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A Criminologia Radical Juarez Cirino

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Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos
Mestre em Ciências Jurídicas (PUC/RJ)
Doutor em Direito Penal (UFRJ)
Pós-doutorado no Institut für Rechts- und Sozialphilosophie
CU niversidade do Saarland, Alemanha)
A Criminologia
Radical
ICPC
LUMEN JURIS
2008
copyright <i,d 200~ b,. ICPC Editora Ltda. c Uvraria e Editora LumenJuris Ltda.
Todos os direitos rcscn-ados às editOras
ICPC Editora Ltda. e Linaria e Editora LumenJL1ris Ltda .
.A reprodução total ou parcial dc~[a obra, por qualquer meio ou processo.
sem a autorização prévi1 das Editoras, constitui crune.
ICPC Editora Ltda.
Diretor
Juarez Cirino dos Santos
\Vww.cmno.com.br
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Editores
João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida
\\i'\\lw.lwnenjuris.com.br
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Capa:
Rodrigo Michel Ferreira
Projeto Gráfico:
Kellen Susana Zamarian
s+=c00460'5~
Santos, Juarez Cirino dos
t\ criminologia radical/Juarez Cirino dos Santos. - 3. ed. - Curitiba:
ICPC : Lwnen Juris, 2008.
139p. ; 21cm.
ISBN 978-85-375-0183-2
Bibliografia: p. 131-136.
1. Crime. 2. Criminalidade. 3. Controle Social. I. Título
CDD (21' ed.)
364
Dados internacionais de catalogação na publicação
Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Tei.xeÍra
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Dedico este trabalho aosprifessores
João Mestieri e
Heleno' Fragoso (in memon'am)
w
Nota do Autor para a 3a Edição
Este pequeno livro - talvez um clássico da crimino-
logia brasileira - mantém plena atualidade científica e ampla
utilidade pedagógica. Entre outras coisas, parece cumprir a
tarefa didática de apresentar aos estudantes e profissionais
da Justiça Criminal as premissas ideológicas, os objetivos
políticos e os fundamentos científicos da moderna Crimi-
nologia Crítica. Esse papel é a explicação mais razoável para
o rápido esgotamento da 2a edição do livro, publicada em
2006.
A 3a edição de A Criminologia Radical surge sem
alterações de conteúdo ou de forma, exceto uma ou outra
correção pontual no texto. A idéia é preservar a originali-
dade teórica e metodológica de um trabalho acadêmico pro-
duzido no nascedouro de uma revolução do pensamento
científico sobre crime e controle social nas sociedades
contemporâneas.
•
Curitiba, janeiro de 2008 Juarez Cirino dos Santos
v
PREFÁCIO
Este livro foi escrito na época da ditadura militar no
Brasil - entre 1979 e 1981 -, apresentado como tese para
obtenção do título de doutorem Direito Penal na Faculdade de
Direito da UFRJ, defendido e aprovado com a nota máxima
por uma banca examinadora constituída pelos professores
Helena Fragoso, Roberto Lyra Filho, Celso de Albuquerque
Mello, Celso César Papaléo e João Mestieri (orientador)
- mestres que dignificaram a vida acadêmica, científica e
intelectual do País naqueles tempos sombrios.
Na época, os partidos políticos estavam amorda-
çados, os sindicatos reprimidos, a imprensa censurada, a
universidade e os intelectuais acuados - mas a resistência
democrática crescia em todos os segmentos da sociedade
civil e política brasileira. Os centros de produção científica
e cultural do País foram invadidos pela ideologia de lei e
ordem do AI-5, mas não foram dominados: na PUC/RJ,
o movimento docente da ADPUC e dos estudantes nos
Centros Acadêmicos era vigoroso; na Cândido Mendes/
Ipanema nunca houve censura política de professores; na
Faculdade de Direito da UFRJ, a luta histórica do CACO
(Centro Acadêmico Cândido de Oliveira) abria espaço para
defesa de teses marxistas como A Criminologia &dical, por
exemplo.
Vil
•
i\ idéia do livro surgiu ao escrever a dissertação de
mestrado na PUC/RJ, publicada como A Criminologia da
Repressão (Forense, 1979), que descrevia a criminologia po-
sitivista dominante na academia e no sistema de controle
social. O estudo crítico dessa criminologia conservadora
permitiu descobrir textos e autores pouco conhecidos no
meio universitário brasileiro, com conceitos revolucionários
sobre crime e controle social, como Punishment and social
structure de Rusche e Kirchheimer (1939), The New Crimi-
nology de Taylor, Walton e Young (1973) e Vzgiar e Punir de
Foucault (1977), espécie de linha defrente de um movimento
universal de criminologia crítica composto por cientistas, filó-
sofos e militantes políticos de vanguarda, como Alessandro
Baratta na Alemanha, Dario Melossi e Massimo Pavarini na
Itália, Tony Platt, William Chambliss e os Schwendingers
nos Estados Unidos, LaIa Aniyar de Castro e Rosa del
Olmo na América Latina, para citar apenas alguns. Então,
porque não apresentar ao público brasileiro os fundamen-
tos científicos e os objetivos políticos dessa criminologia de
raízes que pretendia "seconstitui?; não como outra 'criminologiada
repressão: mas como a única Criminologia da Libertação)) - como
a denominamos originalmente - e precisamente nesses
tempos de caça às bruxas?
O percurso intelectual de elaboração do livro teve
momentos inesquecíveis: a tradução (com Sérgio Tan-
credo) de Criticai Criminology, de Taylor, Walton e Young
(Criminologia Crítica, Graal, 1980); as discussões jurídicas e
políticas no Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro,
sob a presidência de Helena Fragoso, a liderança de Nilo
Batista e um time de encher os olhos: João Mestieri, Au-
viii
gusto Thompson, Heitor Costa] únior, Cláudio Ramos,
Juarez Tavares, Sérgio Verani, Técio Lins e Silva, Arthur
Lavigne, Luiz Fernando Freitas Santos, Yolanda Carão, Eli-
sabeth Sussekind e outros mais; o e?sino de Direito Penal
e Criminologia na graduação em Direito da PUC/R] e da
Cândido Mendes-Ipanema, de 1976 a 1981; e a romântica
militância política no MR8 (Movimento Revolucionário 8
de Outubro) de Lamarca e Marighela, então já assassinados
pela ditadura militar.
Escrever A Criminologia Radical foi uma experiência
pessoal emocionante, espécie de êxtase psíquico renovado
a cada descoberta intelectual. E a reação do público foi
espetacular: profissionais conservadores estigmatizaram o
livro, mas criminólogos progressistas encontraram nele a
verdadeira criminologia; alguns professores diziam ensinar
criminologia radical- e não simplesmente criminologia _, entre-
gando aos alunos fotocópias do livro, esgotado nas livrarias;
o livro foi objeto de seminários organizados por professores
e de grupos de estudo formados por estudantes de Direito.
Ainda hoje - vinte cinco anos depois da 1a edição _, em
conferências e debates pelo País, encontro profissionais do
Direito e estudantes com um velho exemplar do livro na
mão, para um autógrafo. Em suma, aconteceu com o livro
o que acontece com a ciência social erigida sobre a luta de
classes: ou é aceita ou é rejeitada, não há meio-termo.
O livro não foi republicado por causa de um projeto
- aliás, sempre adiado - de fundir A Cnominologia Radical
com A CriminologiOada Repressão eAs Raízes do Crime, em um
Curso de Criminologia para os estudantes brasileiros. Mas o
argumento de que A Criminologia Radical seria um clássico
IX
na literatura criminológica brasileira, devendo ser republi-
cado sem mudanças - independente daquele projeto -, foi
convincente. E aí está a 2a ,ediçào do livro, comalgumas
alterações de forma para facihtar a leitura, mas sem nenhuma
mudança de conteúdo para preservar a originalidade - até
para mostrar que certas teorias pretensamente novas já
completaram a maioridade no Brasil.
Hoje, com o Estado Democrático de Direito e o novo
quadro político-institucional do País, as teses do livro con-
tinuam atuais - e podem contribuir para a formulação de
políticas criminais democráticas e humanistas, opostas ao'
boom repressivo e intolerante das políticas penais próprias
do período de globalização da economia capitalista, ainda
e sempre sob a égide do capital financeiro internacional.
Curitiba, janeiro de 2006.
Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR
x
SUMÁRIO
I. INTRODUçAo 1
11. A CIUMINOLOGIt\ ~\DICAL. 35
IH. A CIUMINOLOGIA RADICAL E o
CONCEITO DE CIUME 49
IV A CRIMINOLOGIA RADICAL E A POLÍTICA DO
CONTROLE SOCIAL. .........................................................•.. 61
V A CRIMINOLOGIA RADICAL E A FORMA LEGAL DO
CONTROLE SOCIAL 87
VI. A CRIMINOLOGIA RADICAL E ALTERNATIVASDO
CONTROLE SOCIAL. l11
VII. CONCLUSÕES 125
BIBLIOGRAFIA 133
xi
•
I. INTRODUÇÃO
o desenvolvimento de teorias radicais sobre crime,
desvio e controle social está ligado às lutas ideológicas e
políticas das sociedades ocidentais, na era da reorganização
monopolista de suas economias. Esse movimento teórico
pode ser explicado, nas suas formas básicas, pelas transfor-
mações econômicas e políticas, nacionais e internacionais,
do período da planetarização das relações de produção e de
comercialização de bens, da divisão internacional do traba-
lho e da polarização universal entre países desenvolvidos e
hegemônicos e povos subdesenvolvidos e dependentes.
