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Introdução ao Direito Empresarial 2 ORIGENS Na antiguidade, a necessidade de obter os bens necessários ao próprio sustento, levou as pessoas a efetuar trocas, entre si, no intuito de prover a subsistência do indivíduo ou do grupo social. Com o desenvolvimento da civilização, o mecanismo da permuta foi aperfeiçoado, houve, então, a substituição da economia de troca (escambo) pela economia de mercado que adotou a moeda como meio de circulação de riquezas. No século XI houve uma nova fase de desenvolvimento econômico na Europa, neste período o direito romano, voltado para a defesa do devedor, visava dar garantia jurídica aos credores uma vez que havia uma verdadeira aversão às atividades lucrativas, tal como relata a Bíblia em Deuteronômio: “Ao teu irmão não emprestarás com usura”. Já na idade média surge, de forma fragmentada, o comércio, advindo do desenvolvimento da atividade dos mercadores que é o tráfego de mercadorias. Comércio significa permutar produtos ou valores. A origem da palavra provém do latim (commutatio mercium), cujo significado é troca de mercadorias por mercadorias. Vale dizer que mesmo antes deste período histórico a atividade comercial era desenvolvida, tal como relata o Código do Rei Hammurabi que data de 2000 AC. Apenas é preciso ressaltar que na idade média surgiram as primeiras normas disciplinando o comércio de maneira sistematizada. Período subjetivo – corporati vista Em razão da aversão ao mercantilismo, os comerciantes uniram-se em torno de organizações de classe. As corporações de mercadores experimentaram grande sucesso na época e adquiriram, através dos recursos econômicos dos mercadores, força bélica capaz de conferir autonomia para alguns centros comerciais tais como Veneza, Florença, Gênova, etc. Os comerciantes organizados em poderosas ligas e corporações passaram a ser titulares de poder político e militar capaz de tornar autônomas as cidades mercantis, a ponto dos estatutos das corporações se confundirem com os da própria cidade. Nesta fase surge o direito comercial sistematizado, deduzido em regras corporativas e, sobretudo, nos assentos jurisprudenciais das decisões dos juizes designados pelas corporações para resolver as disputas entre comerciantes. Criou-se um direito costumeiro aplicado dentro das cidades-estado por juízes consulares eleitos pelas assembléias das corporações. 3 Temos nesta fase um período subjetivista onde o direito comercial está a serviço do comerciante, isto é um direito corporativo, profissional, especial, autônomo e consuetudinário (cosmopolita – não tem fronteiras), ligado aos costumes formados e difundido pelos mercadores. Neste período o direito comercial só tinha incidência e protegia as relações jurídicas das pessoas que integrassem as corporações de mercadores, trata-se de um período classista e fechado onde só tinha proteção quem estivesse matriculado na corporação. Assim, o registro criava uma situação jurídica nova para a pessoa, transformava o servo em burguês, atribuindo a este a condição de comerciante, titular da proteção das corporações de mercadores, por este motivo, tinha natureza constitutiva, pois dava uma nova condição jurídica ao comerciante. Contudo, o exercício da profissão de comerciante como requisito para a obtenção da proteção passou a não ser suficiente, tornou-se necessário expandir a proteção para as demais matérias relacionadas com o comércio para assim proteger os atos relacionados com a atividade mercantil. Surge então um novo período histórico. Período objetivo No século XIX, em França, surge o período objetivo com a estipulação da dicotomia do direito privado através do Código Civil de 1804 e do Código Comercial Napoleônico de 1807. Os ideais da Revolução Francesa (igualdade, Liberdade e Fraternidade) e a influência de Napoleão Bonaparte afastaram o poder político e bélico das corporações em troca de regras jurídicas que protegiam os interesses dos antigos senhores feudais e dos burgueses, com isso, a base do direito comercial deslocou-se dos mercadores para os atos de comércio. Desta forma a atribuição da condição de comerciante passou a depender dos atos praticados pela pessoa e não pela sua inclusão em uma corporação de ofício. Os atos de comércio são de dificílima conceituação. Alfredo Rocco, no entanto, identificou a troca indireta ou mediata como elemento caracterizador da atividade de intermediação entre produtor e consumidor, praticada pelo comerciante. Alfredo Rocco, por sua vez, entende que “o comércio é aquele ramo de produção econômica que faz aumentar o valor dos produtos pela interposição entre produtores e consumidores, a fim de facilitar a troca das mercadorias”. 4 Para Vidari, comércio “é o complexo de atos de intromissão entre o produtor e o consumidor, que, exercidos habitualmente com fim de lucros, realizam, promovem ou facilitam a circulação dos produtos da natureza e da indústria, para tornar mais fácil e pronta a procura e a oferta”. Carvalho de Mendonça na qualidade de um dos maiores tratadistas sobre a matéria, conceituou os atos de comércio da seguinte forma: 1. Atos de comércio por natureza ou profissionais: são atos praticados de forma profissional, por pessoa natural ou jurídica. Consiste na produção ou na circulação de bens, visando lucro. ex. compra e venda de mercadorias. 2. Atos de comércio por dependência: atos praticados em benefício da atividade comercial. ex. compra de veículos para aparelhar a atividade. 3. Atos de comércio por força de lei ou objetivos: aqueles que a lei reputa como mercantis, independentemente da sua natureza ou da pessoa que o pratique. ex: emissão de cheque. São elementos integrantes do comércio: mediação, fim lucrativo e profissionalismo (habitualidade e continuidade). A habitualidade não significa freqüência, mas se relaciona com o tipo de atividade desempenhada. A grande dificuldade do período objetivo está no fato de só o comerciante, que pratica os atos de comércio, ser titular da proteção do direito comercial. Nesta fase, a prestação de serviços já gozava de grande relevância econômica, mas estava excluída da incidência das normas do direito comercial por não haver intermediação de bens naquela atividade. Ex. As administradoras de imóveis (art. 191 do Código Comercial). Existem exceções como, por exemplo, a lei das S.A. que, no § 1º do art. 2º, dispõe que “toda sociedade anônima independentemente do seu objeto será mercantil”. Da mesma forma, a Lei 4.068/62, que trata das sociedades construtoras de imóveis, e a Lei 4.591/64, que considera as incorporadoras de imóveis como comerciantes, submetem a prestação de serviços às regras do direito comercial independentemente do ato praticado na atividade envolver ou não a intermediação de bens. Neste segundo momento, o registro passa a ter natureza declaratória, pois não cria a condição de comerciante, apenas declara e reconhece que a causa dos atos praticados é mercantil. Ou seja, o registro declara que a pessoa que pratica atos de natureza mercantil é comerciante. 5 O registro também indica que o comerciante está funcionando de maneira regular, pois o importante é que o sujeito pratique profissionalmente atos de comércio e seja registrado, pois desta forma será titular da proteção do direito comercial. Um exemplo desta proteção é o direito à concordata, instituto próprio do comerciante regular, mas que ao comerciante sem registro ou irregular, em princípio, não é concedido. Período subjetivo moderno O período subjetivo moderno surge na Alemanha em 1897 com a edição do Código Comercial Alemão, mas foi naItália em 1942, pela doutrina de Ferrara e através do estudo da azienda, que surgiu a teoria da empresa positivada no Código Civil Italiano unificado. Cesare Vivante foi um dos primeiros doutrinadores a defender a identificação da empresa como sendo uma unidade econômica de produção e a necessidade de unificação do direito privado, em rompimento com a velha dicotomia entre atos civis e atos de comércio até então adotada. Esta postura acabou por encorajar a passagem do período objetivo para o período subjetivo moderno, não obstante o renomado jurista ter se retratado em seu posicionamento, para defender que a unificação do direito privado acarretaria grave prejuízo para o Direito Comercial devido a sua característica cosmopolita. Neste período, o registro não cria uma situação jurídica nova para a pessoa, nem tampouco declara a causa dos atos praticados, apenas declara a regularidade no exercício da atividade, uma vez que aos órgãos incumbidos de realizar o registro compete o controle da legalidade da constituição e dos atos praticados pelos sujeitos da empresa. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO COMERCIAL NO BRASIL O antigo Código Comercial Brasileiro, de 1.850, sofreu claras influências do período objetivo, privilegiando a doutrina dos atos de comércio. Porém, ainda em 1850, o Regulamento 737 ao enumerar os atos de comércio (Art. 19) incluiu as empresas como sujeitos da atividade comercial dando início aos trabalhos para a conceituação do instituto. Vale dizer que, desde o advento do Código Civil de 1916, parte da doutrina e a jurisprudência já aceitavam a teoria da empresa. 6 A Lei 4.137/62 (hoje revogada e substituída pela Lei 8.884/94) previa: “Considera-se empresa toda organização de natureza civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins lucrativos” (art. 6º). Porém, foi com a entrada em vigor da Lei 8.934/94 que a doutrina começou a sustentar que a teoria da empresa fora acolhida no Direito Brasileiro, uma vez que a referida lei dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e atividades afins. A Lei 10.406/2002, Novo Código Civil Brasileiro, promoveu a unificação do direito privado e acabou com a dicotomia então existente entre atos civis e de comércio na vigência do Código Comercial de 1850 e do código Civil de 1916. Por força do art. 2.045 do novo código civil, foram revogados o código civil de 1916 e a primeira parte do Código Comercial que trata do comércio em geral. Assim, não há mais que se falar em contratos e obrigações civis e contratos e obrigações comerciais, em sociedades civis e sociedades comerciais. Agora, todas as obrigações, contratos e sociedades têm natureza privada e regulam-se pelas disposições da lei 10.406/2002. O grande mérito do novo código civil, no que tange ao direito de empresa é a busca pela sistematização do direito empresarial que vinha sendo regulamentado por leis esparsas de natureza especial, o que não raras vezes gerava aparentes conflitos entre as normas. Vale ressaltar que a unificação do direito das obrigações, dos contratos e sociedades, não fez desaparecer a autonomia do direito comercial no que se diz respeito aos títulos de crédito, registro e falência. Estas matérias continuam sendo disciplinadas por regras próprias de cunho comercial que, em virtude do princípio da especialidade, prevalecem sobre as normas gerais elencadas no código civil. Diante desta nova realidade, a unificação do direito privado aparece como um marco na evolução da regulação das relações jurídicas uma vez que promove a inclusão da prestação de serviços, que estava fora da proteção legal do Direito Comercial, à incidência das regras e institutos relativos à empresa. DIREITO EMPRESARIAL O direito empresarial visa regular o exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens e serviços. 7 Por este motivo ganha relevância o conceito jurídico de empresa uma vez que esta atividade irá delinear toda a aplicação das normas relativas à matéria. Natureza Embora contenha normas de direito público, o direito empresarial é um ramo do direito privado. Os princípios fundamentais do direito público buscam a supremacia do interesse público no exercício da atividade econômica, ou seja, as normas e as leis estabelecem desigualdades nas relações jurídicas, para que o interesse geral prepondere sobre o particular. Já os princípios do direito privado são os da autonomia da vontade e o da igualdade. Relações com outros ramos do direito O direito constitucional, como regra máxima, não deixa de tratar das restrições ao exercício da atividade empresarial, bem como dos princípios e normas gerais atinentes à ordem econômica e social. O direito comercial é autônomo em relação aos demais ramos do direito privado, com eles guarda afinidades uma vez que se aplicam as regras gerais de contratos e obrigações na esfera empresarial. Contudo, o direito comercial consolida-se como um ramo autônomo porque disciplina tendências profissionais. Autonomia Mesmo com a unificação legislativa do direito privado (civil e comercial), não houve o desaparecimento da autonomia jurídica do direito comercial, tendo em vista que este ramo do direito privado possui institutos, regras e princípios jurídicos próprios. O direito empresarial aparece como um sub-ramo do direito privado destinado a regular o exercício da empresa por empresário ou sociedades empresárias. Fontes e objeto do direito empresarial As fontes primárias do direito empresarial são: - A Constituição Federal - O Código Civil: que trata das sociedades simples, ltda., etc. - O Código Comercial: segunda parte, que trata do direito marítimo - Leis especiais, tais como: a lei de falências (Lei 11.101/2005), lei das sociedades anônimas (lei nº 6.404/76 e alterações da 10.303/01); lei das duplicatas (lei nº 5.474/68); lei da propriedade industrial (lei nº 9.279/96), etc. 8 As fontes secundárias do direito empresarial são: - os usos e costumes: a lei não distingue o uso do costume, mas boa parte da doutrina entende que o uso é estabelecido por convenção das partes (prática uniforme, constante e por certo tempo e exercido de boa-fé), enquanto o costume é mais imperativo (regra subsidiária às normas). Pode ser dividido em usos comerciais propriamente ditos (é generalizado, equivale à lei e obriga as partes) e o uso convencional (interpretativo ou de fato / advém da vontade das partes, ainda que tacitamente e demanda prova). O art. 8º, VI da lei 8934 determina que as Juntas Comerciais devem fazer o assentamento dos usos e práticas mercantis revelando-os como fonte secundária do direito empresarial. - A doutrina, a jurisprudência, analogia, princípios gerais do direito, tratados e convenções internacionais. Conceito jurídico de empresa Cesare Vivante identificou a empresa pelo aspecto econômico descrevendo-a como um organismo que, sob o seu próprio risco, recolhe e põe em atuação sistematicamente os elementos necessários para obter riquezas. Para Vivante, a combinação do capital, trabalho e risco são requisitos indispensáveis de toda empresa. Alberto Asquini identificou quatro sentidos para a palavra Empresa: 1. Sentido subjetivo: empresa identificada como empresário 2. Sentido objetivo ou patrimonial: Empresa como sendo o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos organizado para o exercício da atividade (Fundo Empresarial, Art. 1.142 cc/02) 3. Sentido institucional: Empresa como uma corporação formada pelo empresário e seus colaboradores4. Sentido técnico – funcional: empresa como atividade econômica organizada de maneira profissional para a produção ou circulação de bens ou de serviços. O sentido técnico funcional é o que apresenta maior relevância, uma vez que diferencia empresa dos atos de comércio. 9 O Código Civil Italiano de 1942 não conceituou a Empresa, mas tão somente o empresário fato que demonstra que o legislador deslocou o foco de atenção do ordenamento jurídico do ato praticado, tal como antes ocorria na teoria dos atos de comércio, para a pessoa que assume o risco econômico, porque esta figura é a que traduz a força motriz da empresa. Da mesma forma o fez o novo Código civil Brasileiro que dispõe: Art. 966: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços”. EMPRESA ATIVIDADE ECONOMICA ORGANIZADA PROFISSIONAL PRODUÇÃO e/ou CIRCULAÇÃO BENS e/ou PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A empresa se caracteriza por ser uma unidade econômica de produção formada pelos cinco elementos de empresa acima descritos, que reforçam a idéia de uma unidade de fatores direcionados para seu objetivo precípuo: a realização da atividade econômica escolhida. A atividade econômica congrega os três principais setores da economia (extrativismo, indústria de transformação; e, comércio ou serviços). A organização se revela na conjugação dos fatores de produção (capital, trabalho, tecnologia e matéria prima). O profissionalismo abrange a habitualidade e a onerosidade com intuito lucrativo. Já a produção envolve a transformação de matéria prima em produto acabado, fato que se relaciona tanto com os bens como com os serviços. A circulação se traduz na tradição econômica dos produtos, técnicas ou processos de gestão. Na categoria dos bens encontramos as mercadorias que são as coisas disponíveis para a negociação. Estas podem ser materializadas em bens móveis, imóveis, materiais ou imateriais. Por sua vez os serviços latu sensu são todas as atividades que não se sujeitam à legislação trabalhista ou a legislação especial, engloba a realização de obras ou atividades determinadas ou por prazo certo. 