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Encontro com o rapazinho

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Vf TEXTO. fl\J ENCONTRO COM O RAPAZINHO
Ser homens não é um empreendimento fácil. De foto,
homens não nascem, mas assim se tornam, por meio cie um
aprendizado duro e difícil ainda que apaixonante. Porém, por
sorte, é possível. Vamos ver como.
O HOMEM: UMA IDENTIDADE MUITO DISCUTIDA
, Imaginemos um rapazinho cie quatorze anos (o clobro de
meu filho menor) muito esperto e que começa a escutar as
conversas que estão circulando, na mídia, jornais, televisão.
Ele terá ficado sabendo há pouco, por exemplo, do último
encontro (são numerosíssimos) no qual importantes professores
de todo o mundo decretaram que o cérebro masculino funciona
muito pior cio que o cérebro feminino. Os clois hemisférios não
estão alinhados, comunicam-se entre si de modo impreciso,
não se pode comparar com o que acontece com as mulheres.'
A comunicação mais rápida e completa cio cérebro feminino
permite, pois (salientam com entusiasmo os jornalistas), uma
melhor integração entre pensamento e emotividade, sensibiliza
e potencializa os processos de intuição na resolução dos
"A comunicação entre o hemisfério direito e esquerdo", disse, por exemplo
(durante o Encontro 'Cérebro masculino e feminino' realizado em Roma em j u n h o de
1999), Paolo Pancheri. professor de psiquiatria na Universidade 'La Sapienza' de Roma,
"é mais rápida e completa no cérebro feminino."
problemas e dilui a rigidez sequencial do pensamento masculino.
"É mais ativa também a parte frontal do cérebro que controla o
comportamento e a avaliação crítica."2
OS HOMENS, RAÇA INFERIOR
Qual é a conclusão diante desta superioridade feminina a
360 graus, sancionada pela ciência, segundo as melhores
tradições cie todo racismo "sério" (uso aqui o termo "racismo"
no seu sentido de "conjunto de crenças que justificam a
discriminação sobre a base cie uma suposta inferioridade de
um grupo")?3 "O clia no qual a mulher gerir em tudo e por tudo
a sua maternidade com a fecundação artificial", disse o professor
Paolo Pancheri, da Universidade La Sapienza de Roma, "para o
homem será a derrota total. Relegado a ser um carregador de
malas, um jardineiro, o faxineiro ou o instrumento sexual, o
pobre homem acabará por viver em uma gaiola dourada"/'
Declarações do mesmo Paolo Pancheri no Encontro já citado.
3
T.F. Pettigrew, RAV.Meertens. Lê mcisine voilé: dimensioiKet inésure(O racismo
velado: dimensões e medidas), in M. Wievorka. Racisme et modernité (Racismo e
modernidade). Paris: Kcl. I.a Découvene, 1993.
4
Palestra no Encontro acima citado. Colocações sucessivas valorizadas pelos
jornais completavam o quadro reportando as conclusões de não melhores precisos
"cientistas USA os quais 'asseguravam que ainda que se o cérebro feminino pese cerca
de 137 gramas a menos, "a densidade e concentração da massa cinzenta é maior na
mulher em relação ao homem". Ver também o meu artigo: Modesta protesta in nome
dal nuiscbio (Modesto protesto em nome dos homens), in 'Liberal', 8 de julho de 1999.
Mas u campanha jornalística sobre a inferioridade biológica do homem ainda continuou;
no caderno 'Saúde' cio Corriere delia Será de domingo 21 cie maio 2000, na primeira
página em caracteres grandes, o lítulo: Pensate come lei. La donna ragioiia meglio
(IclViiomo. Recenli slndi banno scoperto Ia particolarità dei cervello femminile (Pensem
como ela. A mulher raciocina melhor que o homem. Recentes estudos descobriram a
particularidade do cérebro feminino); nas páginas internas a reportagem de Adriana
Gasparini e nas várias seções se traziam as declarações sempre de Paolo Pancheri que
assegura entre outras coisas: "O cérebro feminino é mais refinado, mais sofisticado do
que o masculino, mais completo. Em síntese, é como uma máquina altamente sofisticada.
O cérebro masculino é mais comparável a um trator". Sobre outros aspectos da campanha,
ver as páginas Razzismo oggi. L'uomo, essere inferiore (Racismo hoje. O homem, ser
inferior) no site www.maschiselvatici.it.
Se, por acaso, o nosso rapazinho depara-se com esta
previsão de seu futuro não tem muita coisa cio que se alegrar.
Nós, porém, se queremos lhe dar uma mão, devemos
entender para que servem estas indefectíveis e científicas certezas
sobre a superioridade cia nova raça eleita pela mídia e pela
ciência "midiatizada", o género feminino e sobre o consequente
poder das mulheres no terceiro milénio.
Será que, cie verdade, a sociedade tardo-moclerna tem
tocla esta simpatia pelas mulheres? Então, por que as transveste
cie homens, lhes enxuga os humores vitais, as circunda de
solidão e por fim as abandona a algum psiquiatra especializado
no tratamento ultraquímico da depressão, alegria das empresas
cio setor?
As histórias destes seres potentes e superiores, as mulheres,
são na realidade tristes e muitas vezes dramáticas, tanto quanto
as histórias cios homens. Por exemplo, Donna. primeira clama
da capital do mundo, mulher do prefeito cie Nova Iorque,
Rudolph Giuliani, teria gostado, depois de anos cie solidão afetiva
e traições do marido com as secretárias, cie representar a si
mesma nos Monólogos da Vagina em um teatro cia Grande Maçã.
Não pode fazer nem mesmo isto porque Giuliani declarou
publicamente ter um câncer na próstata e a vagina precisou,
ainda uma vez, calar a sua solidão. Um feminino abandonado
que fala a si mesmo e uma virilidade doente: é esta a situação
autêntica dos dois géneros no fim da modernidade ocidental.
Mas então por que tocla esta glorificação do feminino, este grande
alarde cia "superioridade"da mulher?
Uma primeira resposta pocle ser dada talvez pelo
comunicado difundido no tempo da fusão entre as multinacionais
farmacêuticas Wyeth, Cyanamid e Irbi, da qual surgiu a Wyeth-
Lederle que foi, precisamente, a patrocinadora do Congresso
de Roma, acima citado, no qual o professor Paolo Pancheri
apresentou as suas perspectivas sobre o futuro dos dois sexos.
"Um papel importante nas atividades de pesquisa cio grupo"
CLÁUDIO RISE
afirma o comunicado, "é assinalado pelo desenvolvimento de
produtos farmacêuticos biotecnológicos para as mulheres:
engenharia genética e biotecnologia são, de fato, clois setores
sobre os quais são colocadas muitas esperanças". Esperanças
fundadas com a condição de que as mulheres aceitem fecundar-
se sozinhas.
É esse, de fato, como clisse Paolo Pancheri, o último
obstáculo e é, portanto, aquele que precisa ser aniquilado para
permitir uma ulterior e decisiva cartada das utilidades de Wyeth-
Lederle e de tantos outros. Naturalmente, avidamente atentos
ao grande mercado cio futuro, o único ainda disponível e
receptivo a novos produtos — o mercado cia vida. Se as mulheres,
como dizem os cientistas empenhados na pesquisa de mercado
do futuro, aceitarem não ser mais fecundadas biologicamente
(salvo aquelas costumeiras retrógradas, marginalizadas), os
destinos das multinacionais estão assegurados por um bom
tempo pois estará se abrindo diante delas um imenso mercado
de fabricação da vida. Para que isto aconteça, porém, é preciso
tirar de circulação um velho animal: o homem. E convencer a
mulher de sua própria grandeza, ou até mesmo, onipotência.
Depois de tê-la separado de seu antigo companheiro, fechada
em um universo de solidão, gratificada com um estilo de poder
que não é o seu, constrangida a monologar com a própria vagina,
é chegada a hora de fazê-la enlouquecer, de fazê-la acreditar que
é um indivíduo superior, onipotente.
A serpente que tenta Eva, convencenclo-a a tomar o
lugar cie Deus e a perder, desta maneira, o mundo, é, no fim da
modernidade ocidental, o complexo das grandes multinacionais
que apostam tudo sobre o último consumo, o único não ainda
"maduro", o único que pode ainda "expandir-se" - aquele da
venda cios seres humanos fabricados artificialmente. Mas a
abertura deste mercado depende do definitivo fechamento da
vagina, assim como cio coração cia mulher. Para que isto ocorra
SER HOMENS a virilidade em um mundo feminilizndo
é necessário fazê-la crer que é uma individualidade superior,
como Deus, antes Deus mesmo e assim abra a bolsa aos produtos
da engenharia genética e feche todo o resto.
OS BOLETINS DA DERROTA
Neste ponto o nosso rapazinho começará a juntar algumas
impressões.
Que na escola as meninas são mais "espertas" que os
meninos como ele, isto ele já percebeu há tempos. E as
estatísticas que a mídia publicará a três por dois confirmam
isto. Como disse triunfalmente um outro "boletim da derrota"
anunciado, como sempre, por um cientista homem: "Nos Estados
Unidos (mas não só), as mulheres batem os homens em quase
todas as frentes educativas. Atualmente 55% cios estudantes
universitários americanos são mulheres".5
Nem mesmo lhe escapou que em casa muitas mães
comandam com vara, decidindo tuclo, desde a marca do televisor
até a escola de seus amiguinhos.
Que a mulher do presidente dos Estados Unidos, a senhora
Hillary Rodham Clinton, seja definida por todos "bela e
inteligente" enquanto de seu marido fala-se como cie um cretino,
ele ouviu afirmar nas conversas em sua casa.
Certa vez em que suplicava a uma menina para deixá-lo
brincar com ela chegou a ouvir a própria avó comentar com
uma babá com ar de vanglória: "Os meninos são fáceis de
enganar, são tão estúpidos, pobrezinhos!"
Terá notado também, o nosso rapazinho, desta vez com
certo estupor, que os homens exultam cacia vez que as mulheres
-j
"A disparidade a favor das mulheres se corna ainda mais clara nas populares
de cor. E a tendência vai num crescendo." E a opinião de M.Piu t te l l i Palmarini li professoi'S
diventa opera f ore multimediale(Q professor se torna operador m u l t i d i a l ) in 11 Corriere
delia Senr, Ediçào especial de Ano Novo 2000, p.18.
batem um recorde precedente: "Sexo forte" anuncia o Corriere
delía Será, edição especial para o Ia de Ano de 2000. ''O recorde
da tripla travessia cio canal cia Mancha (34 horas) pertence a
unia nadadora inglesa."6 E triunfa o articulista, Cláudio Colombo,
no artigo cie acompanhamento: "A partir de recentes estudos
realizados em institutos cie ciências motoras do munclo resulta
que as mulheres progridem a uma velocidade tal que deixa
prever, em alguns casos, até mesmo a ultrapassagem". Neste
momento o rapazinho começa a ter uma estranha sensação.
O munclo o está olhando, ele e todos aqueles como ele,
ou seja, os homens, grandes e pequenos. Mas não com
benevolência, antes com um olhar semelhante àquele, um pouco
sádico, cios espectadores das lutas de boxe de terceira categoria,
que observam os sinais cia próxima queda cia vítima predestinada,
do clesafiante desesperado, com o sangue que escorre pela boca,
o olhar que embaça à espera da contagem final.
Se o nosso rapazinho for sadio ele decidirá a não se
preocupar, esperando tempos melhores, mas é difícil hoje ser
muito sadio em qualquer idade.
A solução mais provável é, pois, que aquele rapazinho
comece a olhar ao seu redor para ver como reagem os outros
homens diante do olhar questionador e pouco benévolo que o
munclo lhes dirige.
PERDÃO
Ele perceberá então que a maior parte dos homens diante
daquele olhar pouco amigável se comporta como (é uma
expressão de um filósofo que ele ainda não conhece: Michel
Foucault) um "animal de confissão". Confessa toda culpa e
pede perdão.
Ibiclein, p. 41.
Pode ainda acontecer que o nosso inocente não tenha
conseguido escutar as confissões e os pedidos de perdão via
satélite do presidente dos Estados Unidos por causa dos favores
que gostava cie receber da estagiária da Casa Branca, de seios
mais volumosos do que os de Hillary, chamada Mônica Levinski.
Talvez não tenha nem mesmo percebido o perdão pedido
repetidamente pelo Papa às mulheres, nos últimos anos, por
causa de mil grosserias ou perversidades recebidas cios homens
da Igreja nos séculos cios séculos.
Talvez ainda fosse muito pequeno quando então o prefeito
de Bologna, Vitali, disse que todo homem eleve somente se
envergonhar pois esconde em si um estuprador.
Mas provavelmente tenha lhe passado sob o nariz algum
artigo recente intitulado Que vergonha ser homem, desde aquele
espirituoso de Curzio Maltese que comentava os últimos filmes
de Veneza na primeira página da "Repubblica" até outros que
mais curiosamente anunciavam que Mata mais o estupro que o
câncer.' E então entenderá logo o ponto central.
O homem deve pedir perdão. Não importa cie quê.
HOMEM FAZEDOR DE GUERRA
De fazer as guerras, por exemplo.
"Mas se a única coisa a que eu assisti" poderia dizer o
nosso herói, se fosse um pouco mais assíduo na leitura cios
jornais, "aquela guerra 'Sérvia contra o Resto do Mundo' do
inverno de 1999 tinha sido fortemente desaconselhada por todos
os generais e soldados e firmemente querida exatamente por
três mulheres: Hillary Clinton, para desviar a atenção daquilo
que acontecia sob a mesa da Sala Oval, a Secretária de Estado
In 'Brescia Oggi'.
Madeleine Albright, que quando pequena, foi libertada das
perseguições nazistas, justamente por uma família servia, e
Margareth Thatcher, favorável a todo tipo de guerra e escolhida
para a ocasião como conselheira do "dócil" chefe do Governo
inglês Tony Blair, o homem soft que quer fechar os clubes
privados para homens enquanto violadores de oportunidades
iguais?"(E os clubes somente para mulheres? Destes não se fala.
Melhor não se fazer mal.)
''As suas observações são irrelevantes, rapaz" confirmaria
qualquer extcnsor de artigos de fundo. Sabe-se que as mulheres
são contra a guerra enquanto os homens ficam felizes como
um rebanho ao partir para o fronte.
Contudo, poderia dizer o pai (se não estivesse assistindo
a um daqueles costumeiros seriados nos quais o homem
interpreta regularmente a figura do bobo) como é que fazemos
com 'mulheres negras? O que dizer de todas aquelas
mulheres, mães em sua maioria, estudiosas de mulheres e
feministas (de esquerda, além disto) como Maria Antonietta
Macciocchi e Adele Cambria descreveram como a base mais
fiel do Duce,K que levavam todas fielmente as alianças de
ouro para trocar por alianças de ferro de modo que, também
graças ao seu 'ouro à Pátria' o chamado Duce,9 ajudado pelos
maridos suados, colocasse finalmente sob os pés aquelas
dengosas abissínias?
Mas o pai, como sempre, não diz nada e de resto lê pouco.
O pai, que segundo respeitáveis filósofos e também segundo
os fundadores cia psicanálise, seria, pois, o representante do
Logos, da Palavra, assiste silenciosamente à televisão que, entre
Yvr M. A.Macciocchi La donna ;/í?;r/(A mulher negra), Fekrinelii, Miiano, 1972.
!)
II Duce <Ji C.E. Gadda in Eros e Priapo, Garzanti (Miiano), que confirma
plenamente com quinze anos cie antecipação a análise cie Macciocchi.
SER HOMENS n viri l idade em um mundo femintlizndo
risadas de públicos verdadeiros e falsos, propositalmente
convocados nos estúdios cie televisão, representa todos os pais
e maridos como perfeitos cretinos. Mas também, se por acaso,
em um momento de extrema rebelião, dissesse: "Calado,
desgraçado, é assim e pronto" seria, em todo caso. o veredito
da consciência-preconceito coletivo.
O homem ama a guerra e é violento. Mas (suponhamos
que o nosso rapazinho dê uma olhada nos jornais. De resto, é
a sua única chance, mesmo se não considerem certo para ele)
e a diretora da penitenciária cli Sassari que autoriza os guardas
a bater nos detentos até sangrarem?10 E a ministra da Justiça dos
Estados Unidos, Janet Reno, que em 1993 deu ordem para atacar
e matar todos os seguidores cia seita de David, compreendendo
mulheres e crianças (uns 70) fechados em seu refúgio de Waco,
Texas? E sete anos depois, sempre ela, Janet, guia o rapto do
pequeno Elian Gonzalez, à mão armada por razões diplomáticas?
E a lendária agente Bette Mills que rapta o menino que chora
assustado protegida pelas armas dos colegas Federais e com
um sorriso brilhante o eleva como uma presa diante dosfotógrafos já prontos para imortalizar a cena?" ... Não é que
também'as mulheres... talvez...
Mas o que diz, louco, suicida? São sempre e somente os
homens os verdadeiros violentos!Confessa-o ou prepare-se para
confessá-lo. E, sobretudo, arrependa-se.
Ou, pelo menos, declare-se arrependido. Você não vai
querer remar contra a corrente, ser o grosseirão, o 'politicamente
incorreto? Lembre-se do seu cérebro mal feito e de sua falta de
útero: às multinacionais não lhes importam nem um pouco um
tipo como este. Você é um mercado maduro, a sua imagem é
velha. Não atrapalhe. Adapte-se. Confesse tudo.
Dos jornais diários de 9 e 10 de junho de 2000.
.
Dos jornais diários de 24 e 25 de abril de 2000.
ÍM "l CLÁUDIO KISÉ
SEM VERGONHA, ME AGRADA
Se fosse somente isto, não seria muito agradável, mas o
nosso rapazinho, talvez, pudesse se adaptar.
Certamente a condenação social gera mal-estar e violência.
A sociedade não faz, pois, seguramente um bom negócio em
não poupar ao jovem homem um comportamento desfavorável,
quase tocando ao desprezo que, ao contrário, busca justamente
evitar (para manter a paz social) aos árabes ou aos chineses
que vêm morar conosco. Mas este é um problema da sociedade.
E, agora, pelo menos agora, eu gostaria de voar baixo,
baixo como aquele menino. Deixemos a Sociedade ao seu
destino de mentirosa e trapaceira.12
A mim, por enquanto, interessa aquele rapazinho, o dobro
maior que o meu pequeno, que poderia ainda adaptar-se a ser
um cidadão de série B, assim como se adaptaram, durante
séculos, as mulheres, os escravos e todas as minorias étnicas,
raciais e sexuais. No fundo, também ele pertence a uma minoria,
mesmo sendo a mais numerosa do país. Mas existe um
problema a mais.
