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I r I 1 , J/ / , ~ ~- . GEORGES LAPASSADE .... ! a reprodueao pierre bourdieu e jean-claude passeron educacao e d~senvolvimento social no brasil luiz antonio cunha a escola esta morta everett reimer grupos, organizacoes e instituicoes georges lapassade a seqtur eduCa~o: moderriizacao ou dependencia? pedro benjamim garcia . GR"UPOS, ORGANIZAOOES E INSTITUICOES Traducao de: HENRIQUE AUGUSTO DE ARAUJO MESQUlTA Esta cbra tot daada par: ¢~'~J -_.. -=--"-.. · ·i~-- _} 1'.1l0TECJ. se Biblioteca MA-PUC/SP Sf TOR BE ?OS 8IU,i) UAC:40 II. 1111111111 \~I\\III"11111l110017e601 La '",!_.~ ~ _ -J Livraria Francisco Alves Editora S.A_ k , Serle EDUCA<;AO EM QUESTAO Coord enaciio pedro benjamim garcia zaia brandao - ~ - -- ~ - - - - - ~ - ~ (") en ;:u l-Q ~ ~ , ~ en (b 2 '"-' en 0 > )-o J. ~ to (b () A descoberta dos problemas dos grupos, das organiza 'l'=oes e das instituicoes, as funcoes de psicossoci6Iogo e de conselhos de organizadores nas empresas, a definicao das empresas como organizacoes e nao apenas como instituicoes econornicas: eis urn movimento que nos parece comecar no infcio do seculo xx. Na realidade, ele tern os seus precur sores e modifica -se com a hist6ria. E precise situar a "era dos organizadores" e 0 "capitalismo de organizacao" no conjunto do mov.rnento hist6rico . A fase A No curso de uma primeira fase - a Iase A , para re tornar aoui 0 modelo de Touraine - a fase da sociedade industrial e capitalista no seculo XIX, as organizacoes de operarios fundarn-se nos oftcios, e isso apesar do gran de desenvolvimento do trabalho parcelado, Operarios pro fissionais, polivalentes, organizam os sindicatos e desenvol vern reivindicacoes de gestae direta ("a min a para os mi neiros"). A ideologia anarco-sindicalista e hostil a a~ao no nivel "politico", parlamentar. Nessas organizacoes, nao se coloca 0 problema da burocracia. No entanto, 0 proleta 41 riado do seculo XIX, em seu conjunto, 1130 e "represen tado" por meio de organizacoes de massa. Nesse momento, sao elaboradas as primeiras grandes doutrinas sociologicas e politicas da nova sociedade . E pre ciso evocar aqui as grandes correntes que dominam sem pre 0 nosso pensamento politico e que constituem., ainda hoje em dia, os parametres de nossa ayao e .de nossa re flexao. Pode-se ver em Fourier 0 verdadeiro precursor da psi cossociologia dos pequenos grupos e mesmo das tecnicas de ,>'. grupo. E essa, pelo menos, a tese que urn psicossociologo, Robert Pages, estabeleceu a partir de uma analise rigorosa do movinrento de Fourier, considerado como portador de um projeto de experiencia social e politica no nivel em que, atualmente, uma tal experiencia e possfvel: no nivel dos pe quenos grupos e das microorganizacoes sociais. Pois 0 gru po, no sentido de Fourier, vai ate a dimensao de uma empresa , Fourier e profundamente diretivo , Ele propde 0 plano rigoroso e sistematico de uma sociedade socialista na qual, no que toea ao sistema, nada e deixado a improvisacao , as grupos de base (de fonp.a~o, de producao) sao rigorosa mente integrados num sistema institucional que assegura a sua coordenacao e as suas trocas. Antes de Lewin e da dinamica de grupo, antes dos es pecialistas em cibernetica social, Fourier quis tomar-se 0 Newton de uma sociedade de pequenos grupos, analisar a ordem, ou melhor, a desordem da sociedade industrial nas cente com referencia a urn sistema possfvel de "harmonia", organizado cientificamente a partir das paixoes do homem e, de maneira mais geral, da sua psicologia. Esse sistema social de interacao complexa e uma "interpsicologia" que deixa lugar para as necessidades, nao repressiva, apesar da subordinacao do sistema aos pIanos estabelecidos por Char les Fourier. Ja e a ambicao "sociocratica", como dim Au gusto Comte, a Human. engineering, 0 psicossociologo-rei. Isso dito, a obra de Fourier esta cheia de antecipacoes daquilo que propora, um seculo rnais tarde, a psicologia dos grupos. Ele mostra, por exemplo, que as mudancas sociais e politicas sao, necessariamente, solidarias: s6 a organizacao coletiva e coletivista da sociedade permitira uma pedagogia \, de grupo: "nesses grupos, os mais velhos influenciam os mais jovens, e educam-se respectivamente para as funyoes 42 uteis, em virtude do impulso dado pelas tribos superiores, as tribos dos querubins e dos serafins, que ja fazem parte da harmonia at iva" . Proudhon criticou severamente a "utopia" de Fourier. Ele escreve: "Uma ideia da escola dos falansterios que me parece inf'eliz foi acreditar que atrairia os hornens se lhes fosse permitido apenas instalar a sua tenda e construir urn primeiro falansterio modelo. Suponha-se que uma primeira tentativa, mais ou menos bem sucedida, acarretaria urna se gunda, e que, paulatinamente, as populacoes crescendo como bola de neve, as 37 mil cornunas da Franca se veriam, urn dia, metamorfoseadas em grupos de harmonia e fa lansterios. Em polftica como em economia social, a epige nese, como dizem os fisiologistas, e urn principio radical mente falso , Para mudar a constituicao de um povo, e pre ciso 'agir simultaneamente sobre 0 conjunto e sobre cada parte do corpo politico; nunca sera demais lembra-Io" . Essa crftica anuncia a critica que fazem hoje em dia certos sociologos aos psicossociologos: "denuncia-se" 0 erro de uma "revolucao" pelos grupos , a revolucao sociornetrica de Moreno, 0 "seminario" de Lewin, ern nome da condicao 'previa necessaria, que e a rnudanca social no seu conjunto . No entanto, quando Proudhon reclama "uma soberania efe tiva das massas trabalhadoras, reinantes, governantes", ele reencontra os sistemas dos grupos e, por sua vez, e criti cado ironicamente por Marx . Segundo 0 sociologo Georges Gurvitch, Proudhon anuncia melhor do que Marx a auto gestae social, ou seja, 0 sistema generalizado e descentrali zado dos grupos. Para Marx, no entanto, tudo isso repre senta ern Proudhon apenas uma construcao purarnente abstrata, e sem fundamento. 