10 Assim, o que diferencia a atividade empresarial das demais atividades é o objeto a ser explorado. Em razão desta distinção, afastam-se do conceito de empresa todas as atividades que não tenham o cunho econômico tais como as atividades intelectuais, de natureza artística, científica ou literária (p. único do art. 966), as atividades rurais (art. 971 e 984 do CC/02), as atividades esportivas, beneficentes, religiosas ou partidárias, salvo se estas atividades constituírem mais um dos elementos de empresa que somados aos cinco elementos essenciais venha a acrescer à atividade empresarial. Empresário O Empresário é aquele que exerce a empresa, é sujeito de direito que pratica atividades mais amplas do que o comerciante, daí o principal intuito da unificação promovida pelo novo Código Civil foi ampliar a incidência do Direito de Empresa àquelas pessoas e atividades que antes ficavam fora da proteção do direito comercial tal como ocorria com os que se dedicavam à prestação de serviços. Empresário Individual O empresário individual é uma pessoa humana (natural ou física) que se obriga em seu próprio nome no exercício das atividades da empresa, respondendo com seus bens pessoais pelas obrigações da atividade empresarial. O patrimônio pessoal do empresário individual responde direta e ilimitadamente pelas obrigações da atividade empresarial uma vez que não há separação entre o patrimônio afetado à empresa e o patrimônio particular do empresário. Assim, diz-se que o patrimônio do empresário individual é único e indivisível. Requisitos para ser empresário individual: 1. Exercício da atividade de empresa: art. 966 do CC/02 Para ser empresário a pessoa tem que exercer a empresa, ou seja, uma atividade econômica organizada profissionalmente para a produção ou a circulação de bens ou de serviços com intuito lucrativo. 2. Capacidade Civil: art. 972 CC/02. O empresário individual, para exercer sua profissão, deverá estar em pleno gozo de sua capacidade civil. Assim, em princípio, qualquer pessoa com 18 anos completos 11 (art. 5º do NCC), mulher ou homem, nacional ou estrangeiro, pode exercer a atividade empresária no Brasil. Os incapazes O incapaz permanente e o menor absolutamente incapaz não podem ser empresários individuais, porque agem por intermédio de representantes ou assistentes, ou seja, não podem exercer em nome próprio a empresa, logo, não podem ser empresários. Vale dizer que o menor emancipado, por qualquer das causas previstas no parágrafo único do art. 5º do CC, pode ser empresário haja vista que adquire a capacidade, mesmo não deixando de ser menor. No rol das causas de emancipação previstas no parágrafo único do art. 5º do digesto civil, ganha relevo a do inciso V, uma vez que o menor, com dezesseis anos completos pode, ao se estabelecer no comércio e de lá retirando seu sustento, se emancipar por ato próprio, hipótese em que a sua inscrição no registro do comércio servirá como prova de sua emancipação (art. 976 do CC/02). A continuidade das atividades empresariais – art. 974 do CC/02. Se ocorrer a incapacidade posterior ao início da atividade da empresa, ou ainda o recebimento de empresa como herança, o incapaz, permanente ou temporário (menor), pode continuar as atividades antes exercidas por ele quando era capaz ou por seus antecessores, desde que, devidamente representados (incapacidade absoluta) ou assistidos (incapacidade relativa), obtenham autorização judicial, esta precedida de estudo da viabilidade e dos riscos do negócio, para a continuação da empresa. A mulher casada comerciante (art. 1º CCom) No tocante à mulher casada, cabe afirmar que desde 1962 com o Estatuto a Mulher Casada, não é mais preciso obter autorização do marido para se estabelecer no comércio. Vale dizer que o art. 5º da Constituição Brasileira pôs fim a esta controvérsia ao proclamar a igualdade entre os indivíduos. 3. Ausência de impedimento legal. O art. 972 do CC/02 elenca a ausência de proibição legal como requisito para o exercício da profissão de empresário. Contudo tais proibições são personalíssimas e só afastam o sujeito da atividade empresária quando se verificam os requisitos legais que as impõem. São proibidos de exercer a empresa como empresários individuais: 12 - Os incapazes (o ato é nulo); - Os chefes e agentes do Poder Executivo (federal, estadual, municipal) e os seus auxiliares (ministros e secretários); - Os membros dos Tribunais de Contas (ministros e conselheiros); - Os órgãos do Legislativo (deputados e senadores): art. 54, II, CRFB/88; - Os magistrados art. 47, II, LOMAN; - Os membros do MP: art. 36, I, lei 8625/93 c/c art. 44, III LONMP, - Os funcionários públicos: art. 117, X, lei 8112/90, c/c art. 195, VI e VII da lei 1711/52; - Os estrangeiros com visto provisório: lei 6815/80; - Os militares na ativa (das três armas) e corpos policiais: arts. 180 e 204 do CPM e art. 35 do Dec-lei 1.029/69, c/c art. 29 da lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares); - Os falidos, enquanto não-reabilitados (art. 102 da lei 11.101/2005). - Os corretores oficiais: (art. 36, do dec. 2.191/32 ); - Os leiloeiros (dec. 2.198/36, art. 36); - Os prepostos comerciais: (CLT, art. 482); - Os devedores do INSS: (Lei 8.212/91, art. 95, §2º); - Os cônsules remunerados, nos seus distritos: (dec. 4.868/82, art. 11 e dec. 3529/89, art. 42); - Os médicos para o comércio farmacêutico: dec. 19.606/31c/c dec. 20.877 e lei 5991/73. Exercício da empresa pelo estrangeiro É vedado ao estrangeiro não residente no país, exercer a atividade empresarial. Não há restrição, no entanto, para que o estrangeiro, mesmo o não residente, ostente a condição de sócio de sociedade empresária. Por outro lado, os estrangeiros com visto permanente e os oriundos de países de língua portuguesa que estejam há mais de um ano no país (art. 12, II, “a” CRFB), podem exercer a profissão de empresário. 4. Prática de Ato Jurídico Perfeito Por fim, o art. 104 do Código Civil traz os últimos requisitos a serem atendidos pela pessoa que deseja ser empresário. Tal dispositivo exige a observância da forma prescrita ou não vedada por lei, por agente capaz, para a prática de atos cujo objeto deve ser lícito, determinado ou determinável na forma da lei civil. Assim afasta-se do empresário toda atividade ilícita. Onerosidade e Profissionalismo Vale deixar consignado que a doutrina1 exige onerosidade nas relações interpessoais como requisito para se aferir a condição de empresário, haja vista ser este 1 Vg. CAMPINHO. Sérgio. O direito de Empresa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2004. p. 19-32 13 um atributo do profissionalismo exigido daqueles que desenvolvem a atividade econômica. O pequeno empresário O art. 970 do Código Civil estabelece que “a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”. Porém, o digesto civil não conceituou a figura jurídica do pequeno empresário, fato que motivou séria divergência doutrinária acerca do assunto, a saber: Sérgio Campinho, José Edwaldo Tavares Borba e Fabio Ulhoa2 entendem que: como não há lei específica estabelecendo o conceito de pequeno empresário, o art.2º da lei 9.841/99 deve ser utilizado para estender tal conceito aos microempresários e aos empresários de pequeno porte. Já Rubens Requião3 utiliza o conceito que estava no projeto do novo código que foi vetado. Entende ele que o Pequeno Empresário não é o Microempresário e nem o Empresário de Pequeno Porte. Para Requião, o Pequeno Empresário é a pessoa natural que exerça uma atividade artesanal, ainda que com o auxílio de familiares, cuja receita bruta anual é menor ou igual a 100 vezes o salário mínimo vigente, tendo como investimento de capital valor menor ou igual a 20 vezes o salário mínimo vigente. Em virtude de tamanha divergência, o Conselho da Justiça Federal editou entendimento sobre o assunto consubstanciado nos seguintes enunciados: Enunciado 56 – Art. 970: o Código Civil não definiu o conceito de pequeno empresário; a lei que o definir deverá exigir a adoção do livro- diário. Enunciado 200 – Art. 970: É possível a qualquer empresário individual, em situação regular, solicitar seu enquadramento como microempresário ou empresário de pequeno porte, observadas as exigências e restrições legais. Portanto, não existe definição legal para o conceito de pequeno empresário previsto no art. 970 do Código Civil, contudo, diante da regulamentação existente para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, por extensão, equipara-se o pequeno empresário ao empresário de pequeno porte ou ao microempresário, conforme orientação jurisprudencial. 2 Obras citadas 3 REQUIÃO. Rubens, Curso de Direito Comercial, Vol I. 25ª ed.São Paulo: Saraiva. 