O fato é que a mensagem não é somente: "Homem é feio".
A mãe, por exemplo, fica a cada momento horrorizada:
as brigas com os amigos, os pêlos que crescem, a sujeira, os
dedos no nariz ou as mãos a coçar o saco. Mas, outras vezes,
fica também surpreendentemente maravilhada. Quem sabe até
pelas mesmas coisas, mas normalmente por outras mais
'graciosas': os brincos cio seu pequeno, a sua 'sensibilidade', o
fato cie que as 'outras' mulheres, meninas ou moças, correm
atrás dele e ele nem percebe. A mãe não aceita e faz-lhe algumas
chamadas mais facilmente que o pai, mas pouco tempo depois
está pronta para seduzir. Como a mãe cie Agostinho cia qual
escreve Moravia: "O semblante pálido e distante parecia olhá-
lo com olhos lisonjeiros e a boca a sorrir-lhe tentadora".13 Para
não falar cias mães, numerosíssimas em uma sociedade cie
separados que chamam o filho para sua cama porque faz frio
ou porque não é agradável ficar sozinha.'1 Ou como aquela
mãe desta carta de vim adolescente que me escrevia exasperado:
"Quando ela se despe ou se veste para sair cada vez mais
frequentemente deixa a porta de seu quarto aberta e me chama
para dizer-me as coisas que devo fazer. Enquanto isto
experimenta as meias-calças ou troca, quem sabe, três calcinhas,
observando no espelho e em várias posições como lhe ficam e
assim por diante".11
E além disto, existem, é claro, meninas e moças,
compreendendo dentre elas as irmãs que, às vezes, o rejeitam e
às vezes o procuram até de modo muito íntimo. E então, como
ficamos? Se sou um porco nojento o que você quer cie mim?
A mensagem contraditória exerce o seu clássico efeito
como se seguisse um manual: dividir em dois o destinatário,
fazer dele um pobre 'escaldado'.
O menino-rapaz começa assim a pensar que muito
provavelmente ele não é somente um, mas dois. De um lado, é
um porco nojento e, de outro, é um objeto de desejo das
mulheres. Depende dos momentos. Mas como distinguir então
entre o homem bom, aquele que é desejado e o mau, o porco
nojento, deprezado e rejeitado?
Ver .sobre isso o importante trabalho desenvolvido nos últimos anos pelo
site: Pari dirilii per g/i noinini (Direitos iguais para os homens), endereço:
\v\v\v. í reeweb.org/politica/iiomini/.
iiiíí •/<••' '
A. Moravia. Agostino. Milano: Bompiani, 1977.
14
Ver os testemunhos A letto con Ia mamma (o con Ia nonna) (No leito com
mamãe (ou com a vovó) no número de abril/maio de www.maschiselvatici.it. Disponível
no arquivo do site.
15
Em C. Risé. Da uomo a iiomo. llomini chescrímno alio psicanalista (De homem
para homem. Homens que escrevem ao psicanalista). Molano: Sperling e Kupfer, 1998.
CLÁUDIO RISE
PAPAI, DIGA-ME VOCÊ!
E aqui que a necessidade do pai se torna mais angustiante.
O menino-rapaz tem uma necessidade vital que um homem
adulto, o pai possivelmente, lhe forneça uma orientação para
olhar dentro cie si, não só para admirar-se, mas também para
criticar-se quando convém. Uma orientação nascida cia cultura
da qual o seu corpo, os seus instintos e a sua psique provêm: a
cultura masculina. Ele tem necessidade das palavras cie um homem
que falem dele conhecendo-o, sabendo como o seu corpo é
feito, sabendo por um conhecimento direto cios seus impulsos,
dos seus orgulhos e cios seus medos. Precisa de palavras que
saibam ser colocadas no seu sistema simbólico, aincla inconsciente,
distante, socialmente removido e, no entanto, vivo.
Mas o pai não existe. O pai não lhe clirá nada de nada e
menos ainda o que deve fazer, o que pensar das mulheres e de
si mesmo enquanto homem.
Não lhe dirá nada porque não saberia o que dizer pois,
também para ele, o seu pai, não lhe disse nada sobre tudo isto.
É também por isso que a vida sentimental, sexual, afetiva do
pai foi uma navegação sem instrumentos, somente com a vista,
e por isso na maioria das vezes temerosa e vil. Isto é descrito
sem piedade e cie modo hostil, mas muitas vezes verdadeiro,
na literatura feminina. Ou se pode ver no cinema, sobretudo
americano, como, por exemplo, no filme Magnólia de Paul
Anderson no qual é mostrada a vergonha dos pais que se deixam
engolir pelo megacaprichoso narcisístico da sociedade dominada
pela Grande Mãe cie todos os consumos. Desde o sbowman,
molestador da filha ao outro que manda o filho inteligente aos
jogos de azar cia televisão para poder comprar com os prémios
o carrão e aplicar na bolsa, ao 'pai em fuga' que deixa a mulher
SER HOMENS u viri l idade cm um mundo ícminilizado
e filho porque o câncer dela lhe causa horror e medo.16 Assim
são muito frequentemente os pais.
O DESAPARECIMENTO DO PAI
De fato, é uma história já antiga de pelo menos meio século.
É desde então, do final cia Segunda Guerra Mundial em
diante e pela primeira vez na sua história que o filho cio homem
não tem mais um pai que lhe 'inicie' em sua condição de
jovem homem.
O pai está na firma, no escritório, na informações de
espetáculos, nas finanças, ele se preocupa com o dinheiro e
não com os princípios ou com a educação dos filhos. Ele se
preocupa com as ações, obrigações, investimentos. Coisas
concretas e não abstraçòes do 'tipo' seu próprio filho, o seu
corpo e suas possíveis relações com o corpo dos outros.
O corpo de seu filho está cotado na bolsa? Não!
E então, o que você quer do pai? Ele é um homem prático,
pragmático, concreto, racional, um homem cio século XX. É
especialista em produtos e não em corpos ou almas, velhas
histórias de uma civilização primitiva. Ele, o pai, poderia ter
crescido na nova escola do ministro Berlinguer, baseada em testes
cie múltipla escolha e computadores, tanto que para ele, na
verdade não existem e não lhe importa, cie forma alguma, esta
coisa da Idade Média (que precisamente não se estuda mais): o
corpo, o género, o simbólico, as iniciações... Mas estamos loucos?
