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HERMENÊUTICA Aluna: Maria Carolina Ribeiro Professora: Carolina Grant Aulas 2015.2 1. NOÇÕES GERAIS: 1.1. Origem da discussão contemporânea sobre a hermenêutica geral: Aproximação conceitual: Hermenêutica seria o estudo dos princípios metodológicos de interpretação e explicação – interpretação bíblica e literária (primeiro momento). Crítica inicial: Uma definição desse tipo poderá satisfazer aqueles que apenas pretendam a compreensão operatória da palavra, os que pretendam alcançar uma ideia do campo da hermenêutica exigirão muito mais”. Questão epistemológica: A hermenêutica estaria sobretudo relacionada a uma pergunta muito mais abrangente: “o que é a interpretação” – questiona-se o próprio ato de interpretar em si, e o que seria a compreensão. 1.2. Origens históricas: 1.2.1. Teologia, Literatura e Filosofia: Teologia: a “Nova Hermenêutica” surgiu como um movimento dominante na teologia protestante europeia. Durante muito tempo a bíblia foi interpretada pelo clero, porém, Lutero surge com novas interpretações dentro da religião protestante, durante a Reforma, induzindo as pessoas a interpretarem por si só e não aceitarem o que era dito por uma única instituição e a não aceitarem uma interpretação pronta. Literatura: Na interpretação literária, fala-se da intenção da obra, a intenção do autor e a intenção do leitor, o que pode gerar três diferentes interpretações; “Filosoficamente falando, a interpretação literária na Inglaterra e na América atua de um modo geral num contexto realista. Tende a pressupor por exemplo, que a obra literária está simplesmente ‘lá fora’, no mundo, essencialmente independente daqueles que a captam, à percepção que cada um tem da obra é considerada separadamente da própria obra. ‘De igual modo, as intenções do autor são consideradas enquanto rigidamente separadas da obra: a obra é em si mesma um ser, um ser com os seus próprios poderes e a sua dinâmica’ Um interprete moderno típico defende geralmente a obra literária como um ser autônomo e vê a sua tarefa como a de alguém que penetra o ser autônomo por meio da análise textual (...)”. 1.3. Separação entre sujeito e objeto: Paradigma Cartesiano: Paradigma Dominante: Boaventura de Souza Santos: Um Discurso Sobre As Ciências. Tem a marca do cientificismo (preocupação de somente atribuir o status de ciência à aquilo que for objetivo, como objeto bem delimitado, método dotado de rigor cientifico e a possibilidade de criação de leis gerais e abstratas). Ocorria aqui a separação entre sujeito e objeto. Paradigma da Filosofia da Consciência ou Subjetivista: Traz a desconfiança e dúvida, pois é o sujeito que constrói representações da realidade, logo, pensa-se em um método, que a través do seu rigor, garante que uma interpretação não seja somente a construção de uma pessoa. O foco passa a estar no sujeito, e, para garantir a objetividade da interpretação é necessário o rigor do método. O ser é qualificado como um produto da consciência. O sujeito conhece o objeto de acordo com a forma própria de conhecer o homem: a partir das condições de possibilidade do conhecimento. O objetivo desse paradigma era representar racionalmente o fenômeno em sua consciência. 1.3.1. A separação entre sujeito e objeto na Literatura: “a interpretação literária caiu num modo científico de pensar: a sua objetividade operatória, a sua conceptualização estética, a sua ausência de sentido histórico, o seu amor pela análise (dissecação conceitual). Uma segunda crítica: “esquecemos que a obra literária não é um objeto manipulável, completamente à nossa disposição: é uma voz humana que vem do passado, uma voz a qual temos de certo modo que dar vida. O diálogo, e não a dissecação abre o universo da obra literária. A objetividade desinteressada não é adequável à compreensão de uma obra literária” – Compreensão histórica e humanística. Os textos literários, assim como os outros textos, possuem múltiplas vozes, e, quando ocorre um diálogo com essas vozes, pode-se interpretar, compreender e extrair o sentido do texto. Existe também a necessidade de compreender o contexto onde o texto se insere. Objeto x obra: Uma obra literária não é um objeto que compreendemos através da conceptualização ou da análise, é uma voz que devemos ouvir e, ouvindo-a, compreendemo-la. 1.4. O propósito da hermenêutica: Compreender um texto; refletir sobre o que é interpretar e compreender. As origens históricas da palavra: HERMES (Deus-mensageiro alado grego), hermeneuein (verbo “interpretar”) e hermeneia (substantivo interpretação). Significado a partir da raiz grega: Tornar algo que é pouco familiar, distante e obscuro em algo real e próximo e inteligível. 1.4.1. Hermenêutica como “dizer”: exprimir, afirmar, é a função anunciadora de Hermes. Sacerdote: proclama, Juiz: profere, proclama, declara. Exprimir em voz alta: Os poderes da linguagem falada e a sua expressividade. Quando se fala algo, existe uma série de elementos que facilita a compreensão (tom de voz, expressão, gestos, etc.). A interpretação oral traz a ideia de intérprete. O intérprete é aquele que dá vida, através de uma performance a palavra escrita e aos símbolos. Para dar vida à palavra deve existir uma compreensão mínima, e após a interpretação, haverá outra compreensão (circularidade). Toda leitura silenciosa pressupõe a interpretação oral, logo, regata a ideia da necessidade de dar vida à palavra. 1.4.2. Hermenêutica como “explicar”: enunciação – formulação de um juízo de verdade ou falsidade – apreensão do sentido (operação do intelecto racional). A interpretação pode decorrer de uma análise (resultado da aplicação de determinados métodos) ou de uma visão (compressão pessoal – escolha do método já implica uma interpretação, mas a explicação demanda uma interpretação mais profunda). Interpretação e contexto: a interpretação explicativa torna-nos conscientes de que a explicação é contextual, é horizontal – fusão horizôntica. 1.4.3. Hermenêutica como “traduzir”: quando o texto está numa língua estrangeira, o contraste de perspectivas e horizontes não pode ser ignorado (Hemes – mediador entre um mundo e outro). Linguagem como experiência cultural: molda a nossa visão de mundo. A tradução conscientiza-nos do choque entre o nosso universo de compreensão e aquele em que a obra foi produzida – significa reconhecer o problema da existência de um conflito entre horizontes e preparar-nos para lidar com ele, mais do que ignorá-lo. A linguagem liga sujeitos. 2. MÉTODO GRAMATICAL OU LITERAL: 2.1. O contexto histórico do surgimento da escola de exegese: 2.1.1. As concepções filosófico-jurídicas do iluminismo inspiradoras da codificação francesa: Racionalismo, Iluminismo e Revolução Francesa: O racionalismo traz uma base racional ao direito. O iluminismo traz a discussão da ideia de liberdade, e de igualdade. Tanto racionalismo quanto o iluminismo foram base da Revolução Francesa. Toda revolução tem seus próprios valores, e pretende ser seu próprio corpo de normas (no momento histórico existe um otimismo pós revolucionário, de que é possível concretizar os valores da revolução em um ordenamento, que seria a versão mais atualizada possível – porém a sociedade muda, e em certo momento, o ordenamento não abarca as situações jurídicas). Crença na existência de um legislador universal: Um legislador capaz de racionalizar, uniformizar e universalizar a aplicação do direito. Crença na existência de um direito simples e unitário: Somente o legislador universal é capaz de unificar e simplificar o conjunto de normas que rege uma determinada comunidade, tornando o direito mais claro, e fornecendo segurança jurídica. Crença na possibilidade de, uma vez codificado e simplificado,o Direito tornar-se claro e acessível a todos: Havia uma pluralidade de fontes do direito, causando uma falta de segurança jurídica. A crença de que o ser humano racional é capaz de entender o código se ele for simples e claro, decorre desta época. 2.2. Os projetos de codificação de inspiração jusnaturalista (reaproximação da natureza – de uma essência primeira, pura, universal – unicidade e simplicidade): Cambacérès (discurso): A criação do Código Napoleônico tinha uma forte tendência jusnaturalista: “Existe uma lei superior às outras, uma lei eterna, inalterável, própria a todos os povos, que os séculos não puderam alterar, nem os comentadores desfigurar. É a ela apenas que é necessário consultar”. Alguns códigos, inspirados no jusnaturalismo, tinham a pretensão de se reaproximar da natureza, de unicidade e de simplicidade. O retorno a natureza é o retorno da possibilidade de identificar o que seria o direito, o cerne do direito. Havia a preocupação de que o direito fosse único (transcender as produções normativas locais). Havia também a preocupação com a simplicidade porque compreender o direito, após o retorno a natureza, se torna quase intuitivo. O direito positivo napoleônico tinha a pretensão de apreender a essência do direito natural e materializar a sua essência no direito positivo. 2.3. A elaboração e a aprovação do projeto definitivo: Portalis: “O projeto definitivo abandonou decididamente a concepção jusnaturalista, O último resíduo de jusnaturalismo, representado pelo art. 1º do Título I, foi eliminado depois de uma tórrida discussão no Conselho de Estado”. Art. 1°: Existe um direito universal e imutável, fonte de todas as leis positivas: não é outro senão a razão natural, visto esta governar todos os homens”. Havia uma ordem preexistente que foi abalada com a Revolução. Com isso, há a necessidade de uma nova ordem que abarque os valores revolucionários e normas que concretizem os anseios da sociedade. Quando o direito pós revolucionário se consolida, passa-se do jusnaturalismo para o legalismo, onde aparece a figura do ‘juiz boca da lei’. O legalismo neste momento, é a base para o surgimento da Escola de Exegese. 