2003, p. 78 14 O não empresário O parágrafo único do mesmo art. 966 do Código Civil afasta da condição de empresário “quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores”. Contudo, a realização de atividade intelectual aliada aos demais elementos de empresa (atividade econômica, organização, profissionalismo, produção ou circulação de bens ou de serviços) não desnatura a empresa nem desqualifica a pessoa para ser empresário. Assim, se a atividade intelectual for incorporada aos demais elementos da empresa a pessoa que a exerce não perde a condição de empresário nem a organização o status de empresa. Para as pessoas naturais, a ausência da condição de empresário não traz maiores implicações, a não ser a vinculação ao regime da insolvência civil em vez do regime da falência. Para as pessoas jurídicas, no entanto, a lei reservou a denominação “sociedade empresária”, para aquelas que exercem atividade própria de empresário e a expressão “sociedade simples” para as entidades que não preenchem os requisitos exigidos para a caraterização da figura do empresário. EMPRESÁRIO COLETIVO Empresário coletivo é a pessoa jurídica que exerce a atividade de empresa. A denominação empresário coletivo é bastante criticada porque na verdade não se tem uma coletividade de empresários exercendo a empresa, mas sim uma empresa exercida por uma pessoa jurídica formada por uma coletividade de pessoas. Pessoa jurídica São entidades as quais a lei empresta personalidade jurídica própria, distinta da de seus sócios, capacitando-as, para assumir direitos e obrigações na vida civil. Natureza Jurídica: - Ficção legal ou doutrinária (Savigny): criação artificial da lei ou da doutrina. - Realidade Técnica (Ihering) Forma encontrada pelo direito para reconhecer a existência de grupos que se unem na busca de fins determinados. Ocorre que o nosso ordenamento jurídico reconhece a existência de pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, por isso é preciso verificar qual categoria de pessoa jurídica pode ser considerada empresária. 15 Logo de início afastam-se da empresa as pessoas jurídicas de direito público, isto porque o art. 173 da Constituição Brasileira determina expressamente que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só é permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Mesmo assim, quando for o caso de exploração direta esta deve ser feita através de empresas públicas ou sociedades de economia mista, que se submetem ao regime jurídico próprio das empresas privadas, conforme previsto no inciso II do parágrafo primeiro do mesmo art. 173 da carta maior. Assim, as pessoas jurídicas de direito público interno não podem ser consideradas empresárias por expressa vedação constitucional. Por seu turno, o art. 44 do Código Civil traz um rol exemplificativo das espécies de pessoas jurídicas de direito privado, fato que impõe a distinção entre elas para efeito de saber qual espécie pode exercer a condição de empresário coletivo. Associações As associações são pessoas jurídicas formadas por pessoas que se organizam para desenvolver fins não econômicos, tais como atividades culturais, recreativas, esportivas etc. (Art. 53 e seguintes do CC). Logo, as associações não podem ser empresárias por incongruência entre o objeto da associação e a atividade de empresa (econômica). Fundações As fundações são criadas por um instituidor que destina bens livres, para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência, mediante escritura pública. (art. 62 e p. único do CC). Da mesma forma não se adequam à atividade de empresa. Partidos políticos e organizações religiosas Tanto os partidos políticos, que perseguem ideologias, quanto as organizações religiosas, que professam a fé e os cultos, não podem exercer a condição de empresário porque suas atividades precípuas não são de natureza econômica. Sociedades As sociedades se formampela manifestação da vontade de duas ou mais pessoas, que se propõem através de um contrato a unir esforços e recursos para a consecução de uma atividade econômica e a partilha entre si dos resultados. 16 O art. 981 do Código Civil aderiu à teoria contratualista ao dizer: “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Logo se vê que a única categoria de pessoa jurídica que está autorizada a perseguir atividade econômica é a sociedade. Pressupostos Os pressupostos da sociedade são os aspectos que fundamentam a sua existência, validade e regularidade de atuação e se identificam através dos diversos caracteres. Pressupostos de existência Para a existência de uma sociedade é preciso que concorram (i) a affectio societatis e (ii) a pluralidade de sócios. Affectio societatis é a vontade firme de os sócios unirem-se, por comungarem de idênticos interesses, manterem-se coesos, motivados por propósitos comuns, e colaborarem, de forma consciente, na consecução do objeto social da sociedade4. Já a pluralidade de sócios demanda a presença de ao menos duas pessoas, físicas ou jurídicas para a formação do contrato social. Vale ressaltar que o direito brasileiro não admite a sociedade originariamente unipessoal, salvo a hipótese da subsidiária integral prevista no art. 251 da Lei 6.404/76. A unipessoalidade é admitida de maneira superveniente por prazo certo de 180 (cento e oitenta) dias, conforme dispõe o art. 1.033, IV do NCC ou pelo prazo de 1 (um) ano nas sociedades anônimas, na forma do art. 206, I, d da Lei 6.404/76. Assim, em caso de remanescer apenas um sócio na sociedade, seja por qual motivo for, este terá os prazos acima mencionados para restabelecer a pluralidade de sócios, sob pena de dissolução de pleno direito da sociedade. Pressupostos de validade Como requisitos de validade decorrentes da natureza das sociedades, encontramos a contribuição dos sócios para a constituição do capital (art. 981 do NCC) e a participação nos resultados (art. 1.008 do NCC). 4 LOBO, Jorge. Sociedades Limitadas – Vol. I. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p.51 17 O capital social O capital da sociedade, o qual consta no contrato, é a cifra correspondente ao valor dos bens que os sócios transferiram ou se obrigaram a transferir à sociedade5. O capital social é regido por dois princípios básicos: o princípio da realidade que prescreve ser necessário a correta atribuição de valores aos bens que forem transferidos à sociedade a titulo de integralização do capital, e o princípio da intangibilidade que inibe qualquer distribuição de valores que não se apóie em um excesso patrimonial frente ao capital constituído, uma vez que este é a garantia dos credores. O capital social pode ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro6. Por expressa determinação do §2º do art. 1.055 do NCC, a sociedade limitada não admite a constituição do capital social com serviços, nem tampouco com bens ou direitos indissociáveis do patrimônio de seu titular, uma vez que a lei não admite o sócio de trabalho ou de indústria. Por ser o capital dividido em quotas, a sua realização é feita através da subscrição ou da integralização. A mera subscrição significa que o sócio apenas se comprometeu a aportar recursos ou bens em um momento futuro, na forma e no prazo previstos no contrato. A integralização da quota revela o pagamento do preço ou a efetiva transferência dos bens ou direitos à sociedade, investindo o subscritor na qualidade de sócio cotista. A participação nos resultados O último requisito de validade das sociedades é a distribuição dos resultados. O Código Civil no art. 1008, fulmina de nulidade a cláusula contratual que exclui qualquer dos sócios de participar das perdas ou dos lucros. A distribuição dos resultados deve ser proporcional à participação de cada sócio na composição do capital, mas nada obsta que, por disposição contratual expressa, os sócios estabeleçam a participação igualitária nos lucros e nas perdas (art. 1.007 CC/02). Vale lembrar que a cláusula que exclui qualquer sócio da participação nos lucros é reputada leonina, posto que estabelece uma vantagem exagerada para contratantes, em prejuízo para o excluído, daí exsurge a negativa legal de sua validade (Art. 1.008 NCC). 5 BORBA. José Edwaldo T. Direito Societário. Rio de Janeiro; Renovar.2001. p. 41 6 Art. 1.055, § 2º do NCC 18 Requisitos gerais de regularidade na atuação Tal como qualquer negócio jurídico, o contrato de sociedade deve atender aos requisitos contidos no art. 104 do NCC (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e, forma prescrita ou não defesa em lei). Contudo, o contrato social deve ainda afastar de qualquer restrição aos direitos e obrigações dos sócios, expressamente contidas na lei. Capacidade Civil No que diz respeito à capacidade, exsurge a questão atinente à participação de menores nas sociedades. O Art. 308 do Código Comercial7, revogado pelo art. 2.045 do NCC, vedava, no caso de sucessão por herança, o menor herdeiro de ter cota parte na sociedade comercial, salvo se legitimamente emancipado, ou seja, o menor incapaz não poderia participar de sociedade comercial por expressa vedação legal. Com o advento do Novo Código Civil, o dispositivo não foi reproduzido, mas ainda permanece como pressuposto de validade dos atos jurídicos, a presença do agente capaz. Assim, existem duas hipóteses a serem analisadas: a participação do menor emancipado e a posição do menor, absoluta ou relativamente incapaz, não emancipado. Menor emancipado Se o menor, com mais de dezesseis anos completos se emancipar por qualquer das causas previstas no parágrafo único do art. 5º do NCC, não há qualquer empecilho à sua participação na sociedade, haja vista que a emancipação faz cessar a incapacidade surgindo a possibilidade dele praticar todos os atos da vida civil, pessoalmente e em nome próprio. Assim, não há qualquer óbice ao seu ingresso na constituição original, inclusive na condição de administrador da sociedade, da mesma forma que pode ingressar em sociedade já constituída, por ato voluntário ou por herança. Menor Impúbere A Segunda hipótese é a do menor, absoluta ou relativamente incapaz, não emancipado. Para estes a Constituição Brasileira reserva uma proteção especial8 que os põe a salvo de toda e qualquer forma de exploração, principalmente a de seu patrimônio pessoal. 