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A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS Carmen Lucia Antão Paiva e Paula Sá-Pereira SUMÁRIO Este capítulo versa sobre a contribuição da biologiamolecular na busca, identificação e manipulação de enzimas. Contém um breve histórico da evolução da biologia molecu- lar, com enfoque na clonagem de genes e sua importância para a engenharia genética (tecnologia doDNA recombinante).Mostra como a tecnologia doDNA recombinante podeproduzirmudanças genéticas emmicrorganismos comoobjetivo demelhorar ca- racterísticas bioquímicas e fisiológicas que tenham valor para a indústria e possam ser exploradas comercialmente, como o caso da produção de enzimas. Aborda o controle da expressão gênica e sua manipulação emmicrorganismos de interesse tecnológico e enfoca os fungos filamentosos como “fábricas celulares” produtoras de enzimas, além da produção de enzimas por organismos extremófilos. Enfatiza que as propriedades das enzimas podem ser melhoradas por redesenho racionalizado ou evolução direcio- nada e que muito provavelmente a associação das duas estratégias será a rota de maior sucesso para melhorar as propriedades e função de uma enzima, ou mesmo criar uma nova função enzimática. As plataformas tecnológicas conhecidas como ômicas, a genô- mica, transcriptômica, proteômica e metabolômica são ferramentas moleculares que permitem descoberta de novas enzimas e aponta ainda que, através da combinação da pesquisa computacional e experimental embiocatálise, há de se aumentar grandemen- te o nível de conhecimento dos sistemas biocatalíticos e de se diminuir os esforços experimentais e conseqüentemente seus custos. 1ª prova 29 2 INTRODUÇÃO Foi Wearren Weaver quem, em 1938, primeiro utilizou o termo Biologia Molecular. Desde então enormes progressos têm acontecido neste ramo da ciência, que emergiu da associação dos conhecimentos acumulados nas áreas de Bioquímica, Biologia Celu- lar eGenética (WITKOWSKI, 1988). Apartir de então, algumas décadas foramnecessá- rias para o surgimento da engenharia genética (ramo da biologiamolecularmais apro- priadamente denominado de tecnologia doDNA recombinante), que só pôde aconte- cer devido aos avanços da biologia molecular, no que se refere ao conhecimento de como as células armazenam, duplicam, transferem, expressam e regulam a expressão da informação genética. Nasduasúltimasdécadas, a engenharia genética temsidoempregada intensamen- te para transferir um gene de interesse biotecnológico de um organismo a outro, mas foi nadécadade70queoprimeiroplasmídeo recombinante foi produzido (COHENet alii, 1973) e a transcriptase reversa foi descoberta (BALTIMORE,1970; TEMIN e MIZUTANI, 1970), abrindo o caminho para a clonagem de genes eucarióticos através das bibliotecasdeDNAc(DNAcomplementar). Portanto, osplasmídeos e a transcripta- se reversa são duas importantes ferramentas da biologia molecular, que juntamente comasenzimasde restriçãopossibilitaramodesenvolvimentoda tecnologiadoDNAre- combinante. A biologia molecular, através da engenharia genética, tem trazido novas soluções para antigos problemas biotecnológicos. Pode-se, hoje, através da tecnologia doDNA recombinante, produzirmudanças genéticas nos organismos vivos comoobje- tivo de melhorar características bioquímicas e fisiológicas que tenham valor para a indústria e possam ser exploradas comercialmente. Os microrganismos, tanto procariotos quanto eucariotos, têm sido especialmente úteis neste sentido. Vale lembrar que os microrganismos foram usados desde a Antigüidade em pro- cessos biotecnológicos, como na produção do pão, da cerveja, do vinho, do queijo, do iogurte e na preservação de alimentos. Na atualidade, têm sido também utilizados na produção de enzimas, antibióticos, solventes, aminoácidos, suprimentos alimentares e muitas outras substâncias, concomitantemente com a seleção de cepas altamente eficientes na produção desses produtos (MILLER JR e NAGARAJAN, 2000). É importante ressaltar queos únicos produtos gênicos a seremabordadosneste ca- pítulo serão as enzimas de natureza protéica, por serem o principal objeto deste livro. Serão focalizados temas do campo da biologia molecular como a regulação da expres- são gênica, a manipulação de genes em microrganismos, a produção de enzimas por microrganismosgeneticamente engenheirados e a evoluçãodas enzimas in vitro, como objetivo de fornecer uma visão geral da contribuição da biologiamolecular ao aprimo- ramento da produção de enzimas. Serão abordados, também, a utilização de organis- mos extremófilos na produção desses biocatalisadores e o uso dos fungos como “fábricas celulares”deenzimas, comênfasenos aspectos relativos àbiologiamolecular. As enzimas são catalisadores biológicos presentes em todos os seres vivos. Elas são largamente utilizadas, comaplicação emdiversos campos, incluindo a biorremediação, a síntese orgânica, as análises clínicas, a produção de produtos farmacêuticos, de deter- ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO30 1ª prova gentes, de alimentos, de produtos de fermentação, dentre outros. Podem ser usadas de formamuito lucrativa emmeio aquoso ou emmeio não convencional e, ainda, emmei- osde reaçãoextremos como,porexemplo, emrelaçãoà temperatura (BRAIUCAet alii, 2006). Alémdisso, cada vezmais temhavido aumento do interesse na utilização das en- zimas conhecidas como catalisadores “verdes”, tanto em processos tecnológicos como em biorremediação , como é o caso das lacases (ALCALDE et alii, 2006). Estas últimas são oxidorredutases que utilizam o oxigênio do ar e liberam água como único produto além do produto principal da reação (RIVA, 2006). REGULAÇÃO DE EXPRESSÃO GÊNICA Oobjetivodaengenharia genética é aumentar aprodutividadeeo rendimentodospro- dutos gênicos de interesse, o que geralmente requer o aumento da expressão do gene que codifica para o produto gênico em questão, como por exemplo, o aumento da ex- pressão daqueles genes que codificam enzimas de interesse industrial. Microrganismos, tanto os procariotos (bactérias), quanto os eucariotos (fungos e leveduras), têm sido muito úteis para a produção de enzimas. Portanto é fundamental conhecer os mecanismos básicos que regulam a expressão gênica nesses organismos. Enfatizamos que este assunto não poderia deixar de ser mencionado neste capítulo, pois é um importante aspecto da biologia molecular, cujo avanço propiciou também a evolução da engenharia genética, com repercussões na produção de enzimas. Em procariotos A idéia de que os genes podem ser ligados ou desligados produziu um grande impacto sobre a biologia molecular há aproximadamente quarenta anos atrás. Hoje sabemos que a expressão gênica é regulada, o que representa uma enorme economia para as cé- lulas. Uma bactéria típica tem aproximadamente 4.000 genes, sendo que somente uma fração desses genes está sendo expressa em um determinado momento. Vale ressaltar que há duas categorias de genes: os genes constitutivos e os induzíve- is. Os primeiros são aqueles que são sempre transcritos e cujos produtos gênicos são es- senciais durante toda a vidada célula.Osúltimos são aqueles cujos produtos gênicos au- mentam ou diminuem de acordo com um sinal molecular, geralmente em resposta ao suprimentode alimento. Embora os genes constitutivos sejam sempre transcritos a con- centração de seus produtos gênicos pode variar bastante de gene para gene. São vários os mecanismos que regulam a expressão de um gene, compreendendo as etapas da transcrição, da tradução e do processamento do produto gênico. Portanto, a concentração celular de umdeterminado produto gênico ativo não depende somen- te da transcrição, da velocidade e freqüência com que um gene é transcrito, mas tam- bém demecanismos regulatórios pós-transcricionais. Estes mecanismos