2.3.1. Da utopia jusnaturalista à passagem ao legalismo: Machado Neto e a importância de Portalis. 2.4. O art. 4º do Código Civil Napoleônico e a proibição ao “non liquet” (não julgar): Havia a proibição do “não julgar”, o juiz não poderia deixar de julgar, a partir disto, questiona-se o que fazer quando a lei foi omissa e obscura. O juiz deveria buscar no próprio código, a resposta para estas questões. A redação deste artigo é uma porta para o jusnaturalismo, porém a interpretação dada e consolidada deste artigo, legou ao positivismo. “Se o Código de Napoleão foi considerado o início absoluto de uma nova tradição jurídica, que sepulta completamente a precedente, isto foi devido aso primeiros intérpretes e não aos redatores do próprio código, É de fato aqueles e não estes que se deve a adoção do princípio da onipotência do legislador, princípio que constitui, como já se disse, mais de uma vez, um dos dogmas fundamentais do positivismo jurídico”. 2.4.1. O que fazer nos casos de obscuridade, insuficiência e silencio da lei: Obscuridade da lei: Ocorre quando o juiz necessita tornar clara, através da interpretação a disposição legislativa que parece obscura. Insuficiência da lei: ocorre quando a lei não resolve completamente um caso demandando que o juiz complete o dispositivo legal. Silêncio da lei: ocorre quando a lei “se cala” acerca de uma questão, de modo que caberá ao juiz suprir a lei, deduzindo de algum modo a regra para resolver a controvérsia existente. 2.4.1.1. Auto-integração ou hetero-integração: Auto-integração: o juiz que necessita de uma regra para suprir (ou integrar) a lei, deve buscar tal regra no interior do próprio sistema legislativo. Hetero-integração: o juiz que necessita de uma regra para suprir (ou integrar) a lei, pode buscar tal regra no exterior ou fora do próprio sistema legislativo, deduzindo-a de um juízo pessoal da equidade (a ideia de equidade tem a ver com um juízo de ponderação, de equilíbrio, se relaciona com a função criativa do juiz – retorno ao jusnaturalismo). 2.4.1.2. A solução adotada pelo positivismo jurídico: A solução adotada pelo positivismo jurídico em sentido estrito é a primeira: o dogma da onipotência do legislador implica que o juiz deve sempre encontrar a resposta para todos os problemas jurídicos no interior da própria lei. O dogma da onipotência do legislador conduz a outro dogma, o da completude do ordenamento jurídico – auto-integração. 2.5. Surgimento da Escola de Exegese: “É neste modo de entender o art. 4º que se fundou a escola dos intérpretes do Código Civil, conhecida como ‘escola da exegese’: esta foi acusada de fetichismo da lei, porque considerava o Código de Napoleão como tivesse sepultado todo o direito precedente e contivesse em si normas para todos os possíveis casos futuros, e pretendia fundar a resolução de quaisquer questões na intenção do legislador”. 2.5.1. Causas históricas do advento da escola de exegese: a) O fato de codificação (prontuário para resolver as principais controvérsias / forma mais simples e curta para resolver uma questão). Ao invés de recorrer a pluralidade de normas diversas, recorre-se a um código mais simples, objetivo, curto. b) Mentalidade dos juristas: estava associada ao princípio da autoridade – recurso à vontade do legislador que pôs a norma, expressa de modo seguro e completo na forma da lei. Existe um código posto por uma autoridade competente (poder legislativo). c) Doutrina da separação dos poderes: fundamento ideológico da estrutura do estado moderno – juiz boca da lei. d) Princípio da certeza do direito: critério seguro de conduta, conhecido previamente. Pretensão de absolutização do direito, que é o único que tem legitimidade. OBS: “A exigência de segurança jurídica faz com que o jurista deva renunciar a toda contribuição criativa na interpretação da lei, limitando-se simplesmente a tornar explicito, através de um procedimento lógico (silogismo), aquilo que já está implicitamente estabelecido na lei”. e) Pressões exercidas pelo regime napoleônico sobre os estabelecimentos reorganizadores de ensino superior do direito para que fosse ensinado somente o direito positivo e se deixasse de lado todo o resto (teorias gerais do direito e concepções jusnaturalista). 2.6. A Escola da Exegese: característica fundamentais: A escola de exegese deve seu nome à técnica adotada pelos seus primeiros expoentes no estudo e exposição do Código de Napoleão, técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código. a) Inversão das relações tradicionais entre direito natural e direito positivo: não se nega a existência do direito natural, mas este é relegado à condição de algo desprovido de interesse para o jurista / não é sempre o melhor, nem o mais excelente, mas o direito possível, praticável, realizável que deve ser buscado pelo jurista. – O direito natural era muito abstrato, logo, não era uma boa opção para resolver os conflitos. b) Concepção rigidamente estatal do direito (monismo jurídico): o Estado é a única fonte legítima e reconhecida da produção normativa. c) A interpretação da lei deve ser fundada na intenção do legislador. Deve-se ir ao texto legal. - Se o único direito é aquele contido na lei, compreendida como manifestação escrita da vontade do estado, torna-se então normal conceber a interpretação do direito como busca da vontade do legislador nos casos de obscuridade, insuficiênciaou silêncio. Vontade presumida: qual seria a vontade do legislador se tivesse previsto a questão a partir do texto legal? Vontade real: o legislador previu a questão, mas a solução não ficou clara, qual foi então a sua vontade real ao prever tal questão? (Investigação histórica – exposição de motivos/atas/documentos históricos ligados à formulação do texto legal). Fetichismo da lei e do texto: d) O culto do texto da lei (interpretação estática e conservadora), de acordo com o qual o intérprete deve ser rigorosamente subordinado às disposições dos artigos do Código. Busca-se a resposta com o texto como parâmetro, utiliza-se o método gramatical para que resolva os problemas. e) Respeito pelo princípio da autoridade: competência outorgada. 3. MÉTODO HISTÓRICO-SISTEMÁTICO: 3.1. Introdução: contextualização histórico-geral: Desde o Renascimento, ocorre um processo de dessacralização do direito, que passa a ser visto como uma reconstituição, pela razão, das regras da convivência. Essa razão sistemática, é pouco a pouco assimilada ao fenômeno do Estado Moderno, aparecendo o direito como um regulador racional, supranacional (jusnaturalismo), capaz de operar, apesar das divergências nacionais e religiosas, em todas as circunstâncias. A crise dessa racionalidade, no entanto, irá conduzir-nos a um impasse que se observará, no início do século XIX, a partir aparecimento de formulações românticas sobre o direito, visto como fenômeno histórico, sujeito às contingencias da cultura de cada povo. Havia num primeiro momento a crença na racionalidade e no direito universal. Com o tempo, a visão passa a ser acerca de um direito que é compreendido a partir das contingencias históricas e culturais de cada povo. O direito não é mais universal, mas sim cultural. De um lado, durante séculos o direito foi percebido como algo estável face às mudanças do mundo, fosse o fundamento desta estabilidade a tradição, como para os romanos, a revelação divina, na Idade Média, ou a razão, na Era Moderna (*estabilidade = direito natural). Para a consciência social do século XIX, a mutabilidade do direito passa a ser a usual: a ideia de que, em princípio, todo direito muda, torna-se a regra, e que algum direito não muda, a exceção. Essa verdadeira institucionalização da mutabilidade do direito na cultura de então, corresponderá ao chamado fenômeno da positivação do direito (juspositivismo). O Estado colocará como direito posto aquilo necessário para regular a sociedade em determinado momento histórico. A percepção da mutabilidade teve consequências importantes para o saber jurídico. Estava aí em germinação uma concepção do direito não como um fenômeno que ocorre na história, mas que é histórico em sua essência, o que permitiria a possibilidade do conhecimento jurídico como metodicamente histórico. 