7 Lei 556 de 1850 8 Art. 228 da CRFB/88 19 Em razão do mandamento constitucional e da certeza que o exercício da empresa envolve os riscos inerentes a toda e qualquer atividade econômica, emerge a necessidade de preservação do patrimônio do menor. Por isso, mesmo inexistindo vedação legal à participação destes em sociedades, mormente as empresárias, a questão suscitou controvérsia doutrinária. Antes mesmo do Novo Código Civil, a questão era controvertida na doutrina e havia dois entendimentos divergentes. 1ª Corrente. Os professores Rubens Requião, Sérgio Campinho e Waldírio Bulgarelli, não admitiam que o menor, não emancipado, participasse como sócio em uma sociedade, porque as sociedades previstas no Código Comercial eram contratuais e de pessoas, havendo uma disposição expressa que vedava a participação do menor. 2ª Corrente. Já Fábio Ulhoa Coelho, José EdwaldoTavares Borba e Waldo Fazzio Júnior, entre outros (posição amplamente dominante), admitiam a participação do menor, desde que presentes os seguintes requisitos: (i) A responsabilidade dos sócios seja subsidiária e limitada; (ii) O menor absolutamente incapaz teria que ser representado; ou, se relativamente capaz, assistido; (iii) O capital social deveria estar totalmente integralizado, pois assim não seria possível o comprometimento do patrimônio do menor; (iv) O menor não poderia ser sócio-gerente, pois o incapaz não pode praticar atos de gestão; e, (v) As quotas só poderiam ser havidas através de dinheiro ou bens móveis, porque a disposição de imóveis requer autorização judicial. Vale ainda ressaltar que todos os requisitos acima seriam cumulativos e concorrentes, para que o menor pudesse participar da sociedade. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a questão, flexibilizou os requisitos exigindo apenas o capital totalmente integralizado e o afastamento dos poderes de gerência, Vejamos: SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. PARTICIPAÇÃO DE MENORES, COM CAPITAL INTEGRALIZADO E SE PODERES DE GERÊNCIA E ADMINISTRAÇÃO COMO COTISTAS. ADMISSIBILIDADE RECONHECIDA, SEM OFENSA AO ART. 1º DO CÓDIGO COMERCIAL. 20 Recurso Extraordinário não conhecido. (RE 82.433/SP, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, Tribunal Pleno, DJU 08.07.1976) Em razão da jurisprudência do STF sobre o assunto, o Departamento Nacional do Registro de Comércio – DNRC emitiu os seguintes entendimentos: Ofício Circular nº 22/76 – DNRC: “Tendo em vista que a jurisprudência é fonte de lei e, como as decisões do STF a torna exigível em casos análogos, entende o DNRC que as Juntas Comerciais devem aceitar e definir contratos sociais onde figurem menores impúberes, desde que as suas cotas estejam integralizadas e não constem dos contratos sociais atribuições aos mesmos, relativas à gerência e administrações”. Instrução Normativa nº 12 de 28.11.1986 – DNRC: “O arquivamento de atos de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, da qual participam menores, será feito desde que o capital da sociedade esteja integralizado na constituição, como nas alterações contratuais, e, não sejam atribuídos ao menor, poderes de gerência e administração”. Como antes mencionado, o Novo Código Civil não tratou da matéria, mas revogou (art. 2.045) a parte primeira do Código Comercial, que continha a regra que vedava a participação do menor em sociedades comerciais (Art. 308 do C. Com.). A teoria do ordenamento jurídico surge da necessidade de se dar unidade a um conjunto de normas jurídicas esparsas e fragmentárias, sempre sujeitas ao risco constante de mudança ao arbítrio dos detentores do poder. A incerteza e a insegurança no campo jurídico motivaram o estabelecimento de um ordenamento jurídico baseado em três caracteres fundamentais: a unidade, a coerência e a completitude. A unidade vem a dar ao direito o atributo de ser um sistema unitário de normas que derivam da norma fundamental. A coerência por sua vez, afasta a possibilidade de haver antinomias no ordenamento jurídico através dos mecanismos de solução das incompatibilidades entre as normas (hierárquico, cronológico e a especialidade). Por fim, a completitude vem a ser o atributo pelo qual se nega a existência de lacunas na lei, 21 seja pela presença de um espaço jurídico vazio (o fato não regulado pela lei é irrelevante), seja pela existência de uma norma geral exclusiva que considera “permitido tudo aquilo que não é proibido nem comandado”. Por tais razões, ante a inexistência de vedação legal, a doutrina amplamente admite, após a vigência do NCC, a participação de menores impúberes na sociedade, consoante a diretriz do DNRC, antes referidas, seja por ato inter vivos ou mortis causae, desde que presentes as seguintes condições: (i) A sociedade deve ser daquelas em que a responsabilidade do sócio é subsidiária e limitada; (ii) O menor absolutamente incapaz terá que ser representado; ou, se relativamente capaz, assistido; (iii) O capital social deverá estar totalmente integralizado, tanto na constituição, como nas alterações contratuais; e, (iv) Não sejam atribuídos ao menor, poderes de gerência e administração. O professor Sérgio Campinho9 acrescenta que na hipótese de aumento de capital, deve-se promover a imediata integralização do capital subscrito para que não haja possibilidade de vulneração do menor. Diz ainda que, no caso do capital não estar totalmente integralizado, o menor só poderá ingressar ou permanecer na sociedade mediante autorização judicial, após a análise dos riscos da empresa, haja vista a disposição do art. 974 do NCC. Cabe ainda ressaltar que, em caso de morte de sócio, opera-se a resolução da sociedade quanto a este, hipótese em que só por acordo dos herdeiros com os sócios remanescentes pode ser feita a substituição do sócio falecido (art. 1.028 do NCC). Neste caso, é preciso que a titularidade das cotas esteja estabelecida na partilha de bens homologada pelo Juiz e que os demais sócios não tenham optado pela dissolução da sociedade. Diante deste contexto, a capacidade do agente enquanto requisito de validade do ato constitutivo da sociedade sofre eventuais temperamentos, em razão da possibilidade de participação do menor. 9 CAMPINHO, Sérgio, op, cit, p. 211 22 O segundo requisito geral de validade – a licitude, possibilidade e determinação do objeto – não precisa de maiores considerações, porque decorre da análise das atividades elencadas no objeto social. Objeto social lícito Em relação ao objeto, as sociedades podem perseguir atividades econômicas ou rurais, intelectuais 10 ou outra incompatível com as atividades de natureza econômica, tais como as esportivas, de beneficência, morais ou religiosas. A atividade descrita no objeto social dirá se a sociedade é simples ou empresária. Não é somente a organização ou a estrutura administrativa que adota; mas as finalidades a serem perseguidas no objeto descrito no contrato que irão indicar se a sociedade é simples ou empresária11. Vale dizer que as sociedades limitadas se enquadram naturalmente entre as sociedades empresárias 12, mas as sociedades simples podem, sem perder esta qualidade, adotar a forma de sociedade limitada, como também de outros tipos societários. Forma do Ato Constitutivo O Terceiro requisito geral de validade – a forma- também não demanda especial atenção, o contrato de sociedade pode ser celebrado por instrumento particular ou por escritura pública, exige-se apenas que o ato constitutivo seja levado ao registro próprio para que a sociedade obtenha personalidade jurídica (Art. 985 do NCC) Desde longa data a doutrina se inclinou por entender que as sociedades de capitais se constituem por estatutos. No que diz respeito às sociedades limitadas, a hibridez do seu objeto nada tem que ver com o seu ato constitutivo, mas sim com o caráter personalista ou capitalista da sociedade, portanto, a sociedade permanece contratual. Tais circunstâncias levam também à conclusão que a limitada é uma sociedade contratual e personificada. O contrato de sociedade gera relações obrigacionais entre os seus participantes, e entre estes e o novo sujeito de direito. A doutrina do direito comercial debateu por muito tempo sobre a natureza dos atos constitutivos das sociedades13. É certo que o contrato firmado para a constituição de uma sociedade é disciplinado pelas normas do direito comercial, mas sua vinculação às normas 10Cf. p. único do art. 966 do NCC 11 Neste sentido o acórdão proferido no proc. 2000.02.01.012520-2, Rel. Des. Federal André Fontes 12 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial – 25ª ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 465 13 COELHO. Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – vol. 2 – 7ª ed.. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 379/382. 23 contratuais do direito civil é inegável, porquanto se traduz num acordo de vontades que cria, extingue ou modifica direitos. As sociedades de pessoas constituem-se por contrato haja vista a possibilidade de prévio ajuste e negociação das cláusulas contratuais. Já nas sociedades de capitais o ato constitutivo vem a ser o Estatuto que não admite negociação prévia de suas cláusulas por ser um instrumento equivalente a um contrato de adesão (art. 54 da Lei 8.078/90) No entanto, prevalece o entendimento de que, em ambos os casos, trata-se de um contrato plurilateral14, na esteira dos ensinamentos de Túlio Ascarelli, uma vez que os sócios comungam de objetivos comuns; e, mesmo havendo interesses antagônicos dos contratantes, estes são coordenados para a realização do objeto, o que indica uma espécie singular de contrato. CLASSIFICAÇÃO DAS SOCIEDADES SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL Sociedades personificadas e despersonificadas As sociedades personificadas são aquelas que possuem personalidade jurídica assim entendida como um conjunto de atributos que revelam autonomia do nome, do domicílio, de nacionalidade e de patrimônio que acabam por consignar capacidade civil, tributária e postulatória, para contrair direitos e obrigações. As sociedades não personificadas são aquelas que não possuem ou que não promoveram a inscrição de seus atos constitutivos no Registro Geral das empresas mercantis (sociedades de fato) ou aquelas que seus atos constitutivos não têm validade (sociedades irregulares), resultando na responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios perante terceiros, sem benefício de ordem (art. 990 CC). São as sociedades em comum e as sociedades em conta de participação. Efeitos da personificação A Personalidade jurídica é a aptidão da sociedade de contrair direitos e obrigações em nome próprio. A sociedade adquire personalidade jurídica com o arquivamento dos atos constitutivos na Junta Comercial. A Existência legal da pessoa jurídica começa com o arquivamento de seus atos constitutivos no órgão competente e 14 Cf. Requião (op, cit, p. 469); Fábio Ulhoa (op,cit, p. 381), em sentido contrário Jorge Lobo entende que se trata de um contrato complexo em razão da sociedade Ter natureza mista ou híbrida (op, cit, p. 71) 24 termina com o arquivamento da dissolução contratual e a baixa da inscrição do empresário no registro do comércio. (art. 45, 985 e 1.150 do CC/02) Os principais efeitos da personificação são: 1. Exclusividade e proteção do nome empresarial (Art. 33 da L. 8.934/94); 2. Autonomia patrimonial da sociedade em relação aos sócios; 3. Aquisição do domicílio legal no lugar de sua sede15 (art. 75 CC/02); 4. Aquisição de nacionalidade brasileira (Art. 1.126 CC/02); Como visto, o arquivamento dos atos constitutivos da sociedade confere capacidade civil, tributária e postulatória à pessoa jurídica. O principal efeito da aquisição da personalidade jurídica é a autonomia patrimonial que a sociedade adquire perante os sócios, ou seja, separa-se o patrimônio da sociedade do patrimônio dos sócios. Tal efeito resulta no estabelecimento da responsabilidade patrimonial da sociedade. Esta é igual a do empresário individual, ou seja, a sociedade responde perante terceiros, por suas dívidas, de maneira pessoal (em seu nome), direta (com seu próprio patrimônio); e, Ilimitada (até o montante da dívida). Ocorre que os sócios, por constituírem o patrimônio da sociedade através da integralização do capital, também assumem responsabilidade perante os credores da sociedade. No entanto, a responsabilidade dos sócios é subsidiária, nos termos dos artigos 1.023 e 1.024 do Código Civil, que prescrevem: Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária. Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. Nos termos do inciso VIII do art. 997, todo e qualquer ato constitutivo de sociedade deve conter a “cláusula de responsabilidade” para efeito de se determinar a responsabilidade dos sócios e até mesmo o tipo societário, sob pena de se considerar que a responsabilidade dos sócios é ilimitada. 25 Os sócios assumem, subsidiariamente, responsabilidade ilimitada, mista ou limitada pelas obrigações sociais. A responsabilidade ilimitada resulta no fato de que os sócios se obrigam na forma do art. 1.023 do CC, ou seja, pelo saldo que faltar para cumprir a obrigação que o patrimônio da sociedade não foi capaz de adimplir. A responsabilidade mista ocorre nas sociedades em comandita simples e por ações, onde existem sócios que respondem na forma do art. 1.023 e outros que a lei estabelece um parâmetro para o alcance da obrigação do sócio. Por fim, a responsabilidade limitada assume duas feições, ou o sócio responde apenas pela sua participação individual no capital, ou o sócio responde pelo valor de suas quotas e do capital em solidariedade com os demais sócios. A limitação da responsabilidade do sócio à sua participação individual aparece nas sociedades anônimas, onde “a responsabilidade dos sócios ou acionistas é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas” conforme dispõe o art. 1º da Lei 6.404/76, hipótese em que “obriga-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir” (art. 1.088 do NCC). A limitação da responsabilidade à participação individual, com solidariedade pela integralização do capital, ocorre nas sociedades limitadas, onde “a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”, de acordo com o art. 1.052 do NCC. Ocorre que a responsabilidade dos sócios subsidiária pode dar ensejo a fraude contra credores, mediante o uso indevido da pessoa jurídica. Diante da possibilidade de alguns desvios, o legislador pátrio adotou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica como forma de coibir eventuais abusos. Casos de afastamento da responsabilidade subsidiária a) Responsabilidade dos administradores O art. 1.015 do NCC reza que os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade, sendo sócios ou não. Ocorre que o inciso III do mesmo artigo dispõe que o excesso dos administradores pode ser oposto pela sociedade perante terceiros, no caso de operação evidentemente estranha aos negócios da 15 Enunciado 55 – Arts. 968, 969 e 1.150: o domicílio da pessoa jurídica empresarial regular é o estatutário ou o contratual, em que indicada a sede da empresa, na forma 26 sociedade. Assim, se o administrador também for sócio, responderá pessoal e ilimitadamente pelas obrigações contraídas. Da mesma forma, o art. 1.016 do NCC, estipula a responsabilidade solidária e pessoal dos administradores, perante terceiros e a sociedade, por culpa no desempenho de suas funções. b) Responsabilidade por deliberações O art. 1.080 do NCC prevê a responsabilidadepessoal, solidária e ilimitada dos sócios que expressamente aprovarem deliberações que resultem em infração do contrato social ou a lei. A hipótese afasta a responsabilidade limitada dos envolvidos em relação às matérias aprovadas. c) a desconsideração da personalidade jurídica A lei reconhece, em certos casos, a possibilidade de o Juiz desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para atingir o patrimônio pessoal dos sócios. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica nasceu na Inglaterra, mas foi nos EUA que ela se desenvolveu e migrou para outros países. Foi introduzida no Brasil por Rubens Requião e é conhecida como doutrina da penetração, ou também pela expressão inglesa “disregard of legal entity”. Como se sabe, a pessoa dos sócios não se confunde com a da sociedade e os patrimônios daqueles e desta não se comunicam. Portanto, o objetivo desta teoria é desconsiderar momentaneamente a personalidade jurídica da sociedade para atingir o patrimônio dos sócios, na hipótese de prática de atos fraudulentos ou abusivos, preservando-se, deste modo, os interesses e direitos dos credores prejudicados pelo mau uso da sociedade. Trata-se de uma exceção ao princípio da separação patrimonial, haja vista que o direito repudia a utilização da personalidade jurídica da sociedade para acobertar situações antijurídicas. Esta teoria se baseia na teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito16. Em nosso ordenamento jurídico encontramos o instituto da desconsideração da personalidade jurídica no art. 449 da CLT, no art. 18, da lei 8.884/94 – CADE; no art 4º, da lei 9.695/98; no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil. dos arts. 968, IV, e 969, combinado com o art. 1.150, todos do Código Civil. 