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uma nova variedade pan-européia. Montelius soube advertir, portanto, a influência de fatores históricos, tanto quanto a dos aspectos lógicos, na evolução da cultura material. Na década de 1880, Montelius desenvolveu seu método tipológico e subdividiu a Idade do Bronze européia em seis períodos. Na década seguinte, ele subdividiu o neolítico em quatro períodos e a Idade do Ferro em dez. Embora considerasse essa periodização aplicável a toda a Europa, registrou considerável variação regional em cada período e rejeitou a idéia de que todas as partes da Europa teriam alcançado o mesmo estágio de desenvolvimento ao mesmo tempo. Em vez disso, ele procurou usar os artefatos que supunha terem sido objeto de troca entre uma região e outra, ou copiados de áreas mais avançadas, para estabelecer correlações entre os vários períodos, em diferentes partes da Europa. Em função da descoberta de cerâmica grega micênica em sítios egípcios historicamente datados e de bens egípcios na Grécia, foi possível aos arqueólogos datar o período micênico na Grécia do século XV a.C. Contas de faiança encontradas no interior da Europa, que se supunha originárias do Egito, através da civilização micênica, serviram de marco cronológico para o estabelecimento de datações para as culturas da Idade do Bronze. Essa correlação também deu origem à "pequena cronologia" da pré-história européia (Bibby, 1956: 181-2). Montelius acreditava que sua cronologia cultural da pré-história européia derivava objetivamente da evidência arqueológica. Hoje não estamos mais tão certos de que pressupostos não hajam desempenhado papel significativo na seleção dos entrelaçamentos aos quais ele recorria para correlacionar as cronologias de diferentes partes da Europa. Montelius julgava ter na sua cronologia indicações de que, nos tempos pré-históricos, o desenvolvimento cultural se dera no Oriente Próximo, e de que ondas de migração e difusão haviam trazido certas criações para a Europa, através dos Bálcãs e da Itália. Isso explicaria porque, nos tempos pré-históricos, o desenvolvimento cultural no sudeste da Europa sempre estivera acima do alcançado no norte e no oeste, e porque a Europa como um todo "por muito tempo nada mais foi que o pálido reflexo da civilização oriental". Montelius tornou-se o mais destacado expoente do difusionismo como explicação para o desenvolvimento cultural europeu, a escola chamada ex oriente lux (do oriente [vem] a luz) (Renfrew, 1976a: 36-7). A interpretação de Montelius (1899, 1903) sobre o desenvolvimento da civilização européia não apenas requeria uma crença na difusão, como também implicava crer que, durante longos períodos, a inovação tendeu a ocorrer em determinadas áreas e a difundir-se, a partir destas, para a periferia. Uma crença semelhante em centros e periferias culturais teve um papel significativo na antropologia boasiana, juntamente com o pressuposto da correspondência período/área, segundo o qual os traços mais amplamente distribuídos tendiam a ser mais antigos que aqueles difundidos por um território menor. Em geral, amplas áreas naturais (como as grandes planícies ou as florestas boreais da América do Norte) foram encaradas pelos antropólogos norte-americanos como as mais ativas esferas de difusão. Os conceitos de centros culturais e de correspondência período/área foram submetidos à crítica demolidora do antropólogo R. B. Dixon em 1928. Na Europa, contudo, esses pressupostos nunca foram formulados nem criticados com tanta clareza. Muitos arqueólogos apoiaram a interpretação de Montelius sobre a pré- história européia. As objeções mais comuns, de resto, não eram contra a idéia de difusão a partir de um centro inovador, e sim contra a tese monteliana de que esse centro estava localizado no Oriente Próximo. Muitos eruditos se manifestaram contrários a tal interpretação, que se opunha à convicção dos europeus de sua própria superioridade criativa e fazia a civilização originar-se fora da Europa. Carl Schuchardt, Adolf Furtwängler e outros arqueólogos alemães sustentavam que a civilização micênica fora obra de invasores "arianos" oriundos do norte; entrementes, a tese de Montelius sofria uma oposição mais generalizada por parte de acadêmicos como Mathäus Much (1907) e do estudioso francês da pré- história Salomon Reinach, que a atacou em seu livro Le Mirage Oriental [A miragem oriental] (1893) (Sklenáo, 1983: 145). Porém, demolir o esquema de Montelius exigia descartar ou refutar sua cronologia, que os mais imparciais especialistas em pré-história consideravam baseada em evidência legítima. No entanto, havia tanto razões científicas quanto não-científicas para o apoio dado a Montelius. Suas idéias difusionistas estavam claramente de acordo com as opiniões conservadoras acerca da criatividade humana correntes no final do século XIX. Rastrear as origens da civilização européia remontando ao Oriente Próximo também agradava a muitos cristãos, uma vez que reafirmava a visão bíblica da história mundial. O difusionismo também estava de acordo com uma interpretação bíblica que remontava ao período medieval, período este em que vigorou a concepção de sucessivos impérios - babilônio, persa, helenístico e romano - vindo, um após o outro, a transferir o centro de poder e a criatividade para o oeste, ou seja, desde o Oriente Próximo até a Europa. Por fim, durante o século XIX, as potências européias, em especial a Inglaterra e a França, interferiam em grau cada vez maior nos assuntos econômicos e políticos do Oriente Próximo (Silberman, 1982). Uma concepção da pré-história que via as nações européias ocidentais, em vez dos povos árabes, como os verdadeiros herdeiros das civilizações do Oriente Próximo ajudava a justificar as intervenções coloniais da Europa naquela região, tal como o folclore justificava a colonização européia da África. Esta interpretação do desenvolvimento cultural antigo no Oriente Próximo como origem da civilização européia pode ajudar a explicar porque as idéias de Montelius eram mais populares na França e na Inglaterra do que na Alemanha, cujas intervenções no Oriