Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
24 de janeiro de 2017 PERFIL RENAL Quando se fala em doença renal crônica significa que o rim foi lesado de uma forma persistente, por no mínimo 3 meses – é uma lesão irreversível. Diferente da insuficiência renal aguda, que também pode acontecer na prática clínica, que é quando o animal chega no consultório e o proprietário alega que o animal teve uma perda abrupta da função renal, que é geralmente associada a intoxicação, seja por AINE, etilenoglicol, etc – nesse caso a lesão é potencialmente reversível, mas precisa ser diagnosticada a tempo, se não for pode virar uma doença renal crônica. Funções do rim o Promove a excreção de resíduos metabólicos, através da formação da urina. o Regula o equilíbrio ácido-básico, através da excreção H+ e reabsorção de HCO3- (bicarbonato). o Faz regulação do equilíbrio hidroeletrolítico, através do sistema Renina-angiotensina-aldosterona. o Regulação da pressão arterial, através dos processos de filtração, reabsorção e secreção tubular. o Participação no metabolismo de cálcio e fósforo, através da síntese da vitamina D ativa. o Participação na eritropoiese, através da síntese da eritropoietina – especialmente no cão onde o rim é a única fonte de eritropoietina. Pode-se usar hemograma para avaliar a função renal? Sim. Se o rim tiver uma grande quantidade de néfrons comprometidos, terá problema na eritropoiese – o animal terá uma anemia normocítica normocrômica. Considerações Existem vários sinais clínicos inespecíficos (poliúria, polidipsia compensatória, caquético, apático, etc) e achados laboratoriais que vão redirecionar para um diagnóstico precoce, evitando chegar na doença renal crônica. Os exames laboratoriais são pedidos para se fazer o estadiamento da doença renal, que é classificar o paciente em vários estádios para se ter um tratamento correto e levar a um prognóstico correto. Anatomia e Fisiologia A unidade morfofuncional dos rins são os néfrons, que são formados pelo glomérulo, túbulo contorcido proximal, alça de Henle, túbulo contorcido distal e ducto coletor, e neles ocorre uma série de eventos para a formação da urina. Também lembrar que quem faz os suprimentos sanguíneos é a artéria renal que vem da artéria aorta, e a responsável pela drenagem é veia renal que desemboca diretamente na veia cava. Glomérulo – possui uma série de barreiras que são importantes para determinar o que passa e o que não passa por ele, e estão intimamente associadas à manutenção da função renal. Possui célula endotelial e endotélio, podócitos – células epiteliais do glomérulo, membrana basal glomerular. E para relembrar, os eventos de filtração, reabsorção, secreção e excreção estão todos associados à taxa de filtração glomerular (o quanto o rim está funcionando), e essa taxa é diretamente proporcional ao fluxo plasmático renal (o quanto de sangue chega no glomérulo – influenciado pelo volume sanguíneo, debito cardíaco). Glomérulo – filtração – ureia e creatinina são moléculas pequenas, então passam pelo filtrado glomerular. Túbulo contorcido proximal – reabsorção e secreção – no túbulo contorcido proximal é onde a maior parte do que passa do filtrado é reabsorvido. A ureia sofre uma grande reabsorção, através do gradiente criado para reabsorção da água; então se não tiver água sendo reabsorvida, a ureia também não será. Creatinina sofre secreção (por isso é considerada mais específica para ser avaliada, porém ureia é mais sensível). Alça de Henle (descendente e ascendente) – reabsorção e secreção – paralelamente à reabsorção de água (descendente), a ureia sofre secreção, pois ela mantem a hipertonicidade medular (e sem essa hipertonicidade a reabsorção da alça ascendente fica prejudicada). Túbulo contorcido distal – o ADH promove uma grande reabsorção de água, criando junto o gradiente para a reabsorção de ureia. Na urina são excretadas água, ureia e creatinina (em concentrações distintas), potássio, fosfato, hidrogênio e amônio. Como a creatinina não sofre interferência, são usados valores de creatinina como marcador específico. Conceitos o Azotemia ou hiperazotemia – aumento das concentrações de ureia e creatinina no sangue. o Uremia – síndrome clínica – achados clínicos resultantes do aumento das concentrações de ureia e/ou creatina no sangue (aquele animal que possui vômito, diarreia, que está magro, apático, com ulcerações na boca, hálito amoniacal). Avaliação do Perfil Renal São mais utilizados exames para avaliar a ureia e creatinina. 