O estudo das teorias radicais sobre crime e controle
social deve, portanto, fixar as linhas teóricas e metodoló-
gicas comuns aos movimentos e tendências críticas em
Criminologia e indicar os vínculos' desses movimentos e
tendências com as estruturas econômicas e políticas e as
relações de poder e de dominação das sociedades capitalis-
tas.A construção intelectual das coordenadas científicas das
teorias radicais exige, além do exame de produções teóricas
particulares representati"as desse movimento e tendências,
o uso de categorias capazes 'de captar as transformações
históricas e as lutas sociais, políticas e ideológicas que,
simultaneamente, produzem e explicam a Criminologia
Radical.
A Cn>JJillologia Radical
A Criminologia Radical surge como crítica radical da
teoria criminológica tradicional, assim como - guardadas
as devidas proporções - o marxismo surgiu de uma crítica
radical da economia política 'Clássica:ambas as construções
assumem na prática e desenvolvem na teoria um ponto
de vista de classe (a classe trabalhadora), em cujo centro
se encontra o proletariado. Mas enquanto o marxismo é
a estruturação de conceitos radicalmente !-l0vos sobre as
forças e a direção do movimento histórico, a Criminologia
Radical se edifica com base no método e nas categorias
científicas do marxismo, desenvolvendo e especializando
conceitos na área do crime e do controle social, mediante a
crítica da ideologia dominante, como exposta e reproduzida
pelas teorias tradicionais do controle social: as teorias clás-
sicas e positivistas, e algumas variantes da fenomenologia
moderna.
1. As Teorias Tradicionais
Após a Segunda Guerra, nos países industrializados
do Ocidente se desenvolve uma criminologia concentrada
no estudo de causas ambientais, preocupada com privações
materiais, lares desfeitos, áreas desorganizadas e pobres etc.,
abandonando as teorias genéticas e psicológicas, e outras
teorias conservadoras sobre a "perversidade humana" na
explicação da etiologia do crime. Essa orientação teóric(1,
conhecida como criminologia fabiana por causa de sua
tendência ao compromisso, trabalhava com dois grupos de
fatores básicos: a subsocialização (insuficiente assimilação de
valores culturais por deficiências de educação) e a corrupção
2 ,.
'.
In/Toe/uçâo
indiz)idZfa/ (assimilação deformada dos valores culturais). A
punição, como medida anticriminal oficial, justificava-se
naturalmente como correção ressocializadora e oportuni-
dade para arrependimento (Taylor, Walton e Young, 1980,
p. 10-11). A posição de compromisso do enfoque repre-
senta uma composição entre tendências conservadoras
(teorias clássicas e positivistas biológicas) e liberais (teorias
positivistas sociológicas e as fenomenologias do crime) da
criminologia dominante.
As teorias conservadoras caracterizam-se pela descrição
da organização social: a ordem estabelecida (status quo) é
o parâmetro para o estudo do comportamento criminoso
ou desviante e, por isso, a base das medidas de repressão e
correção do crime e desvio. A ideologia das teorias conser-
vadoras é essencialmente repressiva: fundada na hierarquia
e na dominação, como bases da lei e da ordem, tem um
significado prático de legitimação da ordem social desigual
(Taylor et alii, 1980, p. 22-23).
As teorias liberais se caracterizam pela prescrição
de riformas, concentrando-se em pesquisas sociológicas
para sugerir mudanças institucionais (descriminalização,
tratamento penitenciário etc.) e sociais (habitação, assis-
tência etc.) como meios de prevenção do comportamento
anti-social. A ideologia liberal separa a atividade teórica
do cientista, limitado a sugerir ou aconselhar, e a prática
política do administrador, o homem de decisão atento às
necessidades concretas: o assessoramento do administrador
por cientistas e técnicos, incumbidos do trabalho abstrato,
exprimiria a subordinação da ciência aos imperativos polí-
ticos. A maioria da criminologia atual, especialmente em
3
•
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Foxit
Underline
A Criminologia Radical surge como crítica radical danullnullteoria criminológica tradicional, assim como - guardadasnullnullas devidas proporções - o marxismo surgiu de uma críticanullnullradical da economia política 'Clássica
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Foxit
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A maioria da criminologia atual, especialmente em
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etc.) e sociológicas (patologia social, desorganização social e
comportamento desviante).
---- ..-._------------------
instituições ligadas à realidade oficial, concentrada em pes-
quisas sobre reincidência, métodos de prevenção, regimes
penitenciários etc., segue o esquema liberal (Taylor et a/li",
1980, p. 23-25).
A Criminologia F..Lldical
Mas a conexão ideológica entre conservadores e libe-
rais para formação de uma mmin%gia correciona/ista está na
noção comum de que a maioria do comportamento social
é cOnt'enciona!,ou seja, ajustado aos parâmetros normativos,
enquanto o comportamento não-convenciona!, constituído
pelo crime e desvio, seria a minoria do comportamento
social. O enfoque comum de conservadores e liberais não
questiona a estrutura social, ou suas instituições jurídicas e
políticas (expressivas de consenso geral), mas se dirige para
o estudo da minoria criminosa, elaborando etiologias do crime
fundadas em patologia individual, em traumas e privações
da vida passada, em condicionamentos deformadores do
sistema nervoso autônomo, em anomalias na estrutura
genética ou cromossômica individual etc., em relação
com as circunstâncias presentes, cuja recorrência produz
tendências fixadas, psicológicas, fisiológicas ou outras. No
estudo dessa etiologia (e suas relações), o criminólogo
realizaria uma tarefa neutra, independente de interesses
pessoais e do sistema de reação contra o crime, com seus
condicionamentos políticos e ideológicos (Young,1980,p. 75).
Mas não se trata de estudar em detalhes, neste texto, as te-
orias conservadoras e liberais, objeto específico de estudo
em A Criminologia da Repressão (Cirino, 1979), cam ampla
análise de seus postulados ideológicos e estruturas teóricas,
dentro do seguinte esquema: a) teorias clássicas; b) teorias
positivistas biológicas (genéticas, psicológicas, psiquiátricas
4
2. A Formação das Teorias Radicais em
Criminologia
Sem desmerecer contribuições anteriores, geralmente
incompletas e limitadas, ou com distorções reformistas
ou formalistas, um dos primeiros estudos sistemáticos do
desenvolvimento da teoria criminológica sob um método
dialético, aplicando categorias do materialismo histórico,
é o trabalho coletivo The New Cnminology (Taylor, Walton
e Young, 1973). O texto apresenta uma crítica interna das
teorias do crime, desvio e controle social, desde as con-
cepções clássicas, passando pelos positivismos biológicos
e sociológicos, as contribuições fenomenológicas e intera-
ciorustas e, finalmente, as teorias conflituais, destacando,
nas conclusões, os estágios analíticos da criaçãoe da aplicação
da norma criminal: as origens do comportamento desviante
(estruturais e imediatas), o comportamento desviante con-
creto e as origens da reação social (imediatas e estruturais).
Esse texto acelerou a formação da Criminologia Radical,
ao exprimir a revolta de teóricos críticos (Laurie Taylor,
Stan Cohen, Mary McIntosh, Ian Taylor, Paul Walton,
Jock Young etc.) contra o pragmatismo puritano e correcio-
nalista da criminologia convenci~:md, em Cambridge, 1968,
formando a própria conferência:a National Deviancy Con-
ference (Mintz, 1974, p. 33). Esse encontro, realizado em
York, no ano de 1968, com mais de 400 participantes, marca
uma ruptura coletiva e coordenada com a criminologia tra-
•
5
Foxit
Underline
nstituições ligadas à realidade oficial, concentrada em pes
Foxit
Highlight
 conexão ideológica entre conservadores e libe
Foxit
Underline
noção comum de que a maioria do comportamento socialnullnullé cOnt'enciona!,ou seja, ajustado aos parâmetros normativos,nullnullenquanto o comportamento não-convenciona!, constituídonullnullpelo crime e desvio, seria a minoria do comportamentonullnullsocial
Foxit
Highlight
O enfoque comum de conservadores e liberais nãonullnullquestiona a estrutura social, ou suas instituições jurídicas enullnullpolíticas (expressivas de consenso geral), mas se dirige paranullnullo estudo da minoria criminosa, elaborando etiologias do crimenullnullfundadas em patologia individual, em traumas e privaçõesnullnullda vida passada, em condicionamentos deformadores donullnullsistema nervoso autônomo, em anomalias na estruturanullnullgenética ou cromossômica individual etc.
Foxit
Underline
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Foxit
Underline
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Foxit
Underline
positivistas biológica
Foxit
Underline
sociológica
Foxit
Squiggly
The New Cnminology 
111/rodJlçeio
---------"-"-----"--------------_. __ ._._----~-~-A Cn"mil1o!ogia N/dica!
dicional, conservadora e liberal, com a superação de suas
elaborações mais sofisticadas, como a teoria da rotulação,
por exemplo, definida co~o "criminologia cética".
