea, o passado de toda a
humanidade, toda a história, afirmando ser ele a síntese máxima, a encarnação do espírito objetivo
(Ibid.).
Por outro lado, temos filósofos que assumem determinada classe como expressão máxima
da humanidade e respondem e comprometem-se apenas com essa classe. Descartes assume a res-
ponsabilidade pelo futuro do chamado homem novo: o burguês. Marx assume o compromisso com o
proletariado e assim por diante até chegar na contemporaneidade, aonde temos Sartre. A leitura que
Zea faz de Sartre, vi poucas vezes. Aliás, cabe aqui perguntar a você: com quem era comprometido
Sartre? Sabemos que ele era militante, mas sua militância era comprometida com quem? Zea res-
ponde: com a burguesia, assumindo o passado burguês como seu, inclusive a responsabilidade pelos
erros desta classe,pretendo salvar os valores positivos desta para o futuro. Já voltamos a Sartre.
Percebamos que Zea nos traz duas posturas fatais em relação a este compromisso inevitável:
Una, la aceptación tácita de este compromiso. Otra, el aplazamiento, diferir su
asunción o, al menos, simular que se asume en una aceptación provisional. La filo-
sofía antigua expresará la primera actitud, la moderna la segunda. Dos tipos de
hombres se harán patentes en estas filosofías. Por un lado el hombre que reconoce
y acepta plenamente su relación con la comunidad, su estrecho compromiso con
ella. Por el otro, el hombre para el cual la comunidad es sólo un buen instrumento
al servicio de sus propios fines, al servicio de su individualidad. Uno, concibiendo
su relación con la comunidad como condena, como inaplazable e inevitable com-
promiso. El otro, como contrato, mediante el cual el individuo acepta determinados
compromisos a cambio de determinadas ventajas. En uno la jerarquía social se en-
cuentra ya determinada; en el otro es el esfuerzo individual el que la establece. En
una sociedad son los dioses o los jefes los que señalan lós puestos de los cuales
cada individuo ha de ser responsable; en otra es la libre voluntad del individuo la
que elige puestos y compromisos. (Ibid. p.15-16)
A primeira, uma “aceitação tácita deste compromisso”. A Filosofia Antiga expressou esta
atitude que manifesta um homem plenamente envolvido com sua comunidade, assumindo esta rela-
ção como convicção, inevitável, inadiável. Para estes, a hierarquia social já está determinada e são
os deuses e chefes que dizem os postos que cada indivíduo deve ser responsável. 
A segunda postura é assumida como um “adiamento, simulação de uma aceitação provisó-
ria”. A Filosofia Moderna concebe o homem como apenas um instrumento a serviço de seus pró-
prios fins, de sua individualidade. Concebem a vida na comunidade como contrato no qual as pes-
soas aceitam compromissos mediante recompensas. É o esforço individual que pode alterar a hierar-
quia social. Nesta postura é a livre vontade do indivíduo que elege os postos e compromissos com a
comunidade. Duas noções antropológicas, portanto, dois tipos de filosofias com dois compromissos
diferentes.
Sócrates é o símbolo de um modo de vida, de um mundo que está em crise e Platão é sua
testemunha. Este mundo em que a comunidade é concebida como inevitável compromisso, deve-se
à concepção de que o ser humano nasce em uma comunidade e por ela é alimentado. Assim, seu
comprometimento inevitável com ela deve-se não para receber apenas os bens, mas também os ma-
les, caso venham:
Es preciso —dice Sócrates—, si no se la puede orientar de nuevo, ejecutar lo que
ordene, sufrir sin protestar lo que ella quiera que suframos, dejarse, si es preciso,
castigar, encadenar y hasta ser conducido al combate para ser herido o para ser mu-
erto. Todo esto es lo que precisa hacer por ser lo justo; y de ningún modo tratar de
evitarlo, ni retroceder, ni abandonar el sitio que nos sea marcado: bien en el comba-
te, bien ante la justicia; pues el deber, siempre y en todas partes, manda ejecutar lo
que el Estado y la patria ordenan, a menos que consigamos cambiar sus métodos,
pero por medios legítimos. (ZEA, 1952, p. 16-17 cita Platão: Critón, 51 B, C.).