envolvem a re- gulação da biossíntese protéica, como por exemplo, o controle das funções ribossoma- is, asmodificações namolécula da proteína ocorridasapós a tradução e a velocidade de sua degradação. CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 31 1ª prova Nesta seção sãoabordados apenasosmecanismosque regulamaproduçãodo trans- crito primário (RNAmensageiro, RNAm)emprocariotos, com foconaunidadede regu- lação chamada de operon. Embora os demais mecanismos de regulação não sejam me- nos importantes, no que se refere à produção de um produto gênico ativo, eles não são abordados aqui, pois são muitos e envolvem mecanismos muito diversos, como, por exemplo, modificações pós-tradução por fosforilação, metilação, adenilação, glicosila- ção, dentre outros. O operon lac de Escherichia coli Foram François Jacob e Jacques Monod que, em 1961, primeiramente descreveram a regulação da expressão gênica em Escherichia coli. Eles observaram que as células de E.coli preferencialmente utilizavam a glicose como fonte de carbono, mesmo em pre- sençadeoutros carboidratos como,porexemplo, a lactose. Poroutro lado, emausência de glicose e empresença de lactose havia expressão de três genes: o geneZ (que codifi- ca para �-galactosidase), o gene Y (para a permease) e o gene A (para transacetilase). Estes genes estão um ao lado do outro no cromossomo bacteriano, são transcritos em conjunto e a �-galactosidase e a permease participam do catabolismo da lactose (JACOB e MONOD, 1961). O termooperon foi cunhadoparadesignar umaunidadede regulaçãoda transcri- ção. Um operon inclui: 1. Um conjunto de genes contíguos chamados de genes estruturais, que codifi- cam polipeptídeos. 2. O sítio promotor. 3. As seqüências regulatórias, que atuam em conjunto na regulação da expressão dos genes estruturais. Os operons mais comuns possuem de dois a seis genes que são expressos em conjunto, mas há outros que apresentam 20 ou mais ge- nes estruturais (NEIDHARDT, 1996). Para o entendimento de como, emE.coli, a lactose é capaz de induzir, na ausência de glicose, a síntese de enzimas para seu próprio catabolismo, é necessária a compreen- são dos elementos que regulam a transcrição dos genes estruturais Z, Y e A, tais como o sítio promotor, o operador e demais seqüências regulatórias. Sítio promotor: É o sítio reconhecido pela RNApolimerase como início do local de transcrição. Demodo geral, em bactérias, apresenta seqüências de consenso nas regiões –35 e –10, alémdo elementoUP (up-stream), que é umelemento rico emAT situado en- tre as posições –40 e –60, que aparece em genes com elevado nível de expressão. As se- qüências de consenso são aquelas preservadas ao longo da evolução nos diferentes pro- motores em diferentes genes. A figura 2.1 mostra o promotor do operon lac de E.coli. As seqüências de nucleotídeos de diferentes promotores podem variar bastante, o que determina as diferenças nas velocidades da transcrição. A eficiência com a qual a RNA polimerase se liga ao promotor e inicia a transcrição é determinada pelas seqüên- cias de consenso, pelo espaçamento entre elas e pela distância do início da transcrição. ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO32 1ª prova A troca de umúnico par de nucleotídeos emuma seqüência de consenso pode diminu- ir a velocidade de transcrição por várias ordens demagnitude. Por outro lado, há trocas de nucleotídeos no promotor que aumentam a velocidade de transcrição (JENSEN e HAMMERS, 1998). �Operador:Ooperadorédefinidocomoa regiãodoDNA,que interage comuma proteína repressora (repressor) que controla a expressão de um gene ou grupo degenes. A seqüênciadeDNAonde se ligao repressor contémaproximadamen- te 20 pares de nucleotídeos e inclui o local do início da transcrição do RNAm. A molécula repressora é codificada à distância por um gene chamado de gene re- gulador. O repressor Lac pode se inativar quando ligado à lactose, mas os genes estruturais controlados por ele só serão transcritos se um controle adicional for acionado (KOLBet alii, 1993). Este controle, que inclui adiminuiçãoda concen- tração de glicose e o aumento de AMPc na célula, é descrito a seguir. � Sítio CRP (do inglês camp receptor protein): Este sítio se situa próximo ao pro- motor e éuma seqüênciadoDNAcomsimetria binária, emrelação aoeixo (figu- ra 2.1). A proteína receptora de AMPc (CRP) é tambémdesignada por CAP (do inglês catabolite gene activator protein). É umhomodímero comafinidade pelo sítio CRP que interage com a RNA polimerase para facilitar a transcrição, quan- do a fonte de carbono glicose se esgota. Esta proteína CRP tem um sítio de liga- CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 33 1ª prova Figura 2.1 a) Representação do sítio promotor do operon lac de E.coli; b) comparação entre as regiões –35 e –10 do promotor lac e as seqüências de consenso em um promotor genérico. DNA 5’ATTAATGTGAGTTAGCTCACTCATTAGGCACCCCAGGCTTTACACCTTTATGCTTCCGGCTCGTATGTTGTGGAATTGTGAGCGGATAACAATTTCACAC - 3 TATGTT região - 10 TTTACA região - 35 GTGAGTTAGCTCAC sítio CRP simetria binária A G C T C A C T T G A G T G local de ligação da RNA polimerase operador (a) (b) Seqüências de consenso em um promotor Promotor lac região - 10região - 35 TTGACA ATTAGGCACCCCAGGCTTTACACTTTATGCTTCCGGCTCGTATGTTGTGTGGAATTGTG TATAAT ATTAGGCACCCCAGGCTTTACACTTTATGCTTCCGGCTCGTATGTTGTGTGGAATTGTG TTTACA TATGTT ção comoAMPce este último temsua síntese inibida e seuefluxoda célula é esti- mulado por glicose. Assim, se a concentração de glicose é alta a de AMPc é baixa (conseqüentementeCRPestá inativa) e se a concentraçãode glicose é baixa a de AMPc é alta (CRP está ativa) (KOLB et alii, 1993). A expressão dos genes estruturais para o catabolismo da lactose depende, portan- to, da ação emconcertodo repressor, quepode estar ativo (não ligado à lactose) ou ina- tivo (ligado à lactose) e da CRP, que pode estar ativa (ligada a AMPc) ou inativa (não li- gada a AMPc, quando a glicose está presente). Diversos operons catabólicos, como, por exemplo, o da arabinose, já foramdescri- tos, assim como, os operons anabólicos, como por exemplo, o da síntese do triptofano. Ooperon lacéumdosmais simples, entretantooutrosmecanismosde regulação, como o do catabolismo da arabinose, incluem vários passos regulatórios adicionais, que não serão aqui discutidos pornão ser objetivo deste capítulo examinar a fundo cada operon conhecido, mas apenas propiciar uma visão geral do controle da expressão gênica, como subsídio para as seções seguintes. Em eucariotos A regulação da expressão gênica em eucariotos é bastante mais complicada do que em procariotos.Nestesúltimos, asproteínasqueregulama transcrição se ligamemlocaismu- ito próximos ao sítio de início da transcrição, embora existamexceções comoadaproteí- na regulatória de bactéria, NtrC, que ativa a transcrição à distância. NtrC se situa sobre uma porção doDNA denominada de enhancer (realçador). O enhancer é uma seqüên- cia regulatória que, em conseqüência de uma dobra no DNA, possibilita o encontro de NtrC com a RNA polimerase, o que ativa a transcrição (NEIDHARDT, 1996). Nesta seção descrevemos apenas a regulação da transcrição em eucariotos realiza- da pela RNA polimerase II, que transcreve oDNApara os precursores dos RNAmensa- geiros, não abordando aqui a regulação das RNApolimerases I (transcrição paramolé- culas deRNA ribossomal 18S, 5,8S e 28S) e III (paramoléculas deRNA transportadores e do RNA ribossomal 5S). Nos eucariotos, as regiões que controlama transcriçãodeumgenepodemestar es- palhadas em locais distantes, mas atuando concomitantemente. As regiões controlado- ras da expressão gênica incluemoconjunto formadopelo sítio promotor (ondeos fato- res gerais de transcrição e aRNApolimerase, RNApol, se associam)e todas as demais se- qüências regulatórias (onde se ligamproteínas que regulama velocidade de associação dos fatores gerais de transcrição comaRNApol).Muitas proteínas regulatórias que se li- gam aos enhancersativam a transcrição, entretanto outras a regulam negativamente (KORNBERG, 1996). A figura 2.2mostraumesquemada regiãode controledeumgeneeucariótico, evi- denciando a localização dos fatores gerais de transcrição e daRNApol II no promotor e a localização das proteínas regulatórias nas seqüências regulatórias. Estas últimas po- demse encontrar adjacentes aopromotor, longedele àmontante, dentrode intronsou à jusante do gene (MENKA e THANOS, 2001). ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO34 1ª prova A iniciação da transcrição é o principal ponto de regulação da expressão gênica tanto para procariotos como para eucariotos, embora seus respectivos mecanismos de regulação apresentem diferenças marcantes. Em procariotos a RNApol geralmente acessa qualquer promotor e tem a capacidade de iniciar a transcriçãomesmona ausên- cia de seqüências controladoras. Já em eucariotos os promotores são inativos in vivo na ausência dessas seqüências. Há três classes de proteínas que estão envolvidas na regulação da transcrição, que são os fatores gerais de transcrição, os transativadores e os coativadores.Os primeiros se referem aos fatores que se ligam à região TATA para a formação do complexo de pré-iniciação.Os segundos são os que se associam àsmoléculas ativadoras, ou às repres- soras, e assim se ligamaos enhancers; eles têmacapacidadede se ligaremamoléculas si- nalizadoras, ativandooureprimindoa transcrição, emresposta amodificaçõesdoambi- ente celular. Os terceiros são aqueles que agem como intermediários entre os transati- vadores e a RNA polimerase. Em leveduras um exemplo de coativador é o mediador, umcomplexode aproximadamente 20polipeptídeos, que se liga àRNApolimerase II e a transativadores situados nos enhancers (figura 2.2) (MALIK e ROEDER, 2000). Sabemos que umaplêiade de proteínas atua orquestradamente regulando a trans- crição. Elas, entretanto, em conjunto com os sítios no DNA a que se ligam, não são os CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 35 1ª prova Figura 2.2 Representação esquemática do início da transcrição de um gene eucariótico (gene A) evidenciando a localização dos fatores gerais de transcrição e da RNApol II no promotor e a localização das proteínas junto às suas seqüências regulatórias e “enhancer”. seqüência regulatória fatores gerais de transcrição proteínas regulatórias “enhancer” ativador domínio ativador RNA polimerase II transcrição gene A TATA promotor Mediador proteínas regulatórias da expressão genica seqüência regulatória Regiões Controladoras do Gene A únicos elementos na regulação da expressão em nível da transcrição. Há ainda um grande problema a ser resolvido no cromossomo eucariótico, que se refere à estrutura da cromatina (formada deDNA e proteínas) que temde sermodificada para liberação da região de consenso TATA (TATA box) na região a ser transcrita. O cromossomo eu- cariótico émuitomais complexo do que o de procariotos, pois apresenta estruturas de- nominadas de nucleossomos (TRAVERS, 1999), que compreendem um octâmeros de proteínas histonas circundado por DNA. Mais especificamente, a região TATA presente no promotor deve ser liberada das moléculas de histona para se tornar acessível à RNApol. Modificações epigenéticas estão sendo, cada vez mais, consideradas importantes no entendimento dos processos de regulação gênica. Em geral, a metilação do DNA está associada compromotores silenciosos que contêm ilhasCpG, sendo, portanto, a re- pressão gênica provavelmente mediada pela ligação de proteínas específicas ao DNA metilado. Um outro evento epigenético é a acetilação de histonas. Em geral, a acetila- ção das histonas está associada com a ativação dos genes e a falta de acetilação com re- pressão dos mesmos. A fosforilação das histonas na mitose e a metilação das mesmas também participam do silenciamento dos genes (BECK e OLEK, 2001; KWAKS e OTTE, 2006). Todos esses mecanismos, atuando em conjunto, colaboram para a regu- lação da expressão gênica em resposta ao ambiente celular, o que representa enorme economia para as células, e nos eucariotos superiores garante a diferenciação das células para produção dos tecidos que formarão os diferentes órgãos do indivíduo. Vale ressaltar que a manipulação da expressão gênica, especialmente emmicror- ganismos, é objetode enorme interesse porparte dos envolvidos embiotecnologia com foco na produção de enzimas. MANIPULAÇÃO DA EXPRESSÃO GÊNICA EM MICRORGANISMOS Depois de identificado, o gene responsável pela codificação de uma enzima específica pode ser isoladoe transferidopor técnicasdeDNArecombinanteparaummicrorganis- mo industrial conhecido.Geralmente, através dos vetores recombinantes de clonagem, como os plasmídeos, incorpora-se o gene de interesse ao microrganismo hospedeiro que vai expressá-lo. A produção desses vetores recombinantes se dá pelo emprego de enzimas de restrição, que cortam o DNA do vetor em locais específicos onde o gene a ser clonado será inserido. A enzimaDNA ligase, após pareamento das extremidades do DNAdoplasmídeo comas do inserto, faz a ligação doDNAdo vetor comoDNAdo seg- mento que contémo gene de interesse. Às vezes, inserem-se diversas cópias do gene no microrganismo hospedeiro a fim de se potenciar a produção da enzima. Vale ressaltar que há enzimas codificadas por mais de um gene diferente (as heterodiméricas, por exemplo). Para facilitar o entendimento, relatamos, neste parágrafo o exemplo de clonagem de uma enzima codificada por um único gene. O fato de se conhecerem as condições ideais de trabalho para os microrganismos hospedeiros favorece a produção das enzimas em grande escala. Os principais micror- ganismos hospedeiros usados sãoEschericia coli, estirpes deBacillus sp., deAspergillus ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO36 1ª prova sp. e Saccharomyces cerevisiae.O interesse a respeito damanipulação da expressão gê- nica em microrganismos surge da necessidade de se obter um determinado produto gênico com alto rendimento. Para que seja produzido um produto novo em uma célula hospedeira, há necessi- dade da expressão coordenada dos genes que codificam as enzimas envolvidas em sua síntese. Há necessidade, também, de um forte controle da expressão dos genes em questão e de consistente expressão de um produto gênico ativo. A engenharia metabólica tem se utilizado da tecnologia do DNA recombinante para a modificação de microrganismos visando à superprodução de substâncias como as enzimas. Para a produção de um organismo recombinante com a finalidade de ex- pressar uma proteína heteróloga são utilizadas diversas ferramentas da biologia molecular apresentadas a seguir. Vetores de clonagem Vetores de clonagemsão seqüências deDNAàsquais serão ligadosos genes que sedese- ja clonare expressar, em uma determinada célula hospedeira. A expressão de um gene originará um produto gênico heterólogo (BAILEY, 1991; COHEN et alii, 1973). Os ve- tores de clonagem precisam apresentar replicação autônoma na célula viva, propician- do assimaproliferaçãodos genes neles inseridos (figura 2.3). Eles devem ter sítios clivá- veis por endonucleases de restrição (importantes ferramentas da biologia molecular usadas para cortar DNA em seqüências palindrômicas específicas) em que podem ser inseridos os fragmentos de DNA para a construção do vetor recombinante. Os vetores devem ser pequenos por conveniência demanipulação e eles são escolhidos de acordo com o tamanho do fragmento de DNA a ser clonado. A classificação do tipo de vetor é equivalente à classificação de seu tamanho. CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 37 1ª prova Figura 2.3 Etapas principais da obtenção de plasmídeos