O livro de Taylor,Walton e Young, com o título irôni-
co de "A nova criminologia", trata de uma velha criminologia:
sua crítica pretende, remotamente, o desenvolvimento de
uma criminologia marxista, colocando as questões do crime
e do controle social em perspectiva histórica e reconhecen-
do a urgência de uma economia política do crime, alternativa à
criminologia micro-sociológica, conflitual ou interacionista
(Mintz, 1974, p. 33-39). Criminólogos radicais criticaram o
estilo tradicional do trabalho, definindo-o como "história
das idéias criminológicas" não situadas nas condições reais
de seu desenvolvimento, espécie de "crítica da crítica" etc.
(del Olmo, 1976, p.64). Em autocrítica posterior os autores
reformularam as tendências formalistas e o estilo idealista
do livro (Taylor et alii, 1980), afirmando a necessidade de
redefinir a problemática do crime e do controle social
como fenômenos inteiramente inseridos no processo social,
ligados à base material e à estrutura legal do capitalismo
contemporâneo: a economia política - ou melhor, a es-
trutura econômica em que se articulam as relações sociais
no capitalismo - surge como o determinante primário da
formação social, formalizado nas superestruturas jurídicas
e políticas do Estado.
Mas o acontecimento crucial da formação da Crimi-
nologia Radical é a criação do Grupo Europeu para o Estudo do
Desvio e do Controle Social, em Florença, Itália, em 1972, com a
publicação de um Manifesto (reeditado em 1974), denuncian-
do os modos dominantes de análise do crime - produto de
6
defeitos psicológicos ou de personalidades anormais - e do
controle social, avaliado em termos de efetividade e eficiência
e, portanto, como variantes do positivismo, concentrados
em estatísticas criminais. A importância do evento residiu
no estabelecimento de uma base ideológica e científica para
um trabalho teórico coletivo e organizado, cuja proposta
geral compreendia a crítica radical da teoria criminológica e
social dominante, a participação em movimentos políticos
de libertação de minorias oprimidas e no trabalho de massa,
a organização e coordenação das lutas de presos etc. - em
suma, um programa teórico e prático no contexto das re-
lações entre os sistemas de controle social e a estrutura de
classes do modo de produção capitalista (Manifesto, 1974).
A tarefa de esclarecer a relação crime/formação econômico-social
leva à inserção do fenômeno criminoso na e.ifera deprodução
(e não apenas na e.ifera de circulação): as relações deprodução e
as questões de poder econômico epolítico passam a constituir
os conceitos fundamentais da Criminologia Radical (del
Olmo, 1976, p. 64). Reuniões sucessivas definem alguns
postulados teóricos e metodológicos do questionamento
radical: a crítica da ideologia conservadorae liberal (concei-
to de delinqüente como anormal ou patológico, necessitado
de tratamento ou de reabilitação), se baseia na concepção
materialista da história, que estuda o crime e os sistemas de
controle do crime como fenômenos enraizados nas contradi-
ções de classe de formações econômico-sociais particulares,
estruturadas pelo modo de produção dominante. A ligação
da teoria criminológica com a teoria do Estado, através da
ciência da história, permite identificar o desenvolvimento
das instituições de controle social com a história superes-
Foxit
Underline
o desenvolvimento denullnulluma criminologia marxista, colocando as questões do crimenullnulle do controle social em perspectiva histórica e reconhecen
Foxit
Underline
necessidade denullnullredefinir a problemática do crime e do controle socialnullnullcomo fenômenos inteiramente inseridos no processo social,nullnullligados à base material e à estrutura legal do capitalismonullnullcontemporâneo: 
Foxit
Squiggly
rupo Europeu para o Estudo donullnullDesvio e do Controle Social, e
Foxit
Squiggly
Manifesto 
Foxit
Highlight
A tarefa de esclarecer a relação crime/formação econômico-socialnullnullleva à inserção do fenômeno criminoso na e.ifera deproduçãonullnull(e não apenas na e.ifera de circulação): as relações de produção enullnullas questões de poder econômico epolítico passam a constituirnullnullos conceitos fundamentais da Criminologia Radical (delnullnullOlmo, 1976, p. 64)
Foxit
Highlight
rítica da ideologia conservadora eliberal (concei
:.
•
A Crimino!o,gia Radica!
trutural da dominação do capital, bem como relacionar
os fenômenos do crime com a história da sobrevivência
do trabalho assalariado, em condições de exploração e de
miséria, na contextura de classes das sociedades capitalistas
(deI Olmo, 1976, p. 66-67).
A hipótese de que deSigualdades econômicas e po-
líticas entre as classes sociais são determinantes primários
do crime revigora teses radicais sobre sociedades livres de
crimes - ou livres da necessidade de criminalizar para so-
breviver - e orienta o esforço coletivo para a elaboração de
uma teoria criminológica comprometida com a construção
do socialismo: a libertação do potencial de desenvolvimento
humano pela libertação da luta de sobrevivência material
de comer, consumir etc. Na linha dessa proposição, teoria
e pesquisa criminológica constituem uma praxis social, em
que uma precisa concepção da utilidade do conhecimento
como instrumento de libertação encoraja e promove as
transformações indicadas por seus preceitos. Admitindo
a centralidade da classe trabalhadora como força política
capaz de edificar o socialismo, a Criminologia fuldical rea-
valia o significado e destaca a importância crescente das
minorias oprimidas pela condição de classe (a população
das prisões), de raça (negros, índios etc.), de sexo ou de
idade para a execução daquele projeto político (Taylor et
a/il, p. 25-32). Na época do capitalismo monopolista, em
que menos de um terço da força de trabalho potencial
está integrada nos processos produtivos, e mais de dois
terços dessa força de trabalho se encontra em situação
de marginalização forçada do mercado de trabalho, como
8
lnlrodlfcào
-----~--_ .._-----_.__ ._._~. __ ._---------_ .._--,--_._--------~-~----
mão-de-obra ociosa controlada diretamente pela prisão,
nas suas conexões com a polícia e a justiça criminal, parece
sem sentido considerar o preso como /umpenproletariado,
sem consciência ou organização política e sem papel na
luta de classes: a população carcerária é extraída da classe
trabalhadora, engajada nas lutas sindicais por direitos tra-
balhistas e leva para a prisão a experiência na organização
de movimentos de reivindicações (a luta pela observância
das regras mínimas, pela preservação dos direitos não afe-
tados pela privação da liberdade etc.) e de protestos contra
violências na prisão, contra a exploração do trabalho do
preso etc., elevando o nível de consciência e de organização
da população reprimida (Mintz, 1974, p. 50-53).
Na Europa e nos EUA, a partir da década de 60, as
teorias radicais germinam nas lutas políticas por direitos
civis, no caso dos ativistas negros americanos, nos movi-
mentos contra a guerra, generalizados durante o genocídio
do Vietnã, no movimento estudantil, em 1968, nas revoltas
em prisões e nas lutas de libertação anti-imperialistas dos
povos e nações do Terceiro Mundo. Esse vínculo prático
de criminólogos radicais com as lutas políticas e movimen-
tos sociais da segunda metade do século desenvolve-se,
progressivamente, em uma crítica vertical à criminologia
convencional-liberal que hegemoniza ,ateoria e a pesquisa
sobre crime, desvio e controle social, com a literatura mais
influente, técnicos e consultbres governamentais, o pre- .
domínio em comissões para o estudo do comportamento
anti-social e a elaboração de programas de prevenção, geral
e especial (platt, 1980, p. 113-14).
9
Foxit
Highlight
orienta o esforço coletivo para a elaboração denullnulluma teoria criminológica comprometida com a construçãonullnulldo socialismo: a libertação do potencial de desenvolvimentonullnullhumano pela libertação da luta de sobrevivência materialnullnullde comer, consumir e
Foxit
Highlight
teorianullnulle pesquisa criminológica constituem uma praxis social
Foxit
Highlight
precisa concepção da utilidade do conhecimentonullnullcomo instrumento de libertação encoraja e promove asnullnulltransformações indicadas por seus preceitos
Foxit
Underline
 parecenullnullsem sentido considerar o preso como /umpenproletariado,nullnullsem consciência ou organização política e sem papel nanullnullluta de classes: a população carcerária é extraída da classenullnulltrabalhadora, engajada nas lutas sindicais por direitos tra
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-" -----~.._---_ .._--_._-_._-------------------_. __ ...._---_ .._ ..A Criminologia RL,diml
A hegemonia conservadora e liberal em teoria e
pesquisa criminológica não se explica por convergências
teóricas ou metodológicas, pois são muitas as clivergências
internas entre sociólogos positivistas, teóricos do conflito
ou do labeling opproac'h etc., mas pelo significado ideológico
comum de seus postulados fundamentais (platt, 1980). O
processo de formação e estruturação da Criminologia Ra-
dical é inseparável da crítica aos componentes ideológicos
fundamentais da criminologia dominante, na medida em
que constitui seu próprio perfil ideológico e científico por
diferenciação e oposição àquela. A gênese crítica da Crimino-
logia Raclicalcomeça nas questões conexas do conceito de
crime e das estatísticas criminais, deslindando as implicações
políticas e as premissas ideológicas que fundamentam as
teorias criminológicas traclicionais e informam as ciências
sociais, em geral, nas sociedades de classes, e prossegue
nos aspectos superestruturais feticruzados das relações de
produção, sob a teoria da inseparabilidade das lutas sociais
contra a exploração econômica, no contexto das relações de
produção, e contra a dominação política, no contexto das
relações de poder, em que a prisão se caracteriza como a
forma específica do poder burguês, "diretamente determina-
da pelo modo de produção capitalista" (Fine, 1980, p. 26).
