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DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO I (texto adaptado) FINANÇAS PÚBLICAS Para entender as Finanças Públicas é necessário compreender alguns elementos de natureza estruturante dessa atividade do Estado, como os orçamentos, as despesas públicas, os tributos e as demais receitas públicas não tributárias. Para entendimento da matéria, deve-se analisar os princípios fundantes do ordenamento jurídico brasileiro, da distribuição das funções, a Forma de Estado Democrático de Direito, a estrutura Federativa, a Forma e do Sistema de Governo, a função de planejamento exercida pelo Estado e a sua ligação com as finanças públicas por meio dos orçamentos, instrumentos necessários para a realização da atividade financeira pública; ���as fases e dinâmica dos gastos públicos bem como das múltiplas fontes para o seu financiamento; ���os limites à atuação do Estado atual em face dos direitos e garantias do cidadão contribuinte. ���O estudo das Finanças Públicas abrange toda a atividade financeira do Estado, isto é, os orçamentos, as despesas, a dívida pública bem como as diferentes formas de financiamento dos gastos públicos, destacando-se entre elas os tributos, as receitas decorrentes do patrimônio do próprio Estado e o crédito público. O estudo das financeas tem como objetivo precípuo a análise econômica e o estudo dos possíveis impactos da atividade financeira do Estado. O estudo dos tributos é objeto de exame do Direito Tributário e das finanças públicas. Veja-se no quadro abaixo: \ 1 AS FINANÇAS PÚBLICAS: ASPECTOS GERAIS As finanças são entendidas comumente como a situação de uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou de direito privado, relativamente aos recursos econômicos disponíveis. Os bens e direitos, meios necessários para a satisfação dos mais variados desejos e objetivos de quem os possui, podem ter diversos graus de liquidez, ou seja, a pessoa pode dispor desde moeda corrente nacional ou estrangeira até imóveis de difícil alienação, seja em função das exigências legais para a autorização de sua disposição ou em função de condições de mercado. Por outro lado, é importante ressaltar a necessidade de identificação, para as mesmas pessoas, titulares dos ativos, a existência e o montante de possíveis obrigações vinculadas a essas disponibilidades. Também obrigações e dívidas assumidas, tendo em vista a relevância de que seja determinada a posição patrimonial líquida (capital próprio). O sistema adotado para evidenciar as finanças, públicas ou privadas, deve compreender grupos de contas que expressem a realidade da atividade da organização, um regime de registro e contabilização dos atos e fatos relevantes, bem como demonstrativos financeiros que possibilitem o eficiente controle e a gestão da atividade da entidade e, ao mesmo tempo, aptos a informar adequadamente a situação: a) Patrimonial, em determinado momento do tempo, bem como as suas variações entre períodos determinados; b) Financeira, adequada ao gerenciamento de liquidez de curto prazo e do fluxo de caixa necessário ao financiamento das atividades operacionais correntes e de investimentos, bem como da estrutura de capital e de solvência de longo prazo; e c) Orçamentária, que expresse se foram, e em que grau, atingidas as metas estabelecidas, além de permitir o gerenciamento das ações planejadas, tendo em vista que o orçamento moderno (orçamento/programa) é instrumento essencial de ligação entre o planejamento das ações e as finanças, permitindo a operacionalização efetiva e concreta dos planos de trabalho, na medida em que os monetariza, isto é, quantifica- os em moeda permitindo o estabelecimento de cronogramas físico-financeiros. 2 AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO Os indivíduos possuem necessidades que podem ser individuais, coletivas ou gerais (sociais). As demandas coletivas são as resultantes do somatório das necessidades individuais. As necessidades humanas são as exigências reais ou efetivas para uma vida digna em sociedade. Não custa lembrar que o princípio da dignidade da pessoa humana é, ao mesmo tempo, o mais importante fundamento e objetivo do Estado Democrático de Direito (art. 1o. da Constituição). As necessidades individuais, satisfeitas, em regra, pela própria pessoa, são aquelas que consideram o indivíduo isoladamente. Exemplos: alimentação, vestuário, transporte e habitação. Em caráter excepcional, o Estado ou Poder Público pode assumir as responsabilidades pelo atendimento das necessidades individuais básicas de certo conjunto de pessoas. Observe que a Constituição qualifica como direito fundamental social a assistência aos desamparados (art. 6º.) e estabelece que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; b) o amparo às crianças e adolescentes carentes; c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; d) a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária e e) a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art. 203). As necessidades coletivas são aquelas de um conjunto definido de pessoas (classes, categorias, coletivos). Exemplos: uma ponte que liga duas regiões, urbanização de determinada região. As necessidades gerais são de todos de forma homogênea. Exemplos: educação, saúde, segurança pública. As necessidades públicas são as necessidades individuais, coletivas e gerais atendidas pelo Estado ou Poder Público. O Estado, considerando a limitação dos recursos disponíveis (naturais, humanos, tecnológicos, financeiros etc.), e, por outro, as demandas individuais e sociais infinitas, elege, por meio do processo político, que varia de forma e conteúdo no tempo e no espaço, aquelas para as quais alocará esforços visando ao seu atedimento: são as chamadas necessidades públicas. Gerais ou Comuns Individuais Particulares Necessidades Privadas Coletivas Absolutas Públicas Relativas Assim, o dever do Estado normatizado terá previsão de realizar apenas algumas demandas coletivas— as políticas públicas-, o que ocorre modernamente por meio dos orçamentos, as mesmas se transmudam em necessidades públicas, a serem satisfeitas por meio dos serviços públicos, os quais se qualificam como o conjunto de bens e pessoas sob a responsabilidade do Estado. Os serviços públicos, que são instrumentos do Estado para o alcance dos fins a que se propõe, se realizam, atualmente, quase que exclusivamente, por meio da utilização da atividade financeira do Estado. O poder constituinte originário definiu ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Para alcançar tais mandamentos constitucionais, o poder público disciplina as relações econômicas e sociais, planeja e executa uma série de ações, entre as quais se destaca a política macroeconômica, cujos objetivos, correlatos àqueles fundamentais constitucionalmente qualificados, podem ser sumarizados como: a) a busca de alto nível de emprego; b) a estabilidade de preços; c) a distribuição equitativada renda; e d) o crescimento econômico. Para atingir esses fins são necessárias “as políticas fiscal, monetária, cambial e comercial, e de rendas”, todas integrantes da denominada atividade financeira do Estado, caso adotado um conceito amplo para o termo. Os instrumentos diretamente relacionados são obtenção das receitas e financiamento dos gastos, a realização das despesas, o planejamento orçamentário e a gestão fiscal e patrimonial do Poder Público. A atividade financeira do Estado é a atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos necessários à consecução das finalidades do Estado na realização do bem comum. 3 HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS. A história da humanidade revela uma verdade inquestionável, independentemente do lugar objeto da pesquisa, os tributos as finanças públicas sempre tiveram e continuam a ter influência determinante no curso das civilizações. Na civilização egípcia, caracterizada por sua longevidade, em contra-ponto à experiência libertária ocorrida em Lagash, era possível identificar, após o descobrimento de escritos e desenhos dentro de pirâmides e tumbas milenares, a existência de períodos de forte “pressão” de fiscais dos faraós para garantir-lhes o recebimento da parcela de 20% (vinte por cento) a eles pertencentes. Constata-se por meio de figuras e escritos milenares que nada era ocultado, nem mesmos os ovos sob as aves. Por sua vez, o grande jurista Marcus Tullius Cícero (106 — 43 a.C) difundiu no Império Romano a ideia grega contra os chamados tributos diretos, um ano antes de sua morte (44 a.C). O Império Romano é um exemplo clássico de como a exigência de tributos com fundamento apenas na força, sem referência ao valor justiça, transforma o direito de propriedade em um sistema de servidões sobre o homem. O século XIII d.C. representa o início da sistemática tributária que se consagra na atualidade, uma vez que foi a partir da promulgação da Carta Magna inglesa de 1215 que a legalidade ascendeu como princípio norteador das relações tributárias, impondo ao Rei João-sem-Terra o dever de observar limites para a criação de tributos. No mesmo período, isto é, ainda no século XIII, o rei Eduardo I foi compelido a ir além e aceitar a norma segundo a qual “nenhum tributo poderá ser lançado pelo rei, sem o consentimento dos arcebispos, bispos, condes, barões, cavaleiros, burgueses e todos os homens livres...”