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ENTRE A FIDELIDADE E A LIBERDADE: TRADUZINDO O DISCURSO DA ADAPTAÇÃO
(BETWEEN FAITHFULNESS AND FREEDOM: TRANSLATING THE DISCOURSE OF ADAPTATION)
 
Lauro Maia AMORIM (PG­UNESP­São José do Rio Preto)
                                                                                                
ABSTRACT: This  paper  discusses  the  relationships  between  translation  and  adaptation  based  on  the  analysis  of
conflicts and ambivalences  that  constitute  the notions of “faithfulness”, “freedom” and “deviance”  in  two authors’
discourse on adaptation, calling thus into question the assumed univocity assigned to these notions.      
 
KEYWORDS: translation; adaptation; fidelity; freedom; discourse                                                                                                 
 
Em  Análise  de  discurso:  princípios  e  procedimentos,  Orlandi  (2001:52)  explora,  dentre  outras  questões,  a
problemática  relativa  ao  “sentido  literal”,  noção  que  pressupõe  uma  instância  da  linguagem  que  seria marcada  pela
transparência. Ao ressaltar a relação constitutiva entre subjetividade, ideologia, linguagem e discurso, a autora demonstra
que o sentido literal é efeito de estratégias retóricas e estilísticas constitutivas da “representação da realidade determinada
pelos sentidos do discurso” que faz o sujeito “ter a impressão da transparência” (ibidem, p.52). A noção de literalidade é
posta em jogo na medida em que a relação entre discurso, linguagem e ideologia envolve “deslocamentos”, “movimento”
e  “ruptura”.   Considerando  a  não univocidade que marca  a  relação  entre  discurso  e  sentido,  pretende­se  explorar,  no
campo específico dos estudos da tradução, o deslocamento de sentido e a ambivalência na forma como são concebidas as
noções de “fidelidade”, “liberdade” e de “desvio”, no trabalho de dois autores que abordam a relação entre tradução e
adaptação. Observa­se  a  forma  como  a  concepção  de  adaptação  proposta  por  esses  autores  é  articulada  em  relação  à
tradução, em vista do uso daquelas noções como critérios de distinção entre o que seria adaptar e traduzir. Questiona­se a
suposta  “literalidade”  ou  “transparência”  dos  conceitos  de  “fidelidade”,  “desvio”  ou  “liberdade”,  na medida  que  são
concebidos no espaço de conflitos e ambivalências. 
A  dificuldade  em  se  abordar  a  questão  das  fronteiras  da  tradução  não  é  um  problema  “novo”,  como  ilustra
Basnnett (1980:78­9), já que “muito tempo e tinta têm sido gastos na tentativa de se diferenciarem traduções, versões e
adaptações  e  de  se  estabelecer  uma hierarquia,  com base  na  noção  de  ‘exatidão’,  entre  essas  categorias”[1].  De  certa
forma, a distinção entre tradução e adaptação é direcionada pelo dualismo fidelidade vs. liberdade, o que pode ser notado
no discurso de Johnson (1984). Assim, em Translation and adaptation, Johnson pretende examinar as similaridades e os
pontos de divergência entre tradução e adaptação literárias e avaliar em que medida elas se sobrepõem. O autor analisa
algumas das adaptações de clássicos da literatura para o teatro, realizadas pelo escritor argelino Albert Camus e discute
certos procedimentos que teriam sido efetuados pelo escritor na produção destas adaptações.
      Para  Johnson  (1984),  tanto  a  tradução  quanto  a  adaptação  envolvem  “reprodução”  e  “transposição”.  A
adaptação seria, em certos casos, como a tradução, restrita à reformulação [rewording] e simplificação de um texto com o
objetivo de torná­lo acessível a um determinado público. O autor considera também que a tradução é fiel tanto à “forma”
quanto ao “conteúdo” enquanto a adaptação é fiel apenas ao último. Em vista disso, a adaptação seria mais “criativa” que
a  tradução,  uma  vez  que  esta  envolveria  uma maior  proximidade  ou  “aderência”  em  relação  aos  originais. O  teórico
considera como processos criativos, na adaptação, a condensação, a assimilação, a rejeição e eliminação de redundâncias,
entre  outros. Observa­se  que  “condensação”  ou  “rejeição”  não  são  concebidas  como  aspectos  “negativos”,  sendo,  ao
contrário, fatores que constituiriam o processo “criativo” de adaptação. Um conflito que se revela em sua argumentação
relaciona­se à questão da “proximidade” e da “liberdade” ao comentar determinadas adaptações de clássicos da literatura
espanhola. As obras adaptadas são: La dévotion à la croix de Calderón (1953) e Le chevalier d’Olmedo de Lope de Vega