3. A Crítica às Teorias Tradicionais
O ponto de partida da criminologia dominante é
o conceito de crime: comportamentos definidos legalmente
como crimes e/ ou sancionados pelo sistema de justiça cri-
minal como criminosos são a base epistemológica dessa
10
criminologia (Lyra Filho, 1980, p. 10). Crime é o que a lei,
ou a justiça criminal, determina como crime, excluindo com-
portamentos não definidos legalmente como crimes, por
mais danosos que sejam (o imperialismo, a exploração do
trabalho, o racismo, o genocídio etc.), ou comportamentos
que, apesar de definidos comocrimes, não são processados
nem reprimidos pela justiça criminal, como a criminalidade
de "colarinho branco" (fixação monopolista de preços,
evasão de impostos, corrupção governamental, poluição do
meio ambiente, fraudes ao consumidor, e todas as formas
de abuso de poder econômico e político, que não aparecem
nas estatísticas criminais). A questão aparentemente neutra
e incontroversa da definição legal de crime - ou da atuação
da justiça criminal, indicada nas estatísticas criminais -,
como base do trabalho teórico da criminologia tradicional,
manifesta um conteúdo ideológico nítido, que concliciona
e deforma toda a teoria e pesquisa, reduzida à descoberta
das causas do comportamento criminoso (Chambliss, 1980;
Lyra Filho, 1980).
A clistorção ideológica da criminologia tradicional
não se reduz ao que está excluído da definição legal, ou da
sanção da justiça criminal, mas resulta diretamente do que
está incluído nas definições legais ou nas sanções da justiça
criminal, como inclicado nas estatísticas e registros oficiais
sobre o comportamento criminoso, a base permanente
daquela criminologia. Um simples exame empírico (Fra-
goso, Catão e Sussekind, 1980) mostra a natureza classista
da definição legal de crime e da atividade dos aparelhos
de controle e repressão social, como a polícia, a justiça e
a prisão, concentradas sobre os pobres, os membros das
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I
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Foxit
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 ponto de partida da criminologia dominante énullnullo conceito de crime: comportamentos definidos legalmentenullnullcomo crimes e/ ou sancionados pelo sistema de justiça cri
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Crime é o que a lei,nullnullou a justiçacriminal, determina como crime,excluindo com
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ou comportamentosnullnullque, apesar de definidos como crimes, não são processadosnullnullnem reprimidos pela justiça criminal, como a criminalidadenullnullde "colarinho branco" (
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manifesta um conteúdo ideológico nítido
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A questão aparentemente neutranullnulle incontroversa da definição legal de crime - ou da atuaçãonullnullda justiça criminal, indicada nas estatísticas criminais -,nullnullcomo base do trabalho teórico da criminologia tradicional,nullnullmanifesta um conteúdo ideológico nítido, que conclicionanullnulle deforma toda a teoria e pesquisa, reduzida à descobertanullnulldas causas do comportamento criminoso
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A Crilllil1%c~itlRadica/
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classes e categorias sociais marginalizadas e miserabilizadas
pelo capitalismo. A situação geral dos países capitalistas
pode ser exemplificada por seu modelo mais representati-
vo, a sociedade americana (Taylor et alii, 1980, p. 39), cuja
população contém 20% de pessoas do Terceiro Mundo,
como negros, mexicanos e porto-riquenhos, que consti-
tuem 50% da população carcerária; existem mais negros
nas prisões do que nas universidades e, enquanto categoriais
da população trabalhadora (operários, artífices, operadores
etc.) representam 59% da força de trabalho da sociedade,
constituem 87,4% da população das prisões. Nas sociedades
capitalistas, a indicação das estatísticas é no sentido de que
a imensa maioria dos crimes é contra o patrimônio, de que
mesmo a violência pessoal está ligada à busca de recursos
materiais e o próprio crime patrimonial constitui tentativa
normal e consciente dos deserdados sociais para suprir
carências econômicas.
A insistência de teoncos liberais e conservadores
sobre estatísticas, como indicação da extensão do crime na
sociedade, ou de que criminosos condenados são a maior
aproximação possível da quantidade real de violadores
da lei, decorre da explicação da criminalidade por fatores
pessoais (biológicos, genéticos, psicológicos etc.) ou sociais
(ambiente, família, educação etc.), que seriam responsáveis
pela super-representação das classes dominadas e pela
sub-representação das classes dominantes nas estatísticas
criminais. Mas a confiabilidade das "evidências" (no caso,
o dado estatístico) e a validade das teorias da cri~nologia
tradicional são destruídas pela relatividade do crime e pelas
chamadas cifras negra e dourada da criminalidade: o crime
12
Inlrodll(clo
varia conforme o tipo de sociedade e o estágio de desen-
volvimento tecnológico, o que significa ausência de crimes
naturais e identidade entre crimin0sos e não-criminosos,
exceto pela condenação criminal; a cifra negra representa a
diferença entre a apadncia (conhecimento oficial) e a realidade
(volume total) da criminalidade convencional, constituída
por fatos criminosos não identificados, não denunciados
ou não investigados (por desinteresse da polícia, nos crimes
sem vítima, ou por interesse da polícia, sob pressão do
poder econômico e político), além de limitações técnicas e
materiais dos órgãos de controle social. Na verdade, a cifra
negra afeta toda a criminalidade, desde os crimes sexuais,
cujos registros não excedem a taxa de 1% da incidência real,
até o homicídio, freqüentemente disfarçado sob rubricas de
"desaparecimentos", "suicídios", "acidentes" etc. (Aniyar,
1977, p. 80-83); por outro lado, a cifra dourada representa a
criminalidade do "colarinho branco", definida como práti-
cas anti-sociais impunes do poder político e econômico (a
nível nacional e internacional), em prejuízo da coletividade
e dos cidadãos e em proveito das oligarquias econômico-
financeiras (Versele, 1980, p. 10 e ss.): os caracteres sociais
do sujeito ativo (portador de alto status sócio-econômico)
e a modalidade de execução do crime (no exercício de
atividades econômico-empresariais ou político-adminis-
trativas), conjugados às complexidades legais, às cumplici-
dades oficiais e à atuação de tribunais especiais, explicam
a imunidade processual e a inexistência de estigmatização
dos autores (Aniyar, 1977, p. 92-93).
A Criminologia Radical define as estatísticas criminais
como produtos da luta de classes nas sociedades capitalistas:
13
Foxit
Highlight
existem mais negrosnullnullnas prisões do que nas universidades
Foxit
Underline
Mas a confiabilidade das "evidências" (no caso,nullnullo dado estatístico) e a validade das teorias da cri~nologianullnulltradicional são destruídas pela relatividade do crime e pelasnullnullchamadas cifras negra e dourada da criminalidade
a) os crimes da classe trabalhadora desorganizada (lttmpenpro-
letariado, desempregados crônicos e marginalizados sociais,
em geral), integrantes da chamada criminalidade-de-rua, de
natureza essencialmente ecbnômica e violenta, são super-
representados nas estatísticas criminais, porque apresentam
os seguintes caracteres: constituem ameaça generalizada ao
conjunto da população, são produzidos pelas camadas mais
vulneráveis da sociedade e possuem a maior transparência
ou visibilidade, com repercussões e conseqüências mais
poderosas na imprensa, na ação da polícia e na atividade
do judiciário; b) os crimes da classe trabalhadora organizada)
integrada no mercado formal de trabalho (a chamada crimi-
nalidade de fábrica, como pequenas apropriações indébitas,
furtos e danos), não aparecem nas estatísticas criminais
por força da inevitável obstrução dos processos criminais
sobre os processos produtivos; c) a criminalidade dapequena
burguesia (profissionais liberais, burocratas, administradores
etc.), geralmente danosa ao conjunto da sociedade por
constituir a dimensão inferior da criminalidade do "colari-
nho branco", raramente aparece nas estatísticas criminais;
d) a grande criminalidade das classes dominantes (burguesia
financeira, industrial e comercial), definida como abuso de
poder econômico e político, a típica criminalidade de "co-
larinho branco" (especialmente das corporações transna-
cionais), produtora do mais intenso dano à vida e à saúde
da coletividade, bem como ao patrimônio social e estatal,
está excluída das estatísticascriminais: a origem estrutural
dessa criminalidade, característica do modo de produção
capitalista, e o lugar de classe dos autores, em posição de
14
Introd,,(,io
poder econômico e político, explicam essa exclusão (Young,
1979, p.16 e ss.; Cirino, 1980, p. 38-52).
Esse quadro geral explicativo da distribuição social
da criminalização de condutas, elaborado segundo a po-
sição social do autor, orienta a pesquisa da Criwinologia
Radical para a base econômica e para as relações de poder
da sociedade, excluídas da pesquisa da criminologia tradi-
cional: as relações de classes nos processos produtivos da
estrutura econômica da sociedade e nas superestruturas de
poder político e jurídico do Estado. Assim, a Criminologia
Radical descobre o sistema de justiça criminal como prática
organizada de classe, mostrando a disjunção concreta entre
uma ordem social imaginária, difundida pela ideologia domi-
nante através das noções de igualdade legal e de proteção
geral, e uma ordem social real, caracterizada pela desigualdade
e pela opressão de classe. Essa revelação está na base das
formulações teóricas e da prática transformadora da Cri-
minologia Radical, em direção a uma sociedade capaz de
superar as desigualdades sociais que produzem o fenômeno
criminoso (Taylor et alii, 1980, 44-45).