3.2. O primeiro Savigny (primeiros escritos) – Método histórico – Vontade do legislador idealizada (três elementos: gramatical, lógico e histórico) – Critério genético – Foto: O método histórico significa estudar a vontade do legislado, que é uma vontade idealizada a partir da conjugação de três elementos da interpretação: gramatical, lógico e histórico. O critério genético diz qual a gênese da vontade do legislador e da lei, através de uma fotografia (determinado momento). Há um certo apego ao texto no início do pensamento de Savigny. Para Friedrich Carl Von Savigny (1779-1861/Alemanha), um dos fundadores e primeiros nomes da Escola Histórica do Direito. A ciência da legislação, é primeiro uma ciência histórica e depois também uma ciência filosófica, sendo que ambas as facetas se devem unificar porque a ciência do Direito tem de ser integralmente história e filosófica. Impende destacar que Savigny usa o termo filosófico, nesse momento, como sinônimo de sistemático: o sentido em que Savigny equipara, nos seus primeiros escritos, os termos sistemático e filosófico, vem a transparecer nas palavras seguintes: “todo sistema conduz à filosofia. A exposição de um simples sistema histórico conduz a uma unidade, a um ideal, em que aquela se baseia e isto é filosofia”. Para o jurista, a filosofia não é necessária, mesmo como simples conhecimento prévio. No elemento filosófico da ciência do direito, não deve pois, subentender-se a aceitação de quaisquer princípios jusnaturalistas, mas apenas a orientação, característica da própria ciência do direito, no sentido de uma unidade imanente pressuposta por esta última, orientação que, segundo Savigny, é comum à ciência do direito e à filosofia. Em contraposição com o primado do costume que defenderá ulteriormente, Savigny, equipara ainda no seu curso, o direito positivo ao direito legislado. Todavia, a legislação acontece no tempo e isso conduz a concepção de uma história do direito que estreitamente se conjuga com a história do Estado e a história dos povos, visto que a legislação é uma atividade do Estado. Além disso, Savigny distingue uma elaboração interpretativa de uma elaboração histórica e de uma elaboração filosófica (sistemática) do direito. Como objeto da interpretação aponta ele a reconstrução do pensamento que é expresso na lei, na medida em que seja cognoscível a partir da lei. O intérprete precisa se colocar na posição do legislador e deixar que se formem, por esse artifício, os respectivos ditames. Para esse fim, a interpretação precisa de três elementos: “um elemento lógico, um gramatical e um histórico”. O elemento histórico impulsiona a análise gramatical lógica, tendo em vista a compreensão da intenção do legislador. Não se pode dizer que Savigny é um positivista clássico, pois ele transcende o juspositivismo, mesmo que não alcançando o jusnaturalismo. A significativa do rumo positivista-legalista, que é próprio dos primeiros escritos de Savigny é a rejeição do que ele chama de interpretação extensiva e restritiva. Entende ele por isso uma interpretação ampliadora ou limitadora da letra da lei, de acordo, naturalmente, com o fim ou com a razão de ser da lei – a razão de ser da lei encontra-se no próprio sistema. Ele nega a interpretação extensiva e restritiva enquanto criação de normas. O juiz não tem que aperfeiçoar a lei, de modo criador – tem apenas que executá-la: um aperfeiçoamento da lei, é decerto, possível, mas deve ser obra unicamente do legislador. Não obstante, Savigny, admite a analogia, que, como acentua, consiste em descobrir na lei, quando haja um caso não especialmente regulado por ela, uma regra especial que proveja a um caso semelhante e reduzi- la a uma regra superior que decidirá então, do caso não regulado. Esse processo virá a distinguir-se do reiterado processo de interpretação restritiva ou extensiva, na medida em que com ele nada se acrescenta a lei, antes é a legislação que se complementa. O que, evidentemente, pressupõe que a regra especial estatuída na lei, pode ser vista como expressão de uma regra geral não estatuída nessa lei, mas nela contida segundo o seu espírito. 3.3. O segundo Savigny (escritos da maturidade) – método histórico – espírito do povo – tradição doutrinária – histórico dos institutos construída pela doutrina majoritária ao logo do tempo – critério orgânico – vídeo: Esse método visa perquirir o espírito do povo que se dedicou a entender a história dos institutos jurídicos, ou seja, a doutrina majoritária. Não se busca a vontade do legislador, mas o desenvolvimento dos institutos jurídicos. O critério é orgânico, existe uma narrativa, não uma análise de um momento único. Busca-se compreender o desenvolvimento do organismo. Para que se capte o espírito do povo, é necessária uma ultra metodologia. Aquela concepção sofre uma profunda alteração nomomento em que Savigny passou a considerar como fonte originária do Direito, não já a lei, mas a comum convicção jurídica do povo, o espírito do povo. Questiona-se acerca das convicções jurídicas construídas. A única forma em que uma tal convicção logra constituir-se não é, manifestadamente, a de uma dedução lógica, mas a de um sentimento e intuição imediatos. Na sua origem, esse sentimento e essa intuição não podem estar referidos a uma norma ou regra – concebível apenas como produto de um pensamento racional, por ser já geral e abstrato. O sentimento e a intuição só podem ter por objeto as concretas e ao mesmo tempo típicas formas de conduta que, justamente pela consciência da sua necessidade intrínseca, são observadas pelo conjunto de cidadãos, ou seja, as próprias relações da vida reconhecidas como típicas do ponto de vista do direito. Estas relações da vida, na medida em que se pensam e se organizam como uma ordem juridicamente vinculante, constituem os institutos jurídico – que assim se convertem, para a Savigny, na origem e no fundamento de toda a evolução do direito. Para Savigny, o instituto jurídico ostenta uma natureza orgânica, tanto no nexo vital dos elementos que o constituem como na sua evolução progressiva; é pois, um todo, pleno de sentido e que se transforma no tempo, de relações humanas consideradas como típicas, nunca logrado, por isso, ser exposto inteiramente pelo somatório das normas que lhe dizem respeito. Não são as regras jurídicas que, no seu complexo, produzem os institutos jurídicos antes – acentua Savigny – são essas regras que, por abstração, se extraem artificialmente da intuição global. Entre essa intuição e a forma abstrata de cada regra que diz respeito sempre a um único aspecto, artificialmente isolado, do conjunto da relação. Existe, segundo Savigny, um desajustamento, cuja superação constantemente se impõe à ciência do direito. A atividade do legislador e a atividade do intérprete: assim como o legislador tem de ter sempre presente a intuição integral do instituto jurídico como todo orgânico e há de, a partir dela, por um processo artificial, estabelecer a preceituação abstrata das leis, se quer que esta corresponda aos respectivos desígnios, assim, quem precisa de aplicar a lei tem, por seu turno, e por um processo inverso, de lhe restituir o nexo orgânico de que a lei mostra uma simples secção. Isto quer dizer que o pensamento jurídico não pode mover-se a um nível único, que tem sempre de conciliar a intuição e conceito. Crítica metodológica: Pode afirmar-se que, se esta doutrina tivesse sido defendida com seriedade absoluta por Savigny e observada pelos respectivos sucessores, nunca estes poderiam ter chegado a trilhar os caminhos da jurisprudência dos conceitos formais. No entanto – e daqui decorre para Larenz, a reduzida eficácia que teve na prática a sua metodologia – Savigny não consegue mostrar-nos como se efetua o transito da intuição do instituto para a forma abstrata da regra jurídica, e desta, finalmente, para a intuição originária. Savigny fala em abstração, intuição e sentimento, porém na prática isto não é operável. É caso para perguntarmos se os institutos jurídicos se deixam intuir sem que o intuído assuma desde logo uma expressão categorial, e, por outro lado, se é possível acrescentar regras em si, depois de se terem constituído por abstração – ou seja, por uma desintegração do instituto e um abandono consciente da sua totalidade – o seu primitivo nexo orgânico, quando é certo que este nexo só de dá da intuição, e por conseguinte, se fruta à apreensão conceptual. Quanto aos pontos específicos, voltamos a encontrar, na teoria da interpretação do sistema, muitas ideias dos primeiros escritos. Também aqui vem a indicar-se como objeto da interpretação da lei, a reconstrução do pensamento ínsito nas leis. O intérprete deve colocar-se em espírito na posição do legislador, e repetir em si, artificialmente, a atividade deste, ou seja, deixar, que a lei brote como que de novo no seu pensamento. Como os quatro elementos da interpretação, voltam a apontar-se o gramatical, o lógico, o histórico, e o sistemático, mas já não se trata aqui de quatro espécies de interpretação, e sim de diferentes atividades que tem de proceder em conjunto, se pretende-se que a interpretação chegue a seu termo. O elemento sistemático refere-se ao nexo interno que liga em uma grande unidade todos os institutos jurídicos e regras jurídicas. O êxito da interpretação, dependerá, primeiro, tomemos vivamente presente aos nossos olhos a atividade espinhal de que proveio a expressão do pensamento que está perante nós e, segundo, de que tenhamos suficientemente presente a intuição do todo histórico-dogmático, única fonte de que o particular pode colher alguma luz, para que se venham imediatamente a apreender as relações desse conjunto no texto que nos é oferecido. Igualmente em contraste com os primeiros escritos, admite agora Savigny, tanto uma interpretação extensiva, como uma interpretação restritiva, e para retificação precisamente, de uma expressão defeituosa. Neste caso, é ante de tudo, por um caminho histórico, que se procuram conhecer os pensamentos que o legislador ligou à expressão imperfeita, mas em segunda via, de novo aqui pode ser útil, ao lado do nexo interno, a especial razão de ser da lei. Só conhecendo assim o verdadeiro pensamento da lei, a expressão normativa pode ser retificada, devendo essa retificação impedir que a norma se aplique em contradição com o seu fim e, além disso, fazer com que se conheçam os verdadeiros limites da (sua) aplicação, de sorte que esta não ocorra imperfeita ou desnecessariamente. Uma concepção que nitidamente diverge dos escritos da juventude, é desenvolvida por último por Savigny em matéria de integração das lacunas por analogia. Em vez da remissão de cada regra especial para a regra superior