recombinantes, que portam o gene da proteína heteróloga (em vermelho): construção do plasmídeo “in vitro”; seleção da cepa transformada; otimizaçãodo cultivo das células transformadas; fermentação; extração e purificação dos plasmídeos recombinantes para futura utilização. Produção de Plasmídeo Recombinante Obtenção dos Plasmídeos Recombinantes Construção do vetor plasmidial Seleção da cepa transformada Optimização do Meio Purificação Lise Fermentação Os plasmídeos e os transposons são os vetores de clonagemmais usados em enge- nharia metabólica de bactérias. Os primeiros se mantêm autonomamente na célula hospedeira. Já os transposons se integram no cromossomo bacteriano. Os plasmídeos têm a capacidade de comportar um inserto de até 20 kb, embora o tamanho médio típico do inserto seja de aproximadamente 3,5 kb. Aengenhariametabólicapode tero interessedeexpressarumgeneemvárias célu- las diferentes para que se possa escolher qual delas apresenta maior produção do pro- duto gênico.Nesse caso, amelhor opção de vetor seria a dos plasmídeos de largo espec- tro que têm, por definição, a habilidade de se replicar emmuitos tipos diferentes de cé- lulas hospedeiras (KEASLING, 1999). Énecessário queo vetorplasmidial que carregao gene heterólogo apresente alta estabilidade segregacional, o que garante que todas as células presentes na cultura contêm o plasmídeo recombinante. A propriedade de ser segregado nas células filhas é alcançada pelos plasmídeos através de um de dois mecanismos: 1. Através de um elemento de partição presente na bactéria. 2. Atravésdamortedas células quenãoocontêm(KIMet alii, 2000;NORDSTROM e AUSTIN, 1989). Os plasmídeos podem ser classificados, quanto ao número de cópias por célula, comoplasmídeos de grande,médio e pequenonúmero de cópias.Os de grandenúme- rode cópias têmmais de100 cópias por célula e sãomuito instáveis segregacionalmente na ausência de fatores de seleção, além de não comportarem longas seqüências de DNA. Sãopequenos, 2 a 3kb, incluindoogenede resistência a antibiótico eopromotor para expressão da proteína heteróloga (KEASLING, 1999). Osplasmídeos denúmeromédiode cópias apresentamde5a 20 cópias por célula. Vários desse tipo foram construídos a partir de plasmídeos de largo espectro, como o RK2. Miniplasmídeos que contêm a origem e omecanismo de partição de RK2 podem ser estáveis durante200gerações, aproximadamente, emalgumaspseudomonas, na au- sência de pressão seletiva. Os plasmídeos derivados de RK2 podem comportar diferen- tes genes para resistência a antibiótico, diferentes sistemas de expressão induzíveis e grupos de incompatibilidade (BLATNEY et alii, 1997). Essas propriedades possibilitam a introdução emumaúnica célula demúltiplos plasmídeos (com informação para dife- rentes passosmetabólicos ou partes de ummesmopasso) originários de diferentes gru- pos de incompatibilidade. Estes plasmídeos de largo espectro têm sidomuito utilizados na construção de uma via nova de biodegradação ou de uma via biossintética, em orga- nismos como E.coli, sendo subseqüentemente transferidos para diversos outros orga- nismos onde são expressos (KEASLING, 1999). Os de número pequenode cópias, uma a cinco por célula, são estáveis na ausência de pressão seletiva e são alternativas excelentes em relação aos plasmídeos de grande e médio número de cópias, quando há necessidade de alta estabilidade e baixa sobrecar- gametabólica imposta à célula hospedeira. Comoesses plasmídeos conseguemreplicar fielmente longos segmentos de DNA, eles são capazes de replicar a maior parte dos genes necessários à síntese de produtos complexos em bactérias (KEASLING, 1999). ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO38 1ª prova O transposon é uma seqüência específica de DNA que catalisa sua própria movi- mentação dentro dos cromossomos (CRAIG, 1996; 1997). Os transposons têm sido ex- tremamente úteis na transferência de genes em bactérias porque os genes transferidos por esta via são mais estáveis do que os transferidos por plasmídeos. O fenômeno da transposição pode ocorrer praticamente em todas as células incluindo as de eucariotos. Entretanto, o fenômenonatural da transposição émuito pouco freqüente, pois a inser- ção de um transposon dentro de um gene essencial para a célula pode matá-la. Em bactérias, há dois tipos de transposons: 1. Os transposons simples, que são seqüências de inserção que contêm apenas as seqüências essenciais à transposição e os genes para as transposases que catalisam o processo. 2. Os transposons complexos, que contêmmais de umgene alémdos necessários à transposição (ALBERTS et alii, 2002). Em comparação com os vetores de clonagem disponíveis para E.coli e leveduras, hámenos vetores próprios para fungos filamentosos. O alto custo da produção de enzi- mas para processos industriais torna crítica a seleção apropriada de sistemas compostos de vetores de expressão em fungos filamentosos. Um exemplo de sistema vetor-hospe- deiro é o proposto por Bergquist et alii (2002) para a expressão, em Trichoderma ree- sei, de enzimas obtidas de microrganismos termófilos. ODepartament ofMicrobialGenetics, doNational Institute ofGenetics,Mishima, Shizuoka, no Japão, oferece de forma gratuita, exclusivamente para pesquisa, 386 veto- res para clonagem, com indicação de suas propriedades (http://gillnet.lab.ring.ac.jp/ ~cvector/NIG-cvector/aboute.html).O InstitutoPasteur é, também,depositáriode ve- tores de clonagem e de células e pode ser acessado através do endereço http://www.pasteur.fr. O sítio http://vectordb.atcg.com oferece também uma lista de mais de 2.600 vetores e as informações essenciais sobre eles. Promotores Namaiorpartedosprocessosqueenvolvemengenharia genética énecessária a trocado promotor nativo original do gene heterólogo por outro promotor específico para a cé- lula hospedeira, ou por um promotor que permita algum tipo de controle sobre a ex- pressão do gene. Tratamos aqui de três tipos de promotores, os induzíveis, os constituti- vos e os múltiplos. � Induzíveis: A indução da expressão de um determinado passo metabólico em microrganismoségeralmente requeridanaengenhariametabólica.Muitos siste- mas indutores de expressão estão atualmente disponíveis, como, por exemplo, os deE.coli, que incluemo sistemade expressãoda lactose ouda arabinose. Vári- os derivadosdopromotor lacoriginal (Plac), dentreoutros, estãodisponíveis em diferentes plasmideos (KEASLING, 1999). � Constitutivos: Esta classe de promotores émuito útil para a engenhariametabó- lica quando não são necessários os promotores induzíveis. Jensen e Hammers CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 39 1ª prova (1998), desenvolveram promotores constitutivos para serem usados em E.coli e Lactococcus lactis. Eles alteraram as seqüências de nucleotídeos nas regiões –10 ou –35 de um promotor, ou em ambas as regiões, assim como na região espaça- dora de 16 pb entre estas seqüências, o que levou ao aumento, em várias ordens de magnitude, da força do promotor. �Múltiplos: Amelhor maneira de se conseguir a regulação coordenada demúlti- plos genes é usar diferentes promotores índuzíveis, um para cada gene. A des- vantagem desta estratégia é que se deve adicionar múltiplos indutores ao meio. Umaestratégia alternativa foi a proposta por JenseneHammers (1998), já citada acima, que inclui promotores constitutivos de forças diferentes. Estes seriam in- duzidos pela mesma molécula indutora, mas os diferentes genes seriam expres- sos cadaumnoseunível respectivodeacordocomopromotor aqueestãoassoci- ados. PROTEÍNAS HETERÓLOGAS A engenharia genética tem propiciado nas últimas décadas o estudo das mais diferentes proteínas, o que antes dodesenvolvimentoda tecnologia doDNArecombinanteeramui- todifícil, pois amaiorpartedasproteínas eucarióticas estápresenteembaixíssimaquanti- dadenas