Buscar

ENCENAÇÃO PAVIS.doc

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

�PAGE �
�PAGE �8�
ENCENAÇÃO
Fr.: mise en scène; Ingl.: production, staging direction; AI.: Inszenierung, Regie; Es: puesta en escena.
A noção de encenação é recente; ela data apenas da segunda metade do século XIX e o em​prego da palavra remonta a 1820 (VEINSTEIN, 1951 9). É nesta época que o encenador passa a ser responsável “oficial” pela ordenação do espetáculo. Anteriormente, o ensaiador ou, às vezes. ator principal é que era encarregado de fundir o espetáculo num molde pree​xistente. A encenação se assemelhava a uma técnica rudimentar de marcação dos atores. Esta concepção prevalece vezes entre o grande público, para quem o encenador só teria que regulamentar os movimentos dos atores e das luzes.
B. DORT explica o advento da encenação não pela complexidade dos recursos técnicos e da presença indispensável de um “manipulador” central, mas por uma modificação dos pú​blicos: “A partir da segunda metade do século XIX, não há mais, para os teatros, um públi​co homogêneo nitidamente diferenciado segundo o gênero dos espetáculos que lhe são ofe​recidos. Desde então não existe mais nenhum acordo fundamental prévio entre especta​dores e homens de teatro sobre c estilo e o sentido desses espetáculos" (1971: 61).
1. Funções da Encenação
a. Definições mínima e máxima
A. VEINSTEIN propõe duas definições de encenação, segundo o ponto de vista do grande público e aquele dos especialistas: “Numa ampla acepção, o termo encenação designa o conjunto dos meios de interpretação cênica: cenário, iluminação, música e atuação [...]. Numa acepção estreita, o termo encenação designa a atividade que consiste no arranjo, num certo tempo e num certo espaço de atuação, dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra dramática” (1955: 7).
Deixamos de lado as razões históricas do surgimento da encenação, no final do século XIX sem menosprezar sua importância. Seria fácil mostrar a revolução técnica da cena, entre 1880 e 1900, principalmente a mecanização do palco e o aperfeiçoamento da luz elétrica. A isto se acrescentam a crise do drama, assim como o desmoronamento da dramaturgia clássica e do diálogo (SZONDI, 1956).
b. Exigência totalizante
Em suas origens, a encenação afirma uma concepção clássica da obra teatral cênica como o​bra total e harmônica que ultrapassa e engloba a soma dos materiais ou artes cênicas, ou​trora considerados como unidades fundamentais. A encenação proclama a subordinação de cada arte ou simplesmente de cada signo a um todo harmonicamente controlado por um pensamento unificador. “Uma obra de arte não pode ser criada se não for dirigida por um pensamento único” (E. G. CRAIG). A exigência totalizante é acompanhada, desde o surgi​mento da encenação. de urna tomada de consciência da historicidade dos textos e das repre​sentações, da série de sucessivas concretizações de uma mesma obra. Esta histori​cidade se manifesta pela imposição de um novo saber ao texto a ser representado: aquele das ciências humanas: “O saber é constitutivo da encenação" (PIEMME, 1984: 67).
c. Colocação no espaço
A encenação consiste em transpor a escritura dramática do texto (texto escrito e/ou indica​ções cênicas) para uma escritura cênica. “A arte da encenação é a arte de projetar no espaço aquilo que o dramaturgo só pode projetar no tempo" (APPIA, 1954: 38). A encenação é “numa peça de teatro a parte verdadeira e especificamente teatral do espetáculo” (ARTAUD, 1964b: 161, 162). É, em suma, a transformação, ou melhor, a concretização do texto, através do ator e do espaço cênico, numa duração vivenciada pelos espectadores.