implicitamente contida nela, temos agora o regresso à intuição global do instituto jurídico correspondente. No segundo Savigny, ao fazer a interpretação por analogia, deve-se buscar a ideia de instituto; após ocorrer o acesso ao instituto e a compreensão do mesmo, deve-se ver qual a resposta a ser dada para uma situação similar já regulada. Savigny distingue dois casos: a) O primeiro caso verifica-se quando surge uma relação jurídica nova, desconhecida, e por isso não existe como arquétipo nenhum instituto do direito positivo constituído até então. Nesta hipótese, precisa-se formar um tal instituto jurídico arquétipo, de acordo com a lei do parentesco íntimo com institutos já conhecidos. Trata-se pois, de nova criação, que se tem de prender, tanto quanto possível, com o caso que anteriormente existia. b) Mais frequentemente, todavia, é o segundo caso, que se verifica quando, num instituto jurídico já conhecido, surge uma nova questão jurídica. A esta há então que se responder segundo o parentesco íntimo das proposições jurídicas pertencentes a este instituto, na medida que convenha a uma justa compreensão das razões, ou seja, dos fins especiais dessas proposições jurídicas. Toda analogia repousa na pressuposta coerência interna do Direito, esta, porém nem sempre é apenas uma consequência lógica como a simples relação entre causa e efeito, mas também uma consequência orgânica, isto é, uma consequência que resulta da intuição global da natureza práticas das relações jurídicas e dos seus arquétipos. 3.4.Conclusão: Desde o começo é característica de Savigny a exigência à uma combinação dos métodos histórico e sistemático referindo-se aquele à formação de cada lei dentro de uma certa situação histórica e propondo-se este a compreender a totalidade dasnormas e dos institutos jurídicos subjacentes como um todo englobante. Ao passo, porém, que o escrito da juventude entende o sistema jurídico exclusivamente como um sistema de regras jurídicas que se encontram entre si numa tal ligação lógica que a as regras especiais se veem como brotando de certas regras gerais, às quais podem ser reconduzidas. A obra da maturidade, por outro lado, parte da ideia de nexo orgânico entre os institutos jurídicos que vivem na consciência comum; dos institutos jurídicos é que as regras jurídicas particulares vem posteriormente extrair-se através de uma abstração, por isso, tem aqueles de estar na instituição, constantemente presente ao interprete, para que este posa compreender com justeza o sentido da norma particular. Na obra da maturidade, Savigny liberta-se da estrita vinculação ao teor literal da lei defendida no seu escrito da juventude, em favor de uma consideração mais vigorosa do fim da lei e do nexo de significações fornecidas pela global intuição do instituto. Não esclarece, contudo, como é possível reconduzir de novo a regra jurídica particular surgida por abstração, à unidade de sentido do instituto jurídico correspondente, e tirar desta unidade quaisquer determinações quando tal unidade só se oferece de modo intuitivo, não sendo acessível ao pensamento conceitual. O primeiro Savigny trabalha com o elemento gramatica e lógico, e o segundo Savigny destaca os institutos e o critério orgânico. 4. MÉTODO SISTEMÁTICO – A JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS DO SÉCULO XIX: 4.1. A jurisprudência dos conceitos de Georg Friedrich Porchia: A ideia de sistema consubstancia na ciência jurídica uma herança da doutrina do direito natural (ao se falar de direito natural, deve-se levar em cota as características da pretensão e a universalidade). Ao falar sobre estas características, tem-se também a ideia de unidade. A ideia de sistema, é analisada desde o primeiro Savigny, com a preocupação acerca da unidade. O sistema, significa aqui muito mais do que mera clareza e facilidade de domínio de uma certa matéria, significa a única maneira possível pela qual o espírito cognoscente consegue assegurar-se da verdade, o critério da racionalidade intrínseca, como exigência imprescindível da verdadeira cientificidade (ou seja, a ideia de sistema está associada a forma como a racionalidade se estrutura). Savigny acentuou desde o início, ao lado do caráter histórico e com idêntica importância, o caráter filosófico ou sistemático da ciência do direito. A ideia de sistema significa o desabrochar de uma unidade numa diversidade, que deste modo, se reconhece como algo coeso do ponto de vista do sentido. No entanto, essa unidade que o sistema exprime, pode ser pensada de duas maneiras diferentes e alcançar, por consequência, caminhos diferentes: a) Pode-se pensar antes de tudo, a maneira da unidade de um organismo (segundo Savigny) – como uma totalidade significativa que habita a diversidade e que só nela e com ela se manifesta. b) A outra maneira em que a unidade pode ser pensada é a do conceito geral abstrato, limpo de tudo o que haja de particular, sendo a este tipo de unidade que conduz a lógica formal (o indivíduo pode pensar como elemento estruturante do sistema, um conceito geral e abstrato ao qual o mesmo remete todas as demais regras; e é este conceito que dará unidade ao sistema). c) Num sistema orgânico como que pretendiam os filósofos idealistas, os elementos constitutivos do sistema gravitam, todos eles, em volta de um centro. A unidade do sistema repousa na irredutível relação de todos os elementos constitutivos com esse centro fundado em si próprio Trata-se portanto, de algo comparável em um círculo, ao passo que, ao invés, o sistema de conceitos que se determina pelo princípio da lógica formal se assemelha, a uma pirâmide (jurisprudência dos conceitos trabalha com uma lógica formal que se traduz em temos da estrutura piramidal, em que tem-se o conceito estruturante no topo por ser mais geral e abstrato, e a partir dele, tem-se a coerência do sistema). 4.1.1. Jurisprudência dos Conceitos – Lógica Formal – Pirâmide de Conceitos: O conceito supremo, que ocupa o vértice da pirâmide, paira muito acima da base, embora seja isso que lhe permite uma extensão de perspectiva maior. À largura corresponde a compreensão e a altura a extensão (o âmbito da aplicação) do conceito abstrato. O ideal do sistema lógico é atingido quando no vértice, se coloca o conceito mais geral possível em que se venham a subsumir, como espécies e subespécies, todos os outros conceitos, de sorte que, de cada ponto da base possamos subir até ele, através de uma série de termos médios e sempre pelo caminho da eliminação particular. Foi Puchta quem, com inequívoca determinação, conclamou a ciência jurídica do seu tempo a tomar o caminho de um sistema lógico no estilo de uma pirâmide de conceitos, dividindo assim, a essa evolução, o sentido de uma jurisprudência dos conceitos formal. É missão agora da ciência, reconhecer as proposições jurídicas no seu nexo sistemático, como sendo entre si condicionantes e derivantes, a fim de poder seguir-se a sua genealogia desde cada uma delas até o princípio comum e, do mesmo modo, descer do princípio até ao mais baixo ponto dos escalões. Neste empreendimento, vem a trazer-se à consciência à luz do dia das proposições jurídicas que, ocultas no espírito do direito nacional, não se tinha ainda exprimido, nem na imediata convicção e na atualização dos elementos do povo, nem nos ditames do legislador, ou seja, que patentemente só se vem a revelar enquanto produto de uma dedução da ciência. E eis como a ciência vem entrar como terceira fonte do direito ao lado das outras duas, sendo o Direito que mediante ela surge, o direito da ciência, ou, porque é trazido à luz pela atividade dos juristas, o Direito dos juristas. Cabe a ciência do direito aquilo que não está expresso, aquilo que o espirito do povo não contemplou a partir de uma lógica dedutiva (surge a doutrina como fonte do direito). O que Puchta designa por genealogia dos conceitos não é, assim, outra coisa senão a pirâmide de conceitos do sistema construído, segundo as regras da lógica formal, Puchta entende que possui o conhecimento sistemático reclamado por ele quem consegue seguir, tanto no sentido ascendente. Genealogia dos conceitos: remissão a pirâmide de conceitos que se constrói através da lógica global. A genealogia dos conceitos ensina, portanto, que o conceito supremo, de que se deduzem todos os outros, codetermina os restantes através do seu conteúdo. Porém, de onde procede o conteúdo desse conceito supremo: Um conteúdo terá ele de possuir, se é que dele se podem extrair determinados enunciados, e esse conteúdo não deve proceder dos conceitos dele inferidos, sob pena de ser tudo isso um círculo vicioso. O conceito será então, buscado fora do direito positivo. Segundo Puchta, esse conteúdo procede da filosofia do Direito: sendo assim, consegue um ponto de partida seguro com que construir dedutivamente, todo o sistema e inferir novas proposições jurídicas. Mas se analisarmos, mais em concreto, o a priori filosófico do sistema de Puchta, não é senão o conceito Kantiano de liberdade. Dele deduz Puchta, o conceito de sujeito de direito como pessoa (em sentido ético) e o direito subjetivo como poder jurídico de uma pessoa sobre um objeto. Para o entendimento de Puchta e para o enquadramento da Jurisprudência dos conceitos formal na história das ideias regulam, por conseguinte, duas coisas: a) A primeira é que a construção dedutiva do sistema depende absolutamente da pressuposição de um conceito fundamental determinado quanto ao seu conteúdo, conceito que não é, por sua vez, inferido do Direito Positivo, mas dadopreviamente à ciência jurídica pela filosofia do direito, Só pode ser Direito o que se deixe subordinar a esse conceito fundamental. Nesta medida, a Jurisprudência dos Conceitos não prescinde em Puchta, de um fundamento suprapositivo. b) Por outro lado, porém, urge acentual que a influência da filosofia idealista em Puchta se limita à determinação, quanto ao conteúdo do seu conceito fundamental. À maneira como ele constrói os conceitos ulteriores, ou seja, o processo lógico dedutivo, deriva não da filosofia idealista, desigualmente da filosofia hegeliana, mas como hoje geralmente se reconhece, do racionalismo do século XVIII (essa dedução é uma lógica estrita e absolutamente formal. A filosofia entra para dar o conteúdo somente do conceito fundante, a partir dele, é procedimento lógico formal, não se tem uma preocupação com o conteúdo material. 