0 pensarnento dos grupos e a "miseria da filosofia": "da mesma forma que do movi mento dialetico das categorias simples nasce 0 grupo, do movimento dialetico dos grupos nasce a serie, e do movi rnento dialetico das series nasce 0 sistema inteiro .. . Que 0 leitor nao se assuste com essa rnetaffsica e toda a sua rnon tagern de categorias, de grupos, de series e de sistemas". Uma corrente tecnocratica corneca com Saint-Simon. Para ele, depois do seculo das revolucces, nos entramos no seculo da orgaaizacao . Os problemas atuais da organizacao encontram aqui a sua fonte: Saint-Simon anuncia a substi .43 1iJj~0 dos "politicos" pelos "gerentes" , A partir de 181~ . ele publica urn "periodico": 0 organizador, que e 0 ante passado das revistas rnodernas sobre administracao de ernpresas. Augusto Cornte, em seguida, prolonga essa doutrina, quando define 0 papel dos "sociocra tas" que, com base ne . sociologia nascente, poderao ajudar os gerentes da socie dade industrial na ordenacao dessa sociedade. . Todo urn aspecto da sociologia e da psicossociologia "intervencionista" liga -se diretarnente a essas doutrinas da, .. tecnocracia e da "sociocracia" , Comte atribui aos sociocra tas a missao de transformar os clubes revolucionarios em lugares onde serao analisados e serao obieto de tratamento os conflitos da sociedade industrial , onde 0 proletariado aprendera a participar, a ocupar 0 seu lugar na vida da nova sociedade . . Augusto Comte percebe urna certa verdade nas doutri nas socialistas de sua epoca: elas mostram 1'1 sua maneir aque a humanidade, enfim chegada a seu estado adulto, in troduzida na idade positiva: conhecera logo a "cooperacao universal" . Ele nota uma "orieritacao espontanea" do pro letariado no sentido da sociabilidade efetiva. orientacao essa que se manifesta, em particular , na "pressa digna de regis tro com que a nossa populacao forma c1ubes em todos os lugares, sern qualquer excitacao especial. e apesar da au senoia de qualquer entusiasmo verdadeiro". Tais sao os clu bes revolucionarios e, mais perto de nos, as associacces operarias , Esses clubes deverao, no entanto, perder, na epoca po sitiva, a sua funcao negativa e critica para integrar-se na nova ordern espiritua1; "eles constituirao, entao, 0 principal ponto de apoio para a reorganizacao espiritual. . . No fun do, o clube destina-se sobretudo a substituir provisoriamente a igreja, ou melhor, a preparar 0 novo temple". A esses clubes, " temples do futuro", opoem-se as doutrinas socia .J. listas desenvolvidas por todos os "perturbadores ocidentais". o positivismo atribui-se como missao, assim, substituir a agitacao pela cooperacao, a polftica revolucionaria pela nova religiao cujos sacerdotes serao os sociologos, ou, como diz muito exatamente Augusto Comte, os sociocratas. 0 seu papel ser-a, portanto, educar 0 proletariado nos pequenos " grupos que se organizam espontaneamente, e destruir, a() 44 ... nnesmo tempo, as perigosas utopias sociais qu e consistem em "'recorrer aos meios politicos quando devem prevalecer os aneios morals" . o que se deve sobretudo terner nessas utopias, no en :tanto, e a sua hostilidade a organizacao hierarquizada da producao e da sociedade: "essa utopia opoe-se tambern as Jeis sociologicas pelo fato de que ignora as constituicoes na nurais da industria moderna lie onde gostariam de arasiar -os chefes indispensaveis . Ass irn como nao ha exercito sem 'Soldados, nao ha exercito sem oficiais; essa nocao elementar -convem tanto 1'1 ordem industrial quanta a ordem militar .. . Nenhuma grande operacao seria poss lvel se cada execu tante -devesse tambem ser administrador, ou se a direcao fosse vagarnente confiada a uma comunidade inerte e irresponsa vel" , escreve tarnbern Comte em seu Discurso sabre 0 Con junto do positivismo. Marx pensa, ao contra rio , que nao se trata de organi :zar a sociedade capitalista mas de trabalhar para que ela desapareca . Para ele , a analise social nao tern como fina Iidade fundamentar uma ac;:ao "sociocra tica" : ela deve ser vir 0 proletariado em sua luta para destruir a sociedade de classe e para por termo a ac;:ao pol ttica . Os clubes devem s e transformar, nao em "seminaries" de educacao, mas em partidos do proletariado que podem tirar proveito da luta 'politica para chegar ao poder, para por fim a separacao -entre poder e sociedade. Marx compreendeu a irnportancia da palavra social e da discussao em grupo : "Quan te a vitoria final das propo sicoes enunciadas no Manifesto Marx a esperava unica mente do desenvolvirnento intelectual da classe operaria, de :senvolvimento que dever ia necessariamente resultar da acao -comum e da discussao (Engels , Ultimo nrefac io ao Mani festo comunistay , Necessitamos compreender hoje em dia a importancia atribu ida por Marx e Engels a discussao , a au toforrnacao do proletariado , a consciencia social e a critica (las ideolog' as . Nao ha e nao pode haver lugar na obra de Marx, tendo em vista os fundamentos de suas analises, para uma teoria positiva dos grupos e das organizacoes, 0 autor do Mani festo e do Capital mostra, ao contrario, que a sociedade in 45' - - - -- _._ .:; .... A fas e B nas em todas as esferas da vida social. Um trabalho diale tieo, no entanto, prossegue na existencia social para essa dissolucao necessaria. Assim, 0 proprio esfacelamento do dustrial e 0 reino da burguesia dissolvem as relacoes huma grupo familiar prepara uma forma nova, c;:oes dissolvidas: "na historia, assim como decomposicao e 0 laboratorio da vida . . . " Esfacelaram-se tambem os grupos de lhos offcios , A "cooperacao" - titulo de Capital - nas ernpresas modernas implica futura, das rela na natureza, .a trabalho des ve urn capitulo do ' apenas urna "so lidariedade" mecanica e de justaposicao: e 0 trabalho em migalhas, em que cada urn executa apenas uma parte muito especializada na preparacao dos objetos fabricados; os "grupos" sao apenas OS produtos cia divisao do trabalho e da concentracao industrial dos operarios nas industries casernas. A Comuna de Paris ja anuncia, segundo Marx, no entanto, 0 self government dos operarios, a autogestao dos trabalhadores como base do sistema social a se instalar, A revolucao social restabelecera, num nfvel superior, a ver dadeira cooperacao . A condicao previa e. necessariamente. . a transformacao completa do sistema, a mudanca radical na organizacao capitalista de producao. Os textos mais avancados dos te6ricos marxistas desen volvem aquilo que, na obra de Marx, e apenas esbocado. : Lenin, por exemplo, descreve uma sociedade futura de par ticipacao integral de todos