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Cultura e Alteridade

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Cultura e Alteridade: interpretações de Franz Boas, Clifford Geertz e Claude 
Lévi-Strauss 
Introdução 
 
A constituição do povo brasileiro é conhecida por ser uma das mais diversificadas 
do mundo. Desde que os colonizadores portugueses aqui pisaram, começaram, mesmo 
sem que houvesse um objetivo claro sobre isso, a fundação de uma nação que chega aos 
dias como um caso raro de unidade nacional, sendo seu povo tão diferente entre si. 
Os portugueses começaram a história a partir dos índios. O “Conto Brasil” ganhou 
mais linhas, que foram sendo escritas pelos africanos, holandeses, alemães, italianos, 
japoneses, espanhóis. Enfim, tornou-se um país multinacional, multicultural, 
multiétnico, multifacetado. Mas o que constituí um povo? A resposta é tão complexa 
quanto a própria idéia do que é o homem. Um conjunto de fatores inumeráveis faz parte 
da construção dessa idéia, mas uma delas é, certamente, uma das mais fascinantes: a 
cultura. 
A evolução do termo remonta a própria história da humanidade. Vinda do verbo 
latino colere, tem o sentido de “cultivar”, “criar”, “tomar conta” e “cuidar”. Na 
Antiguidade romana, cultura significava o cuidado do homem com a natureza. Nessa 
acepção, a cultura era o aprimoramento da natureza humana pela educação em sentido 
amplo, no qual não se opunham os conhecimentos morais, políticos, científicos, 
artísticos e filosóficos à natureza (Chaui, 2005). A partir do século XVIII, cultura passa 
a ser os resultados e as conseqüências daquela formação dos seres humanos, expressas 
nas técnicas e ofícios, artes, religião, ciências, filosofia, vida moral e vida política ou 
Estado. Ou seja, torna-se sinônimo de civilização, ganhando a separação e, por 
conseguinte, a oposição entre natureza e cultura (Chaui, 2005). Para vários filósofos e 
historiadores, a cultura surge quando os homens produzem as primeiras transformações 
na natureza pelo seu trabalho, o que dá início a um processo de troca de mercadorias 
(Chaui, 2005). O século XXI, saído a pouco da fase de gestação, nos oferece uma gama, 
formada nos últimos séculos, ainda maior de interpretação sobre a cultura. A idéia de 
uma virtual planificação do mundo, por exemplo, é grande fonte de inspiração para 
estudos sobre as reações culturais diante desse movimento. 
A pretensão deste ensaio está longe de esclarecer por completo todas as idéias de 
cultura como forma de constituição de um povo ou de prognosticar os rumos do projeto 
cultural planificado. Ela é muito mais singela, porém importante. O presente ensaio se 
dá em forma de abordagem da cultura sob seus aspectos conceituais, de forma a expor 
alguns argumentos de Franz Boas, Claude Lévi-Strauss e Clifford Geertz acerca do 
tema, assim como traçar, em linhas gerais, suas interrelações. Dessa forma, espera-se 
que o leitor possa começar a montar, de forma estruturada, o grande quebra-cabeças que 
é a própria cultura e, mais ainda, identificar que nesse jogo, a peça principal é sempre o 
outro. 
 
O lugar da Antropologia nas ciências humanas 
Na linha do tempo da história do homem, as ciências humanas se desenvolveram 
em um percurso sinuoso, percorrendo caminhos pelos quais os movimentos do mundo 
lhes fizeram criar. Com as transformações sociais (que envolvem também sistemas 
econômicos), tornaram-se cada vez mais necessários intérpretes da vida e do homem. 
Como ciência, a antropologia surge nesse contexto para estudar estruturas ou formas 
culturais (singularidades e particularidades), diferentes entre si, como seus princípios 
internos de funcionamento e transformação (Chaui, 2005).Nos estudos antropológicos 
destacaram-se importantes pensadores que influenciaram, ao longo da história, a forma 
como enxergar a cultura – e com ela, como enxergar o outro. 
Três autores relevantes do século XX ajudam a conceber a idéia de cultura e 
alteridade, bem como o lugar da antropologia nas ciências humanas. Franz Boas, Claude 
Lévi-Strauss e Clifford Geertz trouxeram, portanto, novas perspectivas e leituras sobre 
estudo da cultura. 
 