4.1.2. Resumo: Puchta abandonou a relação acentuada por Savigny, das regras jurídicas com o instituto jurídico que lhe é subjacente, em favor da construção conceptual abstrata, e colocou, no lugar de todos os outros métodos, e também de uma interpretação e desenvolvimento do direito orientados para o fim da lei e o nexo significativo dos institutos jurídicos – o processo lógico-dedutivo da jurisprudência dos conceitos, preparando o terreno ao formalismo jurídico que viria a prevalecer durante mais de um século, formalismo que, como acentua Wteacker, constitui a definitiva alienação da ciência jurídica em face da realidade social, política e moral do direito. Não foi assim por mero acaso que o movimento contraposto arrancou de início, não do terreno da filosofia, mas da recentemente surgida ciência empírica da realidade social, isto é da sociologia. 4.2. O Positivismo legal racionalista de Windscheid: A grande maioria dos juristas do século XIX tomou como modelo o pensamento conceptual formal e a tendência para um sistema fechado de conceitos no estilo Puchta (é mais fácil compreender e aplicar o direito se trabalha-se com conceitos). Apesar de marcada por uma tendência psicologistica, que o caracteriza e caracteriza a sua época, é a linha de Puchta que Windscheid fundamentalmente vem a prosseguir. A lei não é, portanto, para Windscheid, uma simples expressão do poder do legislador, um simples factum, mas a sabedoria dos séculos que nos procederam, o que na lei se dita como Direito, antecipadamente, foi reconhecido como direito pela comunidade jurídica (aqui também faz-se um direito dos juristas, um direito que vem da ciência, pois a lei não é só o que o legislador coloca, a compreensão da lei não vai levar em consideração somente o texto legal como fundamento de poder). Como fonte última do Direito positivo – do costume diretamente, mais, indiretamente, também da legislação – Windscheid indica, portanto, não já a vontade, mas a razão dos povos (tentativa de tornar mais racional e objetiva a apreensão histórica de Savigny). Para ele o direito é na sua contingencia histórica algo de racional, e por conseguinte algo suscetível de uma elaboração científica, não apenas de caráter histórico, mas também de caráter sistemático (trabalha-se com a razão do povo, com uma construção que vem da doutrina, que lembra muito Savigny, mas ele vai dizer que há algo irracional, sistemático. Mais do que o sistemático, em Savigny ele vai puxar o sistemático de Puchta). Windscheid = Savigny (perspectiva histórica) + Puchta (perspectiva racional) + compreensão subjetiva da razão (vontade do legislador) = preso a concepção de Savigny e de Puchta, Windscheid vê o direito como algo histórico e simultaneamente racional, já não entende, contudo, a razão tão objetivamente como eles – com sentido imanente dos institutos jurídicos, como essência de princípios jurídicos fundamentais que, embora possam variar historicamente, determinam, como força interior que são do espírito (objetivo), e pensamento de toda uma época de cultura – mas subjetivamente, como a vontade raciona do legislador; (não é a vontade empírica do legislador, o que ele quis naquele momento, mas uma vontade racional, e o parâmetro dessa racionalidade quem dá é o texto que vai ser lido e interpretado). O pensamento de Windscheid corresponde a um positivismo legal racionalista moderado pela crença na razão do legislador. O que se exprime em Windscheid e na geração dos juristas por ele influenciados, é a compreensão de que, se direito é sem dúvida, equiparado a lei (concepção positivista) esta compreende-se como expressão, não já de puro arbítrio, mas da vontade racional – nas ponderações racionais que a orientam e nas perspectivas racionais em que se apoia – de um legislador histórico e, ao mesmo tempo idealizada. Significativo da peculiar posição intermediária de Windscheid é de considerar, por um lado, a vontade do legislador indiscutivelmente como um fato histórico-psicológico, mas, por outro lado, através de uma pseudo-argumentação psicológica, tentar criar um espaço a vontade racional (vontade que demanda uma coerência) do mesmo legislador em face de uma pura vontade fática, e assim, dai de alguma maneira uma abertura a uma interpretação da lei segundo a racionalidade objetiva ou natureza das coisas, Segundo Windscheid, a interpretação da lei deve determinar o sentido que o legislador deu às palavras por ele utilizadas. Tal como Savigny, Windscheid exige que o intérprete se coloque no lugar do legislador e execute o seu pensamento, para o que deve tomar em consideração, que as circunstâncias jurídicas que forma presentes no seu espírito quando ditou a lei, quer os fins prosseguidos pelo mesmo legislador (em tese ele vai dizer que é importante recuperar a vontade empírica, histórica e psicológica do legislador original. Mas é mais importante ainda, balizar essa vontade histórica com a vontade racional. Nesse ponto, adverte-se que a interpretação tem também a missão de extrair, por detrás do sentido a que o legislador quis dar expressão, o seu verdadeiro pensamento deve não apenas ajustar à expressão insuficiente da lei, o sentido realmente pensado pelo legislador, mas ainda imaginar o pensamento que o legislador, não pensou até ao fim, ou seja, deve não se manter simplesmente no plano da vontade empírica do legislador, mas conhecer a vontade racional desse legislador. Windscheid não nota que, tal como sua conhecida teoria da pressuposição, vem aqui a parrar do campo da indagação empírica-psicológica da vontade para o de uma compreensão objetiva do sentido, substituindo por um conceito normativo de vontade, o conceito psicológico de que partira incialmente. A distinção entre a vontade fática, consciente, do legislador, e a sua vontade verdadeira, que repousa na ocorrência racional do seu pensamento, é também o que estabelece a ponte entre a teoria da interpretação de Windscheid e a sua ideia de sistema (a partir da compreensão do sistema como um todo que o indivíduo constrói a vontade racional). O verdadeiro pensamento de uma proposição jurídica – afirma ele – revela-se nos conceitos jurídicos, ou seja, em súmulas de elementos de pensamento. Só partindo da apreensão plena dos conceitos jurídicos, decompostos nos seus elementos de pensamento e de novo articulados, a partir deles, é que se alcança a conexão intrínseca das proposições jurídicas – o sistema jurídico. O exemplo das lacunas e a prevalência da vontade racional/compreensão objetiva (sentido do sistema, do todo) do Direito: as lacunas não devem preencher-se a partir de um hipotético direito natural, mas a partir do espírito do direito no seu todo, tende descobrir a solução correta segundo o sentido do direito no seu todo. No que se pressupõe claramente que o direito é mais doque um somatório de imperativos, que é também uma unidade de sentido objetiva, unidade de que se podem deduzir – por meio de conclusões e, particularmente, da analogia – os elos intermédios que eventualmente faltem. Mais do que buscar uma vontade fática, facilmente perceptível do legislador, trabalha-se com a vontade racional, vontade esta que é possível ser acessada a partir da compreensão do sistema como um todo. É essa unidade do sistema que vai fornecer parâmetros para a compreensão do conceito normativo de vontade. Eis o que é característico do pensamento conceitual abstrato em gral: os conceitos extraídos permitem apenas apreender a superfície exterior do fenômeno, o cerne, isto é, o conteúdo significativo (do instituto, do direito em geral) vem a ser quase completamente eliminado. Visto do plano lógico-formal, o sistema está certo, visto do plano material, falta-lhe justamente o essencial, a substancia espiritual. Na jurisprudência dos conceitos, preocupa-se com a forma (tom de formalismo jurídico), mas não preocupa-se com o conteúdo. 5. JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES – METÓDO TELEOLÓGICO: 5.1. A Jurisprudência pragmática de Rudolf von Jhering: No ano de 1847, o procurador Von Kirchmann realizou uma conferência que acabou por apontar que a Ciência Jurídica, ou, como se chamava à época, a Jurisprudência, não teria valor enquanto ciência, porque que nada traria de essencial à ampliação dos conhecimentos, uma vez que o seu objetivo, o Direito positivo, é contingente, lacunar. Tornou-se, então, conhecida a sua afirmação: três palavras de correção do legislador e bibliotecas inteiras transformam-se em papel de embrulho, com o intuito de demonstrar que, para a prática jurídica, a Ciência do Direito seria inutilizável. E isto principalmente porque a Jurisprudência, ao invés de ser preocupar com o desenvolvimento do Direito, se liga excessivamente ao que está estabelecido, porque tenta - e aqui se descobre que o objeto da acusação é a Jurisprudência dos Conceitos, no estilo de Puchta e do jovem Jhering - constranger as formas da atualidade nas ultraconhecidas categorias de figuras já mortas. De fato, uma ciência do Direito que via o seu maior contributo na compreensão historicamente fiel das fontes jurídicas romanas, ainda estimadas como válidas para a atualidade, e na sua inserção num sistema de conceitos, logicamente mal podia corresponder as exigências de uma prática do direito que diuturnamente era colocada perante problemas a que aquelas fontes não conseguiam dar uma resposta satisfatória. A realidade que mudava e se transformava para além destes conceitos. O método histórico de Jhering, nesse contexto, consiste em, ter sentido, as insuficiências da pandectística (compreensão do direito como um sistema fechado e acabado, sem lacunas) e em ter chamado a atenção desta para os problemas do seu tempo. A sua limitação foi ter-se mantido predominantemente na crítica, na negação, e ter erigido a nova fundamentação juseorética, que pretendeu estabelecer, num terreno inadequado para isso - no terreno do positivismo sociológico. Jhering diz que acreditar que os conceitos são inalteráveis é uma posição imatura, que deriva de um estudo da História completamente acrítico. A vida não é o conceito, os conceitos é que existem por causa da vida. Não é o que a lógica postula que tem de acontecer, o que a vida, o comércio, e o sentimento jurídico postulam é que tem de acontecer, seja isso logicamente necessário ou logicamente impossível. Decerto que, para o uso acadêmico, seria bem cômodo, em vez da circunstanciada exposição das relações ou das razões práticas a que uma proposição jurídica deve verdadeiramente a sua origem, supor um determinado ponto de vista a que ela se subordinasse como uma consequência lógica. Simplesmente o que nunca se deveria ver aí, era o verdadeiro fundamento das proposições e conceitos jurídicos. As ideias iniciais de Jhering contêm o princípio de um programa para uma Jurisprudência pragmática que tem menos a ver com um conhecimento mais profundo do direito do que com o valor para vida dos respectivos esforços. O problema da Jurisprudência está em saber em que consiste este valore para a vida. A ideia de finalidade, faz com que se pense em uma teleologia social, onde preocupa-se com os interesses em jogo na vida em sociedade. A ideia base da obra na qual Jhering se baseia (O Fim do Direito) é a de que o fim é o criador de todo o direito, de que não existe nenhuma proposição jurídica que não deva a sua origem a um fim, ou seja, a um motivo prático. Jhering não pensa tanto num fim próprio do direito (olhando o direito como um sistema uno), num fim subsequente em si mesmo, numa objetiva e imanente teleologia do Direito, mas nos fins práticos das proposições jurídicas singulares, fins em virtude dos quais, unicamente segundo ele crê, essas normas são criadas e podem ser explicadas. Os fins aos quais Jhering se refere são fins sociais e não fins do direito. No são os fins sociais, que automaticamente criam o direito, mas apenas o sujeito que estabelece esses fins e que prossegue esses fins pela imposição do direito. Por isso, o eixo da obra de Jhering reside verdadeiramente na questão do sujeito dos fins, o sujeito que está por detrás das proposições jurídicas e que, através delas, consegue prevalecer. A causa não é criadora do direito, mas sim o sujeito que define os fins. A resposta óbvia - o legislador - já não logra satisfazer Jhering, que bem sabe que o legislador conta menos como pessoa individual do que como representante de uma comum vontade ou impulso que congrega todos os cidadãos. Um tal sujeito, só se pode descobrir na sociedade, pois, genericamente entendida, a sociedade é uma cooperação para fins comuns, em que cada qual, enquanto trabalha para os outros, trabalha também para si, e enquanto trabalha para si, trabalha também para os outros. Todas as proposições jurídicas têm como fim a segurança das condições de existência da sociedade e que a sociedade é o sujeito do fim de todas as proposições jurídicas. Essencial para nós, então, é entender que: a) Jhering desloca o eixo do problema do legislador como pessoa, para a sociedade como grandeza determinante, e, por assim dizer, como verdadeiro ator. Todavia, transcende tão pouco o credo legalista do seu tempo que se apropria da sua tese fundamental: a tese do monopólio do Estado em matéria de criação do Direito. Direito é para ele apenas a norma coercitiva posta pelo Estado (positivismo). b) A par da qualidade formal de ser uma norma coercitiva posta pelo Estado, Jhering atribuiu a cada norma jurídica uma relação de conteúdo com um fim determinado, benéfico para a sociedade, e por causa do qual a norma existe, com o que, ainda no terreno do positivismo, consuma já o abandono quer da Jurisprudência dos conceitos formal, quer de uma compreensão predominantemente psicológica do conceito do Direito. O Direito é para ele a norma coerciva do Estado posta ao serviço de um fim social. Para compreender a norma jurídica precisa-se menos de uma análise lógica ou psicológica do que de uma análise sociológica. c) Jhering não reconhece qualquer hierarquização objetiva dos fins da sociedade. Segundo ele, estes resultam antes, das diversas necessidades vitais da sociedade respectiva, da sociedade historicamente dada. Só o que uma certa sociedade humana vê como útil e vitalmente relevante para o seu bem-estar é que decide da sua própria e historicamente mutável exigência de felicidade. Deste modo, é Jhering o primeiro dos pensadores jurídicos modernos que relativiza por completo as pautas do direito. Para Jhering, o Direito é posto pelo Estado (positivismo), para atender aosinteresses da sociedade, a interpretação das normas deve ocorrer de modo atualizado, e aqui, pode-se perceber o método histórico acentuado em Jhering. A vida gera um interesse que deve ser absorvido pelo legislador, e este, ao criar proposições jurídicas, deve atentar ao interesse da sociedade, conformando-o na norma. Para além de tudo, no entanto, não há de se esquecer o significativo contributo de Jhering para a evolução da ciência do direito e que se traduz no reconhecimento de que toda a proposição jurídica tem necessidade de ser vista também na sua função social: ela aspira conformar a existência social e, por conseguinte, ordena-se, pelo seu próprio sentido, a um fim social. Daqui emerge, para a ciência do direito, a necessidade de um pensamento teleológico (Teleologia Social). Outro problema é o de saber se os fins sociais não se subordinam por seu turno, a uma ordem objetiva, hierárquica e valorativa, ordem que se exprime na ordem jurídica, concebida como um todo de sentido. Este problema foi francamente estranho a Jhering, que, de resto, afora algumas observações isoladas, não logrou aplicar a sua doutrina à metodologia da ciência do direito. 5.2. A Jurisprudência dos Interesses de Philippe Heck: Estabeleceu os pilares para a compreensão da Jurisprudência dos interesses. A ligação entre Jhering e a Jurisprudência dos interesses torna-se nítida quando se lê em Heck que, o cerne da disputa metodológica reside na ação do direito sobre a vida, tal como ela se realiza nas decisões judiciais. Enquanto a orientação anterior (Jurisprudência dos conceitos), limita o juiz a subsunção lógica da matéria de fato nos conceitos jurídicos - essa conformidade, concebe o ordenamento como um sistema fechado de conceitos jurídico, requerendo assim o primado da lógica no trabalho jus científico - a Jurisprudência dos interesses tende ao invés, para o primado da indagação da vida e da valoração da vida. O objetivo final da atividade judicial e da resolução pelo juiz dos casos concretos é, por seu turno, a satisfação das necessidades da vida, a satisfação das apetências e das tendências apetitivas, quer materiais quer ideias, presentes na comunidade jurídica. São estas apetências (desejo de satisfação) e tendências apetitivas que designamos - elucida Heck - por interesses, e a particularidade da Jurisprudência dos interesses consiste em tentar não perder de vista esse objetivo ultimo em toda a operação, em toda a formação de conceitos. A jurisprudência dos interesses considera o direito como uma tutela de interesses. Significa isto que, os preceitos legislativos - que também para Heck constituem essencialmente o Direito posto - não visam apenas delimitar interesses, mas são em si próprios produtos deste interesse. As leis são resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa e ética, que, em cada comunidade jurídica, se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento. Na tomada de consciência disto, reside o cerne da Jurisprudência dos interesses, sendo também daí, que ele extrai a sua fundamental exigência metodológica de conhecer com rigor histórico os interesses reais que causaram a lei e de tomar em contam na decisão de casa caso, esses interesses (1º Heck - genético). Deste modo, o legislador como pessoa vem a ser substituído pelas forças sociais, aqui chamada 'interesses'. O centro de gravidade desloca-se da decisão pessoal do legislador e da sua vontade pretendida psicologicamente, primeiro, para os motivos e depois para os fatores causais motivantes. A interpretação deve remontar, sobre as concepções do legislador aos interesses que formam causais para a lei. O legislador aparece simplesmente como um transformador, não sendo nada mais que a designação englobante dos interesses causais. A concepção de que certos interesses são causais (causas eficientes, no processo do acontecer) para a norma jurídica, na medida em que determinam no legislador representações, ideias de dever ser, as quais, Heck chama de teoria dos interesses. Heck também utiliza a investigação histórica dos interesses como método de interpretação da lei. O conceito positivista de Ciência, o qual, talvez inconscientemente, Heck, no fundo adere, só conhece, fora da lógica e da matemática, ciências causais. 