Por ser o justo, Sócrates diz que devemos sofrer sem protestar, o que a cidade queira. Mes-
mo que seja a morte. E aqui Sócrates parece, como Platão, defender uma aristocracia ferrenha. Mas,
sua face democrata aparece ao dizer: a menos que consigamos mudar seus métodos, mas por meios
legítimos. O ser humano deve todo seu ser a sua comunidade. Assim, também o mal, quando vem,
por determinação desta, deve ser cumprido. Sócrates, não só pelo compromisso que assumiu com
sua comunidade, mas pelo compromisso que assumiu com sua filosofia, opta por morrer que parar
de filosofar. Sua filosofia não é o saber por saber, uma busca cega por verdades desvinculadas da
polis. É um modo de vida que incomoda a polis, servindo comprometidamente a ela. Ele havia dito
que cada pessoa tem um compromisso com a cidade, uma função. E a dele era filosofar. Não pode-
ria negá-lo, agora, a não ser que assumissem uma vergonha tal, que o levaria a não mais filosofar. O
melhor e mais justo para sua cidade, é aceitar sua condenação.
Zea mostra que muitos séculos depois, Descartes nega todo o passado como impróprio e as-
sume como missão, compromisso, a criação de um novo homem, o homem moderno, o burguês.
Para que a humanidade progrida descarta o passado assumindo a construção do futuro como mis-
são. Contudo, a realidade se impõe, apesar de não assumir como sua, está ali, implicada em sua
época, sua história. Assim, impõe-se um problema: como ser algo que se quer, diferente do que é?
Leiamos como Descartes expressa esse problema e sua solução:
Como para empezar a reconstruir el alojamiento en donde uno habita —dice—, no
basta haberlo derribado y haber hecho acopio de materiales y de arquitectos, o ha-
berse ejercitado uno mismo en la arquitectura y haber trazado además cuidadosa-
mente el diseño del nuevo edificio, sino que también hay que proveerse de alguna
otra habitación, en donde pasar cómodamente el tiempo que dure el trabajo, así,
pues, con el fin de no permanecer irresoluto en mis acciones, mientras la razón me
obligaba a serlo en mis juicios, y no dejar de vivir, desde luego, con la mejor ventu-
ra que pudiese, hube de arreglarme una moral provisional. (ZEA, 1952, p. 22 cita
Descartes: Discurso del Método, II.)
O homem moderno, portanto, assume a responsabilidade com seu passado, porque é obriga-
do a fazê-lo, porque convive com ele inevitavelmente. E assume, de forma provisória, tendo como
projeto mudar tudo. Este compromisso assumido individualmente, por não confiar em ninguém, faz
com que o homem moderno conviva apenas formalmente com as pessoas e comunidade na qual está
inserido. Esta convivência formal toma lugar da convivência vital. Esta convivência formal fica ga-
rantida pelo estabelecimento de regras de conduta e civilidade que não permitam o intrometimento
do outro. Este cerco que se forma tendo como principal objetivo a proteção ao comprometimento
subjetivo do indivíduo, salva o formalismo de sua responsabilidade, garantindo a liberdade subjeti-
va do indivíduo e em última instância, faz a passagem da vida em comunidade para a vida em socie-
dade. O burguês não tem obrigações, têm direitos. As obrigações deste homem moderno, são, na
verdade, a garantia de seus direitos, que por sua vez, garantem sua liberdade:
El contrato es la expresión de este compromiso formal, que le liberta de la respon-
sabilidad, a la cual se encontraba sometido como miembro de una comunidad. Así,
frente a una realidad que le compromete y acosa, este hombre construye un cerco
defensivo de formas vacías, formas puras, formas ideales. Estas son verdaderas for-
mas puras, formas ideales. Estas son verdaderas fórmulas mágicas com las cuales
cree detener el acoso de la realidad, el acoso de la historia, y com ellas los compro-
misos que contrae com su acción y la acción de los demás. Dentro de este mundo
vacío, puro, nuestro burgués cree haber alcazado la máxima liberdad, sin outros
compromisos que los legales. (Ibid, p.24)
Esta parece ser uma das bases da posterior teoria do contrato social. Descartes é como que o
sintetizador de discussões anteriores, como as de um Sepúlveda, que buscam legitimar com a filoso-
fia, a invasão da América e dominação dos povos originários. A Europa estava em um momento de
síntese filosófica, Dussel chama de segunda modernidade, a que necessita de se convencer interna-
mente e impor sua legitimidade da conquista ao mundo. Mas Descartes – e o homem moderno –
chega à conclusão que não quer fazê-lo. Que o único compromisso que têm é com este novo homem
(burguês), que nascepara conquistar o mundo. Por isso a necessidade de um método que seja capaz
de a partir da subjetividade fundamentar a realidade. Descartes estabelece com sua filosofia, uma
moral da irresponsabilidade, portanto.
