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EAD HI ST ÓR IA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Licenciatura em História Filosofia Salvador UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA ELABORAÇÃO Márcia de Freitas Cordeiro REVISÃO Paulo César da Silva DIAGRAMAÇÃO Nilton Rezende Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP). Catalogação na Fonte BIBLIOTECA DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA – UNEB CORDEIRO, Márcia de Freitas. C794 Filosofia - licenciatura em história / Márcia de Freitas Cordeiro. Salvador: UNEB/ EAD, 2009. (Educação e tecnologias da informação e comunicação). 2ª Edição 48p. Licenciamento em história. Inclui referências. 1.Filosofia .2. Ética 3. Mitologia grega 4. Razão. I. Título II. Curso de graduação em História III. Universidade aberta do Brasil IV. UNEB /NEAD CDD: 109 EAD HI ST ÓR IA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA PRESIDENTE DA REPÚBLICA Dilma Roussef MINISTRO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL PRESIDENTE DA CAPES Jorge Guimarães DIRETOR DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA CAPES João Teatini GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA GOVERNADOR Jaques Wagner VICE-GOVERNADOR Edmundo Pereira Santos SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO Osvaldo Barreto Filho UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB REITOR Lourisvaldo Valentim da Silva VICE-REITORA Adriana dos Santos Marmori Lima PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO José Bites de Carvalho COORDENADOR UAB/UNEB Silvar Ferreira Ribeiro COORDENADOR UAB/UNEB ADJUNTO Daniel de Cerqueira Góes EAD HI ST ÓR IA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Caro(a) cursista, Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem estruturamos este material didático que atenderá aos cursos de Licenciatura na modalidade à distância. O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas da área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar conhecimento teórico-prático de maneira contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos envolvidos com a disciplina em questão. Cabe Salientar porém, que esse não deve ser o único material a ser utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Vir- tual de Aprendizagem (AVA) , as Atividades propostas pelo Professor Formador e pelo Tutor, as Atividades Complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso somado compõe os estudos relacionados a EAD. É importante também que vocês estejam sempre atentos a caixas de diálogos e ícones específicos. Eles aparecem du- rante todo o texto e têm como objetivo principal, dialogar com o leitor afim de que o mesmo se torne interlocutor ativo desse material. São objetivos dos ícones em destaque: VOCÊ SABIA – convida-o a conhecer outros aspectos daquele tema/conteúdo. São curiosidades ou informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta. SAIBA MAIS – apresenta notas ou aprofundamento da argumentação em desenvolvimento no texto, trazendo con- ceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliem a compreender melhor o conteúdo abordado; INDICAÇÃO DE LEITURAS – neste campo, você encontrará sugestões de livros, sites, vídeos. A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas ou outros olhares e interpreta- ções sobre aquele tema. SUGESTÕES DE ATIVIDADES – consistem em condições de atividades para você realizar autonomamente em seu processo de auto-estudo. Estas atividades podem (ou não) vir a ser aproveitadas pelo professor-formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo primeiro delas é provocá-lo, desafiá-lo em seu processo de auto-apren- dizagem. Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e entusiasmo para, juntos, desenvolvermos uma prática pedagógica significativa. SETOR DE MATERIAL DIDÁTICO COORDENAÇÃO UAB/UNEB ?? VOCÊ SABIA? ??? ??? SAIBA MAIS INDICAÇÃO DE LEITURA SUGESTÃO DE ATIVIDADE EAD HI ST ÓR IA UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA SUMÁRIO 1. Componente Curricular 11 1.1 Ementa 11 1.2 Objetivos 11 1.2.1 Geral 11 1.2.2 Específicos 11 1.3 Carga Horária 11 2. Conceituando a Filosofia 12 2.1 Teses sobre a origem da Filosofia 12 2.2 Condições históricas para o nascimento da Filosofia 12 3. A Mitologia Grega 14 4. Os pré-socráticos 16 5. Os sofistas 19 6. Sócrates 21 7. Platão 23 7.1 O Mito da Caverna 23 8. Aristóteles 26 9. A razão como fundante da Filosofia 28 9.1 Razão na época cristã e no medievo 28 9.1.1 A Patrística 28 9.1.2 A Escolástica 29 9.2 Razão na modernidade 29 9.2.1 Racionalismo 29 9.2.2 O Empirsimo 31 9.2.3 Outras Possibilidades para a Razão na Modernidade 32 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA 10. A verdade como lastro da Filosofia 35 11. A ética como temática filosófica 36 11.1 A questão moral 38 11.2 A questão da liberdade 38 11.3 Ética aplicada 39 12. A política como aporte da Filosofia 41 12.1 A democracia e a questão democrática no Brasil 43 REFERÊNCIAS 53 HISTÓRIA HI ST ÓR IA 1111UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 1. COMPONENTE CURRICULAR Filosofia é um componente curricular do primeiro se- mestre do Curso de Licenciatura em História, fazendo parte do eixo geral e instrumental deste curso. Nesta disciplina, serão trabalhados conceitos, discussões e teorias filosóficas, bem como temáticas que são per- tinentes ao universo filosófico. Assim, será possível compartilhar conhecimentos sobre a conceituação da própria Filosofia e seus filósofos, situando-os dentro do contexto da origem, do fundante e do lastro deste conhecimento. 1.1 Ementa A descoberta do fazer filosófico por meio da apre- sentação discutida das conceituações mais gerais da Filosofia e da metodologia filosófica bem como de um esboço histórico desenvolvido sob o prisma das questões filosóficas que se impuseram temporalmente do pensamento grego ao contemporâneo. Tendências da Filosofia Moderna, Medieval e Contemporânea, de- senvolvidas sob o prisma das suas relações com out- ras ciências, sobretudo, com a História. 1.2 Objetivos 1.2.1 Geral Refletir sobre o desenvolvimento das correntes filosó- ficas no Ocidente, enfatizando a influência da Filoso- fia clássica na constituição do pensamento contem- porâneo e sua importância para a compreensão da natureza e da sociedade humanas, bem como para o desenvolvimento de princípios libertários e éticos na prática pedagógica e no cotidiano. 1.2.2 Específicos Inserir o aluno na questão da existência do pensa- mento filosófico, no que diz respeito aos seus prin- cípios, dando enfoque à filosofia antiga, destacando seus campos de investigação; Introduzir o aluno na compreensão da razão como fun-Introduzir o aluno na compreensão da razão como fun- dante da filosofia, através de seus princípios e teorias; Trazer a verdade como lastro filosófico, discutindo e mostrando algumas concepções filosóficas sobre a mesma; Apresentar as questões da ética como temática filosófica por excelência, com destaque para a com- preensão sobre a liberdade como problema filosófico; Discutir os aspectos da política como aporte da filo-Discutir os aspectos da política como aporte da filo- sofia, na reflexão crítica sobre sua origem, finalidade e a questão democrática; Destacar os aspectos da filosofia no Brasil, dando ênfase a uma reflexão crítica sobre o própriopen- samento brasileiro, sua importância social e sua rela- ção com a questão democrática brasileira. 1.3 Carga Horária A carga horária total do componente curricular é de 60 horas/aula. 12 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA 2. CONCEITUANDO A FILOSOFIA Para se pensar numa conceituação da Filosofia, a primeira coisa a se fazer é entender a origem desta pa- lavra, em seguida sua origem e as condições históricas que levaram ao seu acontecimento. Assim, a Filosofia é uma palavra composta por filo - que vem de philía, amizade, e sofia – que vem de sophía, sabedoria, formando philosophía, que significa, então, amizade pela sabedoria ou amor pelo saber. Logo, o filósofo é aquele que tem, que possui, amizade, amor pelo saber; é aquele(a) que ama ser um sábio ou que indica uma disposição interior de quem estima o saber. Enquanto palavra, se afirma que Pitágoras de Samos foi o seu autor. Porém, ele não foi o primeiro filósofo. Os historiadores afirmam que o primeiro filósofo foi Tales de Mileto. Para Pitágoras, ele dizia que a sabedoria plena das coisas pertencia aos deuses, mas aos homens era possível desejar, amar este saber, para tornarem-se um filósofo. ?? VOCÊ SABIA? Tanto em Tales como em Pitágoras, os sobrenomes eram os nomes das cidades de origem deles. Pitágoras era da cidade de Samos e Tales da cidade de Mileto. Eram assim os nomes dos primeiros filósofos. Os historiadores também afirmam que a Filosofia nasceu no final do século VII a.C. e início do século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor, como ilustra o mapa abaixo: Há opiniões diferentes entre os historiadores sobre a origem da Filosofia e, assim, discute-se se este co- nhecimento foi um ato espontâneo dos gregos, como algo genuíno a este povo. Portanto, apenas ocidental, ou se teve contribuições e influência de outros povos orientais; se a Filosofia é resultante do afastamento deste pensamento das explicações mitológicas e re- ligiosas, tornando-se um pensamento racional para explicar a origem das coisas no mundo. Por conta disto, discutiremos o tópico seguinte destacando se é ou não originária apenas dos gregos. 2.1 Teses sobre a Origem da Filosofia Pensar na Filosofia como única e exclusivamente orig- inária dos gregos, visão esta que se chama de “milagre grego”, nos leva a uma afirmação etnocêntrica, ou seja, a concordar que os gregos são um povo social- mente mais importante do que os demais. Na verdade, avançadas as pesquisas, afirma-se que a origem da Filosofia é resultante de: Mudanças produzidas sobre o que se herdou de co- nhecimentos de outras civilizações, como a geometria (produzida pelos egípcios e fenícios), que os gregos transformaram em matemática, a astrologia (produzida pelos babilônicos), que eles transformaram em astrono- mia, o que levou a um pensamento racional sistemático; Mudanças na organização social através do surgi- mento da cidade ou pólis em grego, que culmina na in- venção da política, porque, com este advento, debates e decisões públicas se configuraram em expressão da vida coletiva. Dessa forma, houve a separação do poder pú- blico, do poder privado e do poder religioso, deslocando as decisões para a argumentação, sem a submissão à autoridade alguma; Um deslocamento das explicações sobre a origem das coisas, ou seja, uma racionalização das explicações mitológicas, que trataremos no tópico sobre a Mitologia Grega. Devemos entender então, que a origem da Filosofia se constituiu como um “milagre” para o pensamento oci- dental, se considerarmos a contribuição e conseqüências nas diversas áreas do conhecimento. 2.2 Condições Históricas Falar sobre as condições históricas que levaram ao nascimento da Filosofia é falar de condições econômi- cas, sociais e políticas. Entre as muitas citaremos as seguintes: As viagens marítimas, as navegações, que produzi- ram o desencantamento, desmistificação do mundo, não permitindo que a explicação mitológica sobre a realidade fosse suficiente; EAD HI ST ÓR IA 13UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA O despertar para um pensamento abstrato a partir do surgimento do calendário, da moeda e da escrita; A política, sendo esta a mais importante de todas, pois como dito no tópico sobre a origem da Filosofia, a política traz a palavra como algo partilhado, não mais solitária, mas como algo público. Sendo assim, há o surgimento de debates, através de discursos com capacidade argumentativa, que levam a decidir sobre as questões da cidade, refutando os argumen- tos sem fundamento e fazendo valer os argumentos mais lógicos. ?? VOCÊ SABIA? Política é uma palavra que se origina da palavra grega pólis, que significa cidade ou ainda reunião dos cidadãos em seu território e sob suas leis. Esclarecidos a origem e as condições históricas que levaram ao surgimento da Filosofia, vamos agora para uma conceituação deste conhecimento tão espe- cífico. Inicialmente, esclareceremos que a Filosofia não é e nem pode ser visão de mundo, pois isto incorreria numa limitação do eu que fala, para uma generalização de valores, ideias, entre outros; sabedoria de vida, pois está aqui o que se pode resultar o ato de filosofar, mas não o que a Filosofia é ou esforço para compreensão de tudo que está no mundo na sua totalidade, pois desta forma, teria, obrigatoriamente, de esclarecer tudo que existe no mundo. A Filosofia é um exercício do pensamento para questionar se as coisas são do jeito que parecem, porque são de um jeito e não de outro e como são, levando o pensamento a romper com os pré- conceitos e pré-juízos, sendo isto a nossa primeira atitude filosófica, que traz uma reflexão, uma análise e uma visão crítica sobre a realidade. Assim, podemos conceituar a Filosofia ou o filosofar como sendo: [...] uma análise (das condições e princípios do saber e da ação, isto é, dos conhecimentos, da ciência, da religião, da arte, da moral, da política e da história), uma reflexão (volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-se como ca- pacidade para o conhecimento, a linguagem, o sentimento e a ação) e uma crítica (avaliação racional para discernir entre a verdade e a ilusão, a liberdade e a servidão, investigando as causas e condições das ilusões e dos preconceitos indi- viduais e coletivos, das ilusões e dos enganos das teorias e práticas científicas, políticas e artísticas, dos preconceitos religiosos e sociais, da presença e difusão de formas de irracionalidade contrárias ao exercício do pensamento, da linguagem e da liberdade) (CHAUÍ, 2003, p. 23). A Filosofia nasce através da reflexão, análise e crítica, da qual emitimos juízos, de forma que nossos pré-conceitos e pré-juízos sejam rompidos, permitin- do a todos um exame detalhado dos valores, costu- mes, comportamentos, conhecimentos, das ideias, das teorias, ou seja, de tudo que forma e estrutura de nossa sociedade, para que nossa capacidade de ver e pensar o mundo seja ampliada e traga possibilidades de escolhas, tornando os sujeitos autônomos para a vida. Em síntese, a Filosofia é um conhecimento racional que se direciona para a verdade. Enfim, a Filosofia nasce como uma explicação racional sobre as coisas do mundo, como uma cos- mologia ou um pensamento racional sobre o mundo, porque esta palavra vem de duas palavras gregas kósmos, cosmos, que significa mundo organizado e ordenado, e lógos, logia, que significa pensamento racional. Ela não é uma ciência, pois não possui objeto; é um conhecimento específico que trata de concei- tos. Não é à toa que, nas universidades, denominam seus institutos e faculdades de ciências humanas da seguinte forma: “Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas”, como se pode ver na Universidade Federal da Bahia (ufba), localizava na Estrada de São Lázaros/nº, Bairro da Federação, em Salvador-BA. ?? VOCÊ SABIA? Na época do regime da Ditadura Militar, no Brasil, a Filosofia foi banida dos currículos escolares. SUGESTÃO DE ATIVIDADE Propor um fórum para relacionar o slide Zoom: a expansão reflexiva e o vídeo O Poder da Visão com a Filosofia. Site para o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=jfM2arUfGPo 14 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA 3. A MITOLOGIA GREGA A mitologia grega torna-se importante dentro da Filosofia, devido ao fato de que, foi a partir da per- cepção sobre o aspecto fabuloso e contraditório que as explicações míticas possuíam sobre a origem das coisas no mundo, que a Filosofia procurou dar outras explicações mais racionais e completamente diferen- tes, o que culminou nos primeiros passos para seu nascimento como um conhecimento racional, por meio da análise, reflexão e crítica sobre as primeiras expli- cações. Além disto, o mito tem grande importância na organização social e cultural e no modo de sentir e pensar dos gregos, fazendo com que se mantenha o valor e o respeito por este conhecimento, pois estes são fatores que não se desprezam e nem se julgam. Entretanto, vale ressaltar que Filosofia e mito possuem uma relação, mas guardam diferenças basilares entre si, entre elas, destacamos as seguintes: A Filosofia trata de dar explicações sobre como e porquê das coisas do passado, do presente e do futuro, mas o mito, através de seu discurso, explica as coisas relacionadas a um passado, que informa como as coisas são no presente; A Filosofia procura ter um discurso lógico, coe- rente e racional, em que a autoridade de seu discurso está na razão e não em figura humana alguma, que foi escolhida por deuses e que é, por esta razão, in- contestável. A razão é comum a todos os homens. Já para o mito, o poeta, seu narrador, é uma autoridade religiosa, que faz um discurso, por vezes, contraditó- rio e incompreensível. Para se falar da mitologia grega é preciso antes entender o que é um mito. Para tal, começaremos pela origem desta palavra porque vai nos ajudar a esclarecer o seu significado. Assim, mito vem de dois verbos gregos que são: mythos – que significa contar, narrar, falar alguma coisa para outros, e mytheo, que significa conversar, contar, anunciar, nomear, designar. Em ambos há uma palavra em comum que é “contar”, contar algo para alguém. Dessa forma, podemos entender que mito traz a ideia de discurso, de uma narrativa. Por conta disto, mito é uma narrativa sobre a origem das coisas no mundo, como uma genealogia, dividida em teogonias e cosmogonias. ??? ??? SAIBA MAIS Genealogia é exposição cronológica da filiação de um indivíduo ou da origem e ramificações de uma família. Cosmogonia é a narrativa que quer explicar a origem, o princípio do universo, a organização do mundo a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas. Teogonia é a narrativa da origem dos próprios deuses a partir de seus pais e antepassados. Na Grécia antiga, o mito era narrado em público e tinha como narrador um poeta, que era escolhido pelos deuses, sendo uma autoridade para realizar esta tarefa. Por ser uma escolha divina, este poeta era absolutamente confiável. O passado era mostra- do pelos deuses para este poeta narrador, de forma que todos os acontecimentos e a origem de todas as coisas eram conhecidos por ele. Dessa forma, através de três formas clássicas de narrativa mítica, o poeta explicava a origem das coisas no mundo. Entre estas formas encontram-se: disputas, alianças e relações sexuais entre os deuses, e esclarecendo a relação de autoridade que os deuses tinham sobre os humanos e sobre os próprios deuses, por onde as punições e retribuições eram reveladas. Por exemplo, para