Coisas de selvagens!
U)
Mas os verdadeiros protagonistas de Mctgnólia são, porém, os íilhos. os
jovens. Problemáticos, certo, mas também corajosos e, a sen modo. leais: do f i lho
génio dos jogos da televisão ao enfermeiro do velho que por sua vez está para morrer
de câncer, ao jovem policial que parece ter saído de Promise Keepers, ao humaníssimo,
perfeito, 'soberanoabsoluto do sexo". Tom Cruise.
ti '• :
CLÁUDIO HJSÉ
: '%-vE, então, se com seu pai pocle-se falar somente de coisas
cotadas na bolsa e você é um rapazinho, não cotado, existe
somente uma figura à qual se referir — a figura feminina.
O menino aprende assim que o critério para entender se
aquilo que ele faz está certo ou eirado (o único que lhe é proposto)
é o feminino. Da mãe, das outras mulheres. As meninas, as
moças, as irmãs, as professoras. As mulheres, enfim.
São elas, as mulheres, que decidem quando ele vai bem
ou não. Se é um bravo menino, um bravo 'maschietto'17
(homenzinho) quem vai decidir é mãe. E atrás e junto com ela
as outras mulheres.
DAS PARTES DO PRAZER
Não é agradável tanto mais que existem outros mistérios.
Por exemplo: como pode ser que todos discutam na escola,
na mídia, na TV sobre o horrível poder masculino se depois,
olhando bem, você percebe que em todas as situações que se
sucedem na vida, na família, nos casais, nas festinhas ou nas
discotecas, quem está guiando o jogo dos sentimentos e do
poder que deriva daqueles sentimentos, são as mulheres? E
como pode ser que os homens, a começar por seu pai, não lhe
dizem nada de tudo isto e fazem cara de mandar, enquanto
quem decide são evidentemente as suas mulheres e as suas
mães das quais eles temem durante toda a vida ser abandonados
ou traídos? E enfim, jovem homem empenhado a considerar
penosamente os seus sentimentos emergentes, que diabo você
Agora também 'maschieito' (homenzinho) é uma palavra que não se diz
(por soite) quase nunca; equivaleria a sublinhar uma diferença que existiria de per si
antes da culpa de torná-la pessoal.
é? Que autonomia você tem daquilo que pensam e daquilo que
lhe pedem as mulheres? E, então, o que você poderá se tornar?
Como diria ainda o costumeiro Foucault, que provavelmente
você não conhecerá nunca porque nenhum mestre lhe falará
disto (de fato era um filósofo sério e não um maítre ã penser 18
por rotogravura), qual é o seu saber específico que lhe conferir o
seu poder específico.
Seria aquele cie conhecer em detalhes os vícios e as
virtudes dos jogadores de futebol e dos treinadores dos principais
times cie futebol? Por mais jovem e profundamente ignorante
que você seja, percebe também que este não é um grande saber
e que dificilmente lhe dará qualquer poder a menos que você
se torne um jogador cie futebol e que, para dizer a verdade, não
é a sua vocação mais forte. Ou quem sabe se você for comprar
um time: mas ciai precisam-se de muitos bilhões e isto não é
um caminho, é um ponto de chegada.
E o saber que se refere ao ter prazer com o seu pênis? Ali,
bastam as risadinhas e os embaraços que surgem quando se
fala dele para você entender que, provavelmente, há escondido
algo mais forte e mais misterioso.
O FALO, O GRANDE REMOVIDO
Ainda que, cie fato, imagens de vaginas se vejam circulando
em quantidades industriais mesmo nos jornais honestos que
andam pela casa enquanto imagens de pênis quase nunca sejam
vistas e quando acontece nunca aparecem eretos, isto lhe faz
pensar. Como pode ser que o seu sexo, que agora é a coisa que
mais lhe interessa (porque é a que lhe diz mais respeito) é a
única imagem que não aparece na "sociedade da Imagem"?
Em francês no original. N.T.
t;
CLÁUDIO RISE
Exceto que nos elevadores, em grafites feitos com o estilete dos
rapazes que transformam por um instante as paredes de um
instrumento tão tecnológico nas paredes cias cavernas do neolítico?
Ali, justamente tias partes do seu sexo, o rapazinho sente
obscuramente, que, com efeito, existe um saber ao qual
corresponde (ou poderia corresponder) uni poder. Não sabe,
naturalmente, que é próprio por aquele poder-saber do Falo,
símbolo masculino, que o grande psicanalista Jacques Lacan o
chamava lê signifiant dês signifiants,19 o significante por
excelência, o símbolo máximo cio qual descende toclo o sistema
simbólico e, portanto, todo o saber e todo o poder.
E, no entanto, não entende como, estranhamente, os
homens adultos, a começar por seu pai, nunca lhe falaram nacla
a não ser soltando-lhe alguma coisa um tanto boba como: "Cuide-
se para não ficar com muitas olheiras".
Se aquele é o seu poder-saber por que ninguém lhe
diz senão sob a forma de uma palavra feia? Mesmo um rapaz
de quinze anos, de pouca leitura, é, cie fato, obrigado a perceber
que "fálico" significa "prepotente" e "falocrata" significa
quase-nazista.
Mas então, quem sabe, é propriamente o seu poder-saber,
a sua própria força que está errada. Um grande problema. Tudo
isto significa somente que, no fundo, você é mau. A ideia não
lhe traz, em verdade, nenhuma alegria. Ao contrário, você
começa a ficar um pouco deprimido.
Por outro lado, também você entende que as mulheres,
as únicas que falam cio pênis-falo, não podem lhe ajudar (mesmo
se quisessem) por que elas não têm pênis. Não é completamente
certo que elas ainda o desejem, como pensava o velho Freud (o
Em francês no original. N.T.
SER HOMENS n virilidade em um mundo ícmini l iz i ido
barbudo fundador da psicanálise que você viu zombar em
diversos filmes e em 'gag' cie televisões 'cultas'). Mas, enfim,
elas não o têm.
E se entende também que o fato de que você possa
conseguir prazer por própria conta, sem pedir-lhes permissão,
isto lhes causa incómodo quando ficam sabendo.