Nesse contexto, o significado ideológico da crimi-
nologia tradicional aparece na sua proposta de reforma:
do criminoso, do sistema de justiça criminal e, mesmo, da
sociedade - neste caso, em formulações dentro do modelo
de capitalismo corporativo, sob a égide de "administrado-
res esclarecidos" e como ajustamentos funcionais para as
condições econômicas e políticas existentes. O resultado
histórico alcançado pela criminologia correcionaJista é o
constante aumento do poder do Estado (capitalista) sobre
os trabalhadores, os setores marginalizados do mercado de
15
•
!Il!roduçâo--------------_ .._ .._-_._ ..... __ .._----._--.-_.
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I
A Criminologill Radical
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trabalho e as rIÚnorias,com ampliação da rede de controles,
como o "sursis", o livramento condicional, a justiça juvenil,
os reformatórios, as prisões abertas etc., cujos manifestos
e inegáveis benefícios pessoais abrigam um aspecto con-
traditório, que significa controle mais geral e dominação
mais intensa (platt, 1980, p. 116). Esse pragmatismo re-
formista, fundado em técnicas de comportamentalismo e
de engenharia social, nos limites da organização política e
jurídica do Estado, resolve-se em repressão pura e simples:
volta as costas para os movimentos de massas, não coloca
as alternativas de cooperação/competição, ou de valores
humanos/valores da propriedade, nem considera a pers-
pectiva histórica de eliminar a exploração do tra~alh~, a
opressão política de classes, de ra?as e d~ outras ~no~las.
Na verdade, a posição básica da Ideologia correClonalista
manifesta-se como um paternalismo despótico: homens
iluminados (políticos, administradores e cientistas) são as
forças motoras da história, e o povo ignorante é, apenas,
objeto e massa de manobra, sem poder nem consciência
(platt, 1980, p. 117-22). Por outro lado, a própria tradição
acadêmica em teoria política, econômica e social descreve
a história dos grupos dominantes como registrada por
líderes políticos, empresários etc. e, na área do sistema de
justiça criminal, como registrada por juízes, diretores de
prisão e delegados de polícia. A pesquisa crirIÚnológica,
dependente de financiamentos e vinculada a interesses
:nstitucionais, transforma o criminólogo, freqüentemente,
em técnico neutro e pronto-para-aluguel, um instrumento
voluntariamente subserviente, a serviço do controle em
qualquer ordem - de grande importância em períodos de re-
belião política, de incremento das reivindicações operárias
16
I
I
I,
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li
I,.~:,t
sobre salários, condições de trabalho, direitos democráticos
e o mais (platt, 1980, p. 117- 119).
A distorção ideológica da criminologia correClO-
nalista pode ser destacada no contexto das alternativas do
trabalhador na sociedade capitalista, indicadas por Engels:
ou conformar-se à brutalização, transformando-se num
homem sem vontade, destruído pela rotina, a monotonia
e a exaustão física e mental dos processos produtivos; ou
aceitar a ideologia dominante, aderindo aos valores da
competição para encontrar uma "saída pessoal"; ou furtar
a propriedade do rico para satisfazer necessidades básicas,
com os riscos da criminalização; ou, finalmente, fazer a
revolução, incorporando-se à atividade política e à ação
coletiva como alternativa para superar a opressão social e
a exploração pessoal, restaurando a humanidade perdida
e a esperança de liberdade real (Young, 1980, p. 94-94).
Esse quadro real é encoberto pela "indignação moral"
promovida pela ação oficial e os meios de comunicação
de massa contra o criminoso convencional, o "bode ex-
piatório" útil para esconder (e justificar) problemas sociais
reais - ao contrário do criminoso de "colarinho branco",
protegido pelas instituições de privacidade da sociedade
burguesa -, produzidos (como o próprio criminoso) pelas
desigualdades intrínsecas do sistema de relações sociais
(Young, 1980, p. 101).
4. Tendências Críticas e Radicais
Na década de 60, especialmente nos EUA, desenvol-
ve-se uma criminologia de percepções e atitudes, com estudos
17
/-1 CrilJ/il1ologia &,diCtlI
sobre o criminoso, a vítima, a policia, o juiz, o público, as
testemunhas etc., uma multiplicidade de pesquisas centradas
teoricamente nos trabalhos,de David Matza (1969), Edwin
Lemert (1964), Howard Becker (1963), Edwin Schur (1965)
e outros, cujos fundamentos mais distantes se encontram
em Georges Mead (1934) e Alfred Schultz (1962), ligando-
se, enfim, a Edmund Husserl e a Max Weber, as matrizes
ongtnals.
A mais elaborada construção criminológica da feno-
menologia é a teoria da rotulação (também conhecida como
teoria interacionista, ou teoria da reação socia~, erigida sobre os
trabalhos de Edwin Lemert e de Howard Becker, com os
acréscimos vigorosos (na área da psiquiatria e da psicologia
social), de Ronald Laing (1959), Erwing Goffman (1970),
Thomas Szasz (1975) e outros.
Assumindo que, em sociedades pluralistas, todos
experimentam impulsos desviantes e realizam condutas
exorbitantes dos parâmetros normativos, a teoria da rotulação
constrói uma "concepção do mundo" numa dupla perspec-
tiva: das pessoas definidas (por outras) como desviantes e das
pessoas que definem (os outros) como desviantes. A mudança de
enfoque, em relação à criminologia positivista domi?ante,
está na orientação para a su~jetividade, enfatizando questões
de valor e de interesse e abandonando os estudos etiológicos
e as explicações causais do crime (Rubington &Weinberg,
1977, p. 191 e ss.). O objeto de estudo da teoria da rotulação
compreende a constituição das regras sociais e as práticas
de aplicação dessas regras (por quem, contra quem, quais as
conseqüências etc), dentro da concepção fenomenológica
18
Il1trodtlçào
de Mead sobre a personalidade como "construçào social":
o modo comopensamos e agimos é oproduto parcial do modo como
os outros pensam e agem em relação a nós. Nessa perspectiva, a
explicação da ordem social é baseada em tipificações, uma
transmutaçào do esquema fenomenológico de Schutz: a)
qual a essência de um fenômeno particular? - qual a essência
do desvio? b) como as pessoas fazem tipificações? - como as
pessoas aplicam o rótulo de desviante? c) como as tipificações são
compartilhadas? - como aspessoas reagem ao rótulo de desviante?
(Rubington &Weinberg, 1977, p. 195).
A teoria da rotulação se fundamenta em duas ordens
de conceitos principais:
1) a existência do crime depende da natureza do ato
(violação da norma) e da reaçãosocialcontra o ato (rotulação):
o crime "não é uma qualidade do ato, mas um ato qualificado como
criminosopor agências de controle social" (Becker,1963,p. 8);
2) não é o crime que produz o controle social, mas
(freqüentemente) o controle social que produz o crime: a)
comportamento desviante é comportamento rotulado
como desviante; b) um homem pode se tornar desviante
porque uma infração inicial foi rotulada como desviante;
c) os índices de crime (e desvio) são afetados pela atuação
do controle social (Lemert, 1964). A teoria da rotulação
distingue entre desvio primário, um processo de natureza
"poligenética" excluído do esquema explicativo da teoria,
e desvio secundário, uma resposta seqüencial à criminalização
pelo desvio primário, que marca o comprometimento do
criminalizado em uma "carreira desviante", como impacto
19
í ,
.1
•
A Criminologia RL7dical
-~--~------_._-----------~ -------_._~..._~_._~----~-
pessoal da reação oficial - na verdade, o ponto de incidência
das análises da teoria.
A concepção de crime como produto de normas (cria-
ção do crime) e de poder (aplicação de normas) define a lei
e o processo de criminalização como "causas" do crime ,
rompendo o esquema teórico do positivismo e dirigindo
o foco para a relação entre estigmatizarão criminal e forma-
ção de carreiras criminosas: a criminalização inicial produz
estigmatização que, por sua vez, produz criminalizações
posteriores (reincidências). O rótulo criminal, principal
elemento de identificação do criminoso, produz as seguintes
conseqüências: assimilação das características do rótulo
pelo rotulado, expectativa social de comportamento do
rotulado conforme as características do rótulo, perpetuação
do comportamento criminoso mediante formação de car-
reiras criminosas e criação de subculturas criminais através
de aproximação recíproca de indivíduos estigmatizados
(Aniyar, 1977, p. 111-14). De certa forma,aestigmatização
penal é a única diferença entre comportamentos objetiva-
mente idênticos, porque a condenação criminal depende,
além das distorções sociais de classe, de circunstâncias de
sorte Iazar relacionadas a estereótipos criminais, que cum-
prem funções sociais definidas: o criminoso estereotipado
é o "bode expiatório" da sociedade, objeto de agressão
das classes e categorias sociais inferiorizadas, que substitui
e desloGl sua revolta contra a opressão e exploração das
classes dominantes (Chapman, 1968, p. 197).