e de cada um nas .decis6es: "a , cozinheira deve poder governar 0 Estado": na pratica, .no, entanto, ele mantern 0 modelo autoritario na organizacao da producao, nas relacces de producao, contra a oposicao operaria que reclama, desde 1921, a autogestao operaria , Trotski une-se a Lenin nesse ponto, apesar de sua capaci- . dade de analise microssocial que se pode ver, em particular, em Cours nouveau, em que e desenvolvida, antes de sua existencia, uma verdadeira sociometria politica das relacoes dinamicas, no Partido e no Estado, entre a burocracia e,·os grupos fracionarios. Resta que , para Marx e para os mar xistas, a sociedade dos grupos e colocada num futuro dis- : tante. Ela nascera da decadencia do Estado e, portanto, da burocracia. Ela supoe uma sociedade sem classes. ' 46 .1 Na fase B, a partir do comeco de nosso seculo, as gran des ernpresas industriais se burocratizam; as teorias classi cas da organizacao (Taylor, Fayol .. . ) exprimem e justifi cam essa burocratizacao , 0 pr6prio ato do trabalho, da producao torna-se "burocratizado" polo taylorismo: 0 rnovi-' mento dos gestos produtores e calculado, medido, decidido , em outro lugar, nbs escrit6rios de estudos . A alienacao e levada a seus limites mais extremes. A separacao esta em toda parte. As organizacdes de trabalhadores sao a imagem con traria e complementar das burocracias da producao. 0 ope rario parcelar, fim de um processo que comecou com a rna nufatura, 'e nao ontern, delega todos os poderes para defen de-le, para representa-lo, para falar em seu nome a "porta-: vozes", a organizacoes que tern os seus membros permanen tes, as suas burocracias, As decisoes de luta sao tomadas em aparelhos que escapam ao controle dos que os elegeram, R Michels descreve, desde 1912, a "lei de aco" dessas oli garquias. Urn pouco mais tarde, a partir de 1917; esse de bate se amplia, no interior do movirnento marxista. A ques tao da burocracia torna-se urn problema fundamental da or ': ganizacao e do poder , . Ao mesmo tempo , a partir de 1924. urn outre movi mento, este no interior das ciencias sociais, comeca a cri tica das burocracias industriais e procura os rnetodos de tra tamento , 0 nascimento da sociologia industrial pode defi nir-se, segundo a expressao de B. Mottez, como um mani festo antiburocratico , A mesma observacao e valida para descrever e explicar 0 nascimento de psicossociologia na in dustria a partir des problemas da fase B , Em 1924, Elton Mayo foi consultado pela direcao da West~m Electric Company para examinar certos problemas relacionadn, COm 0 rendirnento na producao , No curso -de um primeiro periodo, ele observa uma equipe .de operarias forade sua oficina e trabalhando num local especialmente escolhido. Urn assistente vai seguir', como observador, (} comportamento quotidiano dessas openirias durante dois anos; a partir desses resultados, procurar-se-a compreender 47 11 1 os fatores que influem sobre 0 trabalho delas no sentido de aumentar 0 rendimento , Modificam-se certas condicoes rna teriais de tr abalho, e 0 rendimento aumenta; em seguida, au mentam-se os salaries, e 0 rendimento cresce tambern; obtem-se urn resultado analogo, diminuindo 0 rnimero de ho ras de trabalho, ou concedendo uma pausa no decorrer da -qual se lhes sirva cha , Todas essas melhorias parecern, assim, favoraveis , Volta-se em seguida as condicoes iniciais , e verifica-se -que 0 rendimento melhorou ern relacao ao que era antes da intervencao , Torna-se entao necessario descobrir urn fator de rendimento que niio havia sido, ate entao, considerado . Esse fator e 0 grupo, Essas operarias tern, entre elas, boas' relacoes pessoais que facilitarn 0 seu trabalho; sao essas re lacoes " informais" , que persistem atraves de certas mudan -cas na organizacao formal, oficial, do trabalho, que desem penham urn papel positive. Procede-se entao a uma segunda experiencia na mesma -empresa , Numa oficina trabalham 9 rnontadores, 3 soldado Tes e 2 veriflcadores . 0 trabalho dos soldadores subordina-se tecnicamente (de acordo com a divisao tecnica do trabalho) :ao dos montadores: os primeiros devem esperar que os blo cos sejarn: preparados pelos montadores para soldar os fios nos blocos; : depois disso, poderao intervir os verificadores . 'Mais uma vez os operarios obtern progressivamente uma promocao de sua competencia tecnica e 0 salado liga-se a . produ~ao coletiva, . A observacao permitiu registrar, nessa equipe, urn co -digo impllcito de existencia ern comum: nenhum operario procurou, ' individualmente, aumentar os seus lucros . Por outro lado, a equipe funcionou como se ela mesma se im -pusesse certas normas que nao deveriam ser ultrapassadas: existia uma certa solidariedade operaria atualizada numa .auto-regulacao da equipe - urn sistema "informal" que era necessario levar em consideracao para compreender correta mente os mecanismos de producao , Uma analise sociome irica rnais fina permitiu cornpreender outros elementos: a -existencia de subgrupos diferenciados ern seu comporta mento, f'enomenos de ajuda reciproca no trabalho com cer 'tas ,mu dan~as de postos. Em resuino, foi possivel anali3ar a 'vida social da equipe, com os' seus jogos, os seus compor 1a'.mentos na' produ~ao. as suas rela~oes~ os seus conflitos -48 ' internos, seu sistema de papeis , Essa experiencia coincide assim com 0 nascimento de uma psicossociologia industrial centrada na analise dos grupos de trabalho. A partir de entao, coloca-se nitidamente 0 problema das relacoes humanas na empresa; tern origem af 0 movi mento das Human. relations. Esse movimento vai, prirneira mente, encontrar a corrente sociometrica, e, mais tarde, urn outro oriundo do laborat6rio e da pesquisa, 0 movimento da dinamica do grupo. Ja se pede observar, com Alain Touraine, que a psi cossociologia industrial, desde 0 seu nascimento, definiu a empresa como uma organizacao, isto e, urn sistema de redes , de status e papeis . 