5.3. Segundo Heck - Encontra-se em Heck, e em maior grau, em Stoll, uma segunda linha de ideias que transcendem a teoria genética dos interesses, e que só hoje se tornou inteiramente eficaz. Além da causa, um efeito: o interesse é um objeto sobre o qual incide a própria valoração do legislador: além dos numerosos passos em que o interesse aparece como fator causal que determinou as concepções preceptivas do legislador e, através delas, o preceito da lei, descobrem-se outros em que ele surge preferencialmente como o objeto sobre o que incide a valoração. O interesse além da causa está no conteúdo. Aqui, o interesse começa a ser compreendido como conteúdo, objeto sobre o qual o legislador irá tecer considerações. Mais claramente ainda, afirma Stoll, que cada proposição jurídica autônoma contém indiretamente um juízo de valor sobre os conflitos subjacentes. Ora, como cada valoração, corretamente entendida, constitui uma livre tomada de posição do sujeito valorante, tomada de posição que se dirige, sem dúvida, a um critério de valor, mas que não pode ser causada por ele, eis que, com a introdução do conceito de valor, a simples consideração causal das normas jurídicas vem a ser efetivamente abandonada. Stoll considera que mesmo as gerais e abstratas ideias de fim, como segurança jurídica, equidade, etc., não são mais do que interesses ideais, que o legislador ao construir a norma, também submete a sua valoração. Do mesmo modo, Heck assegura-nos que a ponderação dos interesses contrastante se deve à intervenção de interesses de decisão, nomeadamente de interesses profundos da comunidade que determinam o juízo de valor, ou seja, que redunda de novo numa consideração de interesses. Ao instruir o juiz a aplicar os juízos de valor contidos na lei dentro do caso concreto, consegue-se sair um pouco do positivismo. O preenchimento das lacunas da lei começa a abrir ao juiz a possibilidade de se desenvolver o direito não apenas na fidelidade à lei, mas de forma harmônica com as exigências na vida. Perceber que existe uma lacuna, já é considerar valorativamente o direito. No preenchimento de uma lacuna, o juiz deve pensar os interesses em jogo de acordo com o que a lei postula, mas também de modo autônomo. O legislador ao representar os anseios da vida que motivaram a elaboração da norma, emite um juízo de valor, e por isso o interesse não é somente causa, mas também um balizador. Com o decurso do tempo a Jurisprudência dos interesses revolucionou a aplicação do direito, pois veio a substituir progressivamente o método de uma subsunção aos rígidos conceitos legislativos, fundamentada tão somente em teorias lógicos-formais (jurisprudência dos conceitos), pelo de um juízo de ponderação diante de uma situação de fato complexa, bem como de uma avaliação dos interesses em jogo, de harmonia com os critérios de valoração próprios da ordem jurídica. 6. O POSITIVISMONOMATIVISTA DE HANS KELSEN: 6.1. A Teoria Pura do Direito de Kelsen: Hans Kelsen preocupou-se em legitimar e consolidar um projeto de ciência autônoma para o Direito (dogmática jurídica): Perante a concepção de que a autêntica ciência do Direito seria a Sociologia do Direito, ao passo que à ciência jurídica tradicional apenas caberia o papel de uma tecnologia ou de um auxiliar da jurisprudência dos tribunais, impunha-se uma tomada de consciência metodológica por parte da Ciência do Direito. Foi Hans Kelsen quem, com admirável energia e singular rigor de pensamento, dedicou-se a semelhante missão. A sua Teoria Pura do Direitoconstituiu a mais grandiosa tentativa de fundamentação da ciência do direito como ciência – mantendo-se, embora, sob o domínio do conceito positivista desta última e sofrendo das respectivas limitações – que o nosso século veio até hoje a conhecer. A concepção positivista do direito, traz a busca da causa do direito, logo, ou o mesmo é pensado como uma sociologia, ou como uma psicologia jurídica (buscava-se ou o fato social ou o fato psíquico). Kelsen constrói sua teoria de modo antagônico a isto. O direito não é algo somente interno, existe uma repercussão no mundo da vida. Ser x dever ser: O ponto de partida de Kelsen na fundamentação da autonomia metodológica da Ciência do Direito é a distinção entre juízos de ser e juízos de dever ser. Deve-se atentar para duas frases: 1) Os contratos são (costumam ser) cumpridos – fato; 2) Os contratos devem (por direito) ser cumpridos – prescrição. São coisas completamente diferentes dizer que, nas atuais condições, os contratos normalmente são (isto é, grande maioria dos casos) cumpridos (ou não cumpridos) e dizer que os contratos devem pro direito ser cumpridos – afirma o jurista alemão. A primeira frase contém um enunciado sobre um acontecimento que efetivamente se verificou, portanto é um juízo de fato, a segunda contém um enunciado sobre o que dever verificar-se (quer efetivamente se verifique, quer não), um juízo sobre um dever ser ou sobre um ser prescrito. A primeira frase demanda uma análise de correção (verdadeira ou falsa), a segunda, demanda uma análise de validade. As duas afirmações têm assim, um valor enunciativo ou sentido, inteiramente diferentes. É um erro confundir esses dois modos de observação entre si, pois cada um dos modos de observação é independente do outro e segue o seu método específico. A ciência do direito segundo Kelsen, não tem a ver com a conduta efetiva do homem, mas só com o prescrito juridicamente. Só garante o seu caráter cientifico quando se restringe rigorosamente à sua função e o seu método se conserva puro de toda a mescla de elementos estranhos à sua essência. Para manter o status de cientificidade nos moldes positivista é necessário a identificação de um objeto e um método dotado de rigor. A Teoria Pura do Direito não foi desenvolvida para pensar um ordenamento determinado, na verdade, ela pretendia ser uma Teoria Geral do Direito. Esta teoria não se preocupa com o conteúdo, mas só com a estrutura lógica das normas jurídicas. Não é uma interpretação de certas normas jurídicas nacionais ou internacionais, no que claramente se distingue da tradicionalmente chamada ciência dogmática do direito. Aqui, preocupa-se com a forma, e não com a matéria. 6.2. Dever ser, conduta humana (ato que põe a norma/atos que realizam ou não a norma) e sentido: A ciência do direito, como já se disse, tem a ver com normas, ou seja, com um dever ser. Decerto que as normas do direito positivo, na medida em que são postas, subjazem atos, quer dizer, processos externos do comportamento humano, estes (atos/condutas humanas), porém, não trazem em si o seu sentido – como atos jurídicos – recebendo-o apenas quando uma norma, como esquema de interpretação, a eles for aplicada. 6.3. Observação jurídica e observação sociológica: Não é qualquer conduta que será observada. À Teoria Pura do Direito, o que interessa é a especificidade lógica (teoria escalonada) e a autonomia metódica da ciência do direito. Pretende liberar a ciência do direito de todos os elementos que lhe são estranhos. O jurista, entende Kelsen na sua primeira obra, pode sem dúvidas fazer reflexões de natureza psicológica e sociológica, mas não deve nunca servir-se dos resultados da sua consideração explicativa na sua construção conceptual normativa. Para entender e descrever a norma aplicada, no ato do conhecimento, o juiz não pode usar elementos alheios à causa. No ato de vontade, o juiz não estará preso às construções da ciência do direito. 6.4. Direito x Moral: Ambos são estruturas deontológicas, porém, o que muda é que a ordem jurídica é coercitiva, e essa característica é o que diferencia direito e moral – possibilidade de sanção aplicada pelo Estado, por isso o dever ser jurídico tem um caráter diferenciado do dever ser moral (ordem positiva sem caráter coagente). O Direito em si para Kelsen não é neutro, mas sim a Ciência do Direito. OBS: Aqui, não se preocupa com o conteúdo, pois não é possível especificar um valor moral absoluto, não é possível especificar o que é bom, mau, justo, injusto. Kelsen rejeita toda a doutrina do Direito Natural. A Teoria Pura do Direito só tem a ver com o Direito Positivo. Nessa medida, é uma teoria do Direito radicalmente realista, recusando-se a fazer um juízo de valor sobre o Direito positivo. ATENÇÃO: enquanto ciência, a única coisa a que se considera obrigada é a conceber o Direito positivo na sua essência e a compreende-lo através de uma análise da sua estrutura. É, por conseguinte, positivismo jurídico, melhor, é a própria teoria do positivismo jurídico. A teoria pura do Direito, na medida em que arranca o direito da névoa metafísica em que a doutrina do Direito natural o envolvera como algo de sagrado na sua origem ou na sua ideia, quer concebê- lo, muito realisticamente, como uma específica técnica social. O quem redunda em só ter a ver com a forma lógica, com uma específica lógica de normas. Não há como dizer que o conteúdo será buscado na razão, na moral, nos interesses sociais, mas sim naquilo que a autoridade competente coloca. O Positivismo aqui, assim como na Escola de Exegese, é o direito posto, mas não é somente o texto legal, e sim a compreensão da norma. Uma norma jurídica não vale porque tem determinado conteúdo mas sim