. Séculos mais tarde, no ano de 1628, a Inglaterra edita o Bill of Rights, o qual proclama que “a partir desta data, nenhum cidadão será obrigado a conceder qualquer dádiva ou empréstimo ao soberano, ou a pagar qualquer tributo, sem a aprovação do Parlamento”; ou seja, concretizou-se o princípio da legalidade consubstanciado no imperativo categórico no taxation without representation (aliás, tal expressão foi largamente difundida pelos americanos no período da revolução americana). A da norma-princípio é a base em que se fundam os orçamentos públicos dos países modernos. O século XVIII, por sua vez, foi marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a qual proclama a proteção de alguns direitos huma- nos fundamentais — em especial a propriedade e a liberdade —, uma vez que o Estado era visto como “inimigo da liberdade individual, e qualquer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima”. Na mesma linha, a Constituição francesa de 1791 foi categórica na contenção da prerrogativa impositiva, tendo em vista a necessidade de renovação anual da autorização parlamentar para tributar. Com o constitucionalismo nasce a ideia de orçamento incorporando as garantias normativas da liberdade, por outro lado a marca do período era a intervenção mínima do Estado na seara privada, apontando a liberdade contratual como um direito natural das pessoas. A Revolução Industrial trouxe mudanças de diversas ordens, inclusive no campo da tributação, possibilitando a imposição de tributos sobre a produção industrial, sobre o consumo, bem como sobre o lucro e a renda auferida dos titulares de propriedade. Assim sendo, a atividade financeira exercida pelo Estado somente visava à obtenção de numerário para fazer face às citadas despesas públicas, isto é, as finanças públicas tinham finalidades exclusivamente fiscais. As despesas tinham um tratamento preferencial sobre as receitas, uma vez que essas visavam apenas a possibilitar a satisfação dos gastos públicos. Nesse período, portanto, o tributo tinha fim exclusivamente fiscal porque visava apenas a carrear recursos para os cofres do Estado. Percebe-se que a expressão fiscalidade é utilizada em dois âmbitos e contextos distintos, isto é, tanto no que se refere ao papel das finanças públicas ao longo da história como também em relação às possíveis funções do tributo, que é atualmente, na maioria dos países, a principal fonte de receita pública. Sob o ponto de vista histórico das finanças públicas em geral, referida doutrina traz vantagens para a compreensão da evolução do papel da atividade financeira do Estado sobre as ordens econômica e social ao longo dos diferentes períodos, enfatizando características que seriam distintas em cada época. 1) a fiscalidade — finanças neutras e tributos somente com finalidade arrecadatória — de um lado; e a 2) extra-fiscalidade e a parafiscalidade — finanças ativas e os tributos com finalidade não apenas arrecadatória, a partir da segunda década do século XX. A fiscalidade de um lado e a extrafiscalidade de outro apenas facilita a compreensão da ênfase da intenção com que os tributos foram utilizados em cada período da história, na medida em que os mesmos também foram exigidos com outros objetivos que não meramente arrecadatórios em diversos momentos antecedentes ao denominado Estado de Bem-estar Social intervencionista, ou seja, de forma não neutra ou com fins outros que não meramente “fiscais”, ainda que não qualificada a política tributária com a denominação referida (“extrafiscalidade” ou “parafiscalidade”). Sob o ponto de vista econômico, os tributos, em regra, ainda que seja possível instituí- los com a intenção exclusiva de obtenção de recursos para os cofres públicos, afetam os preços relativos dos bens e serviços, modificam a alocação dos recursos pelos agentes econômicos, alteram as decisões quanto à melhor estrutura de financiamento corporativo, distorce a taxa de retorno de determinada atividade econômica em detrimento de outra, independentemente da intenção do exator. Ou seja, a simples existência dos tributos impacta o comportamento das pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade como um todo, motivo pelo qual é ínsito à tributação redefinir a alocação dos recursos socialmente disponíveis, o que afeta a demanda e a oferta no mercado de fatores de produção e de bens e serviços, razão pela qual, economicamente, a extrafiscalidade (compreendida como outros efeitos além da própria arrecadação) é inerente e indissociável da denominada fiscalidade. A fase intervencionismo estatal ou do “tributo com fim extrafiscal”, e corresponde ao resultado da crise do Estado Fiscal do início do século XX, em função do descompasso entre a liberdade econômica e a realidade social. As desigualdades eram acentuadas, o que criou um grande hiato entre o discurso de desenvolvimento econômico sem a participação do Estado e o mundo da vida enfrentado por grande parte da massa humana, que se via forçada a trabalhar por baixos salários e com péssimas condições de vida. Como consequência de tal situação, já no século XIX, seguido pelo século XX, movimentos sociais surgiram para combater o sistema liberal clássico vigente; marcado pelo individualismo exacerbado, momento em que prevaleciam de forma absoluta os valores segurança jurídica, liberdade e igualdadeformal. O Estado de Bem-estar Social, que traz a lume novos valores deixados de lado até então no contexto do Estado Liberal Mínimo (ou de polícia), caracterizado como mero espectador ou ordenador distante dos fatos sociais. O Estado Social passa a ser ator decisivo da conduta privada, com fundamento na visão de que a intervenção estatal era conditio sine qua non para o alcance da justiça social e da igualdade material. Para intervir na economia o Estado precisou criar novos instrumentos, dentre eles surgiu, formalmente, a figura do tributo com natureza extrafiscal, isto é, o tributo deixava de ser reconhecido por seu caráter eminentemente arrecadatório para os cofres do Tesouro, para assumir, concomitantemente, a feição de mecanismo coercitivo, utilizado pelo Poder Público com o fim de atingir outros objetivos e metas de natureza econômica e social. Nesse sentido, merece trazer como exemplos de medidas impositivas de exação com fulcro extrafiscal, as seguintes situações, que variaram ao longo da história: 1) aumento da alíquota do imposto sobre importação dos bens estrangeiros com vistas a fomentar a indústria nacional e garantir as reservas de moedas estrangeiras (instrumento auxiliar da política industrial e cambial); 2) redução das tarifas aduaneiras com o objetivo de reduzir os preços dos produtos e as pressões inflacionárias em âmbito local (instrumento auxiliar da política monetária); 3) adoção de imposto sobre o patrimônio territorial urbano com vistas à desestimular a especulação imobiliária, a má ou não utilização do imóvel urbano — vide IPTU progressivo, nos termos do art. 182, §4º, da CR-88 (instrumento auxiliar da política urbanística e de ocupação do solo); 4) a utilização do imposto sobre o câmbio, crédito e seguro para auxiliara a política cambial e monetária, etc. O Estado Intervencionista (Social) ganhou força, especialmente por conta dos prejuízos causados pela II Guerra Mundial, período em que havia necessidade premente de se otimizar os recursos para fazer face as demandas coleti- vas. No entanto, as exigências sociais impuseram a necessidade de aumentos contínuos da carga tributária e da criação de outras fontes de receitas para dar cabo às políticas públicas, cada vez mais intervencionistas, implicando des- pesas crescentes, em especial pela demanda da Segurança Social/Seguridade Social, abrangendo a Saúde, a Assistência e a Previdência Social. Apesar das acentuadas mudanças ocorridas no sentido da liberalização, privatização e foco do Estado na regulação da economia, reduzindo a face estatal provedora, o denominado neoliberalismo não superou de forma absoluta o Estado Social. 