0 que significa ao mesmo tempo urn progresso e urn risco : 0 risco e 0 de fechar 0 grupo empresa sobre si mesmo, sem ver que ele esta situado num sistema social. Este progresso e esse risco tornar-se-ao pre cisos Com 0 desenvolvimento da sociometria , Por volta do fim da Pr imeira Guerra Mundial, J. L. Moreno, psiquiatra de origem rornena, organizou em Viena uma escola de arte drarnatica inspirada, em particular, nas pesquisas de Stanilavsky. Esse empreendimento torna-se ra pidarnente uma escola de improvisacao que escolhe alguns de seus temas e de seus enredos na atualidade a mais quo tidiana, na politica, nas noticias de jornal. Urn dia, Moreno propos a uma de suas alunas, Bar bara, abandonar os papers de ingenua que habitualmente re presentava para desempenhar 0 papel de uma prostituta vulgar e agressiva implicada numa ocorrencia policial. 0 companheiro da atriz constatou entao uma melhoria em seu comportarnento privado . Moreno atribuiu essa melhoria a mudanca de papeis , 0 fato de representar esse novo papel teve conseqiiencias terapeuticas, ou, como 0 diz Moreno, catarticas , 0 termo e tornado de emprestimo a teoria aris toteliea do teatro; mas, enquanto 0 fil6sofo grego atribuia ao teatro essa funyao catartica para 0 publico; Moreno des cobre que a catarse pode exercer-se sobre os pr6prios ato res. Efetuou-se assim a passagem do "teatro da esponta neidade" ao psicodrarna, da arte dramatica a psicoterapia. No entanto, atraves desse progresso, p ermanece 0 tema da espontaneidade . Moreno atribui ao psicodrama a missao de restaurar a espontaneidade perdida em nossa civiliza9ao. Espontaneidade das origens e da inf§.ncia: na cena psicodra 49 II'I matica, os atores do drama encontram novamente urn esta do de graca analogo ao do nascimento, tal como 0 com preende Moreno: nascimento de urn ser inacabado e cria dor, em razao mesmo de ser inacabado. 0 psicodrama e volta a infancia, a seu genic, desreificacao dos papeis so ciais petrificados, impulso criador reencontrado, corn a ca pacidade de inventar incessantemente solucoes adaptadas as. dificuldades da vida quotidiana. ' , No comeco da sessao, eis 0 grupo, os "clientes", 0 psi codramatista e seus assisfentes, algumas- vezes urn publico pareicipante . 0 - primeiro momento e 0 de uma " fusao" no gruw, da criacao de urn clima. , do warming up. E 0 co meco.inecessario que .permitira a . procura progressiva de ' um tema que interesse a todos: em seguida, sobre esse tema, elabora-se urn enredo: esse enredo servira de trama para a: improvisacao dramatica, memento culminante da sessao, se guide enfim por uma avaliacao feita pelo psicodramatista, ou COm a sua ajuda, do que foi manifestado. Tal e a curva ideal de uma sessao de urn "psicodrama"; pois convir-se-a chamar de psicodrama 0 conjunto de sessoes que consti tuem 0 tratamento de urn caso, como, por exernplo, a se paracao de urn casal, assim como uma "psicanalise" e o conjunto de sessoes que constituem urn tratamento, uma "cura" psicanalitica . Urn conjunto de sessces, portanto, e, no curso de certas sessoes, uma improvisacao falada e de acao: 0 psicodrama nao se limita, como se ve, a represen tacroes de papeis, a sketches de intencao terapeutica , Ele e' uma coisa cornpletamente diferente e constitui, em par ticular, uma tecnica de grupo. Ele funciona como uma psi coterapia de grupo e e por isso que Moreno reivindica tambern 0 titulo de fundador das terapias de grupo , Moreno tornou-se, enfim, 0 fundador da sociometria . Emigrado para os Estados Unidos, Moreno abordou em outro plano, mais geral, 0 problema dos grupos. Ele obser vava, ja nos jardins de Viena, os grupos de criancas; e ja o psicodrarna orientava as suas reflexoes para as dificulda des das relacoes sociais. Ocupando-se de urn campo de pes soas deslocadas, ele observou que essas pessoas adaptavam-se mais facilmente a situa9fio quando eram autorizadas a agru par-se segundo as suas escolhas: 0 resultado de tal obser:.. vacrao encontra-se, sistematizado, no teste das "escolhas so ciometricas", que consiste em interrogar os membros de um 50 grupo ou de uma organizacao quanto aos parceiros que dese jariam escolher para a realizacao de certas tarefas, ou para os seus lazeres. A partir dos resultados assim obtidos, pode-se proceder a uma analise do grupo, identificar os Iideres, si tuar os que sao rejeitados, os subgrupos, as redes. 0 socio grama e a representacao grafica dessa organizacao intema do grupo. E preciso distingui-lodo organograma, que e a representacao grafica de uma estrutura oficial: hierarquia das pessoas e dos grupos numa fabrica, numa escola , num hospital. 0 exame sociometrico revela ou tras hierarquias, outros sistemas de· poder e dependencia. E raro que coinci. . dam 0 sociograma e 0 organograma: uma, tal coincidencia. , se fosse geral, significaria-sque ..0 sistema social e inteira mente aceito, e que foi escolhido por todos os mernbros. do grupo. Moreno' Yin' muito bern, alias, as implicacfies so-. dais e poIiticas de 'suas pesquisas : a sua "revolucao socio metrica" nao 6 apenas a expressao de urn privilegio conce dido aos pequenos grupos num programa de mudanca social; ela exprime igualmente a ideia de uma revolucao permanente no proprio interior da revolucao social , e a exigencia de nao permitir que as novas sociedades se burocratizem e aban donern os impulsos que produzern as transformacoes decisi vas, modificam as velhas estruturas e encontram novarnente, durante urn certo tempo, a espontaneidade criadora do" grupos sociais em "fusao". A..sociometria apresenta-se, assim, como uma tecnica da mupancra social. A base e psico16gica, ou, rnais 'precisamente 'interpsicologica- 0 teste sociometrico revela as simpatias ~ as antipatias, as estruturas aceitas e as estruturas rejeitadas. Revela, porern.. ao mesmo tempo, esse sistema cornplexn de "redes infonnais" que constituem os fundamentos psicosso , ciologicos reais de urn grupo, ou de urn sistema de grupos. Moreno possui 0 sentido da dirnensao institucional nos gru pos; a sua intervencao, COrn justica celebre, numa instituicao de reeducacao de delinqilentes juvenis, descrita em Les [onde ments de fa sociometrie, mostra com clareza que e no nfvel total da comunidade, quer dizer, do sistema institucional, com a distribuicao social das funcoes, e tudo 0 que constitui a. instituicrao interna, que ele decide intervir, situando as liga c;:oes e os pequenos grupos, modifi~ando-os. A intervencrao so~iometrica nos grupos e nas instituicr6es e, portanto, animada por uma preocupayao analoga a dO' 51 psicodrama: trata-se sempre de liberar a espontaneidade e a criatividade, a capacidade de inventar