células. Somenteasproteínaspresentesemgrandesquantidadespodiamserpu- rificadas, dando origem a umamassa de aproximadamente 100mgde proteína pura, su- ficienteparaaanálisede suaatividade,seu seqüenciamentoeparaaproduçãodeanticor- pos. Atualmente, grandes quantidades de uma determinada proteína, atémesmo em es- cala industrial, podem ser produzidas pela tecnologia doDNA recombinante em células geneticamentemodificadas.Tais células semultiplicamemfermentadores e expressama referida proteína heteróloga, que pode ser extraída e purificada. Proteínas codificadas por genes eucarióticos podem ser expressas em células pro- carióticas via DNAc. Esta estratégia lançamão das transcriptases reversas, que são capa- zes de transcrever reversamente, em DNAc, uma seqüência de RNAm (BALTIMORE, 1970). Portanto, formado o DNAc este pode ser introduzido em um vetor para expres- são em bactéria. Como as bactérias não são capazes de retirar os introns das moléculas de RNA precursoras das de RNAm, o artifício de usar DNAc, produzido a partir de um molde do RNA sem os introns (RNAm), possibilita a expressão em procariotos de poli- peptídeos deorigemeucariótica, contendo a seqüência de aminoácidos corresponden- te à codificada pelo RNAm da célula eucariótica de origem. Para que uma proteína heteróloga seja obtida com alto rendimento é necessário: 1. Que o gene que a codifica seja inserido junto a um promotor forte no vetor de expressão. 2. Que este vetor seja incorporado em células hospedeiras e que essas células se multipliquem eficazmente. 3. Que o vetor seja estável, se reproduza autonomamente e segregue nas células filhas. ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO40 1ª prova 4. Queogeneheterólogo seja transcritonas célulashospedeiras comaltaeficiência. 5. QueoRNAmseja traduzido emumaproteína coma seqüência de aminoácidos da forma original. 6. que esta proteína seja devidamente processada e possa ser secretada ou extraí- da da célula e, finalmente, seja purificada. Duranteaproduçãodeproteínas recombinantes emlargaescala, a concentraçãodo produto é talvez o parâmetromais crucial para omonitoramento de rotina. Saber exata- mente quando extrair a proteína recombinante evita a redução do rendimento do pro- duto, ocasionadapela extraçãoprematuraoupeladegradaçãodoprodutonobiorreator. Uma excelente revisão sobre o monitoramento rápido de produtos protéicos recombi- nantes, com comparação entre as tecnologias atuais, foi publicada por Baker et alii (2002). Umexemplo de proteína heteróloga de importância industrial e comercial é a en- zima renina, utilizada na produção de queijo, que pode ser atualmente produzida por microrganismos geneticamente modificados. A renina era previamente retirada do es- tômago bovino, entretanto,mais recentemente, o gene da enzima foi inserido emcélu- las de levedura, que passaram a produzir a enzima. Esta enzima é conhecida como qui- mozima e é comercialmente utilizadanaproduçãodoqueijo vegetariano. Este produto teve a liberação autorizada porque é idêntico ao produto animal natural e, portanto, não necessita de rótulo que identifique sua origem como sendo de organismos geneti- camentemodificados. Ressaltamos que os alimentos produzidos que envolvem a enge- nharia genética são objeto de forte controle. As enzimas obtidas de organismos geneti- camentemodificados que, entretanto, são inativadas por calor oupasteurizaçãodopro- duto final são bem aceitas e sua identificação não é necessária. As amilases e proteases são também importantes exemplos de enzimas usadas na indústria de alimentos que têm sido produzidas por organismos geneticamente modificados. Atualmente é possível clonar e expressar qualquer enzima em organismos recom- binantes, mas somente a expressão com alto rendimento torna a enzima economica- mente viável. FUNGOS FILAMENTOSOS COMO “FÁBRICAS CELULARES” PRODUTORES DE ENZIMAS Os fungos filamentosos têm sido usados há séculos como fontes de produção demuitos metabólitos e enzimas. Eles estão envolvidos no processamento de frutas e legumes, na clarificaçãode sucos de frutas, na extraçãode cafés e naproduçãode adoçantes.Muitos fungos secretam naturalmente proteínas e têm sido explorados comercialmente como “fábricas” de enzimas, tanto as originadas de fungos como das heterólogas, original- mente presentes em outros organismos. Os fungos filamentosos de maior interesse in- dustrial incluemespécies deAspergillus sp., comoA. awamori,A. niger,A. orizae,A. ni- dulans, deMucor (M.Michie) e deTrichoderma (T. reesei) (VANDENHOMBERGH et alii, 1997). CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 41 1ª prova Modificações genéticas têm sido usadas para melhorar a capacidade de produção e secreção de enzimas nesses organismos, já que o rendimento da produção em fungos selvagens é geralmente baixo.Odesenvolvimento de estratégias de biologiamolecular, inicialmente para modificação genética de bactérias (E. coli e Bacillus spp.), e logo de- pois para amodificação de fungos, rapidamente favoreceu o aprimoramento de certas características úteis do fungo. Estasmanipulações genéticas têmo intuito de que o fun- go produza e secrete grandes quantidades de enzima, maiores do que nomicrorganis- mo selvagem (PUNT et alii, 2002). Muitos fungos convencionais são capazesdeproduzir grandesquantidadesdepro- teínas específicas. Entretanto, eles as secretam juntamente com outras proteínas das quais têm que ser separadas, o que aumenta substancialmente o custo de produção. Através de técnicas de biologia molecular, os genes de certas proteínas supérfluas po- dem ser eliminados, resultando emaltos níveis da proteína de interesse, semnecessida- de de purificação adicional. Idealmente, o gene de interesse deve ser clonado e expres- sado em uma cepa com baixo background de proteínas indesejadas, o que elimina etapas adicionais de purificação (www.foodproductdesign.com). Os fungos filamentosos têm sido utilizados também como sistemas de expressão deproteínas heterólogas não-fúngicas. Emborano iníciodas pesquisas asmesmas estra- tégias tenham sido usadas para a expressão das proteínas fúngicas e não-fúngicas, o ní- vel obtido dessas últimas é sempre mais baixo do que o das primeiras. Uma explicação para este fato é a presença de proteases produzidas e secretadas pelo fungo hospedeiro (VANDEHOMBERGH,1997). Punt el alii (2002)publicaramuma revisão emque rela- tam suas experiências com cepas deficientes emproteases para a produção de interleu- cina-6 de origem humana. Eles obtiveram o melhor rendimento com uma cepa trans- formada de A. niger deficiente em proteases e que era incapaz de acidificar o meio de cultura, impedindo assim a atividade proteásica residual sobre a interleucina-6. Recentes pesquisas com fungos filamentosos exploraram sua rica diversidade ge- nética e os colocaram em evidência como importantes fontes de células hospedeiras para a engenharia genética e como fontes de novos genes de interesse biotecnológico. Até omomento, entretanto, somenteumnúmero limitadode espécies de fungos foi ex- plorado como células hospedeiras para a produção de proteínas recombinantes (PUNT et alii, 2002). Várias estratégias de biologia molecular têm sido usadas para aumentar a produ- ção de proteínas homólogas e heterólogas (NEVALAINEN e THEO, 2003). A introdu- ção de múltiplas cópias de genes sob o controle de um promotor homólogo forte em uma cepa mutante alta secretora de proteína é uma delas. Vale ressaltar que ainda há uma baixa quantidade de promotores adequados para a expressão de proteínas homó- logas e heterólogas recombinantes. Esforços importantes estão sendo feitos no sentido de aumentar a seleção de promotores e de conhecer as condições específicas dos pro- motores através da transcriptômica (FOREMAN et alii, 2003) e da proteômica (LIM et alii, 2001). ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO42 1ª prova Outra estratégia é o estudo de genes que são ativados na célula em resposta às pro- teínas não-dobradas (UPR, do inglêsunfoldedprotein response). As basesmoleculares daUPR têm sido objeto,nos últimos cinco anos, de importantes estudos realizados, por exemplo, pelo consórcio de 28 laboratórios europeus (Eurofung, Fungal Biotechno- logy Program, www.eurofung.net) (NEVALAINEN et alii, 2006). O gene que regula a UPR (hac) foi clonado emT. reesei,A. nyger eA. nidulans e osmecanismos de ativação estudados em detalhes (SALOHEIMO et alii, 2003). Além disso, um outro tipo de res- posta regulatória tem sido investigado em fungos. Esta resposta se refere à RESS (repressionunder secretion stress response), que atua aomesmo tempoemqueocorre a ativaçãodogenehac1que codifica paraum fatorde transcriçãoUPR(NEVALAINEN et alii, 2006). A partir dos resultados inconsistentes obtidos através das várias estratégias usadas para aumentaro rendimentodaproduçãodeprodutos gênicosheterólogos emfungos, tornou-se necessáriomudar a abordagem de estudo gene a gene para uma abordagem mais unificada, ou seja, estudar o organismo comoum todo emrelação àsmodificações pós-tradução e à secreção. A coleta de informações celulares globais, a partir de dados emnível da transcriptômica, proteômica,metabolômica e fluxômica, é tarefa dabiotec- nologia de sistemas, que ainda está emseus estágios iniciais e apresentauma série dede- safios (LEE et alii, 2005). Amodelagem in silico e simulações têm sido desenvolvidas para análise quantitati- va dometabolismo celular emnível de sistema. Combase nas informações globais obti- das será possível desenhar células compropriedadesmetabólicasmelhores para aplica- ções industriais.O artigodeLee et alii (2005)descreve os recentes avanços dabiotecno- logia de sistemas e discute as perspectivas futuras dessa nova área para a produção por fungos de proteínas de interesse econômico. Se a célula de fungo está sendo apontada como uma importante “fábrica celular’ de proteínas de interesse industrial, é necessário que ela seja abordada efetivamente comouma fábrica.Ogerenciamentodosprocessos celularesdeve incluir asmais impor- tantes propriedades da fábrica - suas estratégias. A fábrica celular tem a habilidade de desempenhar diferentes estratégias, dependendo de diversos sinais, que são: 1. A capacidade de sentir e fazer entrar as matérias primas disponíveis do meio externo. 2. A capacidade e o potencial de alterar ou adicionar funções por indução oumo- dulação. 3. A capacidadedemudar amaquinaria celular, para quepossa lidar comnovas si- tuações desejadas. 4. De “gerenciar” mudanças em nível celular. 5. A capacidade de realizar as ações requeridas para sobreviver, crescer e competir. CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 43 1ª prova 6. Produzir produtos secundários indesejáveis, para o estorvo das competidoras, e se tornar inativa sob a forma de esporos se as condições internas e externas não forem ótimas (GIUSEPPIN, VERRIPS e Van RIEL, 1999). PRODUÇÃO DE ENZIMAS POR EXTREMÓFILOS Microrganismos que vivem em condições extremas são, normalmente, uma fonte para obtenção de bioprodutos como, por exemplo, amilases, proteases, lipases, xilanases e ligninases atravésdousoda tecnologiadoDNArecombinante.Devidoa suasproprieda- des únicas, esses organismos produzem bioprodutos que podem ser empregados nas condições ambientais drásticas que freqüentemente ocorrem na prática industrial (SANTOS et alii, 2001; SÁ-PEREIRA et alii, 2003) Os extremófilos são organismos que vivem e se reproduzem em condições ambi- entais extremas no que diz respeito a pH, temperatura (calor e frio) e salinidade. Nos últimos 40 anos têm sido encontrados em fontes de águas quentes, emáreas vulcânicas, nosmares profundos, nas regiões ártica e antártica e seusmares, e emoutros sítios geo- térmicos especiais (GERDAY et alii, 2000; SCHIRALDI, eDEROSA, 2002).Antes desses achados, pensava-se que esses locais eram ambientes incompatíveis com a vida (SCHIRALDI e DE ROSA, 2002). Amaior parte das enzimas hoje utilizadas é extraída de organismosmesófilos, por- tanto, suas aplicações são emgeral restritas, devido à limitada estabilidade nas tempera- turas extremas (altas e baixas) e condições adversas de reação, comopHmuito alterado e presença de solventes orgânicos, dentre outras (CARRERA e COLOMBO, 2000). As enzimasmesófilas e as extremófilas termófilas são estáveis e ativas emdiferentes tempe- raturas, não havendo pressão evolutiva para que as mesófilas sejam estáveis e ativas em altas temperaturas e as termófilas em baixas temperaturas (SÁ-PEREIRA et alii, 2004; GOMES et alii, 2007). Os ambientes frios sãoosmais abundantesdoglobo terrestre e sãocolonizadospor numerosos organismos psicrófilos como bactérias, leveduras, fungos e algas unicelula- res. Gerday et alii (2000) relatam as atividades especificas de várias enzimas psicrofílicas selvagens e de algumas de suas formas recombinantes, produzidas pormicrorganismos das regiões ártica e ántártica. Já foram identificadas estirpes representativas debactérias Gram-negativas (por exemplo, espécies de Pseudoalteromonas, Moraxella, Psychro- bacter, Polaromonas, Psychroflexus, Polaribacter, Moritella, Vibrio e Pseudomonas), bactérias Gram-positivas (Arthrobacter sp.,Bacillus sp. eMicrococcus sp), Archaea (es- pécies deMethanogenium,Methanococcoides eHalorubrum), leveduras (Candida sp e Cryptococcus sp), fungos (por exemplo, Penicillium e Cladosporium) e microalgas (Chloromonas) encontradosnestes ambientes inóspitos comcaracterísticas intrínsecas de adaptação ao frio extremo (FELLER e GERDAY, 2003). Estas enzimas incluem a ál- cool desidrogenase, a á-amilase, a aspartato transcarbamilase, a subtilisina, a �-lactama- se, a triose fosfato isomerase, a malato desidrogenase e a xilanase. Alguns exemplos de enzimas extraídas de organismos termófilos relatadas são a amilase, as lipases, as xilana- ses (Sá-PEREIRA et alii, 2002a,b), asTaqpolimerase e as celulases (SÁ-PEREIRA, 1994). ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO44 1ª prova Estas duas últimas são marcantes exemplos de enzimas extremófilas que atingiram o mercado e têm sido utilisadas em larga escala. Amaneira como as enzimas respondemà temperatura é fundamental paramuitas áreas da biotecnologia. Screening e seleção de proteínas, comuma propriedade térmi- ca particular, são geralmente feitos comoobjetivo de obter boa atividade ou resistência à desnaturação em uma dada temperatura (EISENTHAL et alii, 2006). Umexemplo de enzimamuito utilizada pela biologiamolecular, que resiste a tem- peraturas acima de 90°C é a Taq DNA polimerase, também denominada Taq polime- rase ou, simplesmente, Taq (EC 2.7.7.7). Esta é umaDNApolimerase termoestável, uti- lizada na amplificação de fragmentos de DNA através da técnica de PCR. Seu nome deve-se a ter sido identificadapela primeira vez na bactériaThermus aquaticus, uma ex- tremófila isolada, em 1965, de uma fonte hidrotérmica do Parque Nacional Yellowsto- ne, nosEstadosUnidos daAmérica. ATaqpolimerase suporta as elevadas temperaturas usadas emPCR, tendoumameia-vida enzimáticade40minutos (em95°C).Trata-se de umaenzima importante, que revolucionou a biologiamolecular e, conseqüentemente, a engenharia genética, possibilitando a amplificaçãodemoléculas deDNAde formaes- petacular. Ela permite que muitos ciclos de replicação de DNA (que requerem altas temperaturas) possam ser realizados sem a necessidade de adição de novas moléculas daDNApolimerase após cada etapa de alta temperatura. A técnica que utiliza esta enzi- ma termo resistente chama-se reação emcadeia da polimerase (PCR- polymerase chain reaction) e foi desenvolvida por Kary Mullis, em 1983, que recebeu por isso o