Zea continua sua reflexão mostrando como que apesar de todo este esforço pelo não com-
prometimento para além da formalidade (Descartes, Kant, Hegel... são expressão desta tentativa), a
burguesia compromete-se materialmente com a história. Karl Marx - e o marxismo - é a primeira fi-
losofia a denunciar este compromisso, como dissemos. Marx o faz denunciando toda essa formali-
dade, como mera superestrutura do que de fato, determina a sociedade: o mundo real e concreto, a
realidade social, infraestrutural. “Não é a consciência dos homens que determina a sociedade, pelo
contrário, é a realidade social que determina sua consciência”5. Assim, fica evidente que a burguesia
a partir de suas ações históricas, ia comprometendo as outras classes sociais, portanto, comprome-
tendo-se historicamente. Mesmo os filósofos da burguesia tomaram consciência disso – e expressa-
ram – a este processo que Mannheim6 chama de desmascaramento, nos diz Zea.
Assim, a filosofia burguesa se vê obrigada a aceitar o determinismo social denunciado por
Marx. assume sua responsabilidade, mas adverte que só o indivíduo responsável é livre. A aceitação
do determinismo social, passa a ser um ato de liberdade. Assim, a burguesia vê-se obrigada a assu-
mir seu passado, que não considerava como próprio. Jean Paul Sartre é o filósofo burguês que mais
trabalhou esta necessidade. Ele assume para si o compromisso de em nome da burguesia em deca-
dência, comprometer-se com seu passado. Sartre assume este projeto heroico, parecido ao projeto
que assumiu Platão, qual seja: em situação de crise de sua classe social, denunciar e assumir os er -
ros, acentuar os acertos, para tentar salvá-la. Dentre todos os bons valores calcados pela filosofia
moderna, o mais caro: a liberdade. Mas Sartre critica a burguesia de ter idealizado uma liberdade
absoluta e propõe uma liberdade de situação, uma liberdade comprometida. Já não é possível sus-
tentar uma liberdade irresponsável, portanto a responsabilidade é condição sine qua non para a li-
berdade. Entretanto, Sartre argumenta que já não se pode ser responsável frente aos outros, assim,
resta a responsabilidade frente a si mesmo. A burguesia deve responder, com consciência de sua
destruição, todos os compromissos que livremente assumiu em sua história. Sartre, quer tornar-se a
consciência responsável da burguesia:
Todo lo que podemos hacer —dice— es reflejar em nuestros espejos su consciência
desdichada, es decir, adelantar un poco más la descomposición de sus principios;
tenemos la tarea ingrata de reprocharle sus faltas cuando se han convertido em mal-
diciones. Burgueses nosotros mismos, hemos conocido la angustia burguesa, hemos
tenido essa alma desgarrada; pero, ya que lo próprio de una consciência desdichada
es quererse substraer al estado de desdicha, no podemos permanecer tranquilamente
em el seno de nuestra clase, y como ya no es posible salir de ella de un aletazo,
5 Karl Marx, Obras Escolhidas, t. I, pag. 339, "Contribuição à crítica da Economia política".
6 Possivelmente uma referência a um influente sociólogo da década de 1920, Karl Mannheim, atuou em um grupo de pesquisas 
com Georg Lukács aluno do sociólogo Alfred Weber, irmão de Max Weber. 
dándonos aires de aristocracia parasitaria, menester será que seamos sus sepulteros,
incluso corriendo el riesgo de sepultarnos en ella. (ZEA, p.29 cita SARTRE: Situa-
tions, II.)