explicar a origem da Guerra de Tróia (narrada na obra A Ilíada de Homero), o discurso mítico sobre este aconteci- mento afirma que: A causa da guerra, [...], foi uma rivalidade entre deusas. Elas aparecem em sonho para o príncipe troiano Paris, ofer- ecendo a ele seus dons, e ele escolheu a deusa do amor, Afrodite. As outras deusas, enciumadas, o fizeram raptar a grega Helena, mulher do general grego Menelau, e isso deu início à guerra entre os humanos (CHAUÍ, 2003, p. 36). INDICAÇÃO DE LEITURA HOMERO, A Ilíada, vols. I e II. Tradução de Haroldo de Campos, Editora: ARX. EAD HI ST ÓR IA 15UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Há ainda uma outra obra, um clássico da literatura universal, do mesmo autor da Ilíada, Homero, intitulada A Odisséia, que traz vários episódios bem ilustrativos da mitologia grega. Esta obra trata do regresso de Odisseu, o mais astuto e inteligente guerreiro da Guer- ra de Tróia, herói e principal personagem, para o seu lar, após vinte anos da sua saída para ir a guerra. São três os momentos importantes da Odisséia, conforme apresentados abaixo: A viagem de Telêmaco, filho de Odisseu, em busca de notícias e seu pai, o que se chama de telemaquia; As peripécias do regresso de Odisseu; Extermínio dos moços, os pretendentes, que, no lar de Odisseu, Itaca, pretendiam a mão da suposta viúva e, com esse pretexto, lhe iam dilapidando a fortuna. Esta obra traz rivalidades entre deuses (Eólio, deus do vento e Poseidon, deus do mar), traz metáforas (Cavalo de Tróia, presente de grego; Calcanhar de Aquiles, o ponto fraco; Odisséia, algo muito difícil, muito trabalhoso, penoso) e traz, o que é mais significativo, uma proposta de reflexão sobre inteligência e sabedoria, pois Odisseu desafia os deuses, mas só entende que se torna um sábio ao reconhecer que ele era apenas um homem; nada mais, nada menos e que é através da sabedoria que se controla a hýbris, palavra grega que significa excesso, desmedida, orgulho, soberba, presunção, ou seja, um sábio é aquele que sabe usar a inteligência com humildade, não esque- cendo que se têm sempre algo a aprender. INDICAÇÃO DE LEITURA HOMERO, A Odisséia. Tradução de Jaime Bruna, Editora: Cultrix. A Odisséia dirigido por Francis Ford Coppola, 1997. Duração 2:30h. 16 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA 4. OS PRÉ-SOCRÁTICOS Para falarmos dos pré-socráticos precisamos escla- recer que o prefixo “pré” não significa que estes filóso- fos existiram antes do filósofo Sócrates. Ao contrário, muitos deles foram até contemporâneos deste filósofo. O sentido deste prefixo encontra-se no fato de que os pré-socráticos refletiram, investigaram e pensaram sobre a phýsis, ou seja, palavra grega que significa a força originária criadora de todos os seres, ou ainda, física; explicações de forma racional e sistemática sobre a origem do mundo ou reflexão sobre aspectos fundamentais para a Filosofia como a distinção entre verdade e opinião, a dialética, etc. Assim, a filosofia pré-socrática faz parte das escolas de cosmologia, que estão divididas em quatro: Escola Jônica; Escola Pitagórica; Escola Eleata; Escola Atomista ou Escola da Pluralidade. Dentro da Escola Jônica, o primeiro filósofo pré- socrático é Tales de Mileto. Se diz que ele foi o primeiro filósofo da história da Filosofia. Assim, para Tales a phýsis é a água ou sua qualidade, o úmido e, dessa forma, é a água a qualidade ou o ser primordial do qual o mundo é feito. Tales fez esta afirmação a partir de algumas razões, portanto, de um pensamento racional. Assim, através destas singularidades, Tales raciocinou que a água era elemento primordial, conforme abaixo: A água possui várias formas (líquida, gasosa, va- porizada, sólida) e estados, passando de um a outro sem deixar de ser água; É elemento constitutivo do sêmen, dos alimentos e até da putrefação dos corpos, como dos alimentos, que significa que está presente a tudo que se relaciona com a vida,mesmo no seu fim (o caso dos cadáveres); As cheias do rio Nilo que fertilizou terras do Egito; Os fósseis marinhos vistos em áreas montanhosas, o que indicava que antes havia água naqueles lugares; O deus Poseidon presente na mitologia grega esta- va presente em toda a terra. O segundo filósofo pertencente a Escola Jônica foi Anaximandro de Mileto. Para ele, a phýsis é o apeíron, palavra grega que significa ilimitado, infinito, indeter- minado, indefinido. A explicação racional para esta escolha, foi que sendo o apeíron nada percebido na natureza, nada determinado, pode, portanto, dar origem a todas as coisas do mundo e ao próprio mundo. O terceiro pré-socrático desta escola é Anaxímenes de Mileto. Para este, a phýsis é o ar, cuja explicação racional diz que este é ilimitado, como o apeíron, porém pode ser determinando, pois o pensamento só pensa sobre alguma coisa ou algo que pode ser determinada. O quarto e último filósofo da Escola Jônica é Herá- clito de Éfeso (Éfeso se localizava na Jônia), que era conhecido também como “o obscuro” ou “o fazedor de enigmas”, e intitulado o mais importante filósofo pré-socrático. Para ele, a phýsis é o lógos, uma pa- lavra grega que significa razão (veremos mais tarde uma explicação mais completa do seu significado no tópico 9 deste módulo). Dizer isto significa afirmar que o princípio do mundo, sua origem, é a própria razão. Logo, é a razão o princípio de todas as coisas. Há um fragmento de Heráclito muito famoso, cuja tradução é a seguinte: “Não se banha duas vezes, três ou mais de uma vez no mesmo rio, pois nem o rio é o mesmo e nem o homem é o mesmo”. A interpretação deste fragmento expressa um dos pontos mais im- portantes da filosofia heraclitiana, ou seja, “[...] que o mundo é mudança contínua e incessante de todas as coisas e que a permanência é ilusão. [...] Tudo muda, nada permanece idêntico a si mesmo. O movimento é, portanto, a realidade verdadeira” (CHAUÍ, 2003, p. 81). A explicação racional para se chegar a esta afir- mação foi encontrada por Heráclito através da seguinte observação: Quando uma vela está acesa, temos a impressão de que a chama é estável e idêntica a si mesma e que o que muda é a quantidade de cera da vela, que vai sendo consumida pela chama. Na verdade, porém, a chama é um processo de transformação: nela, a cera da vela se torna fogo e nela o fogo se torna fumaça. Assim, não só a vela se transforma como também a própria chama que a consome, pois é con- sumida pela fumaça (CHAUÍ, 2003, p. 82). Trazer o lógos, a razão, para o lugar da origem de todas as coisas é o que torna este filósofo pré-socrático o mais importante, pois é a razão o fundante da Filosofia e, ao que parece, isto ficou claro para ele ainda no iniciar do filosofar. Assim, Heráclito foi o primeiro a anunciar que o conhecimento verdadeiro, para o qual a Filosofia se direciona, só é possível através da razão, que faculta a todos os homens. A segunda escola pré-socrática, a Escola Pitagórica, temos como seu representante principal: Pitágoras de Samos. A phýsis para ele é o número. A explicação racional se deu através da observação que este filó- EAD HI ST ÓR IA 17UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA sofo fez da música produzida pela lira (instrumento de cordas dedilháveis de larga difusão na Antiguidade). Ele percebeu que o som que este instrumento produzia era uma harmonia numérica ou uma concordância de sons discordantes. A partir desta observação, ele afirmou que não apenas o som, mas tudo no mundo era uma harmonia entre discordantes, ou seja, som-silêncio, quente-frio, masculino-feminino, etc. Todos nós, ao estudarmos geometria, tivemos contato com uma das grandes contribuições deste filósofo, que foi também um grande matemático. Todos lembramos do Teorema de Pitágoras, que dizia que o quadrado da hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos catetos de um triângulo retângulo, cuja fórmula é: C2 = A2 + B2 A C B lado A = cateto A lado B = cateto B lado C = hipotenusa C A terceira escola pré-socrática, a Escola Eleata, tem dois grandes representantes. O primeiro deles, Parmênedes de Eléia, que não procurou e nem afirmou o que é a phýsis. O que ele traz é uma novidade para a Filosofia, pois faz uma reflexão sobre a diferença entre verdade (o ser ou alétheia em grego, que significa verdade) e opinião (o não-ser ou dóxa em grego, que significa opinião). Nestes termos, ele afirma em um de seus fragmentos: O SER é; o NÃO-SER não é. Isto significa que a verdade está no puro pensamen- to do intelecto que se separa das sensações, mas a opinião é a via da experiência sensorial, em que a Filosofia não é possível. A importância deste filósofo encontra-se na mudança que ele possibilita para a re- flexão filosófica, pois ele procura e promove uma re- flexão pautada em uma diferença fundamental para a Filosofia: a distinção entre verdade e opinião. Cabe a Filosofia a reflexão em direção à verdade, através da razão, de um exercício do raciocínio lógico, desviando a opinião que leva a um mundo de aparências. Por isso, compreende-se que este filósofo é o iniciador da lógica. Uma das tarefas da Filosofia é libertar o homem das “falsas verdades” que o conhecimento sensível traz e colocá-lo diante da realidade que é a verdade, através do pensamento lógico e sistemático. Para os gregos, verdade e realidade não são coisas distintas e a inteligência, através da razão, possibilita um não esquecimento disto. O segundo pré-socrático desta