porque foi produzida de determinada maneira, de uma maneira legitimada, em último termo, por uma norma fundamental que se pressupõe. Pode qualquer conteúdo que se deseje ser Direito. Não existe comportamento humano que, em si mesmo, graças àquilo em que consiste, possa ser excluído como conteúdo de uma norma jurídica. Kelsen reconhece a capacidade de criação normativa por parte do juiz. 6.5. A norma hipotética fundamental: a mais importante objeção com que tem de consentir a Teoria Pura do Direito, é a de que Kelsen não consegue manter a disparidade absoluta entre ser e dever ser, que toma como ponto de partida. O que não seria objeção alguma se Kelsen pensasse dialeticamente, no sentido da filosofia hegeliana, ou seja, se as distinções que faz se vissem como distinções transitórias, destinadas a ser transcendidas pela progressão do pensamento para a unidade concreta. A unidade, quer dizer, a coerência formal de todas as normas de um certo Direito Positivo, reside em todas elas poderem reconduzir-se a uma norma única, como fundamento último de sua validade. Esta norma suprema que, enquanto fonte comum, realiza a unidade na pluralidade de todas as normas que constituem um ordenamento, é a norma fundamental da origem jurídica respectiva. Ela não implica outra coisa senão o estabelecimento de um fato produtor de normas, a legitimação de uma autoridade criadora de normas, ou – o que é o mesmo – uma regra que determina como é que devem ser produzidas as normas gerais individuais do ordenamento que se assenta nessa norma fundamental. A norma fundamental constitui o fundamento ultimo das normas jurídicas (legitimidade aqui é validade). Uma ordem normativa tem de ser interpretada como um sistema de normas jurídicas validadas, e tem de admitir-se uma norma fundamental correspondente, quando se trata de um ordenamento coercitivo que no seu conjunto é eficaz. O ato do pensamento que legitima a ordem jurídica, a postulação da norma fundamental, encontra assim, em último termo, a sua verdadeira justificação nofato de funcionar como tal um certo ordenamento coercitivo: isto é, o dever ser resulta efetividade, pela via transversa do postulado teorético da norma fundamental, de um ser. 6.6. A compreensão do dever ser: as normas jurídicas primárias e secundárias: Não é apenas a disparidade suposta por Kelsen, entre ser e dever ser que não está isenta de críticas: também o não está o seu conceito de dever ser. Kelsen define o dever ser como uma categoria lógico-formal, como um modo de pensamento. Simplesmente, o que é que nos diz essa categoria? Kelsen principia sem dúvida, por falar do dever ser como uma norma que vincula o destinatário, que o obriga. Utiliza, por consequência, expressões cujo sentido não pode entender-se de outro modo senão com o sentido de uma ética ou de uma doutrina dos deveres. Todavia, não nos deixa qualquer dúvida de que não é assim que ele quer que se entenda o dever ser. Antes de tudo, este não significa para ele nenhuma exigência que – como uma exigência moral – seja de seguir pelo seu conteúdo, uma vez surge para quem a experimenta como ‘justa’, aparecendo o comportamento contrário como ‘injusto’. Para conhecermos objetivamente uma norma jurídica, afirma ele, tem essa norma de estatuir um ato coercitivo ou de estar em relação essencial com semelhante norma. Para manter a pureza da ciência do direito e, neste caso, a sua independência de toda e qualquer Ética, submete Kelsen o conteúdo de dever ser a uma maneira radical transformação semântica. Kelsen não analisa nenhum juízo ético ou de valor na norma, mas sim o seu sentido lógico. 1º Kelsen: Inicialmente, via Kelsen na proposição jurídica que contém a norma um enunciado do legislador sobre o comportamento futuro dos órgãos Estado, um enunciado com o conteúdo de que, quando um sujeito S assume um determinado comportamento C, um determinado órgão do Estado infligirá ou aplicará uma determinada sanção contra S. Dado F (fato temporal), deve ser P (prestação), e dado não P (não prestação), deve ser S (sanção). 2º Kelsen: mais tarde, Kelsen só vê enunciados nas proposições da ciência do direito, para as quais entende reservar agora a designação de proposição jurídica. As outras normas que se limitam a estabelecer definições não possuem autonomia segundo Kelsen, mas se ligam intrinsecamente a outras de natureza sancionatória. As normas dotadas de sanção são chamadas normas primárias. As normas que não possuem uma sanção descritas são chamadas de normas secundárias. A norma primária será completa por si só. 6.7. O ilícito: Um comportamento é ilícito, não porque de acordo como qualquer critério transcendente ao direito positivo ou de acordo com a sua qualidade intrínseca, seja contrário aos valores e, por conseguinte, reprovável, mas exclusivamente e apenas porque coincide com a condição posta pela ordem jurídica positiva para um ato de coerção, que dizer, para uma sanção. O ilícito não é a negação do Direito, nem está acompanhado de uma sanção por ser, consequentemente reprovável, mas designa-se por ilícito – independentemente de qualquer valoração – porque se encontra ligado por uma ordem jurídica positiva a um ato de coerção, que entra em jogo em sua consequência. O ilícito não é a negação do direito, mas sim a reafirmação do direito. A norma que estatui o ato de coerção é a norma primária: a que qualifica como ilícito o comportamento erigido em condição da sanção é a norma secundária. 6.8. A teoria da interpretação jurídica de Kelsen: A essência da interpretação autêntica e não autêntica: Interpretação autêntica (órgão com competência para a aplicação da norma) ≠ interpretação inautêntica (cientista do direito). A interpretação inautêntica fixa os significados. A ciência do direito se restringe à identificação das múltiplas significações atribuídas a dada norma. Interpretação: quando o direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar essas normas. A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão para um escalão inferior. Interpretação e aplicação: na hipótese em que geralmente se pensa quando se fala de interpretação da lei, deve responder-se à questão de saber qual o conteúdo que se há de dar à norma individual de uma sentença judicial ou de uma resolução administrativa, norma essa a deduzir da norma geral da lei na sua aplicação a um caso concreto. Densificação normativa (teoria escalonada): sempre que se aplica uma norma de escalão superior para produzir uma norma de escalão inferior, ocorre a densificação, a especialização de uma norma. Mas há também uma interpretação da Constituição, na medida em que de igual modo se trate de aplicar esta – no processo legislativo, ao editar decretos ou outros atos constitucionalmente imediatos – a um escalão inferior, e uma interpretação dos tratados internacionais ou das normas de direito internacional consuetudinário, quando estas e aqueles têm de ser aplicados, num caso concreto por um governo ou por um tribunal ou órgão administrativo, internacional ou nacional. E há igualmente uma interpretação de normas individuais, de sentenças judiciais, de ordens administrativas, de negócios jurídicos, etc., em suma, de todas as normas jurídicas, na medida em que hajam de ser aplicadas. Interpretação cotidiana: mas também os indivíduos, que têm – não de aplicar, mas – de observar o direito, observando ou praticando a conduta que evita a sanção, precisam de compreender e, portanto, de determinar o sentido das normas jurídicas que por eles hão de ser observadas. E finalmente, também a ciência jurídica quando descreve um direito positivo, tem de interpretar suas normas. A interpretação cotidiana é diferente daquela feita pelo órgão julgador, que interpreta para aplicar. Duas espécies de interpretação: desta forma, existem duas espécies de interpretação que devem ser distinguidas claramente uma da outra, a interpretação do direito pelo órgão que o aplica (interpretação autentica) e a interpretação do direito que não é realizada pelo órgão jurídico, mas por uma pessoa privada e, especialmente pela ciência jurídica (não autentica), Aqui, começaremos por tomar em consideração apenas a interpretação realizada pelo órgão aplicador do direito. A relativa indeterminação do ato de aplicação do Direito: A relação entre um escalão superior e um escalão inferior da ordem jurídica como a relação entre a constituição e lei, ou lei e sentença judicial, é uma relação de determinação ou vinculação: a norma do escalão superior regula – como já se mostrou – o ato através do qual é produzida a norma do escalão inferior, ou o ato de execução, quando já deste apenas se trata: ela determina não só o processo em que a norma inferior ou o ato de execução são postos, mas também, eventualmente, o conteúdo da norma a estabelecer ou do ato de execução a realizar (dupla vinculação e determinação – em relação ao processo e ao conteúdo). Esta determinação contudo, nunca é completa. A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato através do qual é aplicada. Quanto ao processo, não deve haver indeterminação no que diz respeito ao procedimento, ao processo, etc., por isso, a significação do processo é quase determinada. Não há como na produção de uma norma geral e abstrata, prever todas as situações possíveis, por isso, é necessário que haja certa indeterminação em relação ao conteúdo, e, este conteúdo, estará dentro de uma moldura da interpretação. Tem sempre de fiar uma margem, ora maior, ora menor, de livre apreciação de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa
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