1. Ureia – o animal ingere a dieta que contém proteína e no intestino as bactérias promovem a formação da amônia, que vai pela veia porta para o fígado e lá ocorre a formação da ureia (forma de detoxicação da amônia), sendo assim liberada no sangue e excretada na urina. A ureia também pode ser chamada de nitrogênio ureico sanguíneo. Já sabendo a origem da ureia, e sendo preciso avalia-la laboratorialmente, é preciso ter alguns cuidados nessa avaliação. Os cuidados pré-analíticos (coleta e armazenamento) podem influenciar muito no resultado laboratorial. A ureia é avaliada através de kits, comercialmente disponíveis, e depois lida no espectrofotômetro. Existem dois kits, a maioria é feita para ureia, mas o outro tipo vem com o resultado “BUN” (nitrogênio ureico sanguíneo) ..... que precisa ser corrigido, pois o peso molecular dos dois são diferentes, já que o BUN avalia só o nitrogênio – prestar atenção no resultado, pois alguns laboratórios não fazem a conversão. Não se pode usar amostras muito hemolisadas para avaliar a ureia, por causa da hemoglobina (globina = proteína), pois podem aumentar o valor da ureia. Se for uma hemólise discreta não tem muito problema, mas hemólise muito grotesca não pode. Quando se avalia ureia podem ser utilizados o soro ou plasma com anticoagulante EDTA, mas não pode utilizar o anticoagulante fluoreto, pois ele inibe a reação química e tende a ter valores mais baixos. 2. Creatinina – vem de uma reação irreversível a partir da creatina e da fosfocreatina. A fosfocreatina é rica em energia, presente no músculo, que o músculo usa para obtenção de energia, onde se tem a conversão de ATP em ADP, tendo a formação da creatinina. A creatinina uma vez sendo formada no músculo, é excretada na urina (não ocorre reabsorção tubular). Em cães é possível haver uma pequena quantidade de secreção pelo túbulo contorcido proximal, mas não é suficiente para elevar os valores de creatinina. Também é preciso ter cuidados na avaliação da creatinina. Não sofre interferência significativa da dieta. Se um animal tem uma lesão muscular (CK ↑), mas não possui lesão renal, não se espera aumento considerável no valor de creatinina. Sempre que possível, procurar ter o valor basal de cada paciente (por exemplo, um animal que veio fazer exames de rotina – para não ficar muito preso aos valores de referência dos livros; talvez o animal tenha valores basais um pouco diferentes). A partir do momento que foi detectada a azotemia, é preciso saber qual o tipo de azotemia que o animal tem. Existem causas pré-renal, renal e pós-renal. Existem diferenças na filtração e reabsorção de ureia e creatinina. Caso hipotético – Elas chegam através do fluxo plasmático renal (100 U e C), são filtradas, mas passam pouco (33 U e C); a ureia sofre reabsorção no túbulo contorcido proximal (11 U), já a creatinina não sofre reabsorção. Na alça de Henle enquanto a água é reabsorvida, a ureia é secretada, e no túbulo contorcido distal, a ureia é reabsorvida (1 U),que acaba indo para o sangue. A creatinina não sofre a reabsorção (33 C), mas em cães lembrar que pode haver secreção tubular. Pré-renal – visto que a taxa de filtração glomerular é altamente dependente do fluxo plasmático renal e esse fluxo depende de volume Aumento de ureia e creatinina não significa só lesão renal. sanguíneo, de débito cardíaco, volemia, o problema vai ser na reabsorção e secreção da ureia, por isso os clínicos acham que ela é mais sensível, pois ela é facilmente influenciada. o Causas: Hipovolemia – animal muito desidratado (incluindo hipoadrenocorticismo – deficiência de aldosterona, não tem reabsorção de sódio e não “junta” água, o animal tende a ficar desidratado), perda sanguínea considerável (atropelamento, esfaqueamento). Insuficiência cardíaca – o débito cardíaco está diminuído, e o fluxo depende do volume sanguíneo. Situação de choque – hipovolêmico, anafilático, séptico. o Tem um aumento muito grande na ureia (↑↑), pois ela é muito influenciável, e na creatinina (↑). o O rim tenta concentrar essa urina, então ocorre oligúria e densidade aumentada (> 1,030). Na azotemia pré-renal, a taxa de filtração glomerular está pelo menos 1/3 diminuida (pode estar mais dependendo se o animal for cardiopata, de quanto estiver desidratado), mas a função tubular está normal – o rim não está acometido. Os receptores justaglomerulares percebem que o fluxo sanguíneo não está chegando bem, então querem manter o equilíbrio acionando o sistema renina-angiotensina. O sistema promove a constrição das arteríolas para tentar estabilizar a pressão, e quando promove a constrição prejudica a ureia e creatinina, pois o fluxo estando mais devagar teoricamente dá mais tempo para a ureia ser reabsorvida para o sangue; arrumando a volemia promove a reabsorção de sódio, indo junto a água e passivamente a ureia. O ADH também promove reabsorção de água, reabsorvendo também a ureia. Então numa azotemia pré-renal a ureia está muito aumentada no sangue; a creatinina também fica de certa forma aumentada porque o fluxo está devagar. Renal – o sangue está chegando normal, sem problemas na volemia, fluxo plasmático está normal, o problema está no rim. Na azotemia renal, ¾ ou mais néfrons estão lesionados. O animal já está severamente comprometido, pois só tem aumento de ureia e creatinina no sangue quando 75% dos néfrons estão lesionados. o Causas Inflamatórias – glomerulonefrite de origem infecciosa por bactéria, por deposição de imunocomplexos. Tóxicas – AINEs, etilenoglicol. Isquemia ou hipóxia renal – se a azotemia pré-renal não for tratada pode persistir, causando essa isquemia. o Tende a ter aumento considerável de ureia e creatinina no sangue. O rim lesionado não consegue mais fazer concentração urinária, fazendo poliúria. Pode estar em azotemia renal com oligúria em uma insuficiência renal aguda, pois o rim perdeu abruptamente a função, então geralmente tem o outro rim pra tentar compensar, por isso inicialmente é oligúria, mas rapidamente pode passar para poliúria. o A densidade será de isostenúria (1008 a 1012), uma das possibilidades é de nefropatia – então muito possivelmente o animal terá isostenúria, mas nem sempre o animal que tiver azotemia renal terá isostenúria (as vezes pode estar maior ou menor). o O néfron está tão comprometido que a taxa, reabsorção e secreção ficam comprometidas, aumentando ureia e creatinina no sangue. Pós-renal – menos frequente – onde o fluxo está chegando normalmente, o rim está funcional, só que o problema está geralmente na bexiga, uretra ou ureter. o Causas Pode estar ocorrendo uma obstrução do trato urinário (urolitíase, tampão uretral em gatos, neoplasia); E pode ser extravasamento de urina, por um traumatismo, atropelamento e a bexiga rompeu, um chute. o Densidade variável. Ureia e creatinina (↑↑↑). Aumento grande de ureia e creatinina, a urina tende a ser oligúrica, associado ao processo de obstrução; e dependendo desse grau de obstrução pode até chegar a anúrica, pelo fato de estar obstruída. Quando o animal está obstruído tem o processo inflamatório levando a interação de prostaglandinas e ativação de renina-angiotensina, tendo a constrição das arteríolas pra tentar melhorar o fluxo tubular, e promovendo reabsorção de ureia para o sangue. Com o extravasamento da urina pra cavidade ela também pode ser reabsorvida passivamente pelo epitélio, aumentando ainda mais a ureia e creatinina, também ocorrendo uma série de outras complicações. Resumo dos tipos de azotemia Também existem causas extra-renais A ureia é a mais sensível, mas ao mesmo tempo é mais vulnerável (pode estar aumentada por outras causas). Com essas causas extra-renais tem que se fazer uma exclusão com base no histórico, na clínica, para não achar que é um outro tipo de azotemia. Aumento da síntese de ureia – produzindo mais ureia, então o rim não consegue excretar tudo. o Ingestão proteica elevada – dietas com alto teor de proteína. o Hemorragias – processo hemorrágico (pode ser parasitose muito intensa, ou associada a um vírus) – hemorragia hemácia reaproveitamento da globina aumentando ureia. Catabolismo tecidual o Febre e trauma tecidual – toda vez que tem proteólise (lise de proteínas), seja por processos de trauma ou febre, lembrar que a ureia vem da desaminação proteína aumento de ureia. É imprescindível estadiar o nível da doença do animal – baseado na IRIS – usam valor de creatinina e pressão para estadiar o animal para se obter o tratamento/prognóstico. O animal não está azotêmico, já não consegue manter a concentração urinaria, está poliúrico; ocorre proteinúria. Já tem azotemia renal leve, mas não tem sinais clínicos. Azotemia renal moderada, onde os sinais clínicas estão presentes – mais frequente nas clínicas. Azotemia renal severa. Existem doenças que causam diminuição da concentração da ureia. 