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Unidade 1 O conhecimento como relação entre sujeito e objeto Do ponto de vista puramente lingüístico, conhecer é um verbo transitivo: Ex: Fulano conhece Cicrano. Isso significa que um SUJEITO (Fulano) conhece um OBJETO (Cicrano). Quando substantivamos o verbo conhecer, encontramos o substantivo abstrato conhecimento. Ocorre que o conhecimento não pertence exclusivamente nem ao sujeito e nem ao objeto: ou seja, o conhecimento é uma relação sujeito-objeto não redutível a nenhum dos termos isoladamente. Pergunta: Mas o sujeito não é o detentor do conhecimento? Resposta: Não, o sujeito possui determinada crença (belief) à respeito do objeto. A crença é o que de fato pertence ao sujeito. Conhecimento é mais do que as crenças que cada um de nós temos a respeito dos objetos. O conhecimento, tal como aqui entendido, é algo comunitário, que desenrola-se durante gerações, ao longo da história da humanidade. Dado que por sujeito entendemos aquele que conhece uma coisa; por objeto entendemos uma coisa que é conhecida. Há pelo menos três maneira de conceber essa relação entre conhecedor e conhecido: • O Sujeito é determinado pelo Objeto. • O Objeto é determinado pelo Sujeito. • Objeto e Sujeito são “duas faces de uma mesma moeda”. Cada uma dessas formas de ver a relação entre Sujeito e Objeto ocasionam maneiras diferentes sobre a formação de nossas crenças. Daqui para frente, vamos analisá-las mais detalhadamente, para ver como elas repercutem no modo como fazemos Ciência. Conhecimento como determinação do Sujeito pelo Objeto A maneira mais natural e espontânea de entender a relação entre Sujeito e Objeto é dizer que o Sujeito é determinado pelo objeto, em outras palavras, que o conhecimento é uma determinação do Sujeito pelo Objeto. Essa maneira de ver a relação também é chamada de teoria da cópia mental. Segundo essa concepção, as características do Objeto se imprimem em nossa mente, e assim temos uma representação do Objeto. Em todo caso, o Sujeito é alterado em função do Objeto, ou seja, é o Objeto que determina a crença do Sujeito. Uma analogia para a concepção de Sujeito determinado pelo Objeto Nosso aparato cognitivo seria semelhante a um Scanner, que copia as características da coisa a ser conhecida. Esse registro fica na memória do Sujeito, tal como em um computador. Pontos fortes dessa concepção: • Tal visão é bastante simples, não requer maiores detalhamentos. • Ela também é facilmente inteligível, isto é, ela fácil de se compreender. • Ela também é bastante natural e intuitiva, ou seja, ela parece realmente corresponder ao que acontece quando examinamos nosso próprio pensamento. Ponto fraco dessa visão: O ponto fraco dessa visão é que ela pode nos levar a tomar as aparências como sendo a realidade. Quando ingenuamente achamos que nossa mente copia ou representa verdadeiramente o mundo, podemos acabar achando que nossas representações são essencialmente a realidade tal como ela é. Por exemplo, o fato de as pensarem, até o século XVI, que o Sol gira em torno da Terra, estava totalmente justificado pela idéia de que o conhecimento é uma determinação do sujeito pelo objeto. De fato, todos nós vemos o Sol girar de leste para oeste, nossa experiência passada está repleta de lembranças de dias em que o Sol nasceu e se pôs descrevendo um “movimento circular” acima de nós. Com efeito, uma das maiores lições a respeito da relação entre Sujeito e Objeto decorreu do nascimento da Astronomia moderna. Segundo o modelo Geocêntrico, o universo é composto por esferas concêntricas, a menor delas sendo a Terra e a maior, a das estrelas fixas. Cada um dos planetas, o sol e a lua estão contidos numa esfera. A esfera da lua divide o universo em duas regiões completamente diferentes, povoadas de diferentes tipos de matéria e sujeitas a leis diferentes. A região terrestre ou mundo sublunar na qual vive o homem é imperfeita, sujeita a mudanças e variações. A região celeste ou mundo supralunar é eterna, imutável e perfeita. As esferas celestes movem-se natural e eternamente em círculos, ocupando sempre a mesma região do espaço. Modelo Geocêntrico Aristóteles / Ptolomeu Modelo Heliocêntrico Copérnico A principal virtude do modelo heliocêntrico de Copérnico, em oposição ao modelo geocêntrico Aristotélico-Ptolomaico, se mostrava no cálculo das órbitas do planetas. As estrelas fixam fixas em suas posições ao longo do tempo. Mas os planetas, quando giram ao redor do Sol, mostram trajetórias irregulares quando observados da Terra. Por exemplo, o planeta Marte descreve um retrocesso em sua trajetória aparente. Já que o período da órbita terrestre é menor (nosso “ano” é de 365 dias, enquanto que o “ano” marciano é de 686 dias), quando a Terra “passa” por Marte, este último começa a movimentar-se, aparentemente, de oeste para leste. Para explicar esse fenômeno o modelo ptolomaico acrescenta a noção de EPICICLO, isto é, afirma que Marte gira