O espaço é, por assim dizer, colocado em palavras: o texto é memorizado e inscrito no es​paço gestual do ator, réplica após réplica. O ator busca o percurso e as atitudes que melhor correspondem a sua inserção espacial. As falas do diálogo, reagrupadas no texto, são dora​vante espalhadas e inseridas no espaço e no tempo cênicos, para serem vistas e ouvidas: “O tipo de enunciação do texto dramático contém a exigência de ser dado a ver”, escreve jus​tamente P. RICOEUR (1983: 63). O gesto, por exemplo, é sistematicamente trabalhado para ser legível (mais que visível); ele é estilizado, abstrato, decomposto, associado mnemotecnicamente ao desfile do texto, ancorado de acordo com alguns pontos de referência, em alguns apoios (subpartitura).
d. Conciliação
Os diferentes componentes da representação, devidos muitas vezes à intervenção de vários criadores (dramaturgo. músico, cenógrafo etc.), são reunidos e coordenados pelo encena​dor. Quer se trate de obter um conjunto integrado (como na ópera) ou, ao contrário, de um sistema onde cada arte conserva sua autonomia (BRECHT), o encenador tem por missão decidir o vínculo entre os diversos elementos cênicos, o que evidentemente influi de ma​neira determinante na produção do sentido global. Este trabalho de coordenação e homo​geneização se faz, para um teatro que mostra uma ação. em torno da explicação e do co​mentário da fábula que é tornada inteligível recorrendo-se à cena usada corno teclado ge​ral da produção teatral. A encenação deve formar um sistema orgânico completo, uma es​tru​tura onde cada elemento se integra ao conjunto, onde nada é deixado ao acaso, e sim, possui uma função na concepção de conjunto. Toda encenação instaura uma coerência, a qual, aliás, ameaça a todo momento transformar-se em incoerência. Exemplar, a este res​peito, é a definição de COPEAU, que retoma inúmeras experiências teatrais: “Por encena​ção entendemos: o desenho de uma ação dramática. É o conjunto dos movimentos, gestos e atitudes, a conciliação das fisionomias, das vozes e dos silêncios; é a totalidade do espe​táculo cênico, que emana de um pensamento único, que o concebe, o rege e o harmoniza. O encenador inventa e faz reinar entre as personagens aquele vínculo secreto e invisível, aquela sensibilidade recíproca, aquela misteriosa correspondência das relações, em cuja ausência o drama, mesmo que interpretado por excelentes atores, perde a melhor parte de sua expressão” (COPEAU, 1974: 29-30).
e. Evidenciação do sentido
A encenação não é mais considerada, portanto, como "mal necessário" do qual o texto dramático poderia muito bem, afinal de contas, se privar, e sim, como o próprio local do aparecimento do sentido da obra teatral. Assim, para STANISLÁVSKI, compor uma encenação consistirá em tornar mate​rialmente evidente o sentido profundo do texto dra​mático. Para isso, a encenação disporá de todos os recursos cênicos (dispositivo cênico, luzes, figuri​nos etc.) e lúdicos (atuação, corporalidade e gestualidade). A encenação compreende ao mes​mo tempo o ambiente onde evoluem os atores e a interpretação psicológica e gestual desses atores. Toda encenação é uma interpretação do texto (ou do script), uma explicação do texto “em ato”; só temos acesso à peça por intermédio desta leitura do encenador.
f. Três questões sobre a organização da encenação
Para compreender a concretização que impli​ca toda nova encenação de um mesmo texto, bus​ca-se estabelecer a relação entre o texto dramáti​co e seu contexto de enunciação, colocando três questões teóricas:
Que concretização é feita do texto dramático quando de qualquer leitura ou encenação? Que circuito da concretização se estabelece en​tão como obra-coisa, contexto social e objeto es​tético? (Para retomar os termos de MUKA​ROVSKY (1934); cf. PAVIS, 1983a).
Que ficcionalização, isto é, que produção de uma ficção, a partir do texto e a partir da cena, se estabelece graças aos efeitos conjugados do texto e do leitor, da cena e do espectador? No que a mes​cla de duas ficções, textual e cênica, é indispensá​vel à ficcionalização teatral? (cf. PAV1S, 1985d)?