4 DIREITO FINANCIERO – DIREITO TRIBUTÁRIO RELAÇÕES COM AS DEMAIS CIÊNCIAS E RAMOS DO DIREITO. As normas da Constituição Federal dão sustentação a todo o ordenamento jurídico do País. No Direito Constitucional se cuida de assuntos de base financeira, havendo na CF/1988 o Título VI, que trata da Tributação e do Orçamento, desdobrando-se nos capítulos que abordam o Sistema Tributário Nacional e as Finanças Públicas (artigos 145 e 169), além de se ocupar, na Seção IX do Capítulo I do Título IV, da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária (artigos 70 a 75). Isto sem contar outros pontos de contato, em inúmeras passagens do texto constitucional, com aspectos que são objetos de estudo no Direito Financeiro. O Direito Administrativo, por sua vez, se ocupa do funcionamento dos entes públicos. Ora, a ação dos entes públicos que têm sua atuação vinculada à arrecadação da receita, à realização da despesa, à elaboração, cumprimento e fiscalização do orçamento, assim também à criação de recursos através do crédito público, evidentemente deve se desenvolver com observância das normas administrativas. Também com o Direito Penal há muitos pontos de contato. Veja-se que há crimes ali previstos que têm sua origem no campo tributário ou financeiro público, como ocorre com o contrabando e o descaminho, o excesso de exação, a sonegação fiscal, os crimes de responsabilidade pelo incorreto uso e emprego dos recursos públicos, crimes orçamentários, etc. No Direito Civil, por sua vez, são buscados conceitos e formas jurídicas que o Direito Financeiro (e o Tributário, por consequência) recebe e emprega, como ocorre, por exemplo, com as figuras da pessoa física, do espólio, do inventário, do domicílio, da propriedade, da posse, do domínio útil, da sucessão, da capacidade, etc. O Direito Comercial, de onde vêm elementos como a pessoa jurídica, a fusão, a cisão, a incorporação e a sucessão de empresas, todas com reflexos tributários, etc. O Direito Processual (tanto o Civil como o Penal) também entram no rol dos ramos que têm bastante contato com o Direito Financeiro (e o tributário). Assim, as questões entre o fisco e contribuinte que são levadas ao judiciário, seguirão as rotinas estabelecidas nas leis processuais. Isto ocorre, por exemplo, nas execuções fiscais por falta de pagamento de créditos tributários e nos casos de iniciativa do contribuinte, como o mandado de segurança, a ação declaratória, a consignação em pagamento, etc. Na área penal, quando o contribuinte procede de forma delituosa pode instaurar-se um procedimento penal contra ele, regendo-se a ação pelas normas processuais penais. Com o Direito Internacional Público, finalmente, há grandes momentos de contato, ao serem firmados os tratados e as convenções internacionais em matéria tributária. 5 ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO NA FEDERAÇÃO A realização da despesa e a gestão fiscal e patrimonial do Estado moderno suscitam a elaboração, a aprovação, a execução e o controle do orçamento, o que pressupõe, necessariamente, a arrecadação de receita pública. Dois elementos estruturantes das finanças públicas têm natureza jus-política — a forma de Estado Federada e o sistema de distribuição de funções entre os Poderes da República — características que possuem como ratio subjacente precípua evitar a concentração excessiva e os abusos no exercício do poder, sendo, também, fundamentais à constituição do perfil institucional brasileiro. 5.1 O ESTADO FEDERAL E OS ENTES POLÍTICOS - A UNIÃO, OS ESTADOS, O DISTRITO FEDERAL E OS MUNICÍPIOS O Princípio Federativo é um dos pilares fundamentais ao delineamento do perfil institucional pátrio, ao lado do Princípio Republicano, o qual suscita o ideário da limitação, temporariedade e exercício responsável do poder, e bem assim do caráter democrático do Estado de Direito brasileiro, no qual a soberania popular pressupõe que governantes e governados sejam submetidos à mesma lei editada pelos representantes do povo, consoante o disposto no parágrafo único do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Na história recente o Estado Federal tornou-se o modelo que melhor se associa à organização do Estado democrático, haja vista ser um sistema flexível e eficiente para evitar o excesso de concentração do poder estatal e os riscos de abusos. O Estado Federal é na verdade, forma de descentralização do poder, de descentralização geográfica do poder do Estado. Constitui técnica de governo, mas presta obséquio, também à liberdade, pois toda a vez que o poder centraliza-se num órgão ou numa pessoa tende a tornar-se arbitrário. Os caminhos para se alcançar ou adotar o regime federativo, havendo, no entanto, duas formas básicas por meio das quais uma Federação pode se constituir: 1) por aglutinação de vários Estados independentes, que resolvem abrir mão de sua soberania, para formar um Estado Federal único, tal como ocorreu nos Estados Unidos; ou 2) pela descentralização espacial do poder no contexto de um Estado do tipo simples, em movimento tipicamente centrífugo, isto é, a partir de um Estado inicialmente Unitário,a exemplo do Estado brasileiro, o que pode ocorrer em um Estado previamente centralizado ou não sob o ponto de vista administrativo. Assim sendo, os aspectos históricos do processo de formação da Federação delineam o modelo federativo de cada país de forma substancialmente diversa, o que se coaduna com o contexto social, econômico, espacial e temporal de cada caso. Pelo exposto, constata-se as divergentes causas e razões para a acomodação e formação de um modelo de Estado conciliatório, em que a ponderação dos diversos objetivos sejam alcançados, sem abrir, entretanto, espaço ou chance para a ruptura da unidade, do regime Democrático ou do Estado de Direito. O modelo de federalismo político implementado em cada país, o qual é determinante para o sistema de federalismo fiscal adotado, se realiza sob a constante tensão entre o imperativo da unidade que congrega e une a nação de um lado com a necessidade de autonomia das partes que compõem o todo íntegro de outro lado. A resultante final entre essas variáveis, o que inclui os aspectos históricos, políticos e culturais, delineiam um modelo de federalismo fiscal diferenciado em cada nação, equilibrado e estável ou desequilibrado e instá- vel, dependendo das circunstâncias de cada qual. No caso brasileiro atual, a Constituição de 1988 consagra a sua forma de Estado já no seu artigo 1º, ou seja, qualifica a República como federativa, o que caracteriza o Brasil como uma Federação. Importante perceber que a União, como ente federado autônomo, não consta do referido art. 1º da CR-88, mas sim o termo “união”, haja vista que a existência da Federação, previamente declarada no início do dispositivo, já consagra e pressupõe a existência do ente federal central. Em suma, a existência da União é pressuposto à existência da Federação, sendo desnecessária a declaração expressa de sua presença. Trata-se, portanto, o Estado Brasileiro, de um Estado complexo, constituído pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, em sentido análogo ao da Confederação e diametralmente oposto ao Estado Unitário simples. Uma das características fundamentais do Estado Federado, a qual consubstancia um dos elementos distintivos da Confederação, é a inviabilidade jurídica de separação ou segregação das partes (as unidades políticas subnacionais — os Estados Membros) que compõem o todo. Este Princípio da indissolubilidade ou Princípio da proibição de secessão— da união entre os Estados o Distrito Federal e os Municípios no caso brasileiro — está consagrado no mencionado art. 1º da Carta Constitucional de 1988. Em sentido contrário, as Confederações se caracterizam pela possibilidade de secessão. Outros componentes estruturais também diferenciam essas duas formas de Estado: na Confederação não há relação direta entre a União e os diversos cidadãos residentes e domiciliados em cada Estado independente, de forma diversa do que ocorre na Federação, modelo que pressupõe a existência de múltiplas ordens jurídicas incidentes sobre o mesmo território, inclusive aquela emanada pela pessoa política que exerce o poder central. Essas diferenças estruturais — quanto à possibilidade de separação e da existência ou não de relação jurídica direta entre a União e os residentes — decorre do fato que a Confederação se constitui pela associação de vários Estados independentes e soberanos, ao passo que a Federação é apenas um Estado — o Estado Federal único, que se forma pela união de unidades políticas autônomas, isto é, cada ente subnacio- nal não é dotado de soberania, mas sim de autonomia política, legislativa, administrativa, financeira, e etc, objetivando alcançar o autogoverno, a autoadministração e etc. Assim sendo, ao contrário do Estado Unitário, que é simples, posto conter apenas uma ordem jurídica emanada por um único Parlamento, um Pode Judiciário e somente um Poder Executivo, o Estado Federado é composto ou complexo, haja vista possuir múltiplos planos jurídicos concomitantemente incidentes sobre o mesmo território nacional, tendo em vista coexistirem múltiplos centros de poder que projetam diversos poderes estatais nos diferentes âmbitos da Federação. De fato, é possível conceber um Estado Unitário extre- mamente descentralizado sob o ponto de vista administrativo, no qual as províncias possuam inúmeras atribuições. Entretanto, se as unidades administrativas locais não são constitucionalmente dotadas de determinados atributos caracterizadores do federalismo, como a autonomia legislativa e financeira, para proporcionar o autogoverno e políticas públicas próprias, núcleos essenciais inafastáveis da Federação, dissolvida estará a essência dessa forma de organização do Estado. Enquanto o processo de desconcentração de poder caracteriza-se pela descentralização política, administrativa e financeira entre o poder central e as regiões autônomas, o Estado federal possui, além dessas características, a autonomia constitucional não passível de supressão. Nessa linha, na forma de Estado Federado coexistem órbitas jurídicas distintas, com funções previamente traçadas pelo sistema de repartição de competências constitucionais, o qual é ínsito a esta forma de Estado. Em contexto agregativo tem-se a ordem jurídica total, o que compreende a já mencionada interface com outros países, instituições internacionais e o conjunto de todos os ordenamentos internos, parcias e centrais. Esse agre- gado de normas representa o sistema normativo do Estado Federal, ou seja, da República Federativa do