(1957). Essas adaptações teriam sido encomendadas para serem encenadas no Festival de Artes Dramáticas em Argens nos
anos  de  1953  e  1957.  As  obras  em  questão  já  haviam  sido  traduzidas,  “mas  as  versões  disponíveis  não  eram
suficientemente  próximas  dos  trabalhos  originais,  no  que  diz  respeito  ao  tom  e  à  substância,  e  foram  consideradas
inadequadas para atores” (p.423). O estudioso ressalta que se desejava “um script de produção fiel e legível para atores”,
o que teria levado Camus a “combinar tradução palavra­por­palavra com adaptação” (ibidem). Retomando  a  distinção
proposta, Johnson concebe a tradução como sendo mais “fiel” ou “próxima” aos textos originais. Em contrapartida, as
adaptações envolveriam maior “liberdade”, já que poderiam empreender maiores modificações em relação aos textos de
partida. Nas considerações acima, porém, reconhece que as traduções disponíveis não eram “próximas” o suficiente dos
trabalhos originais, mas tais adaptações produzidas por Camus o seriam. A divisão que parecia tão nítida e harmoniosa
entre “liberdade” e “fidelidade” ou “maior proximidade” como fundamento para a distinção entre tradução e adaptação é,
neste caso, inscrita em um conflito.
De  acordo  com  Johnson  (1984:423),  Camus  teria  empreendido  três  passos  no  processo  de  realização  dessas
adaptações,  a  partir  da  língua  espanhola:  1) A  “audição”,  por meio  da  qual  um  amigo  de  Camus,  com  domínio  do
espanhol,  lia os  textos no original para que este pudesse alcançar o  “tom” e  a  “intenção dos autores”; 2)  “Tradução,
interpretação e transcrição”, que envolveria a tradução “palavra­por­palavra” “e/ou interpretação pelo leitor e transcrição
simultânea para o  francês por Camus”, e 3) A “reprodução”, que seria o processo  final de “projeção” e “rejeição” em
relação ao  texto de partida. As adaptações foram avaliadas e bem qualificadas por um especialista. A noção de maior
proximidade em  relação ao original,  associada à  tradução,  é  agora atribuída a duas adaptações  realizadas por Camus.
Neste caso, o teórico faz uma associação diversa da que vinha realizando ao longo de seu artigo. O processo descrito
envolveu  uma  segunda  pessoa  (o  “amigo”  de  Camus)  e  em  nenhum momento  há  o  reconhecimento  da  interferência
inevitável em todas estas etapas. Sequer fica claro, por exemplo, se o “leitor” que teria empreendido a “tradução palavra­
por­palavra e /ou interpretação”, na segunda etapa do processo, é o “amigo” espanhol ou o próprio Camus. Além disso,
uma das etapas “criativas” envolve a “projeção” e a “rejeição” e, ainda assim, o estudioso, com base nas colocações de
um  outro  especialista,  considera  a  adaptação  “tão  próxima  quanto  possível”  dos  textos  originais.  O  conceito  de
fidelidade ou de maior proximidade em relação ao texto de partida é, no discurso de Johnson, “deslocado” de sua posição
“habitual”  ao  lado da  tradução,  para  ser  uma  atribuição de uma  adaptação. Esse  “deslocamento”,  poder­se­ia  afirmar,
apenas insinua a incoerência do teórico; porém, vale lembrar que sua posição se sustenta na avaliação de um especialista
que  analisou  as  duas  adaptações  de  Camus.  Há,  portanto,  uma  instância  de  legitimação  dessa  “proximidade”  da
“adaptação” em relação ao texto original.
                Johnson (1984) considera, ainda, que o sucesso de Camus varia de adaptação para adaptação, sendo que as
maioresdificuldades encontradas pelo escritor argelino estão relacionadas às adaptações Réquiem pour une nonne,  de
Willian Faulkner (1877­1962)  e Les possédes, de Dostoievsky (1821­1881). Johnson (1984:425) ressalta que “a primeira
adaptação foi difícil devido ao estilo e ao background cultural contra o qual o romance foi escrito” e a segunda “em razão
da extensão e da estrutura caótica do romance”. O teórico desconfia do método utilizado por Camus ao lidar com estas
obras, na medida em que este escritor teria recorrido a traduções já existentes, o que produziria “somente uma tradução de
segunda mão”, e conclui: “a despeito do sucesso atribuído a estas adaptações, não se pode realmente atestar a validade do
método empregado, pois uma boa tradução requer o acesso tanto à língua fonte quanto à língua meta” (ibidem, p.425,
grifos meus).  Johnson não parece  ter dúvidas ao classificar  como “adaptações” as duas versões propostas por Camus;
porém, ao questionar a validade do método empregado, com o uso de uma tradução já disponível, avalia não mais duas