A que ideologização são submetidos o texto dra​mático e a representação? O texto – seja ele dramá​tico ou espetacular – só se compreende em sua intertextualidade*, principalmente em relação às formações discursivas e ideológicas de uma épo​ca ou de um etapas de textos. Trata-se de imagi​nar a relação do textodramático e espetacular com o contexto social, isto é, com outros textos e dis​cursos mantidos sobre o real por uma sociedade. Sendo esta relação das mais frágeis e variáveis, o mesmo texto dramático produz sem dificuldade uma infinidade de leituras e, portanto, de encena​ções imprevisíveis a partir somente do texto.
g. Solução imaginária
O relacionamento das duas ficções, textual e cênica, não se limita a estabelecer uma circu​laridade entre enunciado e enunciação, ausência e presença. Ela confronta os locais de indetermi​nação e as ambigüidades do texto e da represen​tação. Estes locais não coincidem necessariamente no texto e no palco. Por vezes, a representação pode tornar ambígua, isto é, polissêmica ou, ao contrário, vazia de sentido, esta ou aquela passa​gem do texto. Por vezes, ao contrário, a represen​tação toma partido sobre uma contradição ou uma indeterminação textual.
Tomar opaco pelo palco o que era claro no tex​to, ou esclarecer o que era opaco no texto, tais ope​rações de determinação/indeterminação situam-se no cerne da encenação. Na maior parte do tempo, a encenação é uma explicação de texto que orga​niza uma mediação entre o receptor original e o receptor contemporâneo. Por vezes, ao contrário, ela é uma “complicação de texto”, uma vontade deliberada de impedir toda comunicação entre os contextos sociais das duas recepções.
Em certas encenações (aquelas inspiradas, por exemplo, por uma análise dramatúrgica brechtia​na), trata-se de demonstrar como o texto dramáti​co foi ele próprio a solução imaginária de contra​dições ideológicas reais, aquelas da época na qual se estabeleceu a ficção. A encenação é então en​carregada de tornar a contradição textual imagi​nável e representável. Para encenações preocu​padas com a revelação de um subtexto do tipo stanislavskiano, supõe-se que o inconsciente do texto acompanhe, num texto paralelo, o texto real​mente pronunciado pelas personagens.
h. Discurso paródico
Qualquer que seja a vontade, apregoada ou não, de mostrar a contradição da fábula ou a verdade profunda do texto através da visualização do subtexto, a encenação é sempre um discurso ao lado de uma leitura achatada e neutra do texto; ela é, no sentido etimológico, paródica. Mas nem a contradição, nem o subtexto inconsciente estão verdadeiramente ao lado ou acima do texto (como o metatexto); eles estão no entrechoque e no en​trelaçamento das duas leituras, no interior da concretização, da ficção, da relação com a ideo​logia: como uma paródia que não poderíamos se​parar do objeto parodiado.
i. Direção de ator
Concretamente, a encenação passa por uma fase de direção de atores. O encenador guia os comediantes fazendo-os mudar e explicitando-lhes a imagem que eles produzem trabalhando a partir de suas propostas e efetuando correções em função dos outros atores. Ele se assegura de que o detalhe do gesto, da entonação, do ritmo cor​responde ao conjunto do discurso da encenação, integra-se a uma seqüência, a uma cena, a um conjunto. Os atores experimentam, durante os en​saios, diversas situações de enunciação*. Ocu​pam pouco a pouco o espaço, ao termo de um tra​jeto, organizando e organizando-se no conjunto dos sistemas cênicos: “É isto a direção de ator, conseguir motivar vocês e por que os gestos efetuados por vocês no palco lhes pareçam não só que “têm de ser feitos”, mas que são evidentes: sentir que o papel é interpretado apenas com os deslocamentos, por exemplo” (C, FERRAN in Théâtre/Public n. 64-65,1985, p. 60). Uma dire​ção assim supõe que os signos produzidos pelo ator sejam emitidos claramente, sem “ruídos” nem interferências, com os traços pertinentes busca​dos pelo discurso global da encenação, que os comediantes realizem o jogo cênico uns com os outros, sejam audíveis e “legíveis”. Dedica-se freqüentemente um cuidado particular à entona​ção e ao ritmo, àquilo que os alemães chamam de Sprachregie (encenação da língua).
A encenação não é necessariamente – como está na moda dizer – um exercício de autori​tarismo do encenador que despoja os autores e tiraniza sadicamente atores-marionetes. BRECHT o lembrava, em vão: “Entre nós, o encenador não penetra no teatro com sua 'idéia' ou sua 'visão', uma 'planta baixa das marcações' e dos cenários prontos. Seu desejo não é 'realizar' uma idéia. Sua tarefa consiste em despertar e organizar a ati​vidade produtiva dos atores (músicos, pintores etc.). Para ele, ensaiar não significa fazer engolir à força alguma concepção fixada a priori em sua cabeça e, sim, pô-la à prova” (1972: 405).
j. Indicação
No jargão dos atores, diz-se que o encenador dá indicações aos comediantes. Toda a dificul​dade consiste em dar e receber esta indicação por meias palavras: “É uma coisa bem difícil saber pegar bem uma indicação, como é coisa difícil para o encenador dá-la com clareza. É preciso captar o espírito de não tomar-se escravo da le​tra” (DULLIN, 1946: 48). Conselho que seguem todos os encenadores para quem a indicação não deve desembocar numa imitação: indicar não é ditar, é, antes, sugerir, informar, mostrar um ca​minho possível.
2. Problemas da Encenação
a. Papel da encenação
O surgimento do encenador na evolução do teatro é significativo de uma nova atitude pe​rante o texto dramático: durante muito tempo, na verdade, este apareceu como o recinto fecha​do de uma única interpretação possível que era preciso despistar (comprova isto, por exemplo, a fórmula de LEDOUX que recomendava ao encenador, em confronto com o texto, “servir e não servir-se”). Hoje, ao contrário, o texto é um convite a buscar seus inúmeros significados, até mesmo suas contradições; ele se presta a novas interpretações. O advento da encenação prova, além do mais, que a arte teatral* tem doravante direito de cidade como arte autônoma. Sua sig​nificação deve ser buscado tanto em sua forma e na estrutura dramatúrgica e cênica quanto no ou nos sentidos do texto. O encenador não é um elemento exterior à obra dramática: “Ele ultra​passa o estabelecimento de um quadro ou a ilus​tração de um texto. Toma-se o elemento fun​damental da representação teatral: a mediação necessária entre um texto e um espetáculo. [...] Texto e espetáculo se condicionam mutuamen​te; um expressa o outro” (DORT, 1971: 55-56).
b. O discurso da encenação
A encenação de um texto sempre tem uma palavra a dizer: intervenção capital pois será, para a representação, a “última palavra”; não existe discurso universal e definitivo da obra que a representação deve trazer à luz. A alternativa que ainda hoje vigora entre os grandes encena​dores – “levar o texto” ou “levar a representa​ção” – é, portanto, falseada desde o início. Não se poderia privilegiar impunemente um dos dois termos. Quase não se pensa mais, hoje, que o texto é o ponto de referência congelado numa única representação possível, texto que só teria uma única “verdadeira” encenação (roteiro*, texto e cena*).
c. Local do discurso da encenação
As indicações cênicas* dão diretivas muito precisas para a realização cênica, porém a encenação não tem necessariamente que segui-las ao pé da letra.
O próprio texto muitas vezes sugere o desen​rolar e o local da ação, a posição das personagens etc. (indicações espaço-temporais*). Um texto dramático, qualquer que seja ele, não pode ser escrito sem uma vaga idéia de uma possível re​presentação, sem um conhecimento, mesmo que rudimentar, das leis da cena usada, da concepção da realidade representada, da sensibilidade de uma época aos problemas do tempo e do espaço (pré​encenação*).