Brasil, o qual compreende os atos normativos expedidos pela União no exercício de suas múltiplas funções constitucionais, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. As comunidades jurídicas parciais, cujas normas incidem apenas sobre parcela do território do país, são formadas por unidades políticas autônomas, denominados em geral como Estados membros, o que inclui, no caso brasi- leiro, os Estados, o Distrito Federal e, também, os Municípios, todos dotados de autonomia política, legislativa, administrativa, financeira e etc, nos termos do art. 18 da CR-88. Por sua vez, o sistema normativo central é constituído exclusivamente pelas normas editadas pela União, de acordo com as suas múltiplas tarefas fixadas na Constituição de 1988, possuindo, em todos os casos, eficácia em todo o território brasileiro, razão de sua identidade. A existência de leis editadas pelo Congresso Nacional com características distintas, algumas de caráter exclusivamente federal, as quais vinculam apenas os seus jurisdicionados e administrados, e outras de âmbito nacional, disciplinadoras da atuação de todos os entes políticos autônomos, inclusive da própria União como pessoa jurídica de direito público interno, confere maior complexidade ao sistema. De um lado, a União, por meio do Congresso, formado pela Câmara e pelo Senado, tem a prerrogativa de expedir normas gerais de caráter nacional em matéria financeira e tributária, ex vi art. 24, §1º, art. 146, III e art. 163. Essas disciplinas são editadas em razão da função coordenadora que a União exerce em relação aos diversos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), todos entes autônomos, nos termos do já citado art. 18, o que tem por objetivo conferir unidade político-administrativa ao Estado Federado. Dessa forma, a característica da norma expedida nesses termos é a sua função precípua de vincular e estabelecer parâmetros ao legislador da própria União quando edita suas normas específicas aos seus jurisdicionados e administrados, aos legisladores e aplicadores das leis dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Nesse caso, a lei editada pelo Congresso Nacional é lei da Federação, do Estado Federal, e não propriamente da União em sua acepção mais comum. Destaque-se que as normas gerais deDireito Tributário e de Direito Financeiro são necessariamente veiculadas por meio de lei complementar e não ordinária, tendo em vista o disposto nos citados artigos 146, III, e 163 da CR-88, o que ocorre, por exemplo, com o Código Tributário Nacional e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Essas leis complementares que objetivam harmonizar a disciplina jurídica das mencio- nadas matérias em âmbito nacional, posto vincularem o legislador de todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), são normas da República Federativa. Entretanto, a mesma União, agora em sentido específico do termo, também expede, por meio do seu citado parlamento federal, formado pela mesma Câmara e o mesmo Senado, normas em razão do exercício de suas competências próprias por ser ente federado autônomo, qualificação sob a perspectiva do Direito Constitucional, ente político que se situa no mesmo plano hierárquico dos demais entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios), nos termos do já citado art. 18 da CR-88. Essa estrutura constitucional projeta a mesma União como pessoa jurídica de direito público interno sob o prisma do Direito Civil, ao lado dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios, das autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei. Nesse contexto, as normas específicas expedidas pela União não se destinam a disciplinar a atividade legislativa dos entes federados, posto se dirigirem tão somente aos seus jurisdicionados e admi- nistrados. Nessa linha, se adotado como parâmetro de classificação os destinatários da norma, e não o seu aspecto espacial, como aqui propugnado, essas normas editadas pela União nesses termos constituiriam uma ordem jurídica parcial. Em sentido diverso, ao utilizar como critério classificatório o seu âmbito territorial de incidência, as duas espécies normativas editadas pela União se subsumem dentro da denominada ordem jurídica central, posto serem aplicáveis em todo o país. Com a adoção da forma federativa de Estado, a distribuição de diversas funções à União e a inevitável coexistência de múltiplas ordens jurídicas no território nacional, impõe-se a implementação de um sistema constitucional de repartição de competências entre as unidades federadas, o que inclui, também, a previsão de edição das já referidas normas gerais (§1º do art. 24), ao lado das demais competências legislativas (privativa — art.22, concorrente — art. 24, suplementar — art. 24, §§2º a 4º, delegada — art. 22 parágrafo único e 23, parágrafo único, e originária — art. 30, I) e das competências administrativas (exclusiva — art. 21, comum — art. 23, decorrente — implícita, originária — art. 30). Nesse sentido, deve ser destacado que a CR-88, no artigo 24, I, confere competência para a União, os Estados e o Distrito Federal legislarem concorrentemente sobre Direito Financeiro, Orçamento e Tributário. Nessa hipótese, a prerrogativa da União, como ente polítco de coordenação, é limitada à expedição de normas gerais de caráter nacional, sendo atribuída, ao mesmo tempo, a competência suplementar aos Estados. Junto à autonomia federativa estampada nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88, os Municípios também têm a atribuição de suplementar a legisla- ção federal e estadual (artigo 30, II, da CR-88), assim como instituir e arre- cadar tributos, aplicar suas rendas, submeter e prestar contas (art. 30, III, da CR-88), analogamente às prerrogativas da União, dos Estados e do Distrito Federal. Portanto, a determinação fixada no artigo 163 da CR-88, no sentido de que lei complementar federal disporá sobre finanças públicas. O Brasil é usualmente qualificado como uma República Federativa tridimensional, composta por três entes políticos internos distintos, diversamente do tradicional modelo dual adotado nos demais regimes federados, os quais são compostos por apenas dois entes. De fato, o artigo 68 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 já consagrava a autonomia municipal em “tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”, atribuição que foi se fortalecendo ao longo do tempo até o seu ápice no texto constitucional de 1988, quando os municípios alcançaram o status formal de entes federados, cujas prerrogativas vão muito além da autonomia meramente administrativa. 5.2 O FEDERALISMO FISCAL E O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA EM FACE DO ORÇAMENTO A forma de Estado adotada pela República Federativa do Brasil é o primeiro elemento de natureza jurídico-política que, ao lado do sistema de distribuição de funções entre os poderes da República, define o modelo de interação entre as receitas, despesas e o orçamento, sendo também determinante para o delineamento do perfil institucional brasileiro. O federalismo é um conceito essencialmente jurídico-positivo. A definição do modelo adotado no Brasil, por exemplo, requer o exame de todas as regras de distribuição de competências materias e legislativas que se encontram espalhadas pelo texto constitucional, sejam ou não de natureza exclusivamente financeira, orçamentária ou tributária. O Estado federal possibilita variadas estruturas jurídico-políticas, as quais facultam a implementação de diferentes graus de descentralização, o que se efetiva por meio do sistema constitucional de repartição de competências. Com efeito, o perfil do federalismo de cada país é delineado pela configuração do sistema de repatição de competências, o que tem como pressuposto uma Constituição rígida, isto é, aquela cujo processo de reforma é mais complexo do que aquele necessário para a edição das leis infracostitucionais, havendo, no caso brasileiro, limitações materiais e circunstanciais ao lado de quorum e procedimento especial. Cabe ressaltar, entretanto, que a Federação pode conter caráter meramente nominal, se os seus pressupostos fundamentais não forem verdadeiros e efetivos, isto é, a Federação só existe materialmente se inviabilizada a possibilidade de usurpação de competências locais e de possível violação à autonomia política, administrativa e, principalmente, financeira dos entes subnacionais. Se inexiste autonomia financiera não há que se falar em federalismo, pois é um dos elementos nucleares do regime, podendo, no entanto, efetivar-se de diversas formas e com diferentes níveis de descentralização, especialmente pelo fato de que os recursos financeiros disponíveis para cada unidade federada realizar os seus gastos — e cumprir os encargos constitucionalmente designados — corresponde ao conjunto: 1) do somatório das receitas obtidas por cada unidade política no exercício das respectivas competências tributárias, das receitas decorrentes da exploração do seu patrimônio, da exploração de atividades econômicas (comércio, agropecuária, indústria e serviços), das operações de crédito, da alienação de bens, do recebimento de amortização de empréstimos concedidos e ainda do superávit do orçamento corrente etc.; adicionado 2) da parcela decorrente do sistema de repartição de receitas e de transferências