adaptações, mas o que, em sua opinião, deveria  ser uma boa tradução.  Por  uma  espécie  de  “suspensão” dos próprios
limites que o teórico havia traçado entre tradução e adaptação, as duas adaptações são, assim, avaliadas como se fossem
traduções  (“inadequadas”).  A  ambivalência  que  caracteriza  essas  associações  pode  ser  decorrente  da  própria
complexidade  de  fatores  que  envolvem  a  avaliação  do  que  seja  uma  “boa”  tradução/adaptação  e  a  dificuldade  que
Johnson  encontra  em  delimitar  o  que  é  “inerente”  à  tradução  e  não  à  adaptação.  Em  outros  termos,  não  há  uma
transparência  ou  literalidade  intrínseca  ao  que  chamamos  de  “fidelidade”,  “proximidade”  ou  “liberdade”:  se  há  um
deslocamento de valores, sentidos e atribuições a essas noções isso se deve, em parte, a práticas discursivas que legitimam
ou  excluem  o  que  pode  ou  não  ser  caracterizado  como  opções  aceitáveis  –  seja  sob  o  conceito  de  tradução  ou  de
adaptação. Isso não significa que a tradução e a adaptação se reduzem uma a outra, apagando qualquer possibilidade de
se pensar em diferenças. O que se propõe é refletir sobre essas diferenças não como dados “intrínsecos”, supostamente
marcados por uma univocidade, mas como diferenças que são “organizadas”, “deslocadas” e até mesmo “suspendidas” no
espaço da articulação de práticas discursivas. O conflito que  se  instaura  entre  as noções de  fidelidade e de  liberdade
sugere  o  entrecruzamento  de  parâmetros  diversos,  pondo  em  jogo  a  relação  entre  os  conceitos.  Jogo  que  também  se
inscreve em relação à noção de “desvio” no discurso de Bastin (1990).
 Em Traduire,  adapter,  réexprimer[2], Bastin  (1990)  afirma que  a  adaptação  envolve desvios  inevitáveis,  na
medida  em  que  seria  uma  estratégia  de  “reexpressão”  empreendida  pelo  tradutor  diante  de  uma  dificuldade  de
reformulação de  sentido. Segundo o  teórico – cuja argumentação se baseia em sua  tradução de uma obra pedagógica
sobre tradução – a adaptação torna possível o equilíbrio comunicativo em circunstâncias em que a tradução não poderia
fazê­lo. Neste sentido, a adaptação não é algo facultativo, nem fruto da “liberdade”, pois seria uma opção direcionada
pela  obrigação  de  “superar  um  desvio  particularmente  grande  entre  duas  realidades  sociolingüísticas  dadas  ou
escolhidas” (p.474). Curiosamente, no discurso de Bastin (1990), a adaptação é um desvio necessário e obrigatório que
busca  superar  um  outro  desvio,  o  de  comunicação.  Seria  distinta  da  tradução  não  somente  porque  efetuaria  desvios
formais “consideráveis”, mas também porque ela restituiria à comunicação um equilíbrio que, conforme o estudioso, uma
“simples” tradução romperia. Bastin propõe a tradução da obra L’Analyse du discours comme méthode de traduction de
Delisle, que é escrita em francês e na qual se comentam traduções de textos em inglês para aquela língua. A versão de  
Bastin (1990) é uma “tradução­adaptação” para o espanhol na qual são comentadas traduções de textos em francês para a
língua espanhola. 
Ao examinar sua própria tradução, Bastin (1990) discute o que considera como desvios [écarts] ocorridos tais
como a adaptação de livrets d’étudiants por planes de studios, já que aquele termo não teria referente nas universidades
latino­americanas.  Enquanto  o  texto  de  Delisle  trata,  em  uma  nota,  do  “perigo  de  atrofia  que  ameaça  o  francês  no
Canadá”,  a  versão de Bastin  recorre  a  um “comentário  sobre  a  língua  científica  espanhola  deformada”  (p.473). Além
disso, textos publicitários em francês, que exploram procedimentos estilísticos (como aliteração, jogo de palavras, etc.),
foram substituídos por exemplos publicitários da Venezuela, pois a versão em questão é direcionada para este país. Para o
teórico, estas opções não seriam facultativas, sendo o tradutor obrigado a fazê­las se quiser que o texto original tenha o
mesmo efeito junto ao público­alvo. Em decorrência dessa conclusão, Bastin (1990:472) sustenta que “a adaptação não
tem outras funções e objetivos que não sejam os mesmos da tradução”, não deixando de reafirmar a necessidade de ter
recorrido a numerosos “desvios” em sua versão. Observa­se, porém, que apesar desses “desvios”, o teórico conduz sua
argumentação  no  sentido  de  problematizar  a  possibilidade  de  que  seu  trabalho  não  seja  aceito  como  uma  forma  de
tradução: 
 