Às vezes, pode causar até mesmo desgosto como certas
amigas que falam disto entre elas torcendo a boca como se
masturbar-se fosse uma coisa de maníacos persas. Ou como
certas mães que espiam entre os lençóis, como se não quisessem
nada, procurando pistas culpáveis ou entram no quarto na hora
H olhando-o como se você fosse o monstro de Londres e
tratando-lhe depois como se cie fato o fosse.
Mais frequentemente, porém, o uso que o homem pode
fazer cie seu pênis parece ridículo. Ei-lo, ali, o antigo símbolo
do poder reduzido a uma brincadeira de criança que deve ficar
escondido, lavando-se rapidamente os sinais: coisa cie rir para
não chorar. Tanto mais que elas, as meninas, enquanto você
crê que vai morrer com o seu pênis na mão, aprendem de
memória equações dificílimas que você verdadeiramente não
entenderá nunca como já lhe haviam predito os cientistas
especialistas de cérebros masculinos e femininos.
Portanto, por fim, também o sexo, o seu sexo lhe confere
um saber (quando o aprende e não é nada fácil) ao qual não
corresponde, segundo parece, nenhum poder (ao contrário
daquilo que fala Foucault). Ao contrário, a ele corresponde
gozação, embaraço e desgosto.
O sinal que marca a sua identidade, a sua diferença, o
pênis entre as pernas, é, portanto, algo ridículo. Nem sempre o
foi, mas hoje é assim.
Pode lhe ser então útil saber quando isto aconteceu.
TRANSFORMAÇÃO DO FALO EM "OBJETO RIDÍCULO"
O pênis se tornou definitivamente um objeto ridículo
enquanto se fundava o mundo cie hoje, isto é, com o Iluminismo.
Um movimento filosófico que você certamente estudará,
ainda que mal como todo o resto, porque é um pouco o pai
dos poderes-saberes cie hoje que justamente o glorificam como
o servo canta os louvores do patrão. Ainda que o façam no
seu modo banal, mediático-prepotente, que quer mais que
tudo fazê-lo entender rapidamente que você é a favor (do
Iluminismo e daquilo que ele significa em termos cie gestão
do poder) ou que você é um mentecapto e, portanto, não vai
entrar nunca no jogo.
Quem apresentou pela primeira vez o "significante
máximo" o Falo, como um objeto ridículo é de fato um dos pais
do Iluminismo, Jean Jacques Rousseau em suas Confissões.
Um tipo, Rousseau, que não tinha de modo algum uma
boa relação nem com seu pênis, nem com o uso dele e nem
com o significado dele.20 Por exemplo, sempre nas Confissões,
descreve a própria companheira como um mulher simples e
honesta que lhe cleu cinco filhos que foram por ele rapidamente
abandonados no orfanato. Segundo outros testemunhos (entre
os quais a escritoraGeorge Sanei cuja avó o conhecia bem),
Jean Jacques não deixou nenhuma prole porque era
completamente impotente. Os filhos, que o pai cia pedagogia
iluminista abandonava regularmente no orfanato, eram filhos
dos criados cia estrebaria ou da cozinha com os quais Thérèse
No âmbito de sua geral hipocondria (ideias obsessivas de doenças imaginárias)
era entre outras coisas ufetaclo de litomania ou convicção de ter cálculos, pedras ou
outros objetos no aparelho urinário, nos rins e nu uretra (neurastenia da bexiga, segundo
o médico Guyon). Isso levou Rousseau a submeter-se muitas vezes a dolorosas sondas
uretrais (prática aclotada por outros, mais sinceros, como perversão consciente),
naturalmente sem resultado, como foi depois confirmado também pela sua autópsia.
se fazia acompanhar publicamente. Por tanto , aquela cie
Rousseau, mais do que uma 'confissão' contrita, era antes uma
vanglória na qual ele se apropriava dos filhos cios outros para
libertar-se do fantasma da impotência que o obsessionava.
Seja como for, o nosso maítre ãpenser21 conta em suas
Confissões que quando jovem exibia às lavadeiras que voltavam
cio trabalho (na avenidas de Genebra, à tareie, escondido atrás
dos plátanos) o seu pênis, que, precisamente, define o seu 'objeto
ridículo', esperando dentro cie si que alguma delas o punisse
pelo seu comportamento.22
É, portanto, ali, sob os plátanos cie Plainpalais, nas noites
frias genebrinas do início do século XVIII, que o Falo, o antigo
símbolo do saber, do poder e do prazer se torna o objeto ridículo,
o objet ridicule.2i Quem o fez assim foi Jean Jacques, futuro
mestre de Robespierre e cia Revolução francesa, mas por
enquanto aquele que abre caminho para a categoria destinada
a tornar-se numerosa na modernidade por ele inaugurada, cios
'filhos sem pai' os fatherless,2{ como virão a ser chamados pelos
assistentes sociais e psicólogos americanos obrigados a cuidar
de seus múltiplos problemas e coisas mal feitas.
Uma mãe que gostava cie trasvestir-se de homem e um
pai que abandona Jean Jacques aos cuidados de uma tia: eis
dois ingredientes que serão importantes mesmo para a época
da modernidade que Rousseau inaugura, aquela do pênis como
Em francês no original. N .T.
22
Como observa Jean Starobinsky in Jean Jacques Rousseau e il pericolo delia
riflessione'in Tre letture di Rousseau. Bari: Laterza, 1994: o seu é um desejo de
passividade, uma masculinidade que se manifesta de modo ofensivo, para retirar-se e
esperar pela reação feminina, possivelmente uma punição ou uma rejeição.
23
Em francês no original. N.T.
24
Em inglês no original. N.T.
CLÁUDIO K1SÉ
objetridiciáe^ Certamente insuficientes como sabiam bem dois
pensadores verdadeiros como Bertrand Russell e Sigmund Freud,
que transformaram Jean Jacques em um pensador profundo.
Suficiente, porém, para rapidamente fazer dele um personagem
destinado a marcar profundamente a sensibilidade moderna,
da qual inaugura, com sucesso, os piores aspectos.
UMA SAÍDA: FAZER DE CONTA QUE NÃO É NADA
Mas então, se o sinal da sua identidade não é outro que
um 'objelo ridículo', talvez seja melhor não ficar pensando muito
sobre o que seja esta identidade. Inútil atormentar-se pensando
se haveria um seu saber e, portanto, um poder específico. Você
deve fazer como fazem todos os outros homens, fazer de conta
que não é nada.
Viva. Procure sair-se bem. Prepare-se para ver muitos jogos
cie futebol e esforce-se para entender o que acontece, ali dentro,
no campo, e de apaixone-se por tudo aquilo (ou pelo menos
faça de conta).
Com as mulheres arrisque.- quando puder faça-se de
prepotente, caso contrário deixe que elas o façam e siga-as,
como já contava a mãe de Parsifal, quando justamente não
conseguia mais segurá-lo na fazenda onde o havia fechado para
que não fugisse.
Não confie nos outros homens como muitas vezes já lhe
ensinou sua mãe: eles não são, pois, assim tão brilhantes e pode
ser também que eles venham lhe procurar porque lhes é cómodo.
De resto, o que vem a ser o universo somente de homens também
você pode ver: algum sobrevivente velho restaurante mal cheiroso,
os jogos com os filhos da mamãe apinhados a gritar: "Sangue,
Em francês no original. N.T.
SER HOMENS 11 virilidade cm um mundo rcminilizado
sangue", ou os cinemas pornográficos de onde saem velhos
cambaleantes. Tudo isto é coisa que certamente não poderá levar
você muito longe.
Encontre precisamente, e logo, uma moça legal, que
organize a sua vida e as ideias em função daquilo que realmente
interessa: o dinheiro, o sucesso profissional, uma boa imagem
social, cia qual, as mulheres de família, que em todo caso irão
viver mais cio que você, possam justamente aproveitar. F. o
mínimo que você pode lhes dar. Elas o aceitaram, a você e ao
seu objeto ridículo. Não pesaram as suas médias baixas na escola,
nem mesmo os arrotos e os peidos que a cada pouco lhe
escapam, o seu sempre presente cheiro de homem que reaparece
inexorável depois de cada shampoo ou desodorante. Um odor
indestrutível por qualquer perfume da grife de um estilista mesmo
que tenha sido suntuosamente anunciado por homens
musculosos seminus ajoelhados diante cie negras de saia.
Essa perspectiva (a moça, o dinheiro, a vicia de trabalho,
a herança aos herdeiros) não lhe entusiasma? Pocle ser. Mas
você não tem escolha.
É a vida, beleza! Como dizia o velho Bogart (você pode
comprar ainda algum filme vendido juntamente com um pesado
jornal que logo se joga fora) enquanto os pais já estavam
começando a anelar sozinhos por aí.
Isso lhe diriam também muitos psicanalistas de outro
modo: é o 'plano cia realidade'. Portanto, passe por cima disto
tudo e não fique fazendo muita história.
A VERDADEIRA SOLUÇÃO: ENTENDER ALGUMA COISA
E ao contrário, não, porque ninguém pode ser feliz se
não conhece o próprio valor. Mesmo aos sérvios ou aos
austríacos de Carínzia ou até, quem sabe, aos indianos não
agrada pensar que, no futuro, se agirem corretamente, poderão
se tornar como verdadeiros americanos. E assim você não pode
ser feliz pensando que, se fizer verdadeiramente tudo certo,
seguindo o conselho das mulheres, quem sabe poderá se tornar
o filho perfeito, marido, companheiro de uma delas.
Come tu miuiioi,2h da homónima comédia de Pirandello
às canções e aos filmes americanos mais vergonhosamente
açucarados sempre houve uma declaração mentirosa, um
programa de autocastração. Ainda que a promessa/ameaça cie
se tornar como o outro pede, venha dos lábios de um homem
ou de uma mulher, o fato é que ninguém deve ser como agrada
aos outros. As mulheres não devem ser como os homens
querem e fizeram muito bem em tirar cia cabeça dos homens
esta estranha ideia.
TORNAR-SE SI MESMOS
Mas também os homens devem encontrar em si mesmos
o próprio estilo, a própria beleza, o próprio saber ao qual
corresponde o próprio específico poder.
Isto não quer dizer que, depois, será tudo mais fácil. Ao
contrário. Tornar-se si mesmos é um empenho que lhe carrega
de uma nova responsabilidade.27 É então, cie fato, que você
descobre que não tem somente responsabilidade para com os
outros mas, sobretudo, para com você mesmo, começando por
aquela, dificílima e solitária, cie realizar o seu Si mesmo.
Uma batalha solitária, porque realizar o Ser masculino
não interessa em nada à maioria dos outros homens que seguem
o conselho cia mamãe, cia namorada, cio padre ou cio psicanalista.
Eles vão ao jogo cie futebol, não falam e não pensam em si, não
querem saber nada disto, procuram evitar.2* Realizar o Si mesmo
lhe coloca em uma estrada com alguns poucos, os happvfew,w
os poucos felizes prontos a morrer com Henrique V na tragédia
de Shakespeare.30 "Ó nós, poucos, nós poucos e felizes, nós
bando de irmãos..."
Serão também bappv estes few mas numa visão menos
sagrada e mais televisiva poderiam parecer sobretudo grandes
frustrados. Combater no barro, sem nenhuma segurança de
vencer,ao contrário, com a quase certeza cie perder...
Qual é então a vantagem de não fazer de conta que nada
acontece? O que se ganha ao levar-se ã sério, como homens? O
que se ganha ao procurar reconhecer qual seja o próprio
específico valor dos homens, cie defendê-lo cie quem o torna
vil, cie propô-lo aos outros?
A vantagem consiste no privilégio (em relação à
dissimulação, mas também a certa depressão que ao contrário
corrói a vida cie quem faz cie conta que nada acontece) de
sentir, sempre mais frequentemente, que a sua vicia tem um
sentido. De sentir que você é depositário (por certo: ainda frágil,
inseguro) cie uma força que lhe ajuda não só a ir em frente, mas
ir em uma direção precisa.
Um sentido, precisamente.
A VIDA DO HOMEM E O SEU SENTIDO
Você descobre então que a sua vida tem um sentido, uma
direção e um interesse, precisamente enquanto é a sua própria
vida, sua como ser humano cie género masculino.
Nome de uma peça — Como você me quer. N.T.
Cf. o meu Divenla teslesso. Como: Red Edizioni, 1999.
28 E depois, em iodo caso, o Si mesmo possui um componente de género (e de
cultura, em sentido antropológico: aquele sérvio é diferente do americano) e uma
parte individual, unicamente própria.