As indicações cênicas e as sugestões vindas do texto nunca são verdadeiramente imperativas, e é decisiva a intervenção pessoal, e em certa me​dida exterior ao texto, do encenador. O local e a forma desta intervenção são muito ambíguos. Mesmo que seja concretizado num caderno de encenação, o discurso do encenador dificilmente é isolável da representação; ele constitui sua enunciação*, metalinguagem perfeitamente inte​grada ao modo de apresentação da ação e das per​sonagens; ele não vem se juntarao texto lingüís​tico e à cena, não existe em parte alguma como texto acabado; está espalhado nas opções do jogo da atuação da cenografia, do ritmo etc. Por outro lado, ele só existe, segundo nossa concepção pro​dutiva-receptiva da encenação, quando é reconhe​cido e, em parte, partilhado pelo público. Mais que um texto (cênico) ao lado do texto dramáti​co, o metatexto é o que organiza, do interior, a concretização cênica, o que não está ao lado do texto dramático, mas, de certo modo, no interior dele, como resultante do circuito da concretização (circuito entre significante, contexto social e sig​nificado do texto) (PAVIS, 1985e: 244-268).
Além do trabalho consciente do encenador, é preciso, enfim, deixar lugar para um pensamento visual ou inconsciente dos criadores. Se, como o sugere FREUD, o pensamento visual se aproxima mais dos processos inconscientes que o pensa​mento verbal, o encenador ou o cenógrafo pode​ria fazer o papel de “médium” entre linguagem dramática e linguagem cênica. A cena sempre re​meteria então à “outra cena” (espaço interior*).
3. Tipologia das Encenações
a. A encenação dos clássicos
A classificação é arriscada e as categorias voláteis (PAVIS, 1996a). Certas categorias de encena​ção dos clássicos também valem mutatis mutandis para os textos contemporâneos. Elas colo​cam todas as questões estéticas com uma acuidade ainda maior. O fato de se tratar de textos já anti​gos e dificilmente aceitáveis hoje sem uma certa explicação quase que obriga o encenador a to​mar partido quanto à sua interpretação ou a si​tuar-se na tradição das interpretações. Várias so​luções oferecem-se então a seu trabalho:
• Reconstituição arqueológica
Não encenar e, sim, reencenar uma peça inspi​rando-se, com um fervor arqueológico, na ence​nação de origem, quando os documentos de épo​ca estão disponíveis.
• Neutralização
Recusar a cena e suas escolhas cênicas em “bene​fício” de uma leitura neutra do texto, sem tomar partido quanto à produção do sentido e dando a ilusão (falaciosa) de que só nos prendemos ao tex​to e que a visualização é redundante. Ora o texto é vivido como uma ação única que não “dobra” o real (ARTAUD); ora o texto é concebido como um “bisturi que permite que abramos a nós mesmos” (GROTOWSKI, 1971: 35).
• Historicização
Levar em conta a defasagem entre a época da fic​ção representada, aquela de sua composição, e a nossa, acentuar esta defasagem e indicar as ra​zões históricas nos três níveis de leitura, isto é, historicizar*. Este tipo de encenação restaura, mais ou menos explicitamente, os pressupostos ideológicos ocultados, não receia desvendar os mecanismos da construção estética do texto e de sua representação. PLANCHON, VILAR, STREHLER, FORMIGONI, VINCENT pertencem a esse tipo de “encenação sociológica” (VITEZ, 1994: 147).
• Recuperação do texto como material bruto. Textos antigos são usados como simples mate​rial com finalidade estética ou ideológica (atua​lização brechtiana, modernização, adaptação, reescritura). Citações ou trechos de outras obras esclarecem intertextualmente a obra interpreta​da (MERGUISCH, VITEZ).
• Encenação de sentidos possíveis e múltiplos do texto
Instalando práticas significantes* (KRISTEVA), que oferecem o texto espetacular à manipulação do espectador (A. SIMON, 1979: 42-56). Estas práticas oscilam entre uma abstração e uma abun​dância da cena.
• “Despedaçamento” do texto original Ao mesmo tempo destruição de sua harmonia superficial, revelação das contradições ideológicas (cf. PLANCHON e sua Mise-en-Pièce(s)du Cid, seu Arthur Adamov ou suas Folies bourgeoises) ou as encenações do Théâtre de l'Unité (!).