     Sem a menor hesitação, nós assumimos,  em nossa versão,  esses numerosos desvios,  tanto  sociolingüísticos
como  produtos  de  duas  línguas  de  trabalho  diferentes  (francês/espanhol).  ‘Podemos  querer  que  ainda  seja
tradução?’ De  fato,  por  trás  dessa  questão manifesta­se  de  novo –  até  quando –  o  triste  e  célebre  traduttore
traditore, cujo único interesse é a aliteração contida na fórmula. Ora, qual autor teria rancor de seu tradutor dar a
seu trabalho uma nova amplitude? (BASTIN, 1990:473)  
 
Ao longo de sua argumentação, Bastin (1990) descreve a adaptação como um procedimento distinto da tradução.
Entretanto nota­se um gesto de aproximação entre os dois conceitos, na medida em que não são entendidos como uma
oposição ou como conceitos mutuamente excludentes. O próprio teórico recorre à noção de menor ou maior “grau” de
desvios não como um critério para traçar um limite de separação entre os dois procedimentos, mas como uma fronteira que
expande a concepção de tradução em direção à adaptação. Daí afirmar que é “o conjunto e a amplitude desses desvios
que dão à tradução o caráter de adaptação” (p.474). A aproximação entre os dois procedimentos é corroborada também
pelo  fato  de  que  o  para  o  teórico,  tanto  a  tradução  quanto  a  adaptação  atêm­se  aos  limites  do  “sentido”,  sendo  a
transformação apenas uma questão de modificações formais, sem a alteração do “conteúdo”.
 É  interessante  observar  a  dificuldade  manifesta  nas  palavras  de  Bastin  (1990)  ao  descrever  essa  complexa
relação entre o que pertence à tradução, à sua textualidade e o que é do domínio exclusivo da adaptação: “é realmente
preciso passar pela adaptação se o objetivo é 'passar o sentido da mensagem, produzindo o mesmo efeito'. A adaptação é
tradução” (p.474). O teórico, aqui, aproxima os dois conceitos a ponto de reduzi­los um ao outro, mas a diferença entre
tradução e adaptação persiste em relação à noção de desvio. A adaptação é um desvio que, no entanto, torna possível a
superação de outros. Nas palavras do teórico, ela produz um desvio ao mesmo tempo em que o supera ou “neutraliza”. A
tradução, por sua vez, não seria capaz de superar esse desvio, instaurando o que o autor chama de “ruptura do equilíbrio
comunicativo”. Contudo, nem mesmo essa distinção “pelo desvio” mantém­se unívoca, pois o autor volta a aproximar os
dois conceitos ao afirmar que toda tradução, em algum momento,deve superar uma distância ou desvio sociolingüístico:
“de acordo com a amplidão desse desvio, a tradução será adaptação, mas é difícil imaginar que nenhuma tradução, em um
momento ou outro, tenha de superar uma distância temporal, espacial ou sociolingüística considerável” (p.474). Observa­
se,  assim,  uma  conflituosa  ambivalência  em  relação  à  noção  de  desvio  no  discurso  de  Bastin  (1990),  já  que  é  um
parâmetro  que  “distingue”,  ao mesmo  tempo  em  que  “aproxima”  a  tradução  da  adaptação. O  conflito  se  acentua  na
medida  em  que  os  desvios,  na  adaptação,  não  são  concebidos  por  este  autor  como  uma  “perda”,  mas  como  uma
possibilidade efetiva de “ganho”. “Desviar­se”, em seu discurso, não é deixar de ser “fiel” ao texto original, mas uma
forma de se chegar ao “mesmo”. Daí a dificuldade que encontra, inadvertidamente, em firmar a noção de desvio como um