escola é Zenão de Eléia. Para muitos historiadores da Filosofia e mesmo para alguns filósofos como Aristóteles, Zenão foi o criador da dialética. Com isto, a argumentação passa a fazer parte do filosofar. ??? ??? SAIBA MAIS Dialética é o confronto entre duas teses opostas ou contrárias para provar que nenhuma delas é verdadeira ou que uma delas é contraditória, e, portanto, falsa (CHAUÍ, 2003, p. 96). A preocupação primeira deste filósofo pré-socrático não era a demonstração da verdade, mas demonstrar, através da dialética, as opiniões que são falsas. Um exemplo que ilustra essa capacidade argumentativa é a “aporia de Aquiles e a tartaruga” (aporía, palavra grega que significa dificuldade que permanece aberta, insolúvel) e os argumentos: Aquiles, generoso, dá à tartaruga uma vantagem. E jamais a alcançará, pois, para alcançá-la, sendo o espaço divisível, deverá, primeiro, vencer a metade da distância entre ele e a tartaruga; depois, a metade da metade; depois, a metade da metade da metade, e assim indefinidamente, de modo que jamais alcançará a tartaruga. [...] A argumentação tem como pressuposto, no caso de Aquiles e a tartaruga, que, por mais vagaroso que seja um movimento num espaço divisível, o movimento mais rápido nunca pode alcançá- lo, porque precisa vencer uma distância infinita de pontos (CHAUÍ, 2003, p. 97-98). O marco importante de Zenão foi trazer a capacidade argumentativa para os debates filosóficos e, assim, a dialética que possibilita ao pensamento exercitar a razão ou os argumentos racionais. A quarta e última escola pré-socrática, a Escola Atomista ou Escola da Pluralidade, traz uma singular divisão. Os dois últimos filósofos são chamados de atomistas, mas que guardam todos eles desta escola o aspecto da multiplicidade e da transformação presentes 18 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA nas suas reflexões. Assim, o primeiro destes filósofos foi Empédocles de Agrigento, que retorna com o ques- tionamento sobre o que é a phýsis e, desta forma, para ele esta é múltipla, ou seja, é o fogo, a terra, a água e éter (ar), com forças como ódio e amor, que ora une ou separa estes elementos. Como explica o trecho abaixo de forma até mesmo poética:No princípio, as raízes estão inteiramente misturadas, são indiscerníveis e formam o Uno. Uma força corpórea, mas externa a elas, as invade e as separa: o Ódio, que separa o que estava misturado e faz surgir o Múltiplo, as quatro raízes diferenciadas. Dessa diferença, porém, nada poderia surgir, pois tudo está separado de tudo. Uma outra força corpórea, externa e oposta à primeira, se introduz no seio do Múltiplo e faz com que as raízes se misturem e se combinem: o Amor, gerador de todas as coisas (CHAUÍ, 2003, p. 111). O ensinamento de Empédocles traz na idéia de multiplicidade uma outra ideia que é a de semelhança. Logo, tudo no mundo, inicialmente, está misturado, em seguida é separado pelo ódio e, por fim, unido pelo amor. Com isto, o pensamento segue o princípio da semelhança e, assim, ele procura o conhecimento verdadeiro, que é realidade e não é aparência. O segundo pré-socrático que também está fora do grupo dos atomistas é Anaxágoras de Clazómena. Para ele, a phýsis são sementes que vêm de uma mistura que está presente de forma originária em todas as coisas no mundo. Assim, a mistura é: [...] a das qualidades opostas que, agora, não se reduzem aos quatro elementos, mas incluem todas as oposições qualitativas: quente-frio, úmido-seco, denso-sutil, grande- pequeno, branco-preto, grosso-fino, luminoso-obscuro, duro-mole, liso-rugoso, amargo-doce etc. O que diferencia um ser de outro é a proporção das qualidades misturadas e a predominância de uma delas sobre as outras (CHAUÍ, 2003, p. 111). Em uma relação com o pensamento, Anaxágoras quer nos dizer que a razão encontra a verdade ou vê a realidade, mas que a experiência diminui e corrige as impossibilidades dos sentidos. Em resumo, ao olhar- mos para algo não vemos totalmente o que seja, mas ao experimentarmos podemos corrigir o que nossos órgãos do sentido não conseguem captar e, mais ainda, que é na razão que podemos entender o fato em si sem distorções. Os dois últimos pré-socráticos, desta escola, são Demócrito e Leucipo (os atomistas). Para estes filósofos, a phýsis são os átomos ou os indivisíveis, invisíveis e infinitos, tendo entre eles o vácuo. Com a introdução do vácuo, quer dizer, um espaço real que não tem corpo. Para os átomos, não há qualidades ou forças corpóreas atuando entre ou sobre eles. Na verdade, as qualidades, por não existirem, são nomeações feitas pelos homens por convenção. Aqui se encontra uma das grandes contribuições de Demócrito, ou seja, a introdução da linguagem como possibilidade de ligação e relações entre os homens, o que é uma abertura para o deslocamento da reflexão filosófica, como já veremos no tópico 5 deste módulo. SUGESTÃO DE ATIVIDADE A partir do trecho citado para explicar a phýsis de Empédocles de Agrigento, faça uma analogia com a realidade atual, no sentido da distância que separa os homens e impulsiona cada vez mais para a violência social. EAD HI ST ÓR IA 19UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 5. OS SOFISTAS A palavra sofista teve durante muito tempo um sentido pejorativo na Grécia antiga. Chamar alguém de sofista era como chamar de impostor, mentiroso ou demagogo. Este foi empregado pelos filósofos e críticos dos sofistas, por verem neles uma falta de compro- metimento com a Filosofia. Entretanto, os sofistas não se intitulavam filósofos; apenas se autodenominavam professores de alguma técnica ou mesmo técnicos de uma determinada habilidade, uma vez que tinham um determinado modo de ensinar as coisas. Mas, deve- mos entender que a palavra sofista traz um sentido, por vezes, ambíguo devido ao fato de que sua habilidade era vista como algo fantástico e, ao mesmo tempo, algo que se deve desconfiar. Retirado o invólucro pejorativo, a palavra sofista designava aquele que era professor. Por esta razão, os antigos poetas da Grécia antiga, Homero e Hesíodo (existem outros, mas estes dois são os principais), que foram os primeiros educadores, foram, inicialmente, chamados de sofistas. Os sofistas, entretanto, traziam uma habilidade particular: ensinam o dom da argumen- tação. Em uma definição, os sofistas faziam parte de um “grupo social particular, professores profissionais, que forneciam instrução aos jovens e davam mostra de eloquência em público, mediante pagamento” (CHAUÍ, 2003, p. 160). Com esta definição, tem-se o surgimento dos primeiros professores pagos. Há um fato que merece esclarecimento, para que o entendimento sobre a importância dos sofistas fique bastante claro. Este grupo social nasce no contexto da democracia na Grécia antiga. Na verdade, é atribuído aos gregos a invenção da democracia, sendo esta diferente das democracias que hoje conhecemos. Na Grécia antiga, cidadão é homem, adulto e ateniense. Mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não são cidadãos, portanto, não podem viver em democracia. Democracia, aliás, em que os cidadãos participam diretamente de todas as decisões na pólis, nas as- sembléias na cidade. Hoje, vivemos uma democracia representativa, ou seja, elegemos representantes que irão votar por nós. Nesse contexto grego antigo, dentro de um universo de debates constantes para que as decisões fossem tomadas, a argumentação era fundamental. Esse é o ponto em que os sofistas entram com seus ensinamentos. Devemos nos perguntar, então, por que foi dado aos sofistas um sentido pejorativo ao seu significado? A primeira razão desse sentido pejorativo encontra-se sobre o conteúdo que os sofistas ensinavam; depois, o próprio fato de cobrar por algo que estava associado a prática cidadã ou a própria cidadania, uma vez que na democracia grega, as decisões eram uma marca forte do exercício da cidadania. O que os sofistas en- sinavam era o que eles mesmos chamavam de “arte de argumentar” para persuadir os seus debatedores nas assembleias. O que ficava decidido era proveniente da melhor argumentação, independentemente de estar certo ou errado. Quem tinha o melhor argumento era aquele cidadão grego que conseguia persuadir seus debatedores. Nesse contexto, os sofistas receberam críticas severas de um dos maiores filósofos da antiguidade, Sócrates, e de seus seguidores. Para este filósofo, os sofistas valorizavam apenas a opinião (dóxa), dei- xando de lado a verdade (alétheia). O que importava para os sofistas era ensinar a arte da argumentação para fazer valer o argumento daquele que lhe pagava mais pelos seus ensinamentos. Isto também faz com que os próprios sofistas perdessem a liberdade de pensamento, pois suas opiniões estavam associadas à remuneração de quem lhes pagava. Para a Filosofia, isto é danoso porque a verdade, que é seu lastro, deve ser compartilhada com liberdade. É necessário dizer que os sofistas não pertenciam a nenhuma escola e nem eram discípulos de ninguém, como veremos com outros filósofos muito importantes como Platão e Aristóteles. É preciso dizer que todos os ensinamentos sofis- tas se davam sob uma técnica: a retórica. Esta, para os sofistas, é uma técnica de persuasão através de argumentos, que possibilitam fazer com que as opi- niões fossem válidas, sem relação com a verdade. A retórica tem como aporte, absolutamente necessário, a dialética, pois é preciso que ocorra debate entre ideias contrárias, para que assim se possa ter a defesa entre os argumentos, entre as razões, aquelas que vão defi- nir o que será o melhor no sentido daquilo que é mais útil. Para que isto acontecesse, cabiam aos sofistas as seguintes características essenciais: Saber os argumentos favoráveis e os desfavorá- veis sobre qualquer assunto, o que leva a uma defesa ou a um ataque com a mesma competência; Saber comover seus ouvintes, para depois que estiverem comovidos, aceitarem as razões sem con- testar;20 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA É bom o uso da figura de linguagem metáfora; Utilizar todo o corpo na hora de argumentar, o que significa ter ritmo na voz, um gestual e uma postura que tenham graça e não perder a elegância jamais. ??? ??? SAIBA MAIS Metáfora significa designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança (por exemplo, ele tem uma vontade de ferro, para designar uma vontade forte, como o ferro). In. BARROS JR., José Jardim de. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. 1 CD-ROM. Entre o grupo de sofistas, dois deles são os mais importantes, porque foram os criadores da sofística: Protágoras de Abdera e Geórgia de Leontini. Protá- goras tem uma sentença moral de origem popular muito conhecida, inclusive, na atualidade: “o homem é a medida de todas as coisas”. Esta afirmação feita por Protágoras fere, por exemplo, o conhecimento, o que ele é, mas, sobretudo, de algo que é fundamental para a Filosofia: a verdade. Já Geórgia não acreditava que a verdade fosse possível a qualquer homem. Ele acreditava que era por crença, devido ao apelo emocional que a retórica tinha, que se acreditava em algo como verdadeiro. Abaixo um trecho em que ele explica o que é a retórica, quando interrogado pelo filósofo Sócrates: [...] a retórica, por assim dizer, abrange o conjunto das artes, que ela mantém sob sua autoridade. Vou apresentar- te uma prova eloqüente disso mesmo. Por várias vezes fui com meu irmão ou com outros médicos à casa de doentes que se recusavam a ingerir remédios ou a se deixar ampu- tar ou cauterizar; e, não conseguindo o médico persuadí- lo, eu o fazia com a ajuda exclusiva da arte da retórica. Digo mais: se, na cidade que quiseres, um médico e um orador se apresentarem a uma assembléia do povo ou a qualquer outra reunião para argumentar sobre qual dos dois deverá ser escolhido como médico, não contaria o médico com nenhuma probabilidade para ser eleito, vindo a sê-lo, se assim o desejasse, o que soubesse falar bem. E se a competição se desse com representantes de qualquer outra profissão, conseguiria fazer eleger-se o orador de preferência a qualquer outro, pois não há assunto sobre que ele não possa discorrer com maior força de persuasão diante do público do que qualquer profissional. Tal é a na- tureza e a força da arte da retórica! ... É fora de dúvida que o orador é capaz de falar contra todos a respeito de qualquer assunto, conseguindo, por isso mesmo, con- vencer as multidões melhor do que qualquer pessoa, e, para dizer tudo, no assunto que bem lhe parecer (PLATÃO, Górgias 456b-457ª, apud, RESENDE, 2005, p. 39). Apesar de não buscarem a verdade, que é lastro para a Filosofia, no contexto político em que se encontrava a Grécia antiga, os sofistas foram importantes para a constituição do pensamento filosófico, na medida em que fortaleceram a democracia através dos debates nas assembleias públicas. A capacidade argumentativa através da dialética, possibilitou a Sócrates, o próximo filósofo que estudaremos, ter diversos diálogos em que, debates, cujas questões circundavam os temas sobre o conhecimento, o homem, a política, a verdade, a ética etc. Enfim, assuntos importantes para a Filosofia. Eles foram contemporâneos de Sócrates e debateram com ele, que desloca a reflexão filosófica para temas antes não refletidos. Assim, lembramos uma frase dos sofistas para concluirmos este tópico: “A tirania impõe a opinião de um só; a retórica pressupõe o direito de todos à opinião. A tirania usa a força; a retórica, argumentos” (CHAUÍ, 2003, p. 168). SUGESTÃO DE ATIVIDADE Estabelecer uma relação entre a técnica dos sofistas – a retórica, e os políticos da atualidade. INDICAÇÃO DE LEITURA PLATÃO, 427-347 a.C. Teeteto – Crátilo, trad. de Carlos Alberto Nunes, 3. ed. rev., Belém: EDUFPA, 2001. EAD HI ST ÓR IA 21UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 6. SÓCRATES Falar de Sócrates é o mesmo que falar de uma mu- dança na própria Filosofia. A partir deste filósofo, Há um deslocamento sobre as questões centrais que a Filosofia passa a refletir, ou seja, esses temas são: o homem, a ética e o conhecimento. Portanto, Sócrates faz parte, juntamente com Platão e Aristóteles, que veremos em seguida, do grupo de filósofos canônicos que trazem uma mudança singular para a Filosofia. O primeiro ponto a tratar em Sócrates é sobre sua própria vida, porque nela há alguns pontos que apon- tam para uma relação com o seu modo de filosofar. O primeiro ponto é que ele era filho de parteira e este fato tem uma relação com seu modo de filosofar, ou seja, a parteira faz parto de corpos e ele, parto de idéias. O segundo ponto diz respeito às suas duas participações políticas, que são “o julgamento de seis generais” e “o caso do banimento1”, que foi a expulsão de um cidadão grego, impedindo-o de entrar na cidade. No caso do julgamento, para a lei, todos os generais deveriam ser julgados individualmente, e Sócrates não aceitou o que desejava a assembleia, que era julgá-los coletivamente; em relação ao banimento, Sócrates tam- bém não aceitou que este ato fosse revogado, trazendo o condenado de volta à cidade. Há em ambos os casos uma postura ética, um respeito às leis atenienses. Há ainda um terceiro momento de participação política des- te filósofo, porém na posição de condenado. Sócrates também foi julgado pelo crime de “perversão de jovens atenienses com seus ensinamentos”. Neste caso, Só- crates não se defendeu e nem aceitou a proposta de fuga que fizeram a ele, porque se assim o fizesse, estaria ele aceitando a culpa e isto não cabia no seu entendimento, porque seus ensinamentos foram filosóficos. Uma outra curiosidade está no fato que levou Sócra- tes a dedicar-se à Filosofia. Se diz que ele, ao dirigir-se ao oráculo (resposta de uma divindade a quem a con- sultava) de Delfos, ouviu do oráculo que sua missão era o que estava escrito na porta do templo, ou seja, a frase “Conhece-te a ti mesmo”. Para Sócrates significa “Traz a tona tua interioridade”. A partir desse momento, ele passa a buscar o conhecimento sobre si e a fazer perguntas sobre todas as coisas, que entendia como necessário para chegar à compreensão verdadeira sobre algo. Passou ele, então, a dedicar-se a esta atividade e 2 Lei aplicada a quem não era condenado à morte, sendo então expulso da cidade. nenhuma outra mais, vivendo na pobreza em busca do conhecimento verdadeiro, a refletir sobre o homem e sobre a ética. Em conseqüência disto, Sócrates passa a ter uma outra máxima: “Sei que nada sei”. Como Sócrates não escreveu nada, ficando, a maior parte de tudo o que se sabe sobre ele nos es- critos de Platão. Por conta disto, há quem duvide da existência deste filósofo, mas isto seria impossível, uma vez que sua personalidade e a sua filosofia são de bastantes singulares, para que fosse invenção de qualquer outro filósofo. Um dos traços desta singula- ridade já é ilustrado pela forma como ele filosofava: perambulava na agorá (palavra grega que significa assembleia do povo), na praça, por toda cidade de Atenas, se dirigindo a todos os cidadãos atenienses – sofistas, governante, militar, artesão, entre outros, fazendo as perguntas primeiras, sem entretanto dar resposta alguma. Nisto se revela a peculiar característica de seu método para o seu ato de filosofar, que é a maiêutica - método que consiste na multiplicação de perguntas, despertando no interlocutor o desejo pelo saber, na descoberta da verdade e na conceituação geral de algo. Assim, as perguntas feitas se davam em torno de ideias, sobre os valores, entre outros,que todos com os quais ele matinha o diálogo, se achavam já sabedores, conhecedores. Abaixo um pequeno trecho de um dos diálogos socráticos, em que Sócrates questiona a “impossibilidade de se adquirir conhecimento”, para ilustrar a maiêutica. Sócrates: [...] Neste momento, a propósito da vir tude, eu não sei absolu tamente o que ela é; tu talvez soubesses, antes de te aproximares de mim, agora porém parece não saberes mais. Entretanto, estou disposto a examinar e a procurar junto contigo o que ela possa ser. Mênon: — Mas de que maneira procurarás, Sócrates, aq- uilo que não sabes absolutamente o que seja? Dentre tan- tas coisas que desconheces, qual te proporás procurar? E, se por um feliz acaso te deparares com ela, como saberás que é aquilo que desconhecias? Sócrates: — Compreendo, Mênon, a que fazes alusão. Percebes tudo que há de capcioso na tese que me expões, a saber, que, por assim dizer, não é possível a um homem procurar nem o que ele sabe nem o que ele não sabe? Nem, por um lado aquilo que ele sabe, ele não procuraria, pois ele o sabe, e, nesse caso, ele não tem absolutamente necessidade de procurar; nem por outro lado, o que ele não sabe, pois ele não sabe nem mesmo o que procurar (PLATÃO, Mênon 80d-81a, apud, RESENDE, 2005, p. 41). 