uma hist6ria pessoal ou uma historia co1etiva. Trata-se, portanto, de conhecer os grupos, nao com uma finalidade exc1usiva de pesquisa, mas, ao contrario, para facilitar as mudancas. o termo "dinarnica de grupo" aparece pela primeira vez num artigo pupblicado por K. Lewin em 1944. Esse texto torna preciso tambem 0 1a90 entre a pratica e a teoria: "No dominic da dinamica de grupo, mais do que em qua1quer outro dominio psico16gico, a teoria e a pratica estao mete dicamente ligadas de uma maneira que, se corretamente con duzida, pode fornecer respostas a problemas te6ricos e for ta1ecer, ao mesmo tempo, essa aproximaeao raciona1 de nossos problemas sociais praticos que e uma das exigencies fundamentals de sua solucao">, No ana seguinte (1945), 0 Research Center of Group Dynamics (Centro de Pesquisas de Dinamica de Grupoj> foi criado per Lewin, a principio nos quadros do M.I.T. (Massachusetts Institute of Techno logy) da Universidade de Cambridge, para unir-se, em se guida, em 1948, a Universidade de Michigan. A obra cientfficade K. Lewin comecou, no en tanto, na Alemanha com trabalhos de psicologia individuda1 que sera necessario conhecer para cornpreender-se a origem e 0 con tendo dos conceitos que fundamentam a dinamica de grupo. Podem-se distinguir, -com Claude Faucheux", tres diferentes momentos na carreira de K. Lewin. Encerra-se em 1930 um primeiro periodo nessa biografia inte1ectual. Lewin interes sa-seentao por assuntos classicos em psicologia experimental : estudo da YQnt~d.e:, ..das percepcoes, do movimento, etc., estu do .que e1e aborda na continuacao de uma corrente impor tante da psicologia" de laborat6rio. Essa psicologia experimental passou por duas fases. Por volta .de...1..89Q, os psicoffsicos alemaes modificaram 0 metodo da psicologia, sem mudar 0 seu objeto: em lugar de tomar a introspeccao como caminho de aproximacao da realidade psicologica, 0 pesquisador endereca-se aos instrumentos de 1aborat6rio. Ele guarda, no entanto, como objeto de pes quisa, as velhas categorias herdadas da filosofia escolastica: a vontade, a inteligencia, a associacao de ideias. No curso tiram-se de aventais brancos, e camuflaram Santo Tomas em cilindros registradores. Na mesma epoca, no entanto, Freud funda, pela pratica psicanalitica, uma psicologia do "drama humano" muito mais concreta, e que desta vez muda, oao apenas 0 metodo da psicologia , mas 0 seu proprio objeto. 0 objeto do psicologo e 0 individuo existente, ou a pessoa humana, em sua historia e em sua vida de todos os dias. Essa nova orientacao vai agir igualmente sobre 0 pensarnento e sobre os trabalhos dos psic6logos experimentalistas. No curso de urn segundo periodo, a partir , de 1930, Lewin continua a interessar-se ·pela psicologia individual, mas desta vez numa 6tica diferente. 0 novo objeto de sua pes quisa e a psicologia topologica: ele esforca-se por construir, sob esse termo, uma representacao espacial das situacces psicologicas .e de seu ambiente, no qual se situain regioes . Chega-se assim a 'definir urn campo psicologico formado pe1a pessoa e pelo ambiente. Essa teoria do campo, inspirada na fisica (e, em particular, no eletromagnetismo) , sera trans posta mais tarde para 0 estudo dos grupos. Urn outro con ceito sera igualmente transposto: 0 conceito de dinarnica psicologica elaborado primeiramente no nivel da personalida de e principalmente sob a influencia de Freud. o terceiro periodo dessa carreira cientifica 6 sernpre urn perfodo de pesquisa experimental. Essa experiencia comeca em 1938 com a celebre experiencia de Lewin ,e de seus dois co1aboradores, Lippit e While, sobre os "dimas sociais'". Todos conhecem hoje essa experiencia, 'que so tornou famosa, e que mostra bern 0 primeiro passe experimental nesse do minic. E preciso lembrar aqui, no entanto, que a carreira de Lewin conheceu, ate 1947, um quarto e ultimo periodo, interrompido prematuramente por sua morte, no pr6prio mo mento em que Lewin , depois de ter estudado 0 campo psico Iogico (do indivfduo) , e, depois, 0 campo do grupo, abor dava em Sua pratica e em sua teoria os problemas do campo social. Tem-se, em excesso, com efeito, a tendencia de ver em Lewin urn fundador de uma dina-mica de grupo que se reduziria a ciencia experimental dos pequenos grupos, E urn erro. Basta ler 0 que escreve K. Lewin, em 1943, no mo mento em que trabalha na rnudanca des habitos alimentares, para compreender que , cada vez mais, ele procura estabelecer uma ciencia do campo social na qual a intervencao do psi desse periodo, como 0 diz Georges Politzer, os teologos ves- cossoci6logo em situacoes sociais reais toma 0 lugar da ex-I 52 53 'periencia de laboratorio. Por outro lado, 0 papel ativo que desempenha no fim de sua vida na elaboracao de metodos .de formacao (que se desenvolveram, depois, a partir do cen tro de formacao de Bethel) mostra igualmente uma nova erientacao, na qual 0 tecnico em dinamica de grupo ela ·bora 0 conhecimento a partir de uma pratica social. A ul tima contribuicao cientffica e teorica de Lewin e, portanto, a doutrina episternologica da action research - pesquisa ativa, ou melhor, pesquisa comprometida, empenhada. Por fim, 0 artigo inacabado, que foi publicado em 1947, e e considerado como 0 seu testamento cientlfico", concentra-se :no projeto de integracao das ciencias sociais . - Como ex iPlicar esse compromisso de ciencia? A, pergunta dirigida aos psicossociologos pelas organi zacoes industrials, e, depois, pelo conjunto da sociedade, -explica-se, primeiramente, para n6s, pelas dificuldades de comando, de comunicacao, de funcionamentoque sociologos como Merton, Se1znick, ' Gouldner definiam, depois de Max Weber, em termos de burocratizacao. Max Weber havia mostrado que a burocracia era a racionalizacao na orga nizacao da empresa. Descobre-se agora que essa racionali dade e irracional, que a fun9ao irnplica disfuncoes, Perce be-se ao mesmo tempo que, ao lado do nivel "formal", of i cial, burocratico, existe urn outro nfvel, 0 dos laces infor mais, dos grupos, das fracoes. A tarefa do psicossociologo sera encontrar novamente a relacao entre 0 formal e- 0 informal, entre a organizacao e .a motivacao, sera "desburocratizar" a organizacao, ou. : mais exatamente, 'modemizar a burocracia por uma tera peutica da rigidez burocratica, da