A burguesia como classe, portanto, está condenada à destruição. Mas, podem salvar-se os
melhores indivíduos desta, os indivíduos responsáveis. Ao passo que Sartre chama estes indivíduos
livres e responsáveis da já não classe burguesia à juntar-se ao proletariado para formarem uma soci -
edade sem classes, com o compromisso de tomarem partido contra toda e qualquer injustiça, deixa
claro que não têm nenhum compromisso de mudar nada: “Si se nos dice que nos hacemos los im-
portantes y que somos pueriles al esperar que vamos a cambiar el curso del mundo, responderemos
que no tenemos ilusión alguna, pero que conviene, no obstante, que ciertas cosas se digan, aunque
sólo sea para salvar la cara a los ojos de nuestros hijos” (Ibidem).
Como Platão tentou salvar aos temperantes – os que sabiam governar a si mesmos – Sartre
tenta salvar os homem total, totalmente comprometidos e totalmente livres.
Até aqui, precisamos mostrar qual o significado de compromisso ou de filosofia como com-
promisso para Zea. Mostramos alguns filósofos comprometidos com sua história, comunidade e
classe. Agora, Zea termina este ensaio com sua invocação, sua provocação a nós americanos e filó-
sofos latino-americanos, questionando-nos sobre qual o nosso compromisso com a história. Temos
que nos responsabilizar por quais situações? E deixa claro que certamente não são as mesmas da fi-
losofia moderna e da filosofia contemporânea europeia:
Desde este punto de vista, el existencialismo hace patentes muchos aspectos de la
condición humana, que por esta misma razón son nuestros. Precisamente, es, parti-
endo de estos aspectos, que sostenemos una filosofía responsable, una filosofía
consciente de su situación. Es más, bien conscientes de nuestra situación, sabemos,
también, que pertenecemos a una gran comunidad frente a la cual naciones, pueblos
o sociedades, no son outra cosa que indivíduos y, como éstos, responsables o irres-
ponsables. Es, también, por esta razón, que pedimos una filosofía que se haga cons-
ciente del puesto que nos corresponde a los pueblos hispanoamericanos dentro de
essa comunidad, para asumir la responsabilidad del mismo. (ZEA, 1952, p.31)
Zea não nega a importância da história da filosofia como cultura humana. Assume dois de
seus principais conceitos, a responsabilidade e a consciência de situação como princípios para um
compromisso filosófico. A distinção de sua proposta para a de um Sartre, está no que segue. O pri-
meiro passo que devemos dar para assumir este compromisso é assumir as responsabilidades parti-
culares que atinge a nossos povos. “Antes de nos assumirmos como responsáveis pelos compromis-
sos do mundo, temos que nos fazer responsáveis de nossas situações concretas”. Por algum motivo,
afirma Zea, até agora – e não mudou muito desde 1952 – temos evitado de tomar consciência de
nossa situação. Seja por complexo de inferioridade, por irresponsabilidade, ou acrescento, por colo-
nização cultural, ainda não fazemos isso em nosso filosofar. E quando fazemos, somos considerados
como não filosofia.
É importante percebermos que esta não tomada de consciência de nossa situação nos impe-
diu até hoje de não termos uma filosofia nossa, autêntica, como grandes povos do mundo, afirma
Zea. Neste sentido, cabe perguntar-nos: se até hoje nossa filosofia não tem tomado consciência de
nossa situação, do que tem tratado? Que tipo de problema tem abordado? Que tipo de homem tem
resgatado?
A resposta habitual a este questionamento é que a filosofia é universal, portanto, compro-
mete-se com o universal e eterno. Este é o típico professor de filosofia, nos diz Zea. Ele crê não se
comprometer com nada, utilizando-se deste subterfúgio: 
Comprometerse con lo universal y eterno, sin concretizar un solo compromiso, no
es comprometerse com nada. Esto es simplemente un subtefurgio, una forma
comoda de eludir responsabilidades. Podremos hablar cómodamente sobre la
universalidad del bien, del valor, del conocimento, etc., sin que tal cosa implique la
asunción de compromiso alguno. No pasaremos de ser profesores de silosofía
enseñhando a unos aspirantes a professores de filosofía. El profesor de filosofía
nunca se compromete com lo que enseña,o al menos cree no comprometerse...
(Ibid. p.33).