27 O Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) dispõe: Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1° (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. O novo Código Civil também tratou da matéria em seu art. 50, vejamos: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Pressupostos da aplicação da teoria da Desconsideração A teoria da desconsideração tem como pressuposto maior de aplicabilidade a prática de um ato ilícito e como pressupostos menores o abuso da personalidade jurídica, configurado pelo desvio de finalidade e pela confusão patrimonial; e, a fraude contra credores sedimentado no prejuízo experimentado por aqueles que tem obrigações a serem adimplidas pela pessoa jurídica. 16 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial,vol I, 25ª ed..São Paulo:Saraiva. P. 379 28 Teoria maior e teoria menor da desconsideração Doutrinariamente há uma divisão entre a teoria da desconsideração maior e a teoria da desconsideração menor. A teoria. maior condiciona o afastamento da personalidade jurídica da sociedade à existência do ato ilícito e da fraude ou abuso de direito. Para a teoria menor, o prejuízo do credor é suficiente para o levantamento do véu da sociedade e para a conseqüente responsabilização dos sócios se a sociedade não dispuser de bens suficientes para o adimplemento da obrigação. Assim, a teoria maior firma-se no mau uso da sociedade e consolida-se pela presença de um maior número de requisitos para ser aplicada. Por outro lado, a teoria menor considera a simples insatisfação do credor como requisito suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. De toda sorte, ambas as teorias só serão aplicadas, se não houver como responsabilizar diretamente a sociedade. Portanto, o tipo de responsabilidade atribuída aos sócios em cada espécie societária afasta a aplicação da teoria da desconsideração, uma vez que esta só poderá ser aplicada se o ato praticado for ilícito. Sobre a extensão do abuso da personalidade jurídica a que se refere o art. 50 do Código Civil, devemos dizer que o referido dispositivo reflete a aplicação da teoria da desconsideração maior, uma vez que o digesto civil condiciona a aplicação da referida teoria à comprovação do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial. Desconsideração direta e desconsideração inversa A teoria da desconsideração direta é a positiva da no art. 50 do Código Civil, ou seja, ocorre quando os bens particulares dos sócios são usados para o pagamento das obrigações da sociedade, ou seja, o credor da sociedade perpassa a sociedade para adentrar diretamente no patrimônio do sócio ou do administrador. Já a teoria da desconsideração inversa incide quando os bens da sociedade são levados ao pagamento das obrigações da pessoa do sócio, neste caso, desconsidera-se a existência da sociedade para entender que o patrimônio do sócio engloba também o patrimônio da sociedade. É o caso da unipessoalidade fática que se verifica quando, por exemplo, um sócio detém a quase unanimidade do capital social (99% p. ex.) 29 Vale dizer que a desconsideração da personalidade jurídica só atinge os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações, mas não atinge a essência do ato constitutivo, esclarecendo o assunto o Professor Fábio Ulhoa17 assim leciona: “A desconsideração da personalidade jurídica não atinge a validade do ato constitutivo, mas a sua eficácia episódica. Uma sociedade que tenha a sua autonomia patrimonial desconsiderada continua válida, assim como válidos são todos os demais atos que praticou. A separação patrimonial em relação aos seus sócios é que não produzirá nenhum efeito na decisão judicial referente àquele específico ato objeto da fraude”. Desta forma, a extensão da confusão patrimonial para efeito de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica deverá ser aferida à luz do ilícito praticado e da responsabilidade dos sócios da sociedade, motivo pelo qual compete privativamente ao juiz, no conhecimento do caso concreto, verificar se houve fraude perpetrada com o uso da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para, somente após, realizar a desconsideração. Aspectos processuais A desconsideração da personalidade jurídica aparece sempre como um incidente do processo, haja vista que, para a sua aplicação, é necessário que a sociedade (teoria da desconsideração direta) ou o sócio (desconsideração inversa)não tenha recursos para adimplir a obrigação com o seu próprio patrimônio. Assim, o provimento judicial que resolve este incidente processual será uma decisão interlocutória sujeita ao recurso de agravo retido previsto no art. 522 do CPC, ou de instrumento, na forma do art. 524 do CPC. Distribuído o agravo, estes vão imediatamente conclusos ao relator que poderá dar-lhe provimento (art. 557 § 1º-A) ou negar seguimento ao recurso (art. 557, caput). Neste último caso, cabe o agravo interno previsto no art. 557, § 1º do CPC para suscitar a manifestação do órgão colegiado. Não obtendo sucesso no conhecimento do recurso, a parte pode manejar Recurso Especial para o STJ, presentes os pressupostos do art. 105, inciso III da Constituição Brasileira. Caso o apelo especial não seja admitido cabe o agravo de instrumento do art. 544 do 17 COELHO. Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, 15ª ed. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 127 30 CPC, hipótese em que o ministro relator pode dar provimento ao recurso, por decisão monocrática (art. 544, § 3º), ou, negar seguimento ao mesmo, hipótese em que caberá o agravo do art. 545 do CPC. d) Responsabilidade Tributária dos sócios O direito societário, enquanto ramo do direito comercial possui regras, institutos e conceitos próprios que não se confundem com os dos demais ramos do direito. Da mesma forma, o direito tributário também se apresenta como um ramo autônomo da ciência do Direito e como tal possui regras institutos e conceitos que somente podem ser aplicados quando o assunto envolve tributos. Assim é a responsabilidade tributária, que pressupõe disposição legal que atribua de modo expresso “a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação“, conforme dispõe o art. 128 do CTN. Como visto, a responsabilidade tributária tem como pressuposto o crédito tributário e não o capital social ou a participação individual de cada sócio, tal como pressupõe a responsabilidade societária. Por isso, somente disposição legal expressa pode deslocar a responsabilidade pelo pagamento do tributo para terceira pessoa, desde que obviamente vinculada de alguma maneira ao fato gerador da obrigação tributária. Por tais motivos, “nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou nas omissões de que forem responsáveis” (art. 134 do CTN), os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas (inciso VII). Da mesma forma, “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos” (art. 135 do CTN) os sócios, no caso de liquidação irregular de sociedade de pessoas (inciso VII do art. 134 do CTN, c/c inciso I do art. 135 do CTN) e “os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado” (inciso III do art. 135 do CTN). 31 1) Dissolução Irregular da Sociedade O novo código civil estabeleceu, nos arts. 1.033, 1.044 e 1.087, as formas e causas de dissolução regular da sociedade. Em virtude da expressa disposição legal, a dissolução societária que não atenda ao disposto nos artigos mencionados deve ser considerada irregular. A jurisprudência do STF é pacífica em considerar a dissolução irregular como uma das hipóteses que ensejam a aplicação do art. 135 do CTN, para a responsabilização pessoal dos sócios (art. 135, III c/c art. 134, VII), desde que, este, exercendo função de gerência (administração), não providencie a extinção na forma prevista em lei, vejamos: “Nos termos do art. 135, III do CTN são substituídos na responsabilidade tributária os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Se a firma encerrou suas atividades de forma irregular, pode, qualquer uma das pessoas referidas na lei, ser citada com a penhora de seus bens, para garantia da execução fiscal. Precedentes da Corte”. (RE nº 113.854-RJ, AC da 2ª T do STF, de 26.08.87, Rel Min. Carlos Madeira, RTJ 124/365). Questão controvertida é se poderia o administrador, estranho ao quadro social, ser responsabilizado pessoalmente no caso de dissolução irregular da sociedade. Os administradores da sociedade, mesmo os estranhos ao quadro social, enquadram-se como representantes das pessoas jurídicas de direito privado, nos termos dos arts. 1.015 e 1.064 do CC. Contudo, a dissolução da sociedade ocorre de pleno direito (art. 1.033) por decisão judicial (art. 1.034) ou por estipulação do contrato social (art. 1.035), surge daí a dúvida acerca da possibilidade da execução fiscal ser dirigida pessoalmente contra o administrador, nomeado por ato em separado. Ora, se a dissolução da sociedade se deu por ato do administrador que, por ato próprio, ensejou a dissolução irregular, nenhuma dúvida há que este será pessoalmente responsável pelos tributos que a sociedade deixou de recolher, nos termos do art. 1.015 32 e 1.016 do NCC c/c art. 135, III do CTN, pois agiu com evidente má-fé, além de ter perpetrado a fraude. Por outro lado, se a dissolução irregular se deu por ato do administrador, em cumprimento de deliberação dos demais sócios, incide o art. 1.080 do NCC que determina a responsabilidade ilimitada dos sócios que expressamente aprovaram ou anuíram com a dissolução irregular. Por tais razões, podemos concluir que as alterações do novo código civil não afastam a incidência do art. 135 do CTN e possibilitam, caso a caso, a responsabilização pessoal dos sócios que exerçam a administração da sociedade e dos administradores, estranhos ao quadro social, na hipótese de dissolução irregular da empresa. 