impossibilidade de co municacao efetiva, da pratica do trabalho em comum. Assim, 0 psicossociologo pratico aparece como urn dos agentes da modernizacao da burocracia, aquele que facilita, \: com 0 seu trabalho, a passagern hist6rica da fase B a fase C. Ve-se 0 quanta essa analise separa-nos das criticas po !II liticas da psicologia :que sao publicadas e ouvidas hoje em dia. Em 1948, certos ideologos "rnarxistas" desencadearam a ofensiva ao mesmo tempo contra a psicanalise e contra a psicossociologia das relacoes humanas, sem jamais dis tingui-las corretamente, mas deforrnando 0 essencial de sua a9ao. 0 psicossociologo era apresentado como instrum enzo 54. docil dos patroes, e mesmo como urn policial de urn novo tipo , encarregado de fazer falar os operarios numa empresa, para fazer, em seguida, urn relat6rio a direcao, Poi dito -J igualrnente que ele tinha por missao substituir a "infelici dade coletiva", politica, por uma "infelicidade privada" e afetiva, e fazer cessar a luta de classes na empresa, esta belecendo boas relacoes, dialogos entre dirigentes e dirigi dos. 0 psicossociologo era assim definido em termos poll tieos, e denunciado. Esquecia-se que ele era tambern aquele por cujo inter medic a luta informal' e pennanente na empresa era reve Iada: pode-se sustentar, que os psicossociologos aprofunda ram as analises de Marx e levaram mais longe 0 conheci mento das relacoes de producao na empresav; sao verdadei ros, ao mesmo tempo, 0 carater "reformista" da acao dos psicossociologos e 0 valor revolucionario de suas descobertas. A Fasc C / A passagem historica para a fase C tern bases tecno- Iogicas, e e levada em seu movimento pela modernizacao das tecnicas, pelo desenvolvimento da autornacao e pelas transformacoes das industrias modernas (eletronica, petro qu'rnica, etc ... ) e tam bern pelas formas modernas de ges tao (bancos, etc .). Esse movimento coordena-se ele pro prio com as transformacoes econornicas da sociedade neo capitalista, com as variacoes na composicao do capital. Ele rmplica 0 aparecimento de uma "nova classe operaria" que modifica a doutrina e a estrategia sindicais". Ele inspira 0 pensamento dos novos planificadores, A burocracia gestio naria da fase C perde a sua rigidez, e capaz de integrar os que se desviam, de praticar a dinarnica de grupo e a demo cracia intema de gerir a rnudanca . de buscar a participacao; mas isso nao e a democracia direta, a autogestao verda deirarnente coletiva. Consiste talvez nisso 0 futuro proximo. II 55 A burocracia tradicional suscitou, nos grupos sociais que dominava, revoltas, oposicoes violentas; e assim que apareceram, por exemplo, os grupos infonnais nas empresas, os grupos fracionarios nos partidos enos sindicatos, Nos <> sindicatos de novo estilo, no entanto, a existencia de fra c;:5es de oposicao tende a desaparecer. 0 que resta e per manece sao conflitos pelo poder e em prol da modernizacao no interior das direcces burocraticas. Nao se trata de con flitos entre a "base" e 0 "aparelho", no interior do "aparelho". Ve-se a vontade de participacao diminuir na medida em que diminui autoritarismo. 0 perito em ciencias bri-lo nas sociedades burocraticas em linizacao". . mas de contradicfies e de gestae da base 0 constrangimento, 0 politicas pode desco periodo de "desesta- ' Isso nao significa, no entanto, 0 desaparecimento de todos' os problemas. A vitoria sobre as doencas deixa apa recer outras doencas "da civilizacao". Uma sociedade neo burocratica conhecera perturbacoes sociais e individuals; as revoltas dos jovens - os planificadores autores das "refle xoes para 1985" reconhecem - poderiam desenvolver-se sob outras formas e agravar-se, transformando-se. A revolta nao se transf'orma necessariamente em adaptacao ativa, em par ticipacao, Ela pode ser tambem expressao de um niilismo que seria 0 complemento da modernidade. E precise ver que continuam as contradicoes na burocracia: 0 conflito sino-sovietico destr6i as bases ideo16gica e polftica da uni ficacao buro crati ca. Pode-se enfim opor ao dirigismo buro cratico 0 princfpio da nao-diretividade, profundamente Iiga do ao projeto de autogestao social. o psicoterapeuta americano Carl Rogers, como se sabe, introduziu em psicologia 0 conceito da nao-diretividade. Mais recentemente, ele lancou algumas teses com referenda ,: a educacao, Encontra-se numa publicacao recente" uma ge neralizacao desse principio da nao-diretividade, 0 qual estava presente, com quatro nomes, em tempos mais distantes de nossa hist6ria cultural. Como no caso de S6crates, como no caso de Rousseau, o ponte de partida da reflexao de Rogers, pelo menos em materia de educacao, e evidentemente uma decepcao e uma autocritica. Ele 0 diz claramente na conferencia dita de 56 ..._====------------- "Harvard", publicada em 1961, e cuja difusao na Franca provocou reoentemente alguns protestos (Education Natio nale, 18 de outubro de 1962). Rogers esboca nessa confe rencia uma autobiografia profissional: "Eu VOu procurar condensar 0 que extraf de minha experiencia de professor e da pratica da terapia individual e coletiva, Nao se trata de sugerir conclusoes a outras pessoas alern de mim, nem de propor um modelo do que deve e do que nao deve ser feito, Sao simplesmente tentativas de explicacao atual, de' abril de 1961, de minha experiencia ... ". Segue-se a expo sic;:ao de teses, na aparencia, paradoxais; citemos as rnais. caracteristicas: "A minha experiencia levou-me a pensar que' eu nao posso ensinar a alguma outra pessoa a ensinar... Pare ce-me que tudo 0 que pode ser ensinado a uma outra pessoa e relativamente pouco utilizado e tem pouca ou nenhuma influencia sobre 0 seu comportamento .. . Chego atualmente a acreditar que os iinicos conhecimentos que possam in fluenciar 0 cornportamento de urn' indivfduo sao aqueles que' ele proprio descobre ..e.idos .qp.ais se apropria", As passagens que- acabamesvde-der-reeastituem 0 primeiro momento, 0 ' memento destruidor, negativo, -da demarche de Rogers. A conseqiiencia que Rogers extrai disso- e muito clara: "A minha rofissao de roressar nao tern mais ara mim ual QueI"' mteress.