Cabe então, com Zea, perguntar-nos: qual é nossa situação atual em América Latina? Qual
deve ser a posição de nosso filosofar? Objetivamente a primeira é: um filosofar autêntico. Que pro-
blematize nossa realidade, buscando caminhos de respostas para nossos problemas concretos. São
problemas muito específicos que devem ser enfrentados junto aos problemas de classe. A luta de
classes guarda sua importância. Zea a chama de luta vertical. A outra, a horizontal, é uma luta que
aborda problemas desde a invasão. São problemas que concernem à dominação cultural, ao colonia-
lismo e hoje podemos acrescentar neocolonialismo. Não podemos dizer ainda que temos uma bur-
guesia latino-americana, e por isso, a pseudo burguesia, ou pequeno burguesia interna é um dos
grandes problemas que a filosofia em nosso continente deve comprometer-se em tratar. 
Fica, portanto, postuladas duas grandes lutas que uma filosofia comprometida deve enfrentar
segundo Leopoldo Zea e outras duas tarefas afirmativas: a busca pela identidade de nossos povos,
nosso lugar – e papel - na história mundial. Depois de realizadas estas, só então, seria possível assu-
mir livremente a responsabilidade por esta tarefa. E termina com a frase que iniciou o artigo: “É ne-
cessário que ali nos sustentemos, enfrentando os perigos e não temendo nem à morte, nem coisa al -
guma, mais que a vergonha” (ZEA, 1952, p. 37, cita Platón, Apología de Sócrates, 28 E.).
A Função Prático-Política da Filosofia7
O artigo de Zea nos deu elementos importantes para conhecermos a importância da filosofia
como compromisso. É fundamental, agora, trazermos um episódio interessante: No dia 03 de outu-
bro de 1973, Dussel dita uma aula, preparada às pressas e na emoção de ter tido sua biblioteca ex-
plodida por uma bomba, obra do peronismo. Veremos então, um relato do filósofo da libertação so-
bre a função prático política da filosofia, que como o texto de Zea, começa citando Sócrates como
um exemplo a ser seguido. Dussel refere-se à Apologia de Sócrates como um texto “tão concreto e
que está em consonância com sua experiência pessoal”:
La impresión que a vosotros, atenienses, os hayan producido mais acusadores, la
ignoro; en cuanto a mí, hasta yo por poco me olvido de mí mismo: tan persuasiva-
mente hablaban. Y sin embargo de verdad no han dicho, para decirlo de una vez,
nada. Mas una de sus muchas falsedades me admiró más que ninguna: cuando deci-
án que deberíais poneros em guadia para que no fuerais engañados por mí (DUS-
SEL, p.139 cita Platão, Apologia de Sócrates, 17a)
Percebamos que ao recorrer a Sócrates para identificar-se com seu momento crítico existen-
cial, Dussel inscreve-se na filosofia, como poucos. O testemunho de bombardeio à sua biblioteca
mostra tamanho comprometimento do filósofo com sua filosofia e desta com sua comunidade. Mos-
trando a seus alunos o bilhete deixado pelos responsáveis do atentado, a comparação se legitima,
pois este acusa a Dussel de “...envenenar a mente dos jovens...”, uma das acusações que pesaram
contra Sócrates! O pior é que como no caso de Sócrates, não fica claro a Dussel os autores verda-
deiros, os que ordenaram o atentado e isso nos remete ao motivo pelo qual o sofrera, que foi o mes-
mo que Sócrates: a manutenção do status quo, a defesa de um sistema político determinado. A Sóc-
rates acusaram de investigar as raízes de coisas subterrâneas e celestes e ensiná-las aos jovens. A
Dussel acusaram de ensinar o marxismo. Mas o filósofo adverte: na verdade são contra qualquer
crítica ao sistema, não só ao marxismo e com ignorância, chamam qualquer crítica de marxismo,
mesmo que não seja. Não aceitam que alguém se ocupe da crítica, ainda que não seja propriamente
ou declaradamente política, como no caso de Sócrates, que se volta contra os atenienses em nome
de sua tradição, de seus deuses. Outra grande semelhança que Dussel aponta ter com Sócrates é que
depois de dez anos na Europa, encontra a raiz de seu pensamento, justamente no pensamento dos
profetas de Israel, que criticam ao sistema: “Jerusalem, Jerusalem, que mata aos profetas e apedre-
jas aos que te enviei”.