22 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA Muitos diálogos socráticos foram com os sofis- tas, pois Sócrates foi um grande opositor aos seus ensinamentos. Entre as muitas críticas feitas, dizia ele que os sofistas não eram filósofos, pois não tinham amor à sabedoria e nem respeito pela verdade. Eles valorizavam a argumentação e, assim, poderiam fazer valer a mentira pela verdade. O diálogo, para Sócra- tes, era o caminho através do qual se podia chegar a verdade, ele não ensinava nada; os sofistas, ao contrário, estavam sempre a ensinar algo a alguém: a defender suas opiniões como verdadeiras, ainda que elas não fossem. Porém, a busca pela sabedoria e o respeito pela verdade é o que se deve ser ensinado aos jovens atenienses. Enfim, o que o grande filósofo tinha como meta era mostrar àqueles com os quais dialogava, jovens ou não, que eles pensam que sabem o que dizem que sabem; que o que eles têm são pré- conceitos, sem saber a essência sobre as coisas que afirmam. Assim, ele fazia: “Você diz que a coragem é importante. Mas, o que é a coragem?”. O “o que é” era a forma como Sócrates buscava a verdade junto aos seus interlocutores. Nesse contexto, os ensinamentos socráticos apontam para um entendimento primordial, que o conhecimento é um processo, uma busca, uma pro- cura pela verdade, que vai separar opinião e verdade, percepção sensorial e pensamento, e aparência e realidade. O que importa é sair de um campo carre- gado de opiniões contrárias, de aparências opostas e percepções divergentes, para alcançar a essência das coisas, que é onde se encontra a verdade. Esta só é possível alcançar através do exercício do pensamento, da razão. Agir assim, para Sócrates, é ser vir tuoso, pois o homem bom busca o conhecimento verdadeiro. Isto significa que a ética socrática está associada ao conhecimento e ao conhecimento de si. A partir de Sócrates, a Filosofia tem o homem como um tema central de suas reflexões. Mas, o homem não como medida de todas as coisas, como queriam os sofistas, mas como aquele que através da razão, chega à verdade. Razão, aliás, que é comum a todos os homens. EAD HI ST ÓR IA 23UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 7. PLATÃO O mais importante aluno do filósofo Sócrates, seu maior discípulo e expositor da filosofia Socrática, sendo o autor de quase todos os diálogos socráticos. Platão é o segundo filósofo que compõe o tripé dos filósofos canônicos da antiguidade. Contribuiu muito para a Filosofia, com inúmeras obras (quase toda a produção platônica encontra-se disponível) e refle- xões. Foi fundador da Academia, que é conhecida por academia platônica, destinada a investigações filosó- ficas, formar jovens para a política, através da busca da verdade e da justiça. Permanece a ideia socrática de não se ensinar nada, ou seja, defender ou transmitir conhecimentos, como os sofistas. Também em Platão, na sua academia, se faz a busca permanente da verda- de, procurando sempre distinguir verdade de opinião. Na academia, todos são amantes da sabedoria, como indica a própria palavra Filosofia. Como Sócrates, seu mestre, também se utilizava de um método: a dialética. Esta significa um caminho para apreender, através da razão, a essência das coi- sas. A dialética faz a separação de toda e qualquer contradição que exista sobre a compreensão de algo. Com este método, é possível purificar a alma, porque retira as opiniões que se tem sobre as coisas, evitando a confusão sobre o verdadeiro e o falso, e purifica a essência das coisas do mundo, através do olhar do intelecto sobre todas as ideias na sua inteireza. É preciso entender a noção de ideia em Platão, que é conhecida como a doutrina das ideias. Nesta, há a afirmação de que existem ideias que são as essên- cias, incorpóreas e imutáveis, como modelos. Assim, quando falamos a palavra “caneta”, não importando se dissemos azul, preta, vermelha, de tinteiro, com ou sem bocal, aqui no Brasil ou no Japão, logo pensamos numa “caneta”, porque a ideia de caneta já existe; é ela a essência de caneta, que é sempre a mesma, é sempre única. Isto ocorre para tudo o que vemos no mundo. Nossos sentidos não captam esta ideia enquanto essência das coisas, apenas conseguimos captar esta essência através do intelecto. Por isso, para Platão, no mundo sensível, que é onde nossos sentidos captam apenas o que os olhos percebem, não podemos chegar à essência das coisas, à ideia. Para se chegar à ideia essencial das coisas, é necessário irmos ao mundo inteligível. É nele que as ideias primordiais e fundamentais se encontram. Nele, percebe-se um outro ponto importante da filosofia platônica: a divisão entre mundo sensível e mundo inteligível, o que significa sua teoria do conhecimento. Para falar desta teoria, Platão recorre a um mito muito famoso no conjunto de sua obra, intitulado Mito da Caverna, que é um dos capítulos do livro A República de sua autoria, sendo toda ela e o próprio mito, um dos diálogos socráticos. Um resumo deste mito, sua interpretação e significado estão no sub-tópico a se- guir. O quadro abaixo ilustra algumas diferenças entre os dois mundos – sensível e inteligível. Mundo Sensível Mundo Inteligível Sol Bem (perfeição) Luz Verdade Cores Ideias Olhos Alma racional ou inteligência Visão Intuição Treva, cegueira, privação de luz Ignorância, opinião, privação de verdade FONTE: CHAUÍ, 2003, p. 258. 7.1 O Mito da Caverna ou “A Caverna de Platão” Imaginemos [...] uma caverna subterrânea separada do mundo externo por um alto muro. Entre este e o chão da caverna há uma fresta por onde passa alguma luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali estão acorrentados, sem poder mover a cabeça na direção da entrada, nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros, pois não podem mover a cabeça nem o corpo, e sem se ver a si mesmos porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas pa redes do fundo da caverna. Do lado de fora, pessoas pas- sam conversando e car regando nos ombros figuras ou ima- gens de homens, mulheres, animais cujas sombras também são projetadasna parede da caverna, como num teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens que transpor- tam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam. Os prisioneiros se comunicam, dando nomes às coisas que julgam ver (sem vê-las realmente, pois estão na obscuridade) e imaginam que o que escutam, e que não sabem que são sons vindos de fora, são as vozes das próprias sombras e não dos 24 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA homens cujas imagens es tão projetados na parede e também imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens carregam nos ombros são vozes de seres reais é, pois, a situação dessas pessoas aprisionadas. Tomam som- bras por realidade, tanto as sombras das coisas e dos homens exteriores como as sombras dos artefatos fabricados por eles. Essa confusão, porém, não tem como causa a natureza dos prisioneiros e sim as condições adversas em que se encon- tram. [P]ara os prisioneiros, o único mundo real é a caverna, portanto, a obscuridade na qual não podem se ver nem ver os outros não é percebida como tal e sim experimentada como realidade verdadeira. E a caverna é para eles todo o mundo real, pois não sabem que o que vêem na parede do fundo são sombras de um outro mundo, exterior à caverna, uma vez que não podem virar a cabeça para ver que há algo lá fora e que é de lá de fora que outros homens lhes enviam imagens e sons. Ora, se para os prisioneiros o mundo real é a caverna, como poderiam sair da ilusão se não sabem que vivem nela? Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. De início, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando as durezas de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela lu- minosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostu- mados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primeira vez e pelo ofuscamento de seus ol- hos sob a ação da luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se di- vidido entre a incredulidade e o deslumbramento. Incredulidade porque será obrigado a decidir onde se encontra a realidade: no que vê agora ou nas sombras em que sempre viveu. Deslum- bramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas. Seu primeiro impulso é retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto. Embora esteja reconquistando sua verdadeira natureza, o sofri- mento que essa reconquista lhe traz é tão grande que se sente atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar a caverna, onde tudo lhe é familiar e con- hecido. [O] caminho em direção ao mundo exterior é íngreme e rude; o prisioneiro libertado sofre e se lamenta de dores no corpo; a luz do sol o cega; ele se sente arrancado, puxado para fora por uma força incompreensível. Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por cau- sa da rudeza do caminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. En- canta-se, tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará com todas as suas forças para jamais regressar a ela. No entanto, não pode evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também. Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era ingrato e a luz, ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que habituar-se à luz. De volta à caverna o prisioneiro fica cego novamente, mas, agora, por ausência de luz. Ali den- tro é desajeitado, inábil, não sabe mover-se entre as sombras nem falar de modo compreensível para os outros, não sendo acreditado por eles. Torna-se objeto de zombaria e riso, e cor- rerá o risco de ser morto pelos que jamais se disporão a aban- donar a caverna (CHAUÍ, Marilena. Introdução à História da Filosofia – dos Pré-socráticos a Aristóteles. Vol. I. São Paulo: Companhia das Letras 539 p. 258-261 p.). Devemos entender o que significa este mito. Em primeiro lugar, ele trata de forma alegórica da teoria do conhecimento platônica, quando explica a passagem de um grau de conhecimento a outro. Inicia estabelecendo uma analogia entre conhecer e ver, para explicar como se adquire conhecimento, ou seja, conhecer a verdade é ver com os olhos da alma, ou seja, com os olhos da inteligência. Carregado de metáforas, como é tipo de mitos, vamos agora desmistificá-las. Assim: Os prisioneiros são semelhantes aos homens co- muns (palavras de Sócrates a Glauco, seu interlocu- tor). Estes homens tomam as sombras pela realidade; A caverna é o mundo sensível em que vivem os homens; O fogo representa a luz da verdade (ideias e o bem) sobre o mundo sensível; As sombras são as coisas sensíveis tomadas por verdadeiras; Os grilhões são os preconceitos do homem, sua opinião, sua paixão, sua confiança no seu sensível; O instrumento que quebra os grilhões e permite ao prisioneiro pular o muro é a dialética; O prisioneiro que se liberta é o Filósofo; A luz que cega o prisioneiro livre é o Bem (luz plena do ser), que ilumina o mundo inteligível; O retorno à caverna para libertar os outros homens é o diálogo filosófico; Os anos de esforço na construção do instrumento para livrar-se dos grilhões, é o esforço da alma para libertar-se da ignorância. EAD HI ST ÓR IA 25UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA ??? ??? SAIBA MAIS Uma outra definição de dialética é esta como um processo de diálogo, debate entre interlocutores comprometidos profundamente com a busca da verdade, através do qual a alma se eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis. O mito apresenta a possibilidade de libertação do intelecto da cegueira das aparências do mundo sensí- vel, através da dialética, o que significa dizer que quem conhece liberta-se da ignorância. A filosofia, através da sua educação, não olhos com os quais os homens vão ver melhor, ao contrário, ela orienta o olhar, pois cada ser humano tem a capacidade de ver a realidade como ela realmente é, desde que utilizem os olhos da alma, ou seja, a razão. O Mito da Caverna é muito conhecido e inspirou, inclusive, um filme atual e popular, o primeiro Matrix, da trilogia que veio posteriormente devido ao grande sucesso. Entre algumas relações que podem ser feita entre a Filosofia e o filme encontram-se no personagem principal – Neo, que, como o filósofo Sócrates, vai a um oráculo e encontra a mesma mensagem: “Conhece-te a ti mesmo”; uma outra está no fato dos seres humanos dentro da Matrix viverem uma realidade virtual ou uma falsa realidade, como os homens da caverna de Platão; a Filosofia se assemelha a pílula vermelha do filme, que era a possibilidade dos homens ao ingerirem-na, perceberem o mundo de aparência em que viviam. ??? ??? SAIBA MAIS Matrix é uma história de ficção, cujo enredo apresenta o mundo como farsa, construído por máquinas com inteligência artificial, onde a maioria dos seres humanos encontra-se aprisionada, achando que a realidade verdadeira é a da matrix, onde um dos homens tem a capacidade de acabar com a farsa e libertar a humanidade. O filme foidirigido por Andy Wachowski e Larry Wachowski, em 2005, com 136 min. SUGESTÃO DE ATIVIDADE Explicar a frase “Nunca estivemos tanto na caverna de Platão como agora”, do escritor português, José Saramago, no filme- documentário “Janela da Alma”, relacionando-a ao Mito da Caverna de Platão. SUGESTÃO DE ATIVIDADE Fazer uma interpretação da história em quadrinhos no sentido de explicar qual a crítica que ela traz e se esta é pertinente. INDICAÇÃO DE LEITURA PLATÃO. Livro VII. In: Platão. A República. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 317-362 PLATÃO. O banquete ou do amor. Trad. de J. Cavlacabte de Souza. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. 204 p. 26 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA 8. ARISTÓTELES Aristóteles, o terceiro e último dos filósofos canônicos da filosofia antiga, foi aluno de Platão, afastando-se da Academia dele, após sua morte. Depois desse fato, funda sua própria escola, chamada de O Liceu. Era uma escola de muita disciplina,cujos ensinamentos eram dados atra- vés da peripatética, que significa caminhar conversando animadamente sobre assuntos filosóficos. Aristóteles escreveu sobre quase todos os assuntos, através do que ele chamou e dividiu em ciências, em práticas e ciências teoréticas. No grupo das primeiras encontram-se a ética, a política e a economia; no grupo das segundas, encontram-se a matemática, a física e a metafísica. Desse modo, não podemos falar deste filósofo sem apresentar a ética, a metafísica, porque são temas que se destacaram da sua filosofia, mas também, da lógica, que possui o mesmo destaque, mas não foi considerada por ele uma ciência. Iniciaremos falando exatamente da lógica aristoté- lica. Primeiro, esclareceremos que esta não é ciência porque não possui nenhum objeto de reflexão, como o que é característica de qualquer ciência. Mas, então, o que é a lógica? A lógica é uma disciplina que fornece as leis ou regras ou normas ideais do pensamento e o modo de aplicá-las na pesquisa e na demonstração da verdade. Nessa medida, é uma disciplina normativa, pois dá as normas para bem conduzir o pensamento na busca da verdade (CHAUÍ, 2003, p. 357). Como em Sócrates e Platão, permanece em Aris- tóteles a busca da verdade. Nesse caso através da lógica. Com ela, o homem pode examinar em detalhe, encontrando os elementos que constituem a estrutura do pensamento e da linguagem, seus modos de opera- ção e de relacionamento, evitando que se tome como verdade aquilo que não é. A lógica possui princípios estruturantes do pensamento, que são os seguintes: Princípio de identidade: A é A, que é o mesmo que dizer que uma coisa é igual a si mesma; Princípio da não-contradição: A é A e não pode ser não-A, que é o mesmo que dizer que uma coisa é igual a si e nunca contrária a si mesma; Princípio do terceiro excluído: A é ou X ou não-X, que quer dizer que uma coisa é igual a uma coisa ou a outra coisa contrária a esta última, não havendo ne- nhuma terceira possibilidade. Abaixo alguns exemplos destes princípios funda- mentais: “Sócrates é igual a ele mesmo” - A é A; “Sócrates é filósofo e não é sofista” - A é A e não pode ser não-A; “Sócrates é homem e não é mulher” - A é ou X ou não-X. Até o dia de hoje, toda a estrutura que Aristóteles elaborou para a sua lógica é a que perdura na atualida- de, quase sem sofrer alterações, sendo esta disciplina parte dos estu dos não apenas da Filosofia, mas da Matemática, da Lingüística, entre outras áreas do conhecimento. A outra contribuição que marca a filosofia aristo- télica é sobre a metafísica, que é onde se encontram os conceitos, as ideias mais gerais de que dependem todas as outras desenvolvidas pelos filósofos nas de- mais ciências. Para Aristóteles, é na metafísica que a Filosofia encontra seu ponto mais alto, pois é onde se derivam todos os outros conhecimentos. Seria a me- tafísica uma filosofia primeira por tratar de princípios e das causas do ser. Mas, é preciso ainda entender que o sentido de “ser” que se refere Aristóteles é diferente do que conhecemos na atualidade. “Ser” é a substância simples (Deus) ou composta (todos os outros seres). Com esta compreensão, Aristóteles contribui com sua metafísica possibilitando uma investigação sobre as coisas no mundo no que diz respeito aos princípios, causas e essência. Há dois pontos importantíssimos como contribui- ções da filosofia aristotélica que não podemos deixar de falar: a ética e a política. Desse modo, falar em ética no sentido aristotélico do termo é entender, ini- cialmente, o que é a vir tude para este filósofo. Esta é, assim, um hábito que o homem adquire ou se dispõe a adquirir, para que suas atitudes estejam correlacio- nadas diretamente às determinações do homem que é prudente, aquele que age em conformidade com a razão e não com a emoção, os desejos ou quaisquer outras determinações. A ética é quem orienta os ho- mens para adquirirem o hábito da vir tude. O que se vê é que a vir tude, assim como a ética, está e deve estar sob as determinações da razão. O homem que age racionalmente é um homem ético. Na página seguinte encontra-se um quadro das vir tudes morais que demonstra a classificação das vir tudes, segundo Aristóteles. EAD HI ST ÓR IA 27UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA A questão da política em Aristóteles, não difere muito da questão ética, pois para este filósofo, é a política que orienta a ética, através da preservação da sua autonomia, que é um bem humano inalienável. Há uma frase de Aristóteles que diz que “O homem é um animal político”. Isto quer dizer, que o homem traz na sua própria natureza a incapacidade de viver isolada- mente sem contato com outros homens. A formação do estado é decorrente dessa natureza humana, porque é no estado que o homem vive com os outros homens FONTE: CHAUÍ, 2003, p. 453 na virtude da prudência e bem comum, onde a pólis é governada pela prática dos cidadãos. Falar da filosofia aristotélica em um tópico não é pos- sível