Esse esquema analitico, aplicado a todas as modalida-
des de desvio (criminal, sexual, psicológico, politico etc.), se
erige como exercício inter-disciplinar nas áreas da sociologia
20
BIBLIOTECA DE C!l:NCIAS JURIOJCAS
In trodlf(áo
do desvio e da psiquiatria, com o objetivo de constituir a
base teórica de uma politica e psicologia humanista, uma
espécie de frente popular da fenomenologia e do marxismo,
conhecida como "sociologia do desajuste" (pearson, 1980,
p. 178). A preocupação principal dessa orientação, que se
transforma no enfoque mais popular da criminologia ame-
ricana dos anos 70, está no chamado "crime expressivo",
ligado à produção de prazer: a maconha, e não o roubo; a
prostituição, e não o homicídio; o crime sem-vítima, e não
o crime utilitário (Young, 1980, p. 80). A proposta prática
dessa orientação está na base das tendências modernas
na área do crime e do controle social: descriminalização,
despenalização, desinstitucionalização, substituição de san-
ções estigmatizantes por não-estigmatizantes etc. (Aniyar,
1977, p. 146).
O radicalismo da sociologia do desqjuste estaria em sua
tendência para "quebrar as cadeias pré-fabricadas" da ima-
ginação reificada - que mostra a ação humana como coisa
"lá fora" - e da metodologia positivista, com suas causa-
lidades mecânicas e taxas "dadas" de crime. A orientação
"desreificante" surge como desafio aos profissionais do
controle, representados por teóricos positivistas: à sua com-
petência técnica e à sua autoridade moral (pearson, 1980,
p. 179 e s.). Distinguindo, na ordem social, a existência de
regras técnicas- com validade demonstrada em proposições
testáveis e corretas, cuja violação reRete "incompetência"
e cuja conseqüência é a "falh~ da realidade" - e regras da
personalidade - d~tadas de validade na área das relações
sociais, cuja violação é o crime ou desvio, punido pelo sis-
tema de controle -, conforme um esquema de Habermas
21
A CtilJ/inolo,gia Radical
-----------_._ .._._-----~-----
(1971, p. 91-94), a sociologia do desq;úste mostra que o desvio
é tratado como "incompetência técnica" pelos aparelhos
de controle social, reduzi1Jdo a correção a uma questão
de "intervenções técnicas,,'na personalidade do desviante.
Desmistificando essa metodologia, a -fociologia do desegúste
redescobre os dilemas morais na aplicação de "padrões de
estigma" (criminoso, louco, desajustado etc.), inventados pe-
los profissionais do controle e aplicados aos rotulados - que
se conformam ao rótulo ("auto-realização"), mostrando o
desvio como "negociação" entre o público (autoridade) e o
cliente (criminoso, louco etc.) (pearson, 1980, p. 180-82).
Finalmente, verificando que a ideologia do controle
determina, em parte, o desvio (formas, imagens e taxas) e
definindo o controle do crime como política, a sociologia do
desqjuste pretende se constituir como teoria política contra
a política do controle. A política de sua teoria enfatiza a
violência sutil da vida diária, o crime como forma de "re-
belião política primitiva", ou "expressão de liberdade" nos
moldes da esquerdaidealista(pearson, 1980, p. 184 e s.).Goff-
man, por exemplo, pesquisando as relações de poder das
instituições totais (prisões, hospitais etc.), mostra os internos
reduzidos a um "remanescente de identidade" pessoal,
desde a cerimônia de "degradação inicial", com a invasão
da fala, das vestes e maneiras, a colonização dos hábitos,
sob a opressão dos doutores, enfermeiros e guardas - os
técnicos do comportamento -, mas capazes de certas "tá-
ticas pessoais" para salvar a própria identidade: a jovem
bonita, com dois cachimbos na boca; outra, com um mo-
nóculo de papel no olho, ou equilibrando sabonetes na
cabeça raspada; ou outros, ainda, sentando-se relaxados,
22
Introdllçâo
._--------------------_._--_._-_ ....__ .
mas mantendo o braço, ou um dedo, rígido, para mostrar
que não estão relaxados - ou seja, o paciente age "marca-
damente como louco para provar que é, claramente, são"
(pearson, 1980, p. 187-89). .
Assim, enquanto o positivismo nega vontade própria
ao desviante, a sociologia do desegúste se dirige p.arao interior
dele, em atitude de defesa e de compreensão, rejeitando a
noção de que "pode ser como nós", vendo-o não como
homem cujos "mecanismos de cópia falharam", mas como
ser dotado de racionalidade, com método em sua loucura. O
positivismo destaca a ordem e as regras, sua respeitabilidade
e violação, mas a sociologia do desqjuste indica que o "outro
lado da ordem" é liberdade - e não caos -, envolvendo o
desviante em uma aura romântica: é o homem "duro", que
não treme, que prova seus nervos e habilidades ao extremo,
cuja "natureza está saturada de risco", experimentando sua
liberdade contra "as sensibilidades submetidas à camisa-
de-força" (pearson, 1980, p. 191-200).
Mas essa posição de simpatia da sociologia do desqjuste é
repudiada como "máscara de liberalismo", que não assume
compromissos: apsicologia social de Goffman é uma "acomo-
dação à organização de poder existente" e sua dramaturgia
"uma impostura" que permite "suportar derrotas" sob o
pretexto de que "não são para valer"; a sociologia de Becker
é um "novo tipo de carreirismo", que aponta as deficiências
do controle social mas se limita aos funcionários inferio-
res (Gouldner, 1973) - ou, então, como expressão de um
radicalismo aparente, que exclui as relações de poder (e de
classes) da sociedade e, de qualquer forma, não esclarece o
desvio inicial, origem da rotulação (Walton, 1972). A novi-
23
•
In /rod/l{clo
~------------------~---------------_._-----
O movimento teórico que começa nas teorias con-
servadoras, clássicas e positivistas, continua pelas teorias
liberais até a construção mais crítica da teoria da rotulação,
nos anos 60, e evolui, na década de 70, para as posições do
chamado "idealismo de esquerda", conhece variantes de
revolta impotente, com amplo impacto popular, como, por
exemplo, a criminologia da denúncia. O enfoque da criminologia
da denúncia se concentra no comportamento dos poderosos,
denunciando os defeitos das elites de poder econômico e
político da sociedade, para mostrar que os que fazem a~
leis são, também, os maiores violadores dessas leis (faylor .
ef alii) 1980, p. 33 e ss.). A utilidade da denúncia social dos
abusos do poder econômicb e político, em estreita relação
com um jornalismo "exposé", alimentando as pesquisas
sobre criminalidade do "colarinho branco", é prejudicada
pela ausência de definição clara de seus objetivos políticos
e o desvio, em geral, como tentativas individuais fragmen-
tárias para resolver problemas existenciais, a anfipJiquiatria
aponta para a necessidade da luta política coletiva como
alternativa adequada aos interesses dos grupos sociais su-
balternos, cujos membros são qualificados como "anormais
naturais", com uma história pessoal feita de "antecedentes
penais" - ao contrário da burguesia e outras categorias
sociais dominantes, que dispõem da psicanálise e das psico-
terapias em clínicas particulares, com os recursos materiais
e o espaço social para explicar seus distúrbios pessoais por
categorias científicas neutras, como neuroses, desritmias,
fobias, complexos ou simplesmente sfress, assegurando sua
"reinserção social" sem traumas ou dificuldades (Basaglia
e Basaglia, 1976, p.90-1).
A CrilJ/inologia &dica/
dade da teoria foi colocar a problemática do etiquetamento,
da estigmatização e da estereotipia criminal em relação com
a atividade dos aparelhos de controle social, mas com uma
crítica reduzida ao nível descritivo, como "a outra cara da
criminologia liberal" (del Olmo, 1976, p. 68), que completa
o quadro explicativo desta (Baratta, 1975).
A teoria da sociologia do desqjusfe é politicamente limita-
da e historicamente confusa: não compreende a estrutura
de classes da sociedade, não identifica as relações de poder
político e de exploração econômica (e sua interdependên-
cia) do modo de produção capitalista e, definitivamente,
não toma posição nas lutas fundamentais da sociedade
moderna. Enfim, a estrutura teórica e metodológica e a
política subjetivista e romântica da teoria, embora de utili-
dade - e relativamente crítica - nos limites inter-subjetivos
de seu marco teórico (Bustamente, 1977, p. 213-26), não
define uma posição radical, no sentido do radicalismo da
Criminologia Radical.
Entretanto, é preciso reconhecer que os setores mais
avançados da antipsiquiatria fundamentam as instituições
de controle, como o cárcere e o manicômio, na divisão
da sociedade em classes antagônicas, cuja clientela são os
segmentos marginalizados, sem poder nem utilidade eco-
nômica na produção: os objetivos corretivos ou terapêu-
ticos do cárcere ou do manicômio, sob a aparência de
resolver "contral'Üções naturais" da vida social, ocultam a
finalidade real de preservar a divisão de classes da estrutura
social, mediante ameaça permanente de violência contra a
força de trabalho ativa, integrada no mercado de trabalho
(Basaglia,F. e Basaglia, F., 1976, p. 85). Destacando o crime
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e comproITÚssosideológicos, no quadro das lutas sociais do
capitalismo monopolista transnacional: o enfoque carece de
uma estrutura conceitual e metodológica capaz de extrair
todas as conseqüências te6ricas e práticas do seu objeto de
estudo. O resultado é sua agonia resignada, em espasmos de
indignação moral diante das desigualdades sociais nos proces-
sos políticos de definição de crimes e nas práticas judiciais
de gestão diferencial do processo penal e de aplicação da
pena criminal, escandalizado com os duplos padrões de mo-
ralidade das classes dOITÚnantes.A origem pequeno-bur-
guesa dessa linha criminológica explica sua desorientação
estratégica e a perplexidade inconseqüente de sua teoria: as
questões levantadas podem chocar a classe média urbana e
seus intelectuais refinados - mas não comovem o poderoso
impune, nem sensibilizam o sem-poder reprimido, que co-
nhecem bem tais distorções, cada qual de sua perspectiva.
Além disso, a criminologia da denúncia parece supor que os
poderosos dominam por uma espécie de "direito moral"
- e não pelo poder material, que os capacita a converter
força em "autoridade", pelos procedimentos estabelecidos
(faylor et alii, 1980). Uma criminologia conseqüente deveria
mostrar que a criminalidade do poder econômico e político
não é um fenômeno irregular ou acidental, mas fenômeno
regular e institucionalizado, ligado à posição estrutural de
classe na formação social capitalista e, por exemplo, sobre
a base da posição de classe, explicar por que a apropriação
de riqueza, pelo método de expropriação de mais-valia, na
relação capital! trabalho assalariado do modo de produção
capitalista, é legal e estimulada, mas se essa apropriação de
riqueza ocorre por outras vias fraudulentas ou violentas, é
criminosa e punida.
26
[ntror!lIçclo
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A multiplicação de estudos críticos e radicais sobre
crime e controle social, nem sempre coincidentes nas
bases ideológicas, compromissos políticos e orientações
científicas, desde a crítica de esquerda, passando pela "nova
criminologia", até as construções mais elaboradas de crimi-
nólogos marxistas, em uma convergência de preocupações
interdisciplinares e internacionais de sociólogos e historia-
dores, advogados, juristas e criminólogos, parece justificar
o esforço de definir tendências dentro dessa perspectiva,
em um esquema que facilite a compreensão das limitações
e desvios existentes.
Um estudo recente (Young, 1979, p. 11 e ss.) define
duas tendências principais nos aportes criminológicos li-
gados à teoria marxista, representando desvios voluntaristas
e economicistas nas questões do crime e do controle social:
o idealismo de esquerda e o reformismo. O chamado idealismo de
esquerda se constitui, historicamente, como a ideologia ra-
dical de grupos sociais marginalizados, como os militantes
do "poder negro", nos Estados Unidos: George Jackson
(1971, p. 156 e ss.), Angela Davis (1971, p. 27-47), Bobby
Seale (1971, p. 121-2), Huey Newton (1971, p. 60-64),
Stockely Carmychael (1968, p. 46-68) etc., cuja oposição
à violência e à coercitividade da ordem social assume um
caráter voluntarista: homens livres devem rejeitar uma so-
ciedade desigual e opressiva. Na experiênciahistórica desses
grupos (negros, presos e outras minorias), a ordem significa
coerção sistemática, o ('consenso social" do capitalismo
monopolista é uma aparência ilusória reproduzida pela es-
cola, a imprensa, o Parlamento etc., que oculta um controle
totalitário e mistificador: a lei se destina à proteção dos
27
A Crimillolox,ia Radical
--------------_._----_.
interesses dos poderosos, enquanto a polícia e a prisão são
garantias violentas de uma ordem social injusta. A escola, a
fábrica e a prisão são instituições ideológica e politicamente
similares:a educação não passa de um "processo de lavagem
cerebral", a disciplina da fábrica é a base da disciplina da
prisão e o aparelho penal (polícia, justiça e prisão) funciona
como mecanismo central de controle das classes e grupos
sociais submetidos (Young, 1979, p. 12-13).
A tese da lei como "expressão direta" dos interessesdas classes dominantes, que controlam os meios de pro-
dução material e de reprodução ideológica da sociedade,
permite definir o comportamento da classe trabalhadora
e dos marginalizados sociais normalmente como crime,
porque se opõe aos interesses das classes dominantes e à
lei que expressa esses interesses. O crime é, simultanea-
mente, produto das estruturas econômicas e políticas do
capitalismo e evento pro to-revolucionário, como desafio às
relações de propriedade existentes, ou forma de manifesta-
ção da violência pessoal dos marginalizados sociais contra
o poder organizado das classes dominantes, representadas
pelo Estado, que legaliza a violência de classe dos crimi-
nosos reais que estão no poder (Young, 1979, p. 14-15).
O controle social de classe tem na prisão sua instituição
central- e na polícia, seu agente principal-, ambos carac-
terizados por uma eficiente,ineficiência no controle do crime:
o objetivo oculto seria constituir uma ameaça permanente
contra as classes sociais objeto de exploração econômica
e de dominação política. Esse objetivo é disfarçado pelas
"mistificações positivistas" do tratamento penitenciário,
28
llltrodll(rlo
da reabilitação pessoal ou da ressocialização, pseudo-cien-
tismo que esconde o rigor punitivo e, de fato, aumenta o
castigo, mediante técnicas de isolamento, privação sensorial
ou administração de drogas psicotrópicas - sem falar nas
penas indeterminadas do sistema prisional americano, que
colocam o preso à mercê dos administradores e guardas
da prisão.
A estratégia do radicalismo da esquerda idealista objetiva
a abolição do controle social burguês, com a extinção da
prisão, da polícia, da escola, dos meios de comunicação de
massa, da famflia nuclear etc., definidos como "instituições
inimigas da classe trabalhadora", mas inteiramente "fun-
cionais" para o capitalismo: não se trata de riformar, mas de
destruir essas instituições e promover sua substituição por
instituições proletárias. Finalmente, o idealismo de esquerda
proclama a contradição irredutível do direito burguês, carac-
terizado por um discurso de justiça igualitária e uma prática
real opressiva e discriminatória) justificando a tática política de
exposição sistemática da realidade desigual promovida pela
retórica da igualdade e, assim, desmascarar a aparência ilusória
da ideologia jurídica. O crime, fenômeno social ligado ao
capitalismo, em geral - cujas instituições são denunciadas
como essencialmente criminosas e criminógenas -, e a re-
pressão criminal, fenômeno institucional concentrado nos
segmentos sociais subalternos e marginalizados, colocam a
necessidade política de aliança dos grupos sociais explora-
dos, reprimidose miserabilizados objeto dos processos de
criminalização, como meio de auto-proteção e de realização
final de sua estratégia (Young, 1979, p.16).
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A elimin%gia Radica! _
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o riformiJmo, um desvio economicista da crítica cri-
minológica, desenvolve-se como espécie de "marxismo"
bem-educado, absorvido pelo sistema, assimilado pelos
currículos universitários, s'em a origem rebelde, o aguer-
~illlento combativo, a tradição rrülitante e a importância
política do idealismo de esquerda. A característica básica da
ideologia reformista, em relação ao Direito e ao Estado, por
exemplo, é a crença passiva no "processo de dissolução do
capitalismo no socialismo" - portanto, uma projeção his-
tórica da II Internacional- e, por outro lado, a crença ativa
no Estado intervencionista, capaz de realizar a correção
progressiva de desigualdades sociais por reformas jurídicas.
O reformismo afirma ser contrário aos interesses das classes
trabalhadoras o conteúdo das instituições (e não a sua
forma), o controle da polícia (e não o aparelho policial), a
ilegalidade da prisão (e não a própria prisão), a limitação de
oportunidades de acesso à escola (e não o sistema escolar),
o conteúdo da lei (e não a forma legal) etc. O crime é de-
finido como fenômeno "natural", existente em qualquer
sociedade - embora em maior quantidade no capitalismo-,
redutível por mudanças sociais que eliminem os fatores da
"criminalidade determinada" (ligada à patologia individual,
como carências, subnutrição, defeitos mentais etc.) e do
"crime voluntário" (relacionado ao individualismo egoísta
da competição capitalista). O comportamento humano é
classificado nas categorias de normal, próprio da maioria
"livre" (nos limites de liberdade da economia de mercado)
e de determinado, característico da minoria "sem liberdade",
por condicionamentos biológicos, psicológicos e sociais.
30
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Enfim, o riformismo trabalha com uma etiologia criminal que
aponta na direção de uma dupla origem do comportamento
criminoso, explicado ou por constituições biológicas atípi-
cas, origem de disposições anti-sociais de indivíduos defor-
mados, ou pelo ambiente social de competição individual
pela existência material, acentuando traços personalistas e
agressivos (Young, 1979, p.16 e ss.).
De modo geral, a perspectiva riformista do economi-
cismo "marxista" não se distancia da monotonia positivista
e suas causalidades mecânicas, trabalhando com hipóteses
deterministas similares, com a diferença da crença - de
resto, também positivista-marxista - na inevitabilidade
histórica da evolução do capitalismo para o socialismo,
na seqüência de um processo linear e fatalista que ignora
a influência da ideologia e da política na gênese da capa-
cidade de sobrevivência do capitalismo, como modo de
produção de classes sociais antagônicas. A influência desse
desvio riformista na estruturação da Criminologia Radical é
insignificante, funcionando mais como modelo de reformu-
lação ou discurso de legitimação da ideologia do controle
social, esgrimido por teóricos "marxistas" engajados no
"carreirismo" em instituições oficiais.
