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TEXTO BÁSICO PARA PRÓXIMA AULA Prof. Ms. Leandro Corrêa de Oliveira CONSTITUIÇÃO MATERIAL (CONTEUDÍSTICA) Em tempos de neoconstitucionalismo percebe-se a emergência dos textos constitucionais como lócus privilegiado na luta pela implementação de uma substancialidade condicionante, que tenciona conformar e orientar as ações e deliberações do Estado e da Sociedade, com reflexos no âmbito individual ou privado. Há uma direção à materialidade, não sendo raras as visões que tem no Direito um instrumento de transformação social. A concepção de Estado Democrático de Direito liga, por assim dizer, o fenômeno jurídico a questões de direção da economia, de estabelecimento das políticas públicas, de emprego, renda, etc. o que se dá em razão de um ordenamento constitucionalizado, dirigente e compromissório. [1: Não se pretende aqui, estabelecer as concepções possíveis (ou as críticas a este termo). Objetiva-se, de maneira mais simples, identificar o fenômeno como uma alternativa ao juspositivismo e ao jusnaturalismo, em busca de uma terceira posição.] A Constituição brasileira não se apresenta, pois, como um texto formal ou neutro. Ao contrário, é conteudística e protagoniza uma tomada de posição como se vê no asseguramento de direitos fundamentais como moradia (art. 6º), saúde (arts. 6º e 196); medidas protetivas do trabalho (art. 7º); a prescrição de que a União aplicará não menos que 18% e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25% de sua Receita Corrente Líquida no desenvolvimento do ensino (art. 212). Além disto, há os grandes objetivos de se promover uma sociedade livre justa igual e solidária; de se erradicar a pobreza e as desigualdades sociais e regionais; de assegurar uma existência digna, dentre outros. Os objetivos socializantes da Constituição fazem com que discursos morais e políticos, que antes se situavam para fora do Direito (pois não eram assunto para o Direito), venham a se situar dentro (tornando-se Direito), sendo a Constituição um documento de aplicação prática, aberta à sociedade e, pelas suas próprias características, dotada de forte carga principiológica. Não é por acaso que o novo constitucionalismo se transformou em um campo fértil para as mais diversas teorias que fossem capazes de responder a complexidades tais, como: (1) a superação de um modelo de regras; (2) a resolução do problema da incompletude das regras; (3) solução dos casos difíceis (não abarcados pelas regras) e (4) resolução do problema da (in)efetividade dos textos constitucionais ou as omissões dos poderes públicos.[2: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso, p. 3] A concretização de tal materialidade passa pelo Judiciário, com o crescente número de demandas que objetivam a implementação de direitos sociais, com base nos mecanismos de acesso à justiça. Não detém mais o Judiciário um papel neutralizado e limitado a arbitragem dos conflitos privados. A jurisdição se detém hoje sobre um novo tipo de contencioso social, de natureza pública, que se manifesta na vontade de sujeitos coletivos. Em clara oposição ao modelo do welfare state, quando a luta por direitos foi travada no campo da política, a judicialização de decisões políticas, fenômeno contingencial que decorre da própria materialidade do Texto de 88, consagra o Judiciário como importante ator na implementação de direitos sociais fundamentais. Mas se de um lado cabe ao Judiciário a função de dar concretude à Constituição, não poderá, de outro, comprometer os alicerces da democracia representativa. De qualquer modo, o fenômeno exprime profundas transformações nos campos jurídico e político-institucional, e a revisão do Cânone da separação dos poderes, tal como compreendido no na cultura jurídico-política dos países da tradição do civil Law. A tensão daí surgida é relevante. Numa palavra, pode-se dizer que os tribunais, a pretexto de concretizar a Constituição não podem (e não devem) se tornar, eles próprios, legisladores, do mesmo modo que omissões injustificadas do plano majoritário não podem comprometer a materialidade constitucional. Há neste ponto um problema. A concretização da materialidade constitucional passa pela decisão dos órgãos jurisdicionais, o que carece todo um modo de interpretar/aplicar que seja coerente com o novo modelo, que incorpora em seu texto fundamental, uma moral coletiva, produzida no âmbito de um agir comunicativo. Reside aí o cerne da crise paradigmática da interpretação e aplicação do direito em tempos de neoconstitucionalismo, que, a pretexto de concretizar o novo, acaba por transportar um modo de interpretar, fundado na discricionariedade e no esquema representacional (S-O), com efeitos deletérios para a efetividade do ordenamento jurídico constitucionalizado.
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