Prêmio Nobel deQuímicadez anos depois. Comesta técnica pode-se conseguir amultiplicação exponencial de moléculas de DNA, obtendo-se, assim, massa de material suficiente para as mais diversas finalidades, como por exemplo, o diagnóstico de doenças genéticas e infecciosas, a identificação de material genético necessário à medicina forense, o seqüenciamentode ácidos nucléicos e a engenharia genética, com evidente repercussão no aprimoramento da produção de enzimas. DIVERSIDADE MICROBIANA COMO FONTE DE NOVAS ENZIMAS A diversidademicrobiana é uma fonte importante de recursos genéticos para o avanço da biologia e biotecnologia. Nos nossos dias, conhecem-se cerca de 4.300 enzimas (se- qüenciadas), 300destas comercializadas (FERRER, 2004).Osmicrorganismos apresen- tam imensa diversidade genética e desempenham funções únicas e cruciais na manu- tenção de ecossistemas, como componentes fundamentais de cadeias alimentares e ciclos biogeoquímicos (SCHIMEL, 1995; MYERS, 1996). Estudos recentes em ecologia molecular microbiana demonstram que a extensão da diversidade microbiana na natureza é muito maior do que previamente pensado. Estratégias tradicionais de isolamento e seleçãodemicrorganismos têmgarantido ode- senvolvimentodenovos fármacos e aplicações nas áreas de saúde, agricultura, indústria e meio ambiente. CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 45 1ª prova Os metagenomas Osmetagenomas são oDNAda comunidademicrobiana total extraída diretamente de ambientes como solos ou sedimentos. A análise dos metagenomas por tecnologia de DNA recombinante permite a exploração do potencial biotecnológico de organismos não-cultiváveis em laboratório (RODRÍGUEZ-VALERA, 2002). Metodologias moleculares que independem do cultivo, baseadas em extração di- reta de ácidos nucléicos de amostras ambientais, associada às técnicas de hibridização com sondas grupo-específicas ou PCR, clonagem e seqüenciamento vêm permitindo a avaliaçãomais precisa da diversidademicrobiana no ambiente e a descoberta de novos grupos de organismos, nunca antes cultivados. Através de técnicas inovadoras como análises de 16S rDNA (MACRAE, 2000), DGGE (Denaturing Gradient Gel Electrophoresis) e hibridação in situ por fluorescên- cia (FISH), pode ser efetuada a caracterização filogenética dosmicrorganismos eposte- riormente avaliado o seu potencial enzimático. Apesar de estasmetodologias não permitirem acesso ao potencialmetabólico des- tes novos organismos individualmente, uma vez que as etapas de isolamento e cultivo são suprimidas dos estudos, o potencial enzimático dos consórcios microbianos estudados é quase inesgotável. Uma estratégia alternativa para o conhecimento do potencial de cadamicrorganis- moque constitui ometagenomaé a clonagemde fragmentos grandes deDNA(>100 kb) a partir de amostras ambientais no vetor BAC (bacterial artificial chromosome) (figura 2.3). Estes vetores têm a capacidade de albergar fragmentos deDNA exógeno de grande dimensão emhospedeiros comoEscherichia coli, e têm sidousados embibliotecas genô- micas de eucariotos. O método consiste na clonagem de fragmentos grandes de DNA, originados de DNA do metagenoma, e análise das bibliotecas resultantes em busca de umanovaexpressão fenotípicana linhagemhospedeiradeE. coli.Nocasode seusar a es- tratégiaBACparagenomasbacterianos, existe a vantagemdequealgumaexpressãogêni- ca ocorrerá nos clones BAC, pois o DNA inserido é procariótico. Este processo usando o sistemaBACabre perspectivas para a descoberta de novos produtos naturais pela expres- são por genes localizados em operons ou vias biossintéticas complexas. Projetos multidisciplinares que contemplem o desenvolvimento de novas formas de cultura demicrorganismos, a descoberta de novas enzimas a partir de todos os geno- mas de organismos (metagenoma) e amelhoria da suaperformance através de técnicas deevoluçãodirigida serãoprojetos ambiciosos edegrande interesse científicoe social. AS “ÔMICAS”, TRANSCRIPTÔMICA, PROTEÔMICA E METABOLÔMICA NA IDENTIFICAÇÃO DE NOVAS ENZIMAS Etimologicamente, a terminação “ômica” (do inglês omics) significa “estudo global”. Assim, a genômica- é de todos os genes, a proteômica é de todas as proteinas, a trans- criptômica é de todos os transcriptos e a metabolômica é do perfil metabólico de uma dada célula, tecido, fluido, órgão ou organismo em um dado instante. ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO46 1ª prova Esta nova etapa da revolução biológica, denominada de era pós-genômica, está as- sociada aos avanços tecnológicosdosúltimos anos, que forampossibilitadospelodesen- volvimentodagenômica, da transcriptômica, daproteômica edametabolômica.Aspla- taformas tecnológicas conhecidas como“ômicas” são ferramentasmoleculares queper- mitemexaminar cadaestágiodo fluxode informaçãobiológica, deDNAaRNAe,deste, a proteínas e até à função biológica. Com tais instrumentos, pode-se avaliar a expressão demilhares de genes/proteínas emumaúnica hibridação, o que émuito útil no estudo dos mecanismos moleculares das diversas doenças. Alguns investigadores utilizaram também a tecnologia array (DNA chip) para determinar as alterações na expressão de genes (SCHULZE e DOWNWARD, 2001). A técnica de DNAmicroarray reduziumuito o tempo de análise do transcriptoma de uma amostra de DNA e é imprescindível na análise metabolômica. Desta forma pode-se ter acesso a novos genes codificadores de enzimas que poderão revolucionar as indústrias às quais estão destinadas. Esta técnica é extremamente útil quando o investi- gador quer analisar um grande número de genes rapidamente, ou quando a amostra a ser estudadaémuitopequena. Podemosanalisar a expressãogênicadentrodeumaúni- ca amostraoucomparar a expressãogênicadedois tiposde células oudedois tecidosdi- ferentes. Osmicroarrays de DNA são pequenos suportes sólidos nos quais milhares de seqüências codificadoras de genes estão imobilizadas ou ligadas de forma organizada emposições conhecidas.O suporte sólidoénormalmenteuma lâminade vidro especial de microscopia, mas também pode ser um a pastilha de silício. O DNA é impresso, depositado ou sintetizado diretamente no suporte. As amostras podem serDNA, cDNA ou oligonucleotideos. Genômica funcional e bioinformática Por biologia computacional ou bioinformática entende-se o uso de técnicas e ferramen- tas da ciência da computação aplicadas aos problemas da biologia, commaior expressão para as áreas de biologia molecular e genética (THEODORIDIS e KOUTROUMBAS, 1999). Novas abordagens de trabalho envolvendometodologias de bioinformática e bio- logiamolecularpermitemaprospecção, por computador, de informações, apartir deba- ses de dados genômicos, e a análise demicrorganismos sem anecessidade de isolamento e cultura, a partir da clonagemdireta deDNAde amostras ambientais. Com isso, são pos- síveis a caracterização e descoberta denovos genes, enzimas,moléculas bioativas e fárma- cos associadosà ricadiversidadedeorganismosaindanão-cultiváveis eodesenvolvimento denovas estratégias de seleção e triagemdenovosprodutos, alvos e ensaios apartir do co- nhecimento da genômica e da expressão gênica de organismos diversos. O estudode genomas estruturais, através de programas de bioinformática que com- param as seqüências determinadas com as depositadas nas bases de dados disponiveis, comoEMBL (COCHRANE et alii, 2006), GenBank (BENSON et alii, 2006) eDNAData- bank of Japan (OKUBO et alii, 2006), e que são depois processadas, como o GenScan, identificamnovos genes combasenapresençade seqüências como:TATAAbox; codons de início; codons de terminação; seqüências sinalizadoras de separação (splicing) entre CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 47 1ª prova exons e introns.Entretanto, a presença de uma região codificadora não implica necessa- riamente em que essa seqüência será