sem omissão, pois a extensão de sua obra impos- sibilita tal intento. Mas, deve ficar claro para todos que Aristóteles fecha, juntamente com Sócrates e Platão, o que se configurou na abertura posterior que a Filosofia encontrou no sentido da maturidade e contribuições para todas as ciências que conhecemos hoje. 28 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA 9. A RAZÃO COMO FUNDANTE DA FILOSOFIA Quando afirmamos que a Filosofia é um conhecimen- to racional que se direciona para a verdade, estamos afirmando que não há Filosofia sem a razão. Portanto, afirmamos que a razão é o que sustenta, assenta, firma a Filosofia, hoje, agora e sempre. Mas, o que é a ra- zão? Esta é uma palavra que se origina de duas outras palavras: a palavra latina ratio e a palavra grega lógos, que significam: Ratio: vem do verbo latino reor, que significa contar, medir, calcular; Lógos: vem do verbo grego legein, que significa contar, calcular, juntar. Por contar dessas origens latina e grega, a palavra razão possibilita um pensamento ou um conhecimento ordenado e claro, que deve ser entendido por todos. Assim, razão é faculdade orientadora geral, que permite ao homem se distinguir de todos os outros animais, pos- sibilitando a ele ter pensamentos e fala corretos, claros sobre as coisas existentes no mundo. Este pensamento correto, a razão filosófica, se deu durante muitos anos sob duas teorias filosóficas: o racionalismo e o empi- rismo, mas, antes apresentaremos inicialmente a razão na época cristã e medieval, em seguida na modernidade, com o racionalismo e o empirismo, e, por fim, a razão na contemporaneidade, com a fenomenologia, para que vocêstenham um entendimento da razão como fundante da Filosofia. 9.1 Razão na época cristã e no medievo Dentro do contexto do cristianismo, há uma discus- são que permeia a época na interpretação das verdades religiosas, como também na transformação destas em dogmas. No medievo, ao contrário, um novo saber de cunho teológico e filosófico, com um grande volume de produções, sendo seus ensinamentos em torno das discussões sobre as obras de padres, teólogos e filósofos medievais, cujas questões se distinguem das gregas, porque teve outros pressupostos. Nos tópicos seguintes, trataremos de ambos. 9.1.1 A Patrística A patrística é a especulação dos padres dos pri- meiros séculos do cristianismo. Entre as especulações pertinentes, nesse contexto, temos como exemplos: a questão da relação entre fé e razão, na tentativa de reconciliação entre ambas, a existência de Deus, entre outras. Nesse sentido, não há propósito filosófico nestas especulações, em que os problemas filosóficos são impostos por uma verdade religiosa. A razão é quem formula e elucida os dogmas. Seus maiores represen- tantes são: Santo Agostinho, São Justino, Tertuliano, Clemente, Orígenes e os Padres Capadócios. Entre estes, se destaca Santo Agostinho, que é con- siderado o apogeu da patrística. Para este grande repre- sentante, em relação à questão da verdade, ele afirmava que é apenas na fé cristã que é possível compreender o mundo e o lugar que os homens podem ocupar nele. Dizia ainda também que qualquer conhecimento que venha a contradizer a doutrina cristã, deve ser rejeitado e desconsiderado. Mas, os grandes temas refletidos por Agostinho foram: Deus e a alma. Na especulação sobre Deus, ele fez algumas afirmações interessantes: Afirmava ele que não há possibilidade do conhe- cimento se dá para o homem sem o amor e, conse- qüentemente, não se alcança a verdade se não for pelo caminho da caridade; O homem é a imagem e semelhança de Deus e, portanto, ele permeia toda a alma humana. Logo, o homem não pode se afastar de Deus, porque, assim, negaria aquilo que tem de mais íntimo; O mundo foi criado por Deus a partir de seu próprio ser, porque as ideias que originam o mundo estão den- tro da própria mente divina. Agostinho faz uma reflexão sobre a história universal – história da humanidade, em uma de suas obras mais importantes: A Cidade de Deus. Nesta obra, a história da humanidade é contata a partir do surgimento de duas cidades: uma terrena e outra divina, sendo uma criada pelo egoísmo e a outra pelo amor divino, res- pectivamente. Seu enredo traz a luta entre bem e mal, Deus e o demônio, em que, ao final, a vitória divina ratifica a vitória do bem sobre o mal. Agostinho quer dizer com esta obra que toda história humana é uma luta entre Deus e o mundo, em que o Estado tem que velar pelo bem, pela paz e pela justiça, estando sob a autoridade divina e, portanto, velando os princípios cristãos. Santo Agostinho é o nome que marca a filosofia cristã, conseguindo entender o mundo de sua época, o mundo do Império Romano, se constituindo como uma figura fundamental para a Europa medieval. EAD HI ST ÓR IA 29UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 9.1.2 A Escolástica O conteúdo que permeia a escolástica ou filosofia medieval tem reflexões teológicas e filosóficas, o que ocasiona imediatamente um problema para os estudio- sos. Se considerarmos que é uma filosofia, esta seria uma ciência subordinada à teologia, numa condição de subserviência. Este fato não pode e não deve ser aceito, porque a Filosofia não é ciência e nem serve a nada, muito menos à teologia. O que se deu na escolástica foi que as questões teológicas suscitavam questões filosóficas, ou seja, recorriam-se a conceitos filosóficos para refletir alguma questão teológica. O que não se pode esquecer é que na escolástica as reflexões são permeadas por dogmas. Entre os seus maiores representantes encontram-se: Santo Anselmo, Abelardo, São Boaventura e, o mais proeminente de todos, Santo Tomás de Aquino. E entre os grandes temas da escolástica temos: a criação, os universais e a razão. A criação - Deus é criador e o mundo é algo criado por Deus, a partir do nada. Entretanto, este mundo pode existir após sua criação, sem a necessidade da interven- ção divina. Isto traz uma novidade: uma independência entre criador e mundo criado, trazendo um fato muito significativo que é certa independência de Deus; Os universais – este tema se concentra na seguinte questão: “em que medida os conhecimentos humanos se referem à realidade?” A razão – Deus é o lógos, que é razão. Porém, o homem possui também a razão. Com isto, há um des- locamento da posição do homem que, agora, pode chegar à essência divina, porque há uma adequação entre ambos – Deus e o homem. Para Santo Tomás de Aquino, o maior representante da escolástica, tanto a Filosofia quanto a teologia são verda- deiras, porém consideradas independentes. A razão disto está no fato de que a teologia se funda na revelação divina, enquanto que a Filosofia se funda na razão humana, sendo que a revelação é algo que provém do divino, portanto, ir- refutável, nunca sendo passível de erro. Permanece, como em Agostinho, Deus como algo inquestionável. Dessa for- ma, verdade, conhecimento verdadeiro, tem como critério a revelação, como ilustra bem a citação abaixo: A tudo isso respondo que foi necessário, para a salvação do homem, uma doutrina fundada na revelação divina, além das disciplinas filosóficas que são investigadas pela razão humana. Primeiro, porque o homem está ordenado a Deus como a um fim que ultrapassa a compreensão da razão, conforme afirma Isaías, 44,4: “Fora de ti, ó Deus, o olho não viu o que preparaste para os que te amam.” Ora, o homem deve conhecer o fim ao qual deve ordenar as suas intenções e ações. Por isso se tornou necessário, para a salvação dos homens, que lhes fossem dadas a conhecer, por revelação divina, determinadas verdades que ultrapassam a razão hu- mana (SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica, I, Q. I, art. L, apud, RESENDE, 2005, p. 97). São Tomás, ao refletir sobre o Estado, afirma que o homem, sujeito do conhecimento, é um animal social e político, em que a sociedade existe, está voltada para ele e não o contrário. Entretanto, é a igreja a maior autoridade política, pois todo poder vem de Deus, e a tirania é a pior forma de governo. Apesar de manter Deus, ou a revelação, em primazia diante da razão humana, como um dogma inquestioná- vel, a escolástica tem uma importância muito grande na história do pensamento da humanidade, pois ela tenta adaptar a filosofia aristotélica à filosofia cristã. Para isto, a filosofia de Aristóteles foi indagada e São Tomás teve papel fundamental nesta tentativa, possibilitando ao pensamento da Idade Média reflexões que abriram, posteriormente, caminhos para que a razão humana se tornasse uma nova situação intelectual. SUGESTÃO DE ATIVIDADE Propor um fórum para discutir a relação entre Filosofia e religião. 9.2 Razão na modernidade No declínio do pensamento medieval, uma fronteira se estabelece entre o pensamento religioso e a Filoso- fia, que é, inicialmente, o cenário da razão na moder- nidade, com um problema exclusivamente filosófico, onde a dicotomia entre racionalismo e empirismo se finca. Em seguida, outras possibilidades na discussão sobre a razão na modernidade se apresentam, ainda nesta época, mudando toda a história da Filosofia. Seguiremos nos tópicos seguintes apresentando essas discussões. 9.2.1 O Racionalismo Na teoria racionalista, o homem, sujeito do conheci- mento, já nasce com ideias inatas, originárias de Deus, o 30 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA EAD HI ST ÓR IA que permite a ele
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