29 Em inglês no original. N.T.
30 Na extraordinária interpretação Hlmogrática de Kenneíh Brannagh.
; V O sentido está ligado também àquele sinal que você tem
em seu corpo e que não é um objeto ridículo e não é nem
me.smo somente um sinal. Mas ele é justamente um símbolo, o
símbolo do Falo, a representação cia força vital da qual você é
o portador. O significante máximo,31 o símbolo dos símbolos
que você deve aprender a conhecer, cio qual você deve
administrar o saber porque a ele corresponde o seu poder.
O Falo lhe ensina. Antes de tudo quando de pênis ele se
torna, precisamente, Falo, semelhante àquele grafite nas
cavernas ou nos elevadores e aponta para o alto. E assim lhe
cliz, rapidamente, que o seu poder específico, de homem, não
é o poder sobre os outros, aquele poder ao qual pensam
precisamente os escravos recém-libertados. Ou como pensam
as mulheres quando se metem a fazer-se de homens: justamente
[Iorque não têm o Falo, elas o imitam e o interpretam por aquilo
que parece do lado de fora e não por aquilo que é, desde dentro.
O poder sobre os outros não lhe importa nada enquanto
homem, você somente o deseja quando se está inseguro, fraco
e assustado.
O PODER SOBRE SI MESMO
Aquilo que importa cie verdade e do que depende o
sentido de sua vicia é o poder sobre você mesmo. O poder de
fazer crescer e exprimir o seu saber ou simplesmente as suas
qualidades: a sua força, a sua inteligência, a sua intuição. O
sémen do qual você é o portador enquanto portador do Falo e
do qual o mundo pode servir-se, nutrir-se. Fazê-lo circular, trocar,
mas, sobretudo, doá-lo. É esta a sua vocação e a sua condenação.
Ou você aceita, com confiança, de tornar o seu ser capaz
cie conhecer e exprimir este mundo simbólico, instintivo e
transcendente ao mesmo tempo representado pelo Falo, ou você
pode jogar fora esta sua cabeça sexuada porque não lhe servirá
para nada. Quem sabe, você seja um ganhador, terá sucesso,
terá alguma mulher, alguma esperteza, mas não saberá nem
mesmo quem você é. Não terá nem mesmo a vaga icléia de qual
sentido tenha a sua vicia. Não saberá nunca porque um clia ela
terá começado e porque um dia terminará.
Ainda quando você, à noite, ficar rindo diante da televisão,
não será feliz em seu coração. Se você tiver ao seu redor uma
mulher, filhos, você não terá nunca se declarado verdadeiramente
a eles, nunca terá falado até o mais profundo, porque você não
sabe, na verdade, quem é (no fundo do seu coração você se
sente como os homens cie Brett Eston Ellis — less tbcin zero K -
menos que zero"). E entre vocês haverá sempre um embaraço,
um sentido sutil de falsidade mais ou menos evidente.
Quem é verdadeiramente este homem? Pense em quem
está a seu lado. Você foge à sua pergunta como um ladrão que
não quer se fazer conhecer porque não se conhece. E, por f im,
você ficará com medo de viver. E, sobretudo, de morrer.
Se, portanto, você não quer viver como um escravo
medroso você deve encontrar a coragem de saber quem é,
mesmo se até o seu pai não lhe fala disto, porque nem mesmo
ele o sabe.
Como diz um sábio bizarro, o gnóstico Silvano: ''Bala em
si mesmo como em uma porta e caminhe sobre si mesmo como
Em inglês no original. N .T.
Ver a tradução italiana. Meno cli zero (Menos de ^.ero). í íompiani. Milano.
em uma estrada reta. Porque se você caminhar sobre si mesmo
como em uma estrada é impossível que vá para fora".
Caminhar sobre nós mesmos como em uma estrada, estar
em nosso caminho, isto é a "realização cio Si mesmo".
Coloque-se sobre a sua estrada de homem e encontre
quem você é.
RE-ENCONTRE O SEU SÍMBOLO
TORNE-SE UM HOMEM
A sua estrada de homem começa desde muito longe. Começa
nas cavernas do neolítico. Sobre as suas paredes, duras mãos
masculinas, inspiradas por ritos cios quais perdemos os traços,
incidiram com extraordinária força e intensidade a forma do Falo.
Ali começa a sua estrada de homem, que termina, por
enquanto, nos centros cias grandes metrópoles da tardia
modernidade onde os arquitetos mais geniais reproduzem a
mesma forma nas torres que se levantam para o céu, como que
a procurá-lo.
De fato, a estrada do homem é marcada por um símbolo.
Como também a estrada das mulheres é marcada pela forma
sagrada do Yoni, da Vulva. Elas a tomaram, a Vulva, e fizeram
dela justamente o sinal do feminismo e marcharam pelas ruas
das capitais com os ditos conjuntos a repetir o antigo sinal.1
Se bem que também esse esforço das mulheres possa se dizer, por enquanto,
coroado de sucesso. Como recorda G. Greer em La donna ititcra (Trad. hras. - A mulher
inteira. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Redord, 2001. N.T.), Mondadori, Milano, 2000:
"A expoliaçào dos genitais femininos de toda sacralidade e mistério é um processo longo
tanto quanto a própria civilização. A mandala da iconografia cristã na qual estão fechados
os santos em visita ao céu como em uma auréola de bem-aventurança paradisíaca, é um
símbolo do útero. O jardim do Éden é geralmente representado como um hoilits conclusas,
um jardim fechado, um outro símbolo do útero". Depois de ter lembrado o seu esforço
pessoal e do movimento feminista para restituir força e honra aos símbolos do útero e da
vagina e por meio deles às mulheres, Greer deve. todavia, concluir: "Houve um tempo
em que os seres humanos imaginaram o útero como uma entidade poderosa e positiva
em vez de uma nulidade. Hipócrates considerava a fisiologia reprodutiva feminina como
algo cie energético e ativo e o útero como uma criatura voraz, curiosa, capaz de invadir
outras partes cio corpo..." Hoje não se acredita mais... Mas o que ganharam com isto as
mulheres? "A vagina, higienizada, desodorada, esterilizada, sempre acessível e o útero
são hoje mais passivos do que nunca tenham sido", observa Greer.

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