transcrita e traduzida na forma de uma proteína, comfunçãobioquímicaebiológica.Aobtençãoeanotaçãodogenomaestruturaldeuma espécie geramummapa físicode todaa seqüênciadeDNAdogenoma.Mapas físicos, em conjunto com mapas de ligação (gerados pelo uso de RFLP, microsatélites, AFLP, etc) são ferramentas cada vez mais úteis em programas de melhoramento genético assistido por marcadores moleculares. A estruturação debancos de Expressed Sequence Tags (EST) (ISELI et alii, 1999) é extremamente útil para a identificação da função bioquímica e biológica de muitos genes.AsEST são seqüências curtas de fragmentosdemRNA.AobtençãodosESTéum método relativamente simples e rápido, visto que o seqüenciamento total do mRNA é um trabalho muito complexo, ao passo que a obtenção de fragmentos curtos é bem mais fácil. A informaçãogenética contidanestes fragmentos é suficientepara adedução da proteína que eles codificam. Após a obtenção dos fragmentos, as seqüências são in- troduzidas na base de dados de EST, que os investigadores podem utilizar para obter a mensagem completa sobre mRNAs de interesse e, através da genômica funcional, po- dem produzir a enzima codificada. Assim, genes expressos que codificam proteínas com funções enzimáticas podem ser identificados com o uso destas novas ferramentas da bioinformática. EVOLUÇÃO DAS ENZIMAS IN VITRO A expansão contínua do uso de enzimas nas indústrias químicas, têxteis, farmacêuticas e de alimentos, cria a necessidade da produção de enzimas comalta estabilidade opera- cional, alta especificidade e enantiosseletividade, além de novas atividades sobre subs- tratos naturais e sintéticos (COHEN et alii, 2001). A engenharia enzimática promete uma expansão extraordinária da produção e utilização de enzimas modificadas. Duas estratégias têm sido utilizadas: a evolução direcionada e o redesenho racional (rational redesign) (CHEN, 2001). A evolução direcionada de enzimas surgiu há alguns anos como uma abordagem muito eficaz para a adaptação de biocatalisadores para aplicaçõesmédicas e industriais. Aevoluçãodirecionadamimetizaodarwinismo in vitro, combinandomutaçãoe recom- binaçãocomo screeningou seleçãode variantesdaenzimacomaspropriedadesdeseja- das (SCHMIDT-DANNERTeARNOLD, 1999). Esta estratégiapossui vantagens sobreo uso de luz ultravioleta ou de substânciasmutagênicas, porque na evolução direcionada a seqüência de nucleotídeos sujeita àmutação ao acaso se restringe ao gene que codifi- ca aproteínade interesseouatémesmoapartes deste gene. Jánamutagêneseporultra- violeta e agentes químicos todo o genoma da célula é alvo demutação. A fase crítica da evolução direcionada é achar as variantes de efetivo interesse. Umexemplomarcante é a subtilisina, da qual embora formas variantes tinham sido produzidas e secretadas com alto rendimento, nenhuma delas tinha atividade aumentada nos processos utilizados nas lavanderias (SCHMIDT-DANNERT e ARNOLD, 1999). ENZIMAS EM BIOTECNOLOGIA: PRODUÇÃO, APLICAÇÕES E MERCADO48 1ª prova No redesenho racional, empregam-se mutações sítio-dirigidas com o intuito de trocar comprecisão certos aminoácidos da enzima. A nova seqüência é concebida com base em conhecimentos detalhados da estrutura protéica, sua função e mecanismo de ação (CHEN, 1999). O poder do redesenho racional foi evidenciado pela produção de uma superóxido dismutase redesenhada, muito mais ativa que as já conhecidas (GETZOFF, 1992). Os estudos de mutações que melhoram as propriedades enzimáticas revelaram que em muitas enzimas, mas não em todas, as mutações próximas do centro ativo po- dem aumentar drasticamente o sucesso de muitos experimentos que envolvem evolu- çãodirecionada (MORLEY et alii, 2006). Estes autores afirmamque, para a estabilidade térmica e atividade catalítica, tanto as mutações próximas do centro catalítico como as distantes parecem ser efetivas nomelhoramentoda enzima. Já no caso da enantioseleti- vidade, da seletividade quanto ao substrato e da atividade catalítica alternativa, mutações próximas ao centro ativo parecem mais efetivas do que as distantes. Não se pode deixar de mencionar que avanços recentes no campo da ciência da computação propiciaram a elaboração de novos métodos, sofisticados e refinados, ca- pazes de descrever a maquinaria dos biocatalisadores com detalhes; embora a previsão por computadores da quantidade de atividade enzimática ainda seja uma formidável meta a ser atingida. A identificação de motivos estruturais, no substrato e nas enzimas, específicos para o reconhecimento enzima/substrato não é nada trivial, porém, cada vez mais, técnicas de modelagem molecular são usadas como ferramentas rotineiras para a descrição da interação enzima/substrato. Uma excelente revisão dos métodos computacionais usados para a orientação de estratégias experimentais em biocatálise, foi recentemente publicada por Braiuca et alii (2006). Escolher a abordagem mais adequada para melhorar uma enzima depende de quanto se sabe de seu mecanismo e dos esquemas de seleção disponíveis. Com o au- mentodonúmerode estruturas tridimensionais depositadas nos bancodedados e com odesenvolvimentode ferramentaspoderosaspara amodelagemdeproteínas, o redese- nho racional tornar-se-á mais eficiente e largamente aplicado. Por outro lado, a evolu- ção direcionada poderá ser aplicada cada vez mais a enzimas de interesse industrial quando houver processos de screening ou seleção eficazes das variantes de interesse. Muito provavelmente, a associação das duas estratégias será uma rota demaior sucesso paramelhorar as propriedades e função de uma enzima, ou atémesmo criar uma nova função enzimática. Vale ressaltar que a habilidade de alterar o metabolismo manten- do-se o equilíbrio celular em termos de metabólitos será a chave da aplicação de alterações em vias metabólicas de um grande número de organismos produtores de enzimas de interesse industrial (CHATTERJEE e YUAN, 2006). PERSPECTIVAS Encontrar uma nova enzima significa encontrar uma nova funçãomicrobiana, portan- to deve-se examinar omaior número possível demicrorganismos, através de umpoten- te sistema de screening. Estima-se que 100milhões de microrganismos estão presentes CAPÍTULO 2 � A APLICAÇÃO DA BIOLOGIA MOLECULAR NA PRODUÇÃO DE ENZIMAS 49 1ª prova em 1g de solo e que, portanto, há muitas enzimas ainda a serem descobertas. Além do desafio da descoberta de uma nova enzima, há também o desafio de torná-la economi- camente viável para o consumo e, também, demodificá-la. Os avanços na área da biolo- giamolecular são contribuições importantes para aproduçãodemicrorganismos gene- ticamente modificados que superexpressam certas enzimas e para a produção de enzi- mas recombinantes extremófilas, capazes de atuar em processos nos quais as enzimas mesófilas geralmente perdema atividade. A biologiamolecular também temcontribuí- do para a evolução das enzimas in vitro visando o aumento da atividade e da estabilida- de, oumesmo a aquisição de nova função. A combinação da pesquisa computacional e experimental em biocatálise oferece a possibilidade de aumentar grandemente o nível de conhecimento dos sistemas biocatalíticos e de reduzir os esforços experimentais e, conseqüentemente, seus custos. A coleta de informações celulares globais a partir de dados em nível da transcriptômica, proteômica, metabolômica e fluxômica é tarefa para a biotecnologia de sistemas, que ainda está em seus estágios iniciais, mas que aponta para o fato de que, com base em tais informações globais, um dia será possível desenhar células compropriedadesmetabólicasmelhorespara aplicações industriais. REFERÊNCIAS ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K.; WALTER, P.Molecular Biology of the Cell; 4th ed. Garland Science, New York, 2002. ALCALDE,M.; FERRER,M.; PLOU, F. 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