intergovernamentais na Federação, que podem ser voluntárias ou obrigatórias. O primeiro aspecto relacionado à receita, refere-se ao fato de que no atual regime constitucional brasileiro, ao contrário do passado recente, não há qualquer subordinação do exercício da competência tributária ao orçamento anual, no plano federal, estadual ou municipal. Ou seja, diferentemente das despesas, as quais, para serem realizadas, têm como requisito necessário a autorização legislativa específica, anualmente, em qualquer dos entes federados, a tributação, principal origem de recursos para os entes públicos, independe de autorização parlamentar ânua, em qualquer dos entes políticos. Nesse sentido, impõe-se apresentar a redação do §34 do artigo 141, da Constituição de 1946, regra/princípioinserido entre os direitos e garantias individuais e cujo texto foi repetido em sua integralidade pelo artigo 51 da Lei n o 4.320, de 1964, norma recepcionada pela atual constituição de 1988 com status de lei complementar, devendo-se destacar que a mesma disciplina foi repetida, da mesma forma, no artigo 150, §29, da Constituição de 1967, todos, nos seguintes termos: Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvados a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra. O exercício da competência tributária ficava subordinado e dependente da autorização legislativa anual, concretizando, assim, o denomi- nado princípio da Anualidade Tributária. Esse princípio, não mais aplicável atualmente, conforme será analisado a seguir, distingue-se do chamado princípio da Anualidade Orçamentária, o qual estabelece a vigência anual para o orçamento (LOA), após o que será necessária, para legitimar a atividade financeira do Estado no exercício subsequente, nova autorização de natureza política. Assim sendo, a Anualidade Orçamentária, ainda hoje vigente — a teor do disposto no artigo 165, III, e §5o, da CR-88 — expressa o controle do Parlamento sobre os demais Poderes relativamente ao Orçamento, ao prever que o mesmo deve ser elaborado para durar apenas um ano, isto é, há necessidade de renovação da autorização legislativa anualmente. Já o princípio da Anterioridade Orçamentária prevê que o orçamento deve ser aprovado antes do início do exercício financeiro ao qual se aplica, conjuntamente com os demais princípios orçamentários. A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, a qual ensejou ampla revisão no texto constitucional de 1967, retirou definitivamente a exigência de prévia autorização orçamentária para a cobrança de tributos, ao estabelecer a seguinte redação ao §29 do artigo 153: Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição. Assim sendo, a cobrança de tributo passou a ser possível após a Emenda no 1/69, com a vigência da lei que a estabelece, observada, apenas, a necessidade de que o ato legislativo esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, sendo dispensável, portanto, a prévia autorização orçamentária, conforme anteriormente exigido, com a mitigação fixada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - na Súmula 66. Com o advento da Emenda Constitucional no 8, de 14 de abril de 1977, alterou-se novamente a redação do dispositivo, sem modificar, entretanto, a desvinculação do exercício da competência tributária da prévia autorização orçamentária: Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição. A Constituição de 1988, por sua vez, também não fixou qualquer requisito orçamentário para o exercício da competência tributária, estabelecendo, tão somente, na alínea “b”, do inciso III, do seu artigo 150, o denominado Princípio da Anterioridade tributária, o qual veda a cobrança de tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os insti- tuiu ou aumentou”, sem haver, entretanto, qualquer vinculação ou subordinação da tributação à citada autorização na lei anual do orçamento. Portanto, desde a Emenda no 1/69, não mais se aplica o disposto na parte final do artigo 51 da Lei n o 4.320/64, tendo em vista a sua revogação por incompatibilidade com as ordens constitucionais supervenientes. Nesse sen-tido, não há mais controle político a cada ano pelo Poder Legislativo, posto não haver exigência de renovação anual da permissão para a cobrança de tributos. 5.3 O FEDERALISMO FISCAL E AS DESIGUALDADES REGIONAIS O segundo aspecto relativo à receita diz respeito ao fato de que o regime federativo possui contradições ínsitas a esta forma de Estado. O principal paradoxo inerente ao federalismo decorre da interação entre: 1) uma de suas características nucleares: “a apropriação dos recursos fiscais, determinada pela capacidade econômica das jurisdições”, seja pela estrutura de produção de bens e serviços, de seus recursos naturais ou pelo potencial de consumo local, o que repercute nos resultados do exercício da competência tributária própria e das receitas patrimoniais ; e 2) a “exigência de igualdade entre os cidadãos no que se refere ao acesso a bens e serviços públicos”, imperativo dos regimes democráticos modernos. Portanto, pode-se concluir que, não obstante ser possível ao governo central adotar medidas compensatórias na vertente das despesas diretas no âmbito territorial dos entes subnacionais menos desenvolvidos, ou, ainda, a existência de sistemas de transferências intergovernamentais equalizadoras, a lógica regedora desta forma de Estado não afasta, por si só, a continuidade e o agravamento das denominadas desigualdades regionais. Essas diferenças inter-regionais são refletidas, segundo a ratio subjacente aos artigos 3º, III, 151, I, 165, §7º, e 174, §1º, da CR-88, nas acentuadas desigualdades na qualidade de vida dos cidadãos residentes em áreas geográficas distintas do mesmo país. Merece destaque o fato de que maior será a dependência em relação ao complexo sistema de transferências financeiras, que objetiva levar recursos das regiões com maior capacidade econômica para as regiões mais pobres e de menor potencial econômico, quanto maior for o peso conferido à solidariedade em âmbito nacional. Assim, se as medidas adotadas na tentativa de garantir simetria de resultados estiverem acompanhadas de vedações ao exercício de competência legislativa local, ou seja, quanto maior o peso da solidariedade interpessoal, setorial e regional, afastando-se radicalmente o princípio da subsidiariedade, nos termos delineados no federalismo cooperativo alemão, maior assimetria no sistema de partilha de poder, o que implica distorções no funcionamento das instituições e nos procedimentos políticos burocráticos, tendo em vista o alto grau de centralização, o que determina forte interdependência e falta de agilidade na tomada de decisões. Por outro lado, a simetria no sistema de partilha de poder conduz a resultados inevitavelmente assimétricos, isto é, admitir competências concorrentes em vários níveis, com plenos poderes de tributação e gastos para cada ente político, como ocorre nos Estados Unidos, berço do federalismo, ou no Canadá, implica desigualdade interregional, tendo em vista a salientada contradição intrínseca à forma de Estado federado. No sistema de partilha de receitas e de transferências dos recursos financeiros entre os entes federados no modelo de federalismo fiscal brasileiro, espera-se: 1) repartição de encargos para a prática de atos materiais entre os diferentes níveis de governo, isto é, se a distribuição de funções e atribuições é clara e excludente, não deixando margem para dúvidas quanto ao que pode e deve ser exigido especificamente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e 2) verificar se o montante de recursos financeiros disponíveis para o financiamento dos gastos para cada ente, individualmente, atende, ou não, às necessidadesadministrativas que visam à realização das ações e funções previamente fixadas no ordenamento jurídico. No que concerne à primeira questão, ou seja, quanto à repartição de funções e encargos entre os entes federados, a CR-88 distribui as competências materiais, em especial, nos seus artigos 21, 23, 25, 30 incisos V a IX, 144, 198 e 211 (competência exclusiva, comum e concorrente), o que tem sido objeto de muitas críticas. Relativamente ao segundo aspecto, isto é, quanto às fontes de financiamento dos gastos, cumpre repisar que os mesmos correspondem ao conjunto: A) das receitas próprias de cada unidade política, receitas correntes e de capital — obtidas, principalmente, por meio do exercício de suas competências tributárias, de suas receitas patrimoniais, de suas atividades econômicas e das operações de crédito; e B) da parcela decorrente do sistema de repartição de receitas tributárias e de transferências intergovernamentais, que podem ser voluntárias ou obrigatórias, correntes ou de capital. A análise da vinculação ou não dos recursos tributários arrecadados e recebidos a título de transferência corrente será realizada quando forem examinadas as receitas dos entes federados. Pode-se verificar o caráter essencial do estudo do primeiro dos dois elementos de natureza jus-política que são determinantes ao delineamento da estrutura institucional do país relativamente à matéria financeira pública: o federalismo fiscal e a distribuição de funções entre os poderes. O sistema de distribuição de funções entre os Poderes constitucionalmente instituídos, suscita elevado grau de fricção entre as instituições nacionais, em especial as divisões de competências para aprovar as despesas, bem como a natureza meramente autorizadora do orçamento, associado à complexidade do modelo de federalismo fiscal nacional, caracterizado por conflitos no plano horizontal e vertical. 6 O SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES ENTRE OS PODERES A previsão do orçamento no Brasil, incluindo a fixação de despesas e a estimativa de receitas orçamentárias, assim como a determinação de elaboração de um balanço geral das receitas e despesas do ano anterior, está expressa desde a Constituição Política do Império, de 25 de Março de 1824, cujo art. 15, item 10, art. 36, item 1, e art. 172 dispõem, respectivamente: Art. 15. É da atribuição da Assembléia Geral ��� 10). Fixar anualmente as despesas públicas, e repartir a contribuição direta. Art. 36. É privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa. 1º) Sobre impostos. As diversas características que podem assumir a distribuição de prerrogativas, bem como as etapas compreendidas em todo o processo, revelam o perfil do orçamento em dado momento histórico, o que auxilia a perquirição da natureza jurídica do ato, assim como a delinear o sistema de freios e contrapesos entre os poderes constitucionalmente constituídos. Com efeito, a natureza jurídica do orçamento é controvertida e objeto de amplo debate na doutrina, tendo em vista as suas especificidades. No Brasil, entretanto, a própria CR-88 confere a natureza de lei em caráter formal às três peças orçamentárias: -o plano plurianual (PPA), -as diretrizes orçamentárias (LDO) e -os orçamentos anuais (LOA) Apesar do artigo 166 da CR-88 estabelecer procedimento específico para a apreciação, tramitação e votação dos projetos das leis orçamentárias, conforme será estudado adiante, aplicam-se aos mesmos, no que não contrariar o disposto na Seção II, do Capítulo II, do Título VI da CR-88 (artigo 165 a 169), as demais normas relativas ao processo legislativo.Assim, o quorum exigido para a sua aprovação é o comum, fixado no art. 47 da CR-88, a exigir a “maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”, e não o qualificado de lei complementar, disciplinado no art. 69, razão pela qual, no atual regime jurídico brasileiro, o orçamento assume a natureza de lei ordinária. Ressalte-se, entretanto, tratar-se de norma de natureza especialíssima, posto não se amoldar perfeitamente ao seu conceito técnico, ou melhor, de seus atributos, como a generalidade, abstração e impessoalidade, atributos que, como regra geral, caracterizam a lei em sentido material, sem mencionar a indeterminação temporal. A lei do orçamento anual, por exemplo, além de vigorar por prazo determinado de um ano, produz efeitos concretos, motivos pelos quais muitos autores sustentam não se qualificar o orçamento como lei sob o ponto de vista material. Constata-se pela leitura das Constituições brasileiras de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1967/69 que várias modalidades e critérios de fixação de competência foram adotados no país até então, havendo períodos: 1) de maior concentração de atribuições no Poder Executivo (ex. 1937); 2) aquelas em que preponderava a atuação do Poder Legislativo (ex. 1891), que incluiu a competência do Congresso Nacional para “orçar a receita, fixar a despesa federal anualmente e tomar as contas da receita e despesa de cada exercício financeiro”; e, 3) as demais Constituições, que se caracterizaram pela adoção de modelos muito detalhistas e de ampla distribuição de funções e competências entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo (ex. 1824, 1934, 1946, 1967 e 1967/69), como é o caso, também, da Carta atual de 1988. Cabe ressaltar que, à exceção da citada Constituição Imperial de 1824 — a qual implementou um sistema quadripartido de poderes — as demais Constituições brasileiras adotaram o modelo tripartido de funções de Montesquieu, tendo, no entanto, assumido feições diversas e ponderações distin- tas na alocação de atribuições relativas ao orçamento, às despesas e às receitas, dependendo do contexto político, econômico e social. Importante salientar que, não obstante estarem as competências previamente fixadas no plano normativo-constitucional, no mundo real sempre ocorrem retrações e ampliações no campo de atuação de cada poder ao longo do tempo, dentro do mesmo regime constitucional e do mesmo sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo), visto que, além da realidade fática e política se alterarem, a usurpação é ínsita ao exercício do poder. Na seara orçamentária é comum ocorrerem anualmente, no contexto brasileiro atual, situações concretas de interação conflituosa entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, abarcando, de forma subjacente, os inevitáveis conflitos político- partidários — aliados e oposição. A sua raiz, certamente, está, em especial, na tentativa de ampliação dos respectivos âmbitos de atuação no que se refere ao orçamento, com reflexos diretos na previsão de receitas e despesas e, em particular, na especificação e alocação dos gastos, os quais têm como pressuposto necessário a sua previsão em lei, além de condicionarem os projetos e programas que norteiam a ação governamental. Essa disputa é suavizada em função das vinculações constitucionais e legais de determinadas receitas à despesas específicas, como as de seguridade social, folha de pagamentos e dos compromissos das dívidas, o que centraliza o âmbito dessas tensões nas denominadas despesas de Investimentos. O Poder Judiciário, sem dúvida, também se insere de forma decisiva no orçamento, nas receitas e nas despesas, notadamente por sua competência para exercer o controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos, sem esquecer, entretanto, que a atuação independente pressupõe autonomia financeira, razão pela qual este Poder, como os outros, também atua ativamente em busca de proteção de seus interesses financeiro-orçamentários. Nesse sentido vale ressaltar o disposto no artigo 99 da CR- 88, que dispõe: Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º — Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentrodos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. § 2º — O encaminhamento proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete: I — no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais; II — no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais. § 3º — Se os órgãos referidos no § 2o não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1o deste artigo. § 4º — Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. § 5º — Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. Esse dispositivo, bem como aqueles que conferem a prerrogativa ao Ministério Público, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo para elaborarem as suas respectivas propostas orçamentárias. Diante do que foi exposto, reconhece-se que a distribuição de funções entre os poderes constitucionalmente constituídos enseja três tipos de interações bilaterais potencialmente conflituosas: a) Poder Executivo-Poder Legislativo; (b) Poder Legislativo-Poder Judiciário; e c) Poder Executivo-Poder Judiciário. Considerando que no regime federativo adotado na República Brasileira cada ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) possui o seu próprio orçamento, esses conflitos entre os Poderes podem ocorrer nos diversos âmbitos da Federação. Constata-se, assim, que a matéria financeiro-orçamentária suscita constantemente, durante o denominado ciclo orçamentário, a realização concreta do denominado sistema de freios e contrapesos, o que pode ser mais intenso ou suave, dependendo do modelo de orçamento adotado no país, conforme será explicitado a seguir e detalhado ao longo da primeira parte do curso. 6.1 A NATUREZA JURÍDICA HÍBRIDA DO ORÇAMENTO BRASILEIRO QUANTO À EFETIVAÇÃO DAS DESPESAS APÓS A EC No 86/2015 O orçamento anual no que se refere à realização das despesas pode ser classificado como impositivo, autorizativo ou híbrido. Nesses termos, uma vez aprovada a peça orçamentária anual pelo Poder Legislativo, e sancionada pelo chefe do Poder Executivo, três possibilidades se afiguram quanto à realização das despesas por parte da Administração Pública dos diversos Poderes: 1) a primeira, se a autoridade responsável por sua execução não tem opção, ou seja, tem que cumprir o que foi, ou vier a ser, determinado pela Casa Legislativa, contexto no qual o orçamento caracteriza-se como impositivo àquele que o executa; ou 2) o segundo modelo, no qual a Casa Legislativa, ao aprovar o projeto de lei orçamentária, apenas confere uma autorização para que a Administração Pública do Poder respectivo, inclusive o próprio parlamento, realize o que foi previsto; e 3) o terceiro modelo, segundo o qual há determinadas categorias de despesas que devem ser necessariamente realizadas pelo gestor público, e outras espécies de despesas que são apenas autorizadas pelo parlamento, não sendo necessária a anuência legislativa para o não cumprimento do que foi previsto na lei orçamentária. Portanto, o elemento fundamental de distinção entre os diversos modelos diz respeito à necessidade ou não de prévio consentimento do parlamento para que deixem de ser realizadas as despesas fixadas na lei orçamentária. No primeiro modelo o parlamento assume o protagonismo não apenas na aprovação da peça orçamentária, mas também na própria fase de execução do orçamento. Já no segundo caso, o orçamento caracteriza-se por ser instrumento meramente autorizador dos gastos e, por conseguinte, da execução dos programas deles decorrentes. Nesse segundo modelo, que foi tradicionalmente adotado no Brasil (orçamento autorizativo), as despesas fixadas pelo Legislativo serviam, na prática, como teto ou limite para o executor do orçamento, na medida em que este pode realizar o que se denomina de contingenciamento, assim como determinar, sem a anuência ou prévio consentimento parlamentar, o corte ou remanejamento de despesas previstas no comando legislativo. No entanto, com a edição da Emenda Constitucional no 86/2015 (a qual constitucionalizou previsões semelhantes constantes das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dos anos de 2014 e 2015, algumas espécies de despesas passaram a ter a sua execução orçamentária e financeira obrigatórias, afastando, portanto, a possibilidade de o Poder Executivo, de forma unilateral, sem consentimento antecedente do Poder Legislativo, cortar despesas não obrigatórias, por meio do citado contingenciamento, que se tornou prática rotineira desde 1988. No Brasil, no início de quase todo exercício financeiro o Poder Executivo edita Decreto para bloquear gastos que fora aprovado na lei orçamentária anual (LOA) pelo Parlamento, tanto no âmbito da União como dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. À guisa de exemplo, no dia 22/05/2013 foi anunciado, pelo ministro da Fazenda e a ministra do Planejamento, o corte de despesas do orçamento federal da ordem de R$ 28 bilhões no Orçamento de 2013. Na mesma linha, já no dia 02.01.2012, o Jornal Valor Econômico publicou matéria indicando que governo federal também previu contingenciamento, tendo em vista que “as despesas com benefícios previdenciários, assistência social, seguro-desemprego e abono salarial, que constam do Orçamento da União para 2012, recém aprovado pelo Congresso, estão subestimadas em cerca de R$ 8 bilhões”. Assim, “se a previsão do governo se confirmar, a presidente Dilma Rousseff terá uma dificuldade adicional para cumprir a meta de superávit primário deste ano, equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), pois será obrigada a fazer um contingenciamento ainda maior das verbas orçamentárias”. Também no ano de 2011, já no dia 03 de janeiro, antes mesmo da sanção, promulgação e publicação da LOA aprovada em dezembro de 2010 pelo Congresso Nacional, já tinha sido anunciado pelo mesmo Jornal Valor, em matéria intitulada “Decreto deve bloquear preventivamente o Orçamento”, que a nova presidenta “Dilma Rousseff deve assinar, nos próximos dias, um decreto de bloqueio preventivo do Orçamento da União, até que o projeto aprovado pelo Congresso Nacional seja esmiuçado e as receitas e despesas, reprogramadas pela área econômica do novo governo”. Na mesma linha, no ano de 2010, após a edição de Decreto no 7.144, de 30 de março de 2010, ocasião em que foram bloqueados R$ 21,8 bilhões, foi editado o Decreto no 7.189, de 30 de maio de 2010, para contingenciar mais R$ 7,61 bilhões dos gastos autorizados pela lei do orçamento do exercício (LOA 2010), Lei no 12.214, de 26 de janeiro de 2010. Esses contingenciamentos, realizados por meio da limitação do empenho e de movimentação financeira, fundamentaram-se nos artigos 8º e 9º da Lei Complementar no 101/00, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os quais indicam que: Art. 8o Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4o, o Poder Executivoestabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso. Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade espe- cífica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vincu- lação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso. Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. Saliente-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento cautelar da ADI 2.238/DF (cujo redator para o acórdão foi o Min. Ayres Britto), suspendeu a eficácia do §3º do referido art. 9º da LC 101/2000, que autorizava o Poder Executivo, “no caso de os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput”, a limitar os valores financeiros de acordo com os critérios fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. A posição que prevalecu quantoa à matéria para a concessão da cautelar, liderada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, foi a de que não poderia o Poder Executivo “ser o julgador e o executor de uma eventual ilegalidade cometida por outro Poder, que tem vias constitucionais próprias, de impugnação”. Entendeu o Plenário, no julgamento da cautelar, conforme consignado na ementa do acórdão, lavrada pelo Ministro Ayres Britto, que se tratava de “hipótese de interferência indevida do Poder Executivo nos demais Poderes e no Ministério Público”. No que se refere ao contingenciamento das despesas, como ocorre normalmente, a oposição no Parlamento critica a prática de forma enfática, tendo em vista a redução do papel do legilativo em relação à fase da execução do ciclo orçamentário. Nesse sentido, conforme amplamente noticiado pela Agência Câmarano dia 02/06/2010, em relação ao orçamento de 2010: A decisão do Executivo de ampliar o contingenciamento das despesas discricionárias (não obrigatórias) do orçamento deste ano em R$ 7,614 bilhões foi criticada pela oposição nesta terça-feira, que viu na iniciativa deficiências no planejamento dos gastos e da receita. Na base governista, o bloqueio foi encarado como uma medida de austeridade e de preocupação sobre a alta inflacionária deste ano. Para o coordenador da bancada do PSDB na Comissão Mista de Orçamento, deputado Rogério Marinho (RN), a decisão mostra que o governo está falhando no planejamento. “Ele não prevê corretamente receitas e despesas e isso faz com que tenha que usar desses artifícios”, disse Marinho, lembrando que a razão do bloqueio foi uma previsão de queda da arrecadação para este ano. Segundo ele, o decreto de contin- genciamento, publicado na segunda-feira no Diário Oficial da União, evidencia ainda uma falta de prioridades do Executivo. “O governo quer sinalizar ao mercado que tem austeridade para coibir a inflação. Mas o que ele está fazendo é cortando ações essenciais ao Estado, como educação, quando deveria cortar gastos ruins, como o excesso de cargos comissionados, de viagens e diárias”, afirmou. Marinho referiu-se ao fato de o bloqueio atingir o Ministério da Educação, que teve a sua margem de empenho reduzida em R$ 1,339 bilhão, a maior entre todos os ministérios. “O governo aparelhou o Estado e não tem a coragem de cortar no custeio, no gasto ruim. Prefere cortar no essencial, no que significa desenvolvimento e infraestrutura”, concluiu o deputado. Equilíbrio Já na base governista a revisão orçamentária foi encarada como uma necessidade. “Governo sério, que tem responsabilidade com as contas públicas, tem que encarar isso [contingenciamento] como ato de rotina. Ele contingencia e, de acordo com o equilíbriodas contas, vai liberando no decorrer do ano. Até para não dizer que estamos fazendo ‘farra eleitoral’”, disse o deputado José Guimarães (PTCE). Segundo ele, ao contrário do que diz a oposição, o bloqueio não atingiu as ‘partes nobres’ do orçamento, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os programas sociais, nem os recursos para o aumento do salário mínimo e das aposentadorias e pensões dos beneficiários do INSS que ganham acima do mínimo. “Gastança seria abrir as porteiras”, disse o deputado. Guimarães afirmou ainda que o contingenciamento, ao limitar os gastos públicos federais, vai diminuir a pressão sobre a inflação, que vem em ritmo de alta. O decreto de contingenciamento é o segundo do ano. O primeiro, de março, já havia limitado as despesas em R$ 21,8 bilhões — R$ 21,5 bilhões no Executivo e R$ 300 milhões no Legislativo, Judiciário e Ministério Público da União (MPU). Desta vez, o bloqueio foi de R$ 7,489 bilhões para o Executivo, R$ 24,4 milhões no Legislativo, R$ 88,9 milhões no Judiciário e R$ 11,7 milhões no MPU. Avaliação Na consultoria de orçamento da Câmara, o impacto do novo contingenciamento na economia foi visto com reservas. Os consultores avaliam que ele poderá não ter o efeito previsto pelo governo no controle da inflação. O motivo é que o bloqueio não afetou a meta de superávit fiscal — de 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB) para o governo central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central) e 0,2% para as estatais. Com isso, as expectativas sobre a política fiscal, e sobretudo a pressão que ela exerce sobre a manutenção do ritmo elevado da atividade econômica, não deverão mudar. Ou seja, o Executivo mantém a sua demanda em alta e o contingenciamento afeta apenas a programação temporal dos gastos, avaliam os consultores. Essa sistemática, que se repete a cada ano, suscita, obviamente, muito embate político. Os fatos descritos, que têm se repetido anualmente, suscitam, obviamente, muito embate político, além de ensejar constantes tentativas de redefinição do modelo orçamentário brasileiro no que se refere à necessidade, ou não, da adoção no país do chamado orçamento impositivo, ou, ainda, de um modelo menos flexível do que o modelo autorizativo. A Proposta de Emenda à Constituição no 565/2006, por exemplo, à qual foram apensadas as PECs nos 169/2003; 385/2005; 465/2005; 46/2007; e 96/2007, e que possuia como objetivo central tornar “obrigatória a execução da lei orçamentária”, proposta até hoje não aprovada, nos termos idealizados, conforme será adiante verificado, traduzia a citada disputa por maior espaço de atuação de forma explícita, especialmente na definição da alocação e da utilização dos recursos públicos. A PEC no 565/2006 inten- cionava acrescer o artigo 165-A à CR-88 para estabelecer em seu caput que: a programação constante da lei orçamentária anual é de execução obrigatória, salvo se aprovada, pelo Congresso Nacional, solicitação, de iniciativa exclusiva do Presidente da República, para cancelamento ou contingenciamento, total ou parcial, de dotação. Dessa forma, caso fosse aprovada a alteração constitucional nesses termos, além de tornar obrigatória a execução do orçamento, nos termos aprovados pelo Legislativo, somente seria possível alterar a programação estabelecida, pelo parlamento, por meio de cancelamento ou contingenciamento da dota- ção, se aprovada previamente a alteração pelo próprio Congresso Nacional. Assim, estaria inviabilizada a edição de Decreto do Executivo para efetivar cortes e redimensionamento de despesas unilateralmente, como ocorre todos os anos. Em relação ao orçamento de 2014, sem que houvesse alteração na Constituição, introduziu-se uma sinificativa novidade, qual seja, uma adaptação que aproximou o sistema brasileiro do chamado orçamento impositivo. Na verdade, um modelo híbrido, consagrado, até março de 2015(antes da EC no 86/2015), tão somente no plano infraconstitucional, sem a garantia, portanto, de sua permanência ao longo do tempo, e limitado exclusivamente às emendas parlamentares individuais, não alcançando, dessa forma, as deno- minadas emendas coletivas. O Orçamento Impositivo obriga o governo a liberar integralmente os recursos das emendas parlamentares. Antes desse mecanismo, o dinheiro poderia não ser liberado, mesmo que as emendas estivessem inscritas no Orçamento. Além disso, os parlamentares reclamavam da lentidão do governo na disponibilização dos recursos. Pelo exposto, constata-se a relevância que assume o modelo de distribuição de competências entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, matéria de cunho político-jurídico, em especial quanto à interligação entre a realização das despesas e a sua fixação no orçamento. Nesse sentido, a natureza híbrida do orçamento brasileiro atualmente, no que se refere à realização das despesas, caracteriza parte fundamental da estrutura das finanças públicas do país, refletindo a atual ponderação dentro do sistema de checks and balances brasileiro. As tensões e os desafios decorrentes da distribuição de funções entre os poderes constitucionalmente constituídos na área das finanças públicas podem ser visualizados da seguinte forma: A adoção da forma de Estado federado, eleva sobremaneira o escopo das relações potencialmente conflituosas no que se refere à despesa, à receita, ao crédito, à dívida pública e ao orçamento, tendo em vista que se abre a possibilidade de tensões entre os Poderes dos diferentes níveis de governo, além das previsíveis contendas entre Poderes distintos das diversas esferas de governo. De fato, o Federalismo Fiscal, por se estruturar sob a constante tensão entre o imperativo da unidade do país de um lado e a necessidade de autonomia local de outro, eleva em muito o grau de complexidade do modelo jurídico-institucional do país. A interseção entre esses dois elementos — a distribuição de funções entre os poderes e o modelo de federalismo fiscal — e os possíveis conflitos e tensões decorrentes dessas interações, no plano vertical e horizontal, caracterizadora da complexidade das Finanças Públicas da República Federativa do Brasil, pode ser visualizada nos seguintes termos: Ressalte-se que foram suprimidas, considerando a dificuldade de visualização, a reprodução gráfica dos conflitos entre os poderes dos diferentes níveis de governo (ex. Poder Judiciário Estadual — Poder Executivo Municipal; Poder Judiciário no âmbito da União — Poder Executivo Estadual, etc), o que representaria com maior fidedignidade a complexidade das interações sistêmicas das finanças públicas na República Federativa do Brasil. Em que pese o exposto, merece destaque a interessante análise sobre a política orçamentária no presidencialismo de coalizão brasileiro. Na realidade, o conflito não seria propriamente entre os Poderes Executivo e Legislativo, e sim entre os dois blocos parlamentares distintos, ou seja, aqueles que apóiam o Poder Executivo e outros que fazem oposição ao governo. A principal fonte de conflitos do sistema político brasileiro não advém das relações entre poderes e, sim, de clivagens político-partidárias. Os parlamentares dividem-se em dois grandes campos: os que apóiam e os que se opõem ao Executivo. Essa distinção implica, em primeiro lugar, o apoio da maioria à centralização da condução do processo orçamentário em sua fase congressual. Há uma delegação de poder das bases para as lideranças partidárias, representadas neste caso pelo relator-geral e seus colaboradores diretos. Essa delegação explica o papel reduzido que as emendas individuais desempenham na participação do Congresso no processo orçamentário e a importância que as questões macroeconômicas assumem para os relatores. Antes de mais nada, o orçamento visa garantir o sucesso da política do governo, especialmente a econômica, prioritária no período analisado. A despeito da pertinência da conclusão quanto à centralização das decisões nas mãos do relator-geral, da redução do papel das chamadas emendas individuais, bem como da preponderância dos aspectos macroeconômicos sobre o orçamento brasileiro, a mencionada subdivisão entre os dois blocos parlamentares — de apoio e de oposição ao Executivo — consubstancia, sob nosso ponto de vista, na verdade, elemento do processo político de nosso presidencialismo, o qual reflete o desdobramento político- partidário da tensão estrutural subjacente ao processo de distribuição de funções entre os Poderes, e não a principal fonte de conflitos do sistema político brasileiro. Dito de outra forma, o sistema de distribuição de funções adotado e as definições de natureza estruturantes, tais como o modelo de orçamento, impositivo, autorizativo ou híbrido, e a especificação das atribuições de cada Poder no processo orçamentário, precedem o embate político partidário e de formação de maiorias parlamentares circunstanciais, uma vez que se encontram, no caso brasileiro, consolidadas na própria Constituição. Supremo manda governo do RJ repassar recursos para custeio do TJ Disponível em:< http://g1.globo. com/rio-de-janeiro/noticia/2015/12/ supremo-manda-governo-do-rj- -repassar-recursos-para- custeio-do-tj. html> Verba deveria ter sido liberada até o dia 20, como prevê a Consti- tuição. Governo diz que precisa do conteúdo da decisão do STF para se posicionar. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewan- dowski, concedeu liminar que determina que o governo do Rio repasse ao Tribunal de Justiça estadual os valores previstos no Orçamento para custeio da Corte relativos ao mês de dezembro. Em nota, o governo diz que alterou calendário de pagamento, por causa da crise, para o dia 7 de janeiro. De acordo com a assessoria de imprensa, o governo não havia sido comunicado até as 20h desta terça-feira (22) e precisa do conteúdo da decisão do supremo para se posicionar. O presidente do TJ, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, entrou com mandado de segurança no Supremo hoje porque o governo do Rio não repassou o valor de dezembro até o dia 20, conforme prevê a Constituição. O TJ apresentou declaração do Diretor Geral de Plane- jamento, Coordenação e Finanças do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro certificando o não repasse de dezembro. Para Lewandowski, “há plausibilidade” no pedido do TJ “quanto a uma possível omissão do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro de modo a comprometer a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário” local. Segundo o ministro Lewandowski, o artigo 168 da Constituição é claro ao afirmar que “os recursos correspondentes às dotações orçamen- tárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos”. “Como se nota pelo dispositivo constitucional transcrito é do Chefe do Poder Executivo estadual, exclusivamente, a obrigação constitucio- nal de entregar em duodécimos, até o dia 20 de cada mês, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislati- vo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública”, afirmou Lewandowski. Por fim, cumpre destacar que a estimativa da receita assume caráter fundamental dentro do contexto orçamentário, pois é com base nela que são autorizadas as despesas (estimadas), requisito necessário e essencial à sua efetivação nos termos do já citado artigo 167, incisos I e II, da CR-88. Assim, receita superestimada, o que pode decorrer da própria atuação parlamentar, conforme será estudado a seguir, conduz e implica despesa autorizada em
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