2) O Não Recolhimento Tempestivo dos Tributos O Superior Tribunal de Justiça já fechou questão acerca da responsabilidade dos sócios quando não houver o recolhimento tempestivo dos tributos. A corte entendeu que a obrigação do recolhimento do tributo devido é da pessoa jurídica (sociedade), e não do diretor ou sócio gerente. É dominante no STJ o entendimento que o não recolhimento do tributo, por si só, não constitui infração à lei suficiente a ensejar a responsabilidade solidária dos sócios, ainda que no exercício da gerência, sendo necessário provar que os mesmos agiram dolosamente, com fraude ou excesso de poderes. Vejamos a ementa: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES. 1. Agravo Regimental interposto contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento ofertado pela parte agravante. 2. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 3. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos 33 atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76). 4. De acordocom o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do CTN). 5. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex- sócio. Precedentes desta Corte Superior. 6. Agravo regimental não provido. (AGA 490702 / RS; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO2003/0011958-0 - Min. JOSÉ DELGADO). Assim, diante da jurisprudência pacífica do STJ, a menos que seja comprovado, nos autos da execução fiscal, o excesso de poderes ou a infração do contrato social ou do estatuto, o simples inadimplemento do tributo não caracteriza, por si só, infração legal a ensejar a responsabilidade pessoal do administrador, seja ele sócio ou não da sociedade. O entendimento pacífico é no sentido de que a responsabilidade dos administradores é subjetiva e depende da prova da fraude à lei ou ao contrato. 3) Contribuições previdenciárias Contudo, no que tange às contribuições previdenciárias, a Lei 8.620 de 1993 estabelece em seu artigo 13, a responsabilidade solidária pelos débitos perante a previdência social, vejamos: Art. 13. O titular de firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à seguridade social. Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a seguridade social, por dolo ou culpa. 34 Neste caso específico, o simples inadimplemento das obrigações previdenciárias resulta a responsabilidade subsidiária e solidária dos administradores, diretores, gerentes e acionistas controladores pelas contribuições impagas. Sociedade brasileira e estrangeira O art. 1.126 do CC/02 dispõe: “é nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no país a sede de sua administração”. Assim, será nacional aquela que preencher os requisitos acima identificados ao passo que será estrangeira toda aquela que não for organizada segundo as leis de nosso ordenamento jurídico ou que não tenha a sua sede no Brasil. Vale dizer que a nacionalidade dos sócios não influi na designação da nacionalidade da sociedade, não obstante, a sociedade estrangeira ser obrigada a manter permanentemente, representante no Brasil com poderes para receber citação judicial pela sociedade (art. 1.138 CC/02). Cumpre ainda dizer que a sociedade estrangeira depende de autorização prévia do Poder Executivo, que pode ser condicionada à defesa dos interesses nacionais, para funcionar no país, e se submete, após recebida tal autorização, aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil (art. 1.135 e 1.137 CC/02). Sociedades simples e empresárias Alguns fatores devem ser considerados para se distinguir as sociedades em simples ou empresárias. O principal aspecto a ser considerado é a atividade ou conjunto de atividades perseguidas pela pessoa jurídica. Se a atividade é de natureza econômica, verificados os demais elementos da empresa e os requisitos necessários para a caracterização da figura do empresário, a priori, estaremos diante de uma sociedade empresária. Contudo, se a pessoa jurídica desenvolve atividade rural, intelectual ou outra incompatível com as atividades de natureza econômica, tais como as esportivas, de beneficência, morais ou religiosas, estaremos diante de uma sociedade simples. Vale dizer que a descrição da atividade é obrigatória nos atos constitutivos de sociedades na cláusula referente ao objeto (art. 997, II do CC), portanto, a verificação da natureza da sociedade será decorrente da atividade descrita no contrato social. Outro aspecto a ser considerado é o registro. Assim é porque o artigo 1.150 do Código Civil estabelece que o Registro Público de Empresas Mercantis é privativo dos empresários e das sociedades empresárias, ao passo que o Registro Civil das Pessoas 35 Jurídicas é reservado para as sociedades simples. Logo, a definição do órgão competente para arquivar os atos constitutivos também é um fator determinante para a caracterização de uma sociedade como simples ou empresária. Outro fator que permite o enquadramento de uma sociedade como simples ou empresária é a organização. Este elemento de empresa compreende a utilização racional dos fatores de produção (capital, trabalho, insumos e tecnologia) em torno da atividade desenvolvida. Assim, será empresária a sociedade que possui organização dos fatores de produção, ao passo que será simples a sociedade que não tiver organização em sua atividade. Espancando o tema, temos as lições do professor José Edwaldo Tavares Borba18: “As sociedades simples são as que não dispõem de uma estrutura organizacional e as que, mesmo dispondo, dedicam-se a atividades intelectuais, a atividades rurais (agricultura e pecuária) e a negócios de pequeno porte (pequena empresa), cabendo registrá-las no Registro Civil das Pessoas Jurídicas – RCPJ. As sociedades empresárias são todas as demais (art. 982), inclusive a sociedade dedicada à atividade rural, contanto que se inscreva no registro Público de Empresas Mercantis – RPEM (art. 984).” Portanto, os fatores que permitem enquadrar uma sociedade como simples ou empresária são (i) a atividade descrita no objeto do ato constitutivo, (ii) a organização da atividade em torno dos fatores de produção; e, (iii) o órgão competente para o registro dos seus atos constitutivos. Vale dizer que antes do NCC, havia a separação entre sociedades comerciais e sociedades civis, sendo que o objeto da primeira era a atividade mercantil e o da segunda a atividade civil. Com a unificação promovida pelo novo código civil, o objeto do direito empresarial será o exercício da atividade de empresa e as sociedades simples e empresárias, que estão relacionados com as atividades economicamente organizadas. A sociedade empresária A sociedade empresária é aquela destinada à atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços (art. 982 CC), ou seja, a que tem atividade própria de empresário. 18 BORBA. José Edwaldo Tavares. Direito Societário.9º ed.Rio de Janeiro: Renovar.2004.pg. 22. 36 O requisito da capacidade civil das sociedades é obtido com a inscrição de seus atos constitutivos no órgão competente (art. 45; 985 e 1.150 do CC/02) oportunidade onde a sociedade adquire autonomia do nome, do domicílio de nacionalidade e de patrimônio, adquirindo capacidade civil, tributária e postulatória. Já o requisito da ausência de proibição legal deve ser aferido, primeiramente, sob o aspecto da necessidade de autorização do poder executivo para o funcionamento da sociedade previsto no art. 1.123 do CC/02. De acordo com a atividade a ser perseguida, as sociedades dependem de autorização para funcionar. Enquanto não obtida tal autorização as sociedades estão impedidas de exercer a atividade, o que também traz impedimento de serem consideradas empresárias. Sociedades entre cônjuges Antes da vigência do novo código civil, muitos
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