• Retomo ao mito
A encenação se desinteressa da dramaturgia es​pecífica do texto, para pôr a nu o núcleo mítico que o habita (ARTAUD, GROTOWSKI, BROOK e CARRIÈRE em sua adaptação do Mahabarata).
b. Alterações na escritura
Um meio possível de se demarcar os tipos de encenação consiste em observar como elas tra​tam o texto: “Por qualquer extremidade que se​jam pegas, todas as perguntas que o teatro faz sempre conduzem a esta: que acontece com o sen​tido do texto no palco?”, (SALLENAVE, 1988: 93). Cada década parece haver inventado sua própria relação com os textos e o palco:
- os anos cinquenta propuseram uma leitura (res​peitosa) das peças do patrimônio nacional (VILAR);
- os anos sessenta introduzem uma releitura crí​tica e distanciada (PLANCHON);
- os anos setenta preferem uma desleitura, descontração polifônica e dialógica (BAKIMN, 1978) das práticas significantes (VITEZ);
- os anos oitenta questionam a estética da recep​ção e o “papel do leitor' (ECO, 1980), tomam altura e propõem metaleituras que timbram toda observação com o selo do comentário, margi​nal ou predominante (MESGUICI4);
- os anos noventa restauram os poderes da escri​tura e assistem a uma eclosão de escrituras tan​to autônomas quanto abertas numa encenação: superleitura que se presta a todas as situações (COLAS ou PY);
- e no terceiro milênio? O texto, ou o hipertexto, talvez passe da memória humana à memory da máquina, do corpo à virtualidade, sem que nin​guém tenha mais consciência dele, misturadas que estarão hiperescritura e hiperleitura.
Becq de Fouquières, 1884; Antoine, 1903;Appia, 1899, 1954, 1963; Rouché, 1910; All
y, 1938; Baty, 1945; Moussinac, 1948; Blan​chard, 1948; Veinstein, 1955; Jacquot e Veinstein, 1957; Dhomme, 1959; Pandolfi, 1961; Reinhardt, 1963; Artaud, 1964a; Rabiai, 1968; Touchard, 1968; Dullin, 1969; Dort, 1971, 1975, 1977a, 1979; Girault, 1973; Sanders, 1974; Vitez, 1974, 1981; Pignarre, 1975; Bettetini, 1975; Wills, 1976; Prati​ques, 1977; Benhamou, 1977, 1981; Ubersfeld, 197818 Strehler, 1980; Pavis, 1980e, I984a; Hays, 1981; Jomaron, 1981, 1989; Braun, 1982; Brauneck, 1982; de Manais, 1983; Melrose, 1983; Banu, 1984; /avier, 1984; Piemme, 1984; Fischer-Lichte, 1985; Thonisen, 1985; Alcandre,1986; Bradby e Williams, 1988; Sallenave, 1988; lomaron, 1989; Thibaudat, 1989; Bradby, 1990; Lassalle, 1991; Régy, 1991; Abirached, 1992; Yaari, 1995.
ENCENAÇÃO VINCULADA A UM DETERMINADO LUGAR
Encenação e espetáculos concebidos a partir e em função de um local encontrado na realidade (e, portanto, fora dos teatros estabelecidos). Gran​de parte do trabalho reside na procura de um lu​gar, muitas vezes insólito, carregado de história ou impregnado por uma forte atmosfera: barra​cão, fábrica desativada, parte de uma cidade, casa ou apartamento. A inserção de um texto, clássico ou moderno, neste local descoberto lhe confere uma nova iluminação, uma força insuspeitada e instala o público numa relação completamente di​ferente com o texto, o lugar e a intenção. Este no​vo quadro fornece uma nova situação de enun​ciação que, como na land art, faz-nos redescobrir a natureza e a disposição do território e dá ao es​petáculo uma ambientação insólita que constitui todo seu encanto e sua força.
Esta técnica de encenação foi abundantemente experimentada no século XX. Citemos principal​mente: EVREINOFF e sua reconstituição da toma​da do Palácio de Inverno; COPEAU e seus misté​rios em Beaune e Florença; o Théâtre du Soleil e seus arranjos da Cartoucherie em função de cada nova criação; o Royal de Luxe, a Fura deis Baus e Brith GOF que se especializaram na diversifica​ção dos locais e na encenação de seu imaginário.

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Perguntas Recentes