Peças para montar um quebra-cabeças 
Franz Boas 
No final do século XIX, o alemão Franz Boas rebate as teses evolucionistas, tão 
em voga na época. Elas consistiam em afirmar que a sociedade tem traços fundamentais 
em comum e que existiriam leis gerais que pudessem explicar certa natureza cultural. A 
justificação para a distinção cultural estaria, então, no argumento de que as sociedades 
encontravam-se em diferentes estágios de desenvolvimento (do selvagem ao civilizado). 
Essas teses evolucionistas fizeram com que a antropologia ganhasse espaço importante 
na sociedade, levando consigo a perspectiva de que seria possível, então, orientar nossas 
relações de tal modo, “que delas advenha o maior venefício para a humanidade”, 
segundo exposição de Boas em seu ensaio sobre as limitações do método comparativo 
aplicado pela corrente evolucionista. Para ele, a fragilidade maior desse método de 
entender a cultura era de ignorar o fato de que costumes iguais ou parecidos não 
significam que se desenvolveram pelas mesmas causas. O objetivo de seus estudos era o 
de “descobrir os processos pelos quais certos estágios culturais se desenvolveram”, “se 
esforçar para encontrar a causa psicológica comum subjacente a todos eles (costumes)”. 
É o início para a fundação do relativismo cultural, a partir do qual revolucionou a 
ciência antropológica da época, exercendo sua influência, como exemplo, nas teses do 
norte-americano Clifford Geertz. Diferente do evolucionismo carregado de positivismo, 
o relativismo quer distância de leis universais, pelas quais seriam impossível classificar 
a complexidade que é a cultura humana. A idéia era justamente de considerar que, 
apesar de certas semelhanças, as ações do homem (que resultam em manifestações 
culturais) são resultadas de uma série de fatores “não-simplificáveis” e coletivos. Para 
entender essa série de relações complexas, o antropólogo deveria, então, fazer a 
descrição etnográfica “do ponto de vista do nativo”, assim como alicar a psicologia na 
fase de interpretação dos estudos. 
Clifford Geertz 
Próximo a essa perspectiva relativista, apresenta-se Geertz, considerado como 
relativista moderado, o pensador argumentou que a cultura é a trama de significados que 
o próprio homem cria. Nesse sentido, seria impossível entender a cultura através de uma 
teoria, por isso era classificado como antipositivista. Por motivo semelhante, criticou o 
estruturalismo de Lévi-Strauss devida a sua extravagante pretensão de penetrar 
estruturas profundas que determinavam as habilidades simbólicas dos seres humanos 
(citado em Cairo & Marín, 2008). 
Gerrtz defende uma coalizão entre culturas uma vez que as relações humanas 
estão cada vez mais estreitas em um mundo rico em diversidades. Ele rompe com um 
romantismo no qual seria possível impermeabilizar sua própria cultura em prol de uma 
preservação genuína. Ele propunha que pudéssemos aprender a captar aquilo ao que não 
podemos somar (Cairo & Marín, 2008). É uma crítica a Lévi-Strauss e ao seu 
etnocentrismo que, segundo Geertz, via como “a imagem de um mundo cheio de gente 
fazendo alegremente a apoteose de seus heróis e satanizando seus inimigos”. Para o 
pensador norte-americano, em um mundo de fronteiras cada vez menos definidas no que 
diz respeito à alteridade, os dispositivos discriminatórios transcendem critérios de raça e 
de origem social, chegando também a convicções religiosas e tendências sexuais. 
Um ponto interessante no pensamento de Geertz é sobre o papel do antropólogo. Ele 
seria o mesmo que um escritor, um romancista, que imagina (diferente de inventar) a 
diferença do outro e traduz para o seu leitor que muitas vezesé incapaz de enter “a olho 
nú” a alteridade. 
Sua “ciência interpretativa” é considerada como um refinamento do relativismo clássico 
de Franz Boas, pois além de considerar que não existem causas universais para os 
comportamentos culturais das diversas sociedades, acredita que a própria ação (cultura) 
é um símbolo da fixação compartilhada pelas pessoas.

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