critério de distinção,  livre de qualquer  instabilidade, entre o que pertence à  tradução e o que é próprio da adaptação.
Neste sentido, a noção de desvio é, em seu discurso, o que torna possível uma certa concepção de fidelidade e que terá
função distinta do que significa ser “fiel” no discurso de Johnson (1984). 
A despeito da própria ambivalência de que se constitui a noção de fidelidade no discurso de Johnson (1984), ela
representa um parâmetro de classificação para se distinguir tradução e adaptação. No discurso de Bastin (1990), porém, a
“fidelidade” não está menos relacionada à adaptação: ela sequer se afigura como um parâmetro de diferenciação, pois
adaptar é um procedimento que asseguraria a “fidelidade” às “intenções” do autor do texto original, quando a tradução
apenas causaria um desequilíbrio de comunicação. Em contrapartida, a noção de “liberdade”, que em Johnson  (1984)
fundamenta o exercício da adaptação, não chega a ser empregada no texto de Bastin (1990). A adaptação é entendida por
este teórico como um recurso obrigatório, não­facultativo, embora seja considerado um desvio. O conflito que reside nas
colocações de Bastin (1990) se traduz na incerteza quanto à posição que deveria ou não ocupar o conceito de desvio: por
um lado, o desvio distingue a adaptação da tradução, já que a primeira convergiria para si desvios “consideráveis” em
relação  ao  original,  por  outro  lado,  o  desvio  aproximaria  a  adaptação  da  tradução  na  medida  em  que  garantiria  a
fidelidade  ao  original,  tanto  quanto  ou  melhor  que  a  própria  tradução,  pois  esta  não  evitaria  o  “desequilíbrio  de
comunicação”. Tanto em Johnson (1984) quanto em Bastin (1990) observa­se o “deslocamento” de valores e sentidos
atribuídos às noções de “fidelidade”, “liberdade” e “desvio”. Elas não cumprem o mesmo papel em suas argumentações,
sendo concebidas, inadvertidamente, em conflitos que problematizam a condição de uma literalidade ou transparência
conceitual. Tais “deslocamentos” assinalam, por um lado, a inexistência de uma linha divisória absoluta e inequívoca
que demarque os sentidos destas noções e que seria independente dos “sujeitos” e das “práticas discursivas” em que são
inscritas e, por outro, apontam para as relações conflituosas que se instauram na busca pela afirmação e delimitação dessa
mesma linha divisória.    
 
RESUMO: Este artigo discute as relações entre tradução e adaptação a partir da exploração dos conflitos e ambivalências
que caracterizam as noções de “fidelidade”, de “liberdade” e de “desvio” nos discursos de dois autores que abordam o
conceito de adaptação, problematizando­se, assim, a suposta univocidade atribuída a estas noções.  
 
PALAVRAS­CHAVE: tradução; adaptação; fidelidade; liberdade; discurso
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
BASNNETT­McGUIRE, S. Translation Studies. London: Methuen, 1980.
BASTIN, G.L. Traduire, adapter, reexprimer. Meta, 35, 3, Sept, p.470­5 1990.
JOHNSON, M. A. Translation and adaptation. Meta, 29, 4, Dec. p. 421­5, 1984.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2001.
 
               
 
 
 
 
 
[1] Essa tradução foi feita por mim, assim como as demais a partir do inglês.
[2] A tradução desse artigo foi realizada pela tradutora Kamille Maria Cordeiro Fernandes.

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