1. Quando tem síntese diminuída de ureia – o paciente tem insuficiência hepática, onde pelo menos 80% dos hepatócitos tem que estar lesionados para que se veja laboratorialmente a redução da ureia – em casos de doença hepatocelular, desvio portosistêmico (causa hiperamonemia – cristais de biurato de amônio); ou deficiência enzimática do ciclo da ureia – existem alguns animais que já nascem com deficiência de enzimas do ciclo da ureia (raro, hereditário). 2. E quando se tem excreção aumentada de ureia – ureia não consegue ser reabsorvida – principal causa é a glicosúria, pois a glicose impede a reabsorção de água, então a ureia também não consegue ser reabsorvida (diabetes mellitus, comprometimento renal), sendo totalmente excretada; e diabetes insipidus – deficiência de ADH, se não tem a reabsorção de água não tem reabsorção de ureia. Já a diminuição de creatinina não é clinicamente significativa. Quais exames são mais confiáveis para avaliar a função renal? Ureia e Creatinina – não por serem mais confiáveis, mas por ser um exame mais barato e porque a IRIS adota os valores de creatinina para o estadiamento da doença, e porque a ureia é mais sensível. “Os níveis séricos de creatinina e ureia são insensíveis, inespecíficos, e se alteram somente após injúria renal significativa (65-75%), quando já houve um atraso de tempo substancial.” Lembrar de ter o valor de referência para cada animal. Outros exames: SDMA – Dimetilarginina simétrica. Marcador precoce, que detecta quandoa lesão renal está em 30%, porém o problema é o custo e nem todo laboratório faz. Tem sensibilidade maior que a creatinina, mas a IRIS usa os valores de creatinina para fazer o estadiamento da doença. Avaliar a urina, pois dá respaldo para tentar encontrar o animal ainda em estágio 1. Relação Proteína e Creatinina Urinária. Coleta a urina, e além do exame de urina, é dosado proteína total e creatinina. Quando a relação (P:C) U for menor que 0,5 o paciente está normal, entre 0,5 e 1,0 já fica um pouco suspeito, e maior que 1,0 o paciente tem doença renal. Se sabe que é mais precoce que a creatinina no sangue, barato porque são duas bioquímicas, só tem que ter cuidado pra excluir proc. Inflam. E hemorr. Se tem hematúria concomitante o valor vai dar alto, pq tem hemácia, hemoglobina globina. Para q funcione bem o animal não pode ta com inflamação ou hemorragia no trato urinário inferior. Pedir paralelamente exame de urina para excluir. Urinálise. Exame Físico – densidade ↓ (isostenúria). Exame Químico – proteinúria. Sedimentos – cilindros e células tubulares. Proteinúria detectada antes da azotemia. No início da nefropatia, como alguns glomérulos estão lesionados e poucos destruídos, a albumina começa a passar, mas o néfron ainda consegue promover a excreção de ureia e creatinina. Quando grande parte dos glomérulos está destruída, acumula muita ureia e creatinina no sangue. Quando se tem doença renal crônica, existem as seguintes alterações: Alterações hematológicas: o Anemia normocítica normocrômica (deficiência de eritropoietina) Alterações bioquímicas o Azotemia o Hiperfosfatemia e hipocalcemia (o rim é importante no metabolismo de cálcio e fósforo, não sendo reabsorvidos, levam ao hiperparatireoidismo renal secundário) Urinálise: o Cilindrúria o Proteinúria o Isostenúria Diagnóstico por imagem o Radiografias e ultrassonografia Hiperparatireoidismo renal secundário Hipocalcemia – as paratireoides começam a perceber, aumentando o PTH e começa a ter os mecanismos compensatórios para aumentar a concentração de cálcio no sangue. Aumento da mobilização de cálcio e fósforo no osso, aumento da síntese da vitamina D (forma ativa), e aumento da absorção de cálcio no intestino. Insuficiência renal crônica promove uma maior retenção de fósforo, menor absorção de cálcio e menor ativação da vitamina D, o que eleva o PTH. A consequência de ter a mobilização tão intensa de cálcio nos ossos é causar a mandíbula de borracha. O animal também apresenta poliúria, polidipsia, apatia, fraqueza, vômito, anorexia, fratura patológica.
Compartilhar