~". Ve-se em que se trata de urn elemento antobiografico, Rogers "confessa" ::a sua' decepcao, 0 seu ceticismo de professor. Isso .introduz, no entanto, como vai se ver, a ideia de que os verdadeiros conhecimentos nao estao no exterior, para serem transmitidos, mas estao no interior de cada urn de nos e . em nossa experiencia. Reco nhecemos togo a maieutica de Socrates e a educacao nega tiva de Rousseau. Esse pensamento torna-se explicito no caso de Rogers numa teoria da experiencia formadora. "Esses conhecimen tos descobertos pelo individuo, essas verdades de que pes soalmente se apropria e que assimila no curso de urna experiencia nao podem ser diretamente comunicados a ou tros. " Eu ercebo ue me interesso a enas r a render . . . Considero satis at no aprender, seja em grupo, em relacao individual como em terapia, ou sozinho. Descobri que a melhor maneira de aprender - emboraseja a mais diffcil' - consiste para mim em abandonar a minha atitude de fensiva - ao menos provisoriamente - para procurar com 57 preender como e que uma outra pessoa concebe e sente a Sua propria experiencia. Uma outra maneira de aprender consiste ' para mim em exprimir as minhas incertezas, ern procurar planejar os meus problemas, a fim de melhor com preender a significacao de minha experiencia." ~ As ultimas frases citadas, que encerram, alias, a con ferencia, parecem-nos revelar um outro aspecto essencial do f'\ pensamento nao-diretivo: e urn pensamento do nao-acabado. ; Concluir e acabar urn pensamento, pOr termo a urn pro \ cesso de desenvolvimento, Se Rogers pede declarar que as "conclusoes" transmitidas nao tem valor formador e porque ele percebe, no termo de sua meditaeao, que 0 unico co \\ nhecimento autentico e conhecimento inacabado e conheciJmento do inacabado. Tal e 0 destine- das ciencias ho]e em dia : todos os te6ricos das ciencias e todos os que se ocupam da pratica das tecnicas descobrem-no, no momento em que refletem sobre 0 destino atual de nossa civilizacao, Esse ele rnento do principle da nao-diretlvidade pedag6gica, a saber, o fato de que 0 hornern e 0 mundo sao inacabados, e talvez o aspecto mais recentemente revelado dassa concepcao peda g6gica. No entanto, ele estava sem duvida laterite em S6 crates e em Rousseau; esses dois "precursores" da nao-di retividade viviam, no entanto, em momentos hist6ricos em ,.que a posse adulta dos saberes e das tecnicas era urn obje tivo que se atingia com mais facilidade do que hoje em dia. Compreende-se assim que 0 tema do nao-acabado, ernbora presente e fundamental em suas analises dialeticas e em .suas concepcoes negativas da educaeao, nao se manifeste no caso deles com 0 carater radical que Rogers quer con ferir-lhe. Uma outra maneira de exprimir esse tema do nao-acabadc em pedagogia consiste em sublinhar, como 0 faz Rogers, as "maneiras de estudar que provocam uma mudanca'". A noc;:~o de mudanca pernrite a Rogers estabelecer uma relacao entre a sua experiencia de psicoterapeuta e a sua experiencia, mais limitada, de professor. 0 psicoterapeuta trata, corn 'efeito, dos problemas de mudanca; a finalidade de uma psicoterapia consiste em desfazer as barreiras que impedem 0 cliente de desenvolver-se, ou, como diz Rogers, de "crescer". Pois 0 princfpio que Rogers sustenta como fundamental para a sua empresa terapeutica e 0 de urn prescimento que nao deixa de evo-car, como jtt foi muitas 58 vezes sublinhado, a bondade natural de Rousseau - no sentido psicopedag6gico desse conceito. Lembrado esse prin .cfpio, cbservar-se-a que 0 essencial das analises tecnicas ;propostas por Rogers situa-se menos no nfvel do cresci mento do que no nfvel da relacao terapeutica. No trabalho -cuja lic;:ao seguimos aqui, Rogers evoca "0 olhar incondi cionalmente positivo do terapeuta, a sua cornpreensao em .patica", quer dizer, outros tantos aspectos especificos de nima relacao com outrem, A ideia da nao-diretividad e en contra aqui 0 seu fundamento : e'a imp' ica essencialmente uma relacao de poder. 0 livre desenvol vimento de urn ser particular ou de urn grupo e uma conseqiiencia desse pri rneiro princfpio. Em resurno, a nao-diretividade e uma po Utica antes de ser urna psicologia genetica, urn me todo tera peutico ou uma nova concepcao da pedagogia. Isso dito, 'nos podemos com Rogers enurnerar alguns elementos para uma pedagogia nao-diretiva. 0 primeiro as pecto que ele propoe que . se retenha e 0 "contato corn os problemas". Rogers entende com essa expressao 0 fato de que "urn conhecimento autentico e mais facilrnente adqui rido quando ligado a situacoes que , sao percebidas como problemas". A ilustrac;:ao experimental que ele cita em apoio desse princlpio e uma observacao do que se passa em situa s:6es rnenos "diretivas" do que ensino ex cathedra: "achei rnais eficazes os trabalhos de serninar io do que os cursos regulates, os curses livres do que os curses ex cathedra. As pessoas que vern a seminaries ou a cursos livres sao aquelas <que estao em contato com problemas que reconhecern como \ seus" 10 . ; Rogers anaJisa, em seguida, 0 que chama de "realisrno :-do" ensino", e depois as atitudes de "aceitacao e de com preensao", para passar daf ao estudo dos meios pedagogicos e do uso que deles pede fazer 0 professor. Urn ultimo e importante problema que Rogers coloca refere-se aos obje ~. tivos da educacao. Nao se trata, no entanto. de uma questao que pertenca com exclusividade a nao-diretividade. Ela per tence e sernpre pertenceu a problernatica pedagogica. 0 que pertence com exclusividade a escola nfic-diretiva e 0 se guinte: os objetivos que se reconhecem sao os dos indivi rluos formados, e nao mais os objetivos dos pro fessores. ' ~~ ," A influencia 'de Carl Rogers sobre a pedagogia con temporanea e ainda limitadal1 ; a sua capacidade de con testa~o e, em contraste, decisiva. 0 ataque visa 0 pedagogo 59 em suas posicoes mais bern defendidas, mais abrigadas. E nisso se encontra a sua diferenca essencial para com o reformismo pedag6gico que encerram os metodos novos, quer dizer, toda a corrente da escola ativa e da educacao nova. A palavra "reforrnismo" foi escolhida aqui a fim de provocar uma comparacao com a polltica. Sabe-se que em politica 0 reformismo e a "revolucao feita pela burocracia". Evita-se assim urna mudanca radical na organizacao social, quer dizer, que 0 grupo inteiro ponha em questao as estru turas do poder. Passa-se 0 mesmo com 0 1 refonnismo peda g6gico: pde-se tudo em questao, menos aquele que provo ca as questoes, quer dizer, 0 professor, 0 educador. Rogers; ·aci contrario, coloca-se a si mesmo em questao em sua funcso e mesmo em seu ser. Ele comeca a duvidar de sua propria eficacfa; de- 'renuncia as' [ustlficacoes e a boa consciencia. Por esse-lade; ele e verdadeiramente- 0 herdeiro de Socrates e de Rousseau. Sob 0 aspecto pedag6gico, no entanto, ele ultrapassa os precursores. 0 metoda nao-dlretivo e mais fino hoje em dia, parecendo mesmo dispens ar a manipulacao'". ' Enfim, n6s ja. 0 dissemos, a nao-diretividade rogeriana 'de fine-so mais explicitamente em funyao da mudanca indivi dual e coletiva, quer dizer , em funcao do inacabado hu rnano-". . Se e possivel ver nisso urn progresso no plano estrita mente pedag6gico, pode-se, por outro lade, estimar que, sob 0 aspecto de seus fundamentos filosoficos e politicos, o pensamento de Rogers representa urn retrocesso com rela ~ao aos metodos de S6crates e de Rousseau, tendo-se em vista a temporalidade .historica . Com efeito, S6crates foi condenado como agitador po litico e tudo mostra que 0 metodo pedagogico e 0 metodo politico, no sentido grego do termo, nunca estiveram sepa rados para 0 fundador da filosofia. No que se refere a Rousseau, e evidente que 0 Emilio nao pode- ser cornpreen . 1. dido a nao ser ern Iigacao com 0 Conirato social: nao es- ' quecamos que a Ultima etapa da formacao, no a etapa da experiencia politica. Rogers parece, ao contrario, refugiar-se num cologismo. E os seus seguidores fazem 0 rrresmo. lidade nao-diretiva estimaria ser hoje em dia "desengajamento", de urn pretenso apoliticismo Emilio, e certo psi A neutra a de urn do homem de ciencia e do terapeuta, 0 que nao e nada mais do que uma op~ao politica nao dec1arada e nao tornada explfcita. E por isso enfim que a nao-diretividade rogeriana para no meio do caminho, e se fecha na contradicao que e a pro pria contradicao da sociedade que permitiu 0 seu desen volvimento. A doutrina de Rogers, e mais geralmente a formacao nao-diretiva, desenvolve -se num contexto social que e 0 de uma sociedade industrial hierarquizada, na qual se pede aos individuos bastante iniciativapara fazer 0 que nao po ·dem fazer os robes: tomar decisoes. Espera-se deles, ao mesmo tempo, bastante "submissao" para que coloquern ern questao as estruturas, as instituicoes, os principios gerais de funcionamento da sociedade. Dai procede 0 pedagogismo co piado da pratica terapeutica : colocam-se 0 individuo e os .grupos como candidatos - a uma "rnaturidade" psicologica -cuja norma carregam em seu interior e cujo desenvolvimen to sera facilitado, Para Rousseau, ao contrario, a maturidade era politica. E , sem duvida, a experiencia politica vem coroar, no Emilio , a maturacao individual, a iniciacao, A compreensao dessa 'Ultima etapa da formacao leva novamente, no entanto, as analise do Contrato em que R ousseau mostra que 0 rno delo familiar da relacao crianca-adulto nao pode constituir alicerce para a analise polftica do poder. Ha aqui duas or -dens diferentes. 0 movimento nao-diretivo conternporaneo, .a o contrario, psicologiza a politica, ern lugar de politizar a ·psicologia. . Na doutrina original de Rogers a nao-diretividade indi -vidual ou social nao coloca ern questao a diretividade es ·tru tural. Em outros termos: a autoformacao nao-diretiva nao se funda na autogestao dessa formacao. Eis a sua con · trad i~ao central. S6 se pode esperar resolve-la reunindo 0 que foi separado: a politica e a educacao, quer dizer , ela borando os princlpios e as tecnicas de uma autoforrnacao que implicaria, ern seu inicio , a gestae da formacao por 'aqueles que sao os seus c1ientes . Isso nao elimina 0 monitor. Nao propomos 0 laisser [eire em pedagogia. 0 problema do monitor continua colocado. Talvez 0 monitor verdadeira mente "nao-diretivo" seja aquele que da a possibilidade ao .grupo de autoforrnacao - e nao mais do "grupo de for ma~ao" - de estruturar ele pr6prio as condi~6 es da peda :gogia. 6160 Rogers fez progredir notavelmente 0 problema da nao diretividade pedagogics . Faltou-lhe um elemento essencial ; colocando claramente 0 problema da autoformacao sob os olhos de urn monitor nao-diretivo, nao leva as tiltimas con seqiiencias seu pensamento, que implica a autogestao da formacao, quer dizer, a politizacao consciente da peda gogia>'. Veremos dentro em breve que a autoformacao, a auto gestae educativa e a pedagogia institucional implicam, aO' contra-rio, de parte dos alunos, uma atividade de instituir Isso permite ultrapassar os limites do "trabalho livre por grupos" no qual, segundo a expressao de R. Cousinet, 0 professor deve limitar-se a "organizer a escola". - Desco briremos assim que a verdadeira nao-diretividade educative supoe que se ascenda do nivel dos grupos ao nfvel das ins tituicoes. Basta-nos, nessa etapa de nosso caminho, sublinhar esse primeiro tema que comple.menta e ilustra tudo 0 que foi dito , nesse capitulo, sobre 0 nascimento e sobre 0 desen volvimento da psicologia dos grupos, das organizacoes e das instituicoes. N6s evocamos 0 horizonte politico e, ja, o problema da autogestao social. Ora, nesse plano, igual mente e colocado 0 problema da relacao entre os grupos e as instituicoes: a verdadeira autogestao social nao e apenas a autogestao das empresas, das escolas e das organizacoes socials de base; e, se isso e possfvel, a autogestao da so ciedade em seu conjunto, E 0 desaparecimento do Estado e a sua substituicao por uma auto-regulacao nao burocratica das relacoes entre os grupos e as organizacoes que consti tuem uma sociedade. Ve-se por isso que 0 problema des grupos - conferin do a essa palavra a sua significacao rnais ampla - evoca sempre e necessariamente 0 problema das instituicdes. A de mocracia dos grupos nao significa praticamente nada, desde que nao se integre numa democracia institucional. Essa relacao foi descoberta per vias separadas, mas convergentes: as reflexoes sobre os problemas do socialis rno da psicoterapia institucional e da autogestao educativa encontram esse mesmo problema.. Nao se pode tratar dos problemas dos gropes, sem tratar ' ao mesmo tempo dos pro blemas das organizacoes e das instituicoes, .> capitulo 2 as grupos pesquisa formacao intervencao " " .l " 62
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