em torno de um ponto imaginário que percorre a órbita. TERRA MARTE Modelo Ptolomaico c/ epiciclos Um problema interessante: o Movimento de Rotação Diurna A física de Aristóteles negava que a Terra estivesse girando em trono de seu eixo, pois então as coisas “arrastadas” no sentido contrário, por exemplo: quando lançamos uma bola para cima ela deveria cair atrás de nós. A Terra então devia estar imóvel. Mas no sistema copernicano a Terra gira em torno do céu (translação) e em torno de seu próprio eixo Nesse contexto há uma enorme importância no “princípio de inércia”, que mais tarde é desenvolvido por Galileu Galilei. Galileu, refuta o argumento assinalando que se lançarmos uma bola do mastro de um navio em movimento, a bola cai ao pé do mastro, o que é verdade. Ou seja, o argumento aristotélico não se verifica, portanto não é prova contra o argumento copernicano. A Revolução Copernicana na Teoria do Conhecimento Uma das obras mais importantes da cultura ocidental é o livro Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant. Na introdução ao livro, Kant assinala que um dos grandes méritos de Copérnico foi mostrar que na verdade a situação do Sujeito interfere na crença sobre os objetos. Quando o Sujeito está em movimento, ele tem a impressão (ingênua) de que são os objetos que se movimentam. Kant achava que essa era uma grande lição. No entender de Kant (e muitos outros mais): Conhecimento é uma determinação do Objeto pelo Sujeito. Portanto, os objetos representados nas crenças são construídos pela mente, ou seja, o Sujeito determina o Objeto. Mas não somente pelo fato de o Sujeito estar ou não em movimento. Os Objetos são construídos porque os Sujeitos só são capazes de perceber as coisas dentro do Espaço e do Tempo. O Sujeito impõe ao mundo uma determinada forma de organização. O que não estiver dentro dessa organização, sequer pode ser entendido como objeto. Por exemplo, um determinado Objeto não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Se isso acontecer, já não se trata de um objeto, mas sim de dois objetos diferentes. Por outro lado, se uma coisa não estiver no tempo nem no espaço, então somos forçados a simplesmente não considerá-la como um Objeto. Aqui nota-se o papel ativo do Sujeito na determinação dos Objetos da Ciência. Numa bela passagem Kant diz: “Os cientistas compreenderam que a razão só discerne o que ela mesmo produz segundo seu próprio projeto, que ela tem de (...) obrigar a natureza a responder às suas perguntas, mas sem ter de deixar-se conduzir somente por ela como se estivesse presa a um laço. [A razão deve] ser instruída pela natureza, não porém na qualidade de um aluno que se deixa ditar tudo o que o professor quer, mas na de um juiz nomeado que obriga as testemunhasa responder às perguntas que lhes propõe.” Mas, ao lado disso, Kant chega a uma visão de mundo bastante controversa. Para Kant, nós nunca enxergamos a realidade verdadeira das coisas; a única coisa que vemos são os “rastros” das coisas no Espaço-Tempo. Nós só vemos os fenômenos. Só que esses fenômenos são ordenados pelas leis da Física e da Matemática. A filosofia de Kant, quando coloca uma forte ênfase no Sujeito, pois é ele quem determina o Objeto, gera uma forma de Idealismo, isto é, só defende que os fenômenos são ordenados, mas pouca coisa diz a respeito da realidade das coisas em si. A Terceira Via de Bertrand Russell A relação topológica entre Sujeito e Objeto Diante da dificuldade em se decidir se “É o Sujeito quem determina o Objeto” ou se “É o Objeto que determina o Sujeito”, uma terceira alternativa foi proposta no Séc XX, pelo filósofo inglês Sir Bertrand Russell. Na concepção de Betrand Russell: O Sujeito se define como um lugar onde várias percepções de objetos diferentes se encontram; • O Objeto é o lugar onde várias percepções de Sujeitos se entrecruzam O filósofo fornece o seguinte exemplo. Imagine uma estrela X que é fotografada por diversos astrônomos. Esses astrônomos definem a estrela X como sendo o lugar que é comum a todas as suas diferentes fotografias. Por outro lado, cada fotografia contém diversas estrelas (A, B, C, ... X, Y Z). Esse lugar onde várias estrelas se encontram é o Sujeito. A concepção de Russell distingue o Sujeito e o Objeto sem contudo dar prioridade a nenhuma das partes. O Sujeito passa a ser compreendido em função do Objeto; e o Objeto passa a ser compreendido em função do Sujeito. O mérito dessa abordagem é que ela chama atenção para o fato de: o conhecimento é baseado na intersubjetividade Isto é, o conhecimento passa a pertencer a vários sujeitos inter-relacionados. Dessa forma, o conhecimento científico não pertence aos cientistas isoladamente, mas sim pertence à comunidade científica. O problema da concepção de Russell é que ela parece ser circular, ou seja, a explicação do que é o Sujeito remete aos Objetos, mas a explicação dos Objetos remete aos Sujeitos.
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