As limitações mais importantes, comuns às tendên-
cias da esquerda idealista e do riformismo, são a ausência de
explicações estruturais da criminalização dos grupos sociais
subjugados e marginalidados - esclarecendo a posição do
pobre como "bode expiatório" da violência institucional-,
a falta de aprofundamento nas contradições do capitalismo
na era da transnacionalização do capital monopolista e a
31
/
A Criminologia Radical
-----------------------------
carência de adequada compreensão da natureza contradi-
tória da aparência dos fenômenos sociais e institucionais da
sociedade capitalista, que vinculam problemas de conteúdo
com questões de forma, como mostra a mais autorizada
teoria marxista sobre crime, controle social,Direito e Estado
(Young, 1979, p.21 e ss.).
Criminólogos radicais proclamam que as contradi-
ções da teoria não podem ser resolvidas sem mudanças da
base estrutural da sociedade - cujas contradições concretas
produzem e explicam as contradições da teoria - e propõem
uma luta em dois níveis:
a) no nível forma4 a rejeição da ideologia da esquerda idea-
lista, expressa em slogans como "o direito burguês é uma
vergonha", ou "a legalidade é uma forma de cooptação"
etc., argumentando que a conquista formal da igualdade
nas áreas da proteção individual, do direito criminal e da
prisão, por exemplo, pode determinar uma redução da po-
pulação das prisões, a reconstituição de sua "clientela" e a
progressiva transformação da prisão, de instituição sem lei
para instituição legalizada - O que coincide com o interesse
das classes trabalhadoras e de todos os marginalizados
sociais e oprimidos, em geral, no capitalismo;
b) no nível material, a rejeição da posição reformista da luta
formal como fim-em-si, omitind0-se das questões políti-
cas e ideológicas do capitalismo contemporâneo. Parale-
lamente, a construção de uma concepção de crime fundada
na posição de classe do autor e orientada para a definição
de responsabilidades coletivas, capaz de superaros critérios
32.- -
lntrodlfçiio
individualistas e pessoais da moderna teoria do crime e
da pena, como alternativas para o trabalho criminológico
radical (Young, 1979, p. 26-28; Cirino, 1980).
33
11. A CRIMINOLOGIA RADICAL
A crítica sistemática dos conceitos, do método e da
ideologia da criminologia tradicional possibilitou a rede-
finição do objeto, dos compromissos e dos objetivos da
Criminologia Radical, desde a orientação para o estudo
dos criminosos reais, em posições de influência e de poder
nos quadros da ordem econômica e política da sociedade
capitalista, até a inserção dos grandes temas da criminologia
no contexto histórico das questões políticas gerais: quem
controla a ordem social, como é distribuído o poder e a
riqueza, como pode ocorrer a transformação social etc.
(Taylor et alii, p. 55-57).
Entre outras coisas, é preciso mostrar que a definição
legal de crime, base do trabalho da criminologia tradicional,
está ligada à ideologia de neutralidade do Direito (apresentado
como instrumento de justiça social e de proteção de interes-
ses gerais) e atua como instrumento de controle das vítimas
da exploração e da opressão social- os trabalhadores inte-
grados no mercado de trabalho e os marginalizados sociais
-, cujos protestos, reivindicações e revoltas são reprimidos
pelas forças da ordem e, freqüentemente, çanalizados para
o sistema de justiça criminal. As deformações ideológicas
da definição legalde crime, atreladas à concepção burguesa da
ordem social, induziram criminólogos radicais a formular
uma. definição proletária de crime, tomando como base a
35
• li
•
A Criminologia Radical
--------~.~----_._----------------
violação de Direitos Humanos definidos em perspectiva
socialista, sintetizados nos conceitos de igualdade social e de
segurança pessoal - mas incluindo outros direitos politica-
mente protegidos, assim como a possibilidade de examinar
práticas e relações sociais criminosas excluídas da definição
legal, como o imperialismo, a exploração econômica, o ra-
cismo e outras distorções do capitalismo contemporâneo
(Schwendingers, 1980, p. 135-75; Platt, 1980, p. 124-25).
O compromisso primário da Criminologia Radical é
com a abolição das desigualdades sociais em riqueza e poder
(Taylor et alH, 1980, p. 55), afirmando que a solução para o
problema do crime depende da eliminação da exploração
econômica e da opressão política de classe - e sua condição
é a transformação socialista (platt, 1980, p. 125). Essa posi-
ção política evita a degeneração da Criminologia Radical em
mera "moralização", ou no correcionalismo repressivo da
"reabilitação pessoal", que identifica crime com patologia
e, nas posições mais liberais, propõe reformas de superfície,
ou mais serviços sociais, modificando alguma coisa para
deixar tudo como está - ou seja, preservando o sistema de
dominação e de exploração do homem pelo homem.
Esse compromisso compreende as tarefas com-
plementares de produzir teoria e de criar procedimentos
capazes de ajudar a classe trabalhadora - e o conjunto dos
setores sociais subalternos e marginalizaG.os-, no projeto
político de construção e de controle de uma sociedade
democrática. A formação da Criminologia Radical, com
base nas contradições de classe das relações econômicas
estruturais e das relações superestruturais de poder do
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I
I
I
I
I
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A C,iminologia RL1dieal
Estado, evita as deformações da criminologia positivista
dominante, que separa a teoria criminológica da teoria
política, a teoria política da teoria econômica e exclui a
categoria central da luta de classes de todas as teorias so-
ciais (Young, 1980, p. 105 e ss.). O estudo da tipologia dos
crimes como concretas rupturas da norma criminal, ou
do estereótipo do criminoso construído pela distribuição
.social da criminalização, ou do funcionamento do sistema
de justiça criminal, pressupõe o contexto concreto de
formações sociais históricas, com estruturas econômicas
determinadas e superestruturas políticas e jurídicas cor-
respondentes, articuladas nas relações contraditórias do
modo de produção da vida material (Taylor et alH, 1980,
p. 55). As teses iniciais do idealismo de esquerda, da lei como
"instrumento" das classes dominantes para manutenção
de seus privilégios, ou as demonstrações complementares
de que os detentores do poder de fazer leis são, também,
os imunes violadores dessas leis, evoluem para teorias
materialistas do Direito burguês e do Estado capitalista,
construídas com base nas transformações históricas do
capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista,
e as conseqüentes alterações das formas de luta de classes
e dos mecanismos políticos de controle social.
A desmistificação do sistema de controle social penal
revela sua natureza classista, incluindo as medidas "libe-
ralizantes", como as políticas 'de substitutivos penais, as
prisões abertas, a descriminalização, a despenalização etc.,
explicáveis menos como atitude humanista do legislador e
mais como estratégias burocráticas do poder público deter-
37
A Criminoloy,ia Iv/dical
-- -- ---- - - --- ---- -~---~-- --- -- -- --- ---- - ------ ----------_._----
minadas pelo excesso de presos: o "coração" dos interesses
garantidos pelo sistema penal é, na verdade, "o programa
real de cada sistema de p\odução" (Aniyar, 1980, p. 23).
Em um esquema didático pode-se dizer que, enquan-
to as orientações positivistas se exaurem na explicação do
crime como produto etiológico de "causas" determinantes,
privando o sujeito criminalizado de racionalidade e poder
de escolha, como assinala a teoria da rotulação, e as orien-
tações clássicas explicam o crime como produto de uma
"razão pervertida", uma "forma pura" somente controlada
pela força do Estado, a Crimi~ologia Radical se empenha
na tarefa de uma análise materialista do crime e do sistema
de controle social, subordinada à estratégia geral que liga a
teoria científica à prática política no objetivo final de cons-
trução do socialismo (Young, 1980, p. 110- 11).
O projeto científico da Criminologia Radical tem
por objetivo a produção de uma teoria materialista do
Direito e do Estado nas sociedades capitalistas, em que
a produção crescentemente social requer uma regulação
crescentemente jurídica das relações sociais, procurando
identificar as forças sociais subjacentes às formas legais
e mecanismos institucionais de controle da sociedade. A
questão da persistência, da modificação ou da abolição das
normas jurídicas é examinada em relação aos interesses
que garantem, à função realizada na organização material
da produção e à contradição fundamental entre capital e
trabalho assalariado, no processo histórico de socializa-
ção da produção e apropriação privada do produto (que
crirninaliza com rigor os que se recusam a esse tipo de
socialização), desde o tratamento legal de trabalhadores
38
A Criminologia Radical
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desempregados e inutilizados, de pessoas abandonadas e
doentes, até a organização das prisões, da polícia e da justiça
(Taylor et alii) 1980,61.).
O programa de uma ciência do crime e do controle
social para as condições de desenvolvimento econômico e
político da sociedade capitalista, compreende a crítica do
Direito como lei do modo deprodução dominante, e do Estado
como organiZflção política dopoder de classe, além da elaboração
simultânea de uma "economia política do crime" capaz de
demonstrar que as transformações do capitalismo contem-
porâneo não alteraram suasprioridades básicas de propriedade
privada e lucro, nem sua dinâmica social de reprodução das
desigualdades e de marginalização. Como socialistas, a luta
principal dos criminólogos radicais é contra o imperialismo
dos países centrais, a exploração de classe, o racismo etc.
e, como teóricos, o esforço pela construção de explica-
ções materialistas da lei penal e do crime, nas condições
criminógenas

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