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Revolução Francesa e Teoria e Metodologia da História: uma análise bakuninista FURET, François. “Prefácio”; “O Catecismo Revolucionário”. In: Pensando a Revolução Francesa. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, pp. 11-12; 99-144. Thales Alves Martins Fernandes, Graduando da Faculdade de História da UFG, 4º período, diurno. ● O autor François Furet (1927-1997) foi um historiador francês nascido em Paris. Realizou estudos secundários no lycée Janson de Sailly, e superiores na Faculté des Lettres e na Faculté de Droit, Paris. Ensinou nos lycées de Compiègne (1954-1955) e no de Fontainebleau (1955-1956). Na École des Hautes Études en Sciences sociales (1960) foi seu presidente (1977-1985). Ativo como jornalista foi um dos fundadores (1964) da revista Le Nouvel Observateur . Juntou-se ao staff da University of Chicago (1985), tornou-se membro do Committee on Social Thought e passou a viver entre Paris e Chicago. Entre outras obras, escreveu Penser la Révolution française (1978), l'Atelier de l'Histoire (1982), Marx et la Révolution française (1986), Fascisme et Communisme, escrito com Ernst Nolte, Edgar Quinet et la question du jacobinisme 1865-1870 (1986), La Révolution 1770-1880 (1988) e Le Passé d’une Illusion (1995), além de La Monarchie républicaine e La Constitution de 1791 (1996) escrito com Ran Halévi. Historiador da Revolução Francesa (fins do século XVIII), interpretou o movimento francês como relação de força entre os diferentes poderes, contrariando a visão mais difundida, a de ascensão da burguesia, com a queda da aristocracia . Combateu a 1 história narrativa, buscando uma história quantitativa “que se preocupava com dados esparsos no tempo” e serial, “caracterizada pelo uso dos dados quantitativos da disciplina em regime de série, ou seja, em sequência lógica e que pudesse satisfazer o 1 http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/FranFure.html sentimento de estudo do tempo a longo prazo” . Morreu vítima de um derrame cerebral 2 durante uma partida de tênis, em Toulouse, França. ● Resumo da obra O autor critica a posição da historiografia marxista (definida pelo autor como jacobina), como o autor Claude Mazauric, que o teria acusado, junto com Richet, de fazer o jogo da “ideologia burguesa” . Critica a concepção que se tem sobre as revoluções como o “ponto zero da história”, e uma espécie de história residual, onde cada parte veicula sua interpretação: os realistas choram pelo rei e sua perca de legitimidade ; os “burgueses” celebram a fundação de um novo contrato nacional e os revolucionários a dinâmica do acontecimento fundador e as promessas para o futuro. O autor acredita que essa concepção de história é relativista e busca dar uma “maior precisão”, buscando reduzir as possíveis coerções de nosso presente . O preconceito contra-revolucionário traz uma visão reducionista da Revolução Francesa, tratando-a como uma providência ou uma espécie de complô . Mas as perspectivas revolucionárias de cunho marxista-leninista trazem uma visão que o autor considera teleológica, enxergando a Revolução Francesa como a “Revolução-mãe” da Revolução Russa de 1917, inclusive comparando Stálin a Robespierre, numa justificação do presente pelo passado. O historiador que age desta forma é visto por Furet menos como marxista e mais como neojacobino, com uma “história contemporânea enquanto religião do progresso”, substituindo a causalidade pela finalidade , a discussão pelo argumento de autoridade . Mesmo que esse tipo de análise tenha trazido vários problemas, o autor considera como positivo a perspectiva de se analisar as classes populares no processo revolucionário. Porém esta interrogação sobre o passado seria feita de forma mecânica e passional, assim como nos mostra com a crítica à A. Soboul e E. J. Sieyès (1748-1836) onde para eles “[...] a Revolução 2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ois_Furet Francesa não é um dos futuros possíveis da sociedade francesa do século XVIII; é o seu único futuro, seu coroamento, seu fim, seu sentido mesmo” (pp. 108-109). Em relação ao campesinato, Furet critica a mistura que Soboul faz com os conceitos “feudal” e “senhorial”. O autor mostra que, segundo P. Bois, o campesinato francês não se preocuparia com a questão das rendas senhoriais, ao contrário da Bretanha de J. Meyer e da Borgonha de Saint-Jacob. A senhoria teria se aburguesado e a resistência camponesa teria sido antiburguesa e anticapitalista, e não simplesmente antiaristocrática ou “antifeudal”. A comunidade rural não se revoltaria a partir de uma análise mais detalhada histórica ou economicamente; mas a partir de sua vida material, o imposto, o dízimo, a caça. A frustração dos camponeses em relação à nobreza e às ordens privilegiadas seria, para o autor, mais uma realidade psicológica, política e social, contra o esnobismo nobiliário ; contra a dominação social e não contra a dominação econômica. Assim como notou Tocqueville, a revolução seria uma integração sociocultural pelo patriotismo “antifeudal” de 89 e pela ideologia jacobina. Em relação as classes dominantes, o autor critica a visão simplista de Soboul em sua análise: Soboul não leva em consideração a participação do Clero na desarticulação do Antigo Regime; também não leva em consideração o “aburguesamento” da aristocracia, na qual se tornou mais fácil se tornar aristocrata pela fortuna plebeia do que passar da pequena para a grande nobreza. Desta forma, o autor considera que Soboul abandonou uma das principais ideias de Marx e que também pertence a Tocqueville: “a da relativa independência do Estado do Antigo Regime em relação à nobreza e à burguesia” (p. 118). O Estado monárquico, segundo Furet, distribuindo a promoção social e se tornando pólo de atração do dinheiro , ao mesmo tempo conservando a herança da sociedade de ordens , cria uma contradição dentro das classes dominantes, ampliando-se os conflitos intranobiliários, entre grupos que já se tornaram capitalistas e grupos ainda feudais ou simplesmente proprietários. A “reação aristocrática” é na verdade uma reação de elite politicamente dirigente . O enobrecimento pelo rei e pelo dinheiro suscitou no século XVIII uma reação da “velha nobreza”, numa disputa entre nobre e enobrecido. Daí surge o conflito entre o dinheiro e o mérito com o obstáculo do “nascimento”, onde a venda de cargos entra como uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que traz dinheiro ao Estado, cria uma independência da propriedade. “A velha nobreza, muitas vezes menos rica que a nova, fica ressentida; a nova só pensa em fechar atrás de si a porta estreita pela qual acabou de passar” (p. 126). Assim o autor considera que não houve uma hostilidade geral da nobreza contra a burguesia, em nome de uma “feudalidade imaginária”, mas sim umconflito entre a sociedade de ordens e o absolutismo . O Antigo Regime trazia em seu seio uma contradição fundamental, segundo Furet: era arcaico demais pra se modernizar e moderno demais para o que possuía de arcaico. No campo cultural, a nobreza e a burguesia possuía muita afinidade, discutindo Descartes e Newton, lendo Manon Lecaut, etc., tendo a nobreza enobrecida o papel fundamental em relacionar o mundo de onde sai com o mundo na qual entra, transmitindo-se assim uma sociabilidade “burguesa” . Assim, para o autor, Soboul não consegue compreender um vínculo dialético entre privilégio e liberdade. Comparando Mazauric a Soboul, Furet considera que ambos fazem parte de um marxismo degradado . Mazauric acusa uma história da Revolução Francesa de ser anti-comunista, anti-soviética e até antinacional , o que para Furet não é digno nem de discussão por seu anacronismo. O autor critica o conceito de “Revolução burguesa”, que para ele permitiria “apagar a multiplicidade, os encontros, as improvisações incessantemente renovadas da crise [...] um monstro metafísico que desenrola tentáculos sucessivos, com os quais estrangula a realidade histórica [...]” (p. 136), onde a análise da luta de classes engendrada não deveria ser feita e a análise dos modos de produção deveria ser feita em um recorte mais amplo que a Revolução Francesa. Desta forma, mais do que o conceito de “revolução burguesa”, é o conceito de situação ou de crise revolucionária que o autor considera necessário aprofundar. Cobban enfatiza que os grupos burgueses mais empenhados na revolução eram geralmente pouco ligados ao modo de produção capitalista e que houveram várias revoluções na Revolução, como desde a redação dos Cahiers , uma revolução camponesa, onde o camponês nutria um sentimento de desconfiança em relação à cidade. Como mostra P. Bois, “[...] a queixa anti-senhorial de 89 confirma e, numa certa medida, prefigura a desconfiança antiburguesa de 90-91 e a chouannerie