7Tradução minha da obra Introducción a una la Filosofia de la Liberación de Enrique Dussel, 
disponível em: http://zip.net/bllwp0. A obra original, qual estamos aqui citando em: 
http://ifil.org/dussel/html/14-1.html
Dussel cita uma frase de seu mestre Yves Jolif : “A morte da filosofia é a indiferença” e se
orgulha: “...No fundo de meu ser, hoje, surge como uma alegria, um entusiasmo, porque agora ao
menos parece que para os que promoveram o atentado – ao menos para eles – a filosofia é um ini-
migo, tem algum perigo, algum sentido, porque só se combate o que se teme...” (DUSSEL, p.143)
Aqui, há que se ponderar uma reflexão antropológica que Dussel faz citando a diferença do
enfrentamento da morte que fez Jesus e a que fez Sócrates. Sócrates a enfrenta quase com alegria,
pois era ciente da libertação de sua alma do corpo, pois tinha uma concepção antropológica dualista.
Jesus, contudo, tinha a concepção semita unitária, do enfrentamento do nada, por isso sua sangue e
chora. Dussel afirma que está ponderando a possibilidade de morrer e por isso traz o tema. Ainda
baseando-se em Sócrates, afirma que o discurso da totalidade não pode destruir o que luta pela li-
bertação, nem com sua morte. 
Assim, nos deixa claro que a função política do filósofo, que neste caso leva Sócrates a mor-
te, a função crítico política da filosofia é ser a mutuca. Contudo, alerta: “ A filosofia acadêmica, por
mais revolucionária que as vezes pareça, na medida que se distancia da realidade do povo torna o fi-
lósofo como um contemplativo, longe de todos os perigos e dos avatares da história”. Lembra-se
que a origem do atentado pode ter sido algumas conferências que fez com um grupo de jovens po-
líticos e sindicalistas. Dussel, como Sócrates, mostra a importância de não assumir a vida partidária,
para não se transformar em um ideólogo do partido e deixar a filosofia de lado. A filosofia deve
agregar criticidade ao processo, mas não deve se confundir de forma espontânea com ele.
No fim do texto, Dussel desculpa-se pelo tom emotivo de sua aula de ética, e adverte: “Que-
ro dar-lhes desde o mais fundo de meu ser, um testemunho de vocação filosófica, mas filosofia
como instrumento e função política de libertação”. Continua: “Seria algo assim como definir à filo-
sofia à luz da morte e no compromisso com a cidade (…) esta experiência do atentado confirmou
minhas convicções filosóficas mais profundas. Depois disso já não há mais, só resta o próximo pas-
so: a morte. Ante ela devemos continuar pelo caminho empreendido, o da filosofia da libertação dos
oprimidos”. (Ibid.p.149)
Cabe, portanto, um agradecimento ao mestre Enrique Dussel, que com seu messianismo,
toma a filosofia como compromisso e práxis de libertação, inspirando-nos e impulsionando-nos a
fazer o mesmo, apesar de estarmos inseridos em culturas cada vez mais capitalizadas, cada vez em
piores condições, mas já conseguimos influenciar e auxiliarmos na criação de novas realidades, des-
capitalizando o cotidiano, temos “levantado o tapete” e junto ao povo, nos tem sido possível sentir o
fedor desta cultura que não queremos. Convivendo com outros mundos possíveis, vamos transfor-
mando as realidades, encarnando o compromisso permanente da práxis de libertação. Obrigado En-
rique Dussel por seu messianismo, que assim como transformou a minha vida, tem transformado a
vida de muitas pessoas. 
 
REFERÊNCIAS
DUSSEL, Enrique. Introduccion a una Filosofia de la Liberacion Latinoamericana. México: Extem-
poraneos, 1977. 
MATOS, Hugo A. Uma introdução à Filosofia da Libertação Latino-Americana de Enrique Dussel. 
Universidade Metodistade São Paulo, sob a orientação de Daniel Pansarelli. São Paulo, 2008. Dis-
ponível em: http://migre.me/oEeU2. 
ZEA, Leopoldo. La Filosofía como compromiso y outros ensayos. México: FCE, 1952 (Col. Tezon-
tle)
____________. La Filosofía como compromiso de Liberación. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1991.

Continue navegando