anti-republicana”, e G. Lefebvre, a burguesia negociou com o campesinato, “até mesmo fora dos casos e das zonas de hostilidade armada (Vendeia, chouannerie) . A Revolução seria, desta forma, naturalmente flutuante, numa rápida evolução das conjunturas políticas e consequentemente heterogêneas. A ideologia fortemente integradora do jacobinismo não poderia ser tratada pelo historiador como uma verdade evidente. Em uma mistura a herança militar da antiga sociedade com valores filosóficos das Luzes democratizados e transfigurados pelo culto do novo Estado , investidos de uma missão libertadora universal , a ideologia foi simultaneamente burguesa, popular e camponesa. Os girondinos não foram os únicos culpados pela guerra, pelo Terror; ela foi vista por outros setores como o laço da unidade e da escalada revolucionária , não sendo assim uma guerra burguesa. A Revolução Francesa trouxe um “messianismo ideológico e paixão nacional”, integrando as massas ao Estado formando uma nação democrática moderna ; com isso surge a “guerra ilimitada”, onde a guerra significava a revolução e a paz, a contra-revolução. O Terror, diz o autor, é uma espécie de “derrapagem da revolução” (p. 143). O autor considera a “vulgata mazaurico-sobouliana” uma “crispação passional disfarçada de marxismo”, que seria um produto de um encontro difuso entre “jacobinismo e leninismo”, “sobreviventes imaginários da doutrina de Babeuf” (p. 144). ● A Crítica O autor faz críticas acertadas ao ortodoxismo marxista-leninista de análises simplistas e teleológicas, porém erra em determinados pontos. Segundo Andrey Cordeiro Ferreira , utilizando-se do método dialético bakuninista, mais precisamente a 3 dialética autoridade/liberdade, “a Revolução Francesa foi o produto da ação de 3 FERREIRA, Andrey Cordeiro. “Poderes científicos, Saberes Insurgentes: rumo a uma ciência social dialética e antissistêmica”. In: FERREIRA, Andrey Cordeiro. Pensamento e práticas insurgentes: anarquismo e autonomias nos levantes e resistências do capitalismo no século XXI . Niterói: Editora Alternativa, 2016, pp. 37-70. diferentes classes e diferentes determinações: o protesto filosófico, o protesto político e econômico. A transformação definitiva do Estado se dá com a mudança global na estrutura de classes, com a emancipação da burguesia e sua constituição como classe dominante” (p. 64). Tendo em vista este raciocínio, é necessário que se utilize a perspectiva classista de análise de determinado movimento histórico, pois a história do ser humano nunca se desvinculou desta dialética autoridade/liberdade, desde suas primeiras formas de organização. Percebendo-se aqui “classe” como algo não engessado, onde as “classes sociais não são fenômenos meramente econômicos, mas são produzidas por causas múltiplas, inclusive pela objetivação histórica das ideias [...]” (p. 65), entende-se por “classe” como conjunto de categorias agrupadas e relacionadas umas com as outras com a afinidade de estarem em uma determinada posição na sociedade, devido à fatores econômicos, políticos, sociais, etc. Por mais que a revolução possuísse diversas classes sociais, e dentro delas diversas categorias, uma classe foi a difusora de suas principais ideias, ou seja, a classe burguesa em ascensão, caracterizando-se assim a revolução como uma revolução que alcançou principalmente reivindicações de caráter burguês. Assim como escreve Furet: “Todos os elementos essenciais da nova ordem burguesa que fundam nosso mundo contemporâneo - a abolição da ordem e da “feudalidade”, a carreira aberta aos talentos, a substituição da monarquia de direito divino pelo contrato, o nascimento do Homo democraticus e do regime representativo, a libertação do trabalho e da livre empresa - foram adquiridos irreversivelmente desde 1790” (p. 141). Desta forma não seria equivocado caracterizar esta revolução como uma Revolução Burguesa, visto sua realização e conclusão, desde que se aborde os diversos agentes revolucionários e suas perspectivas. Não se deve abandonar a perspectiva de classe e a caracterização da Revolução Francesa como burguesa apenas por que certos autores a utilizaram de uma forma ruim; devemos utilizar os termos honestamente abrangendo a totalidade do evento enquanto dialética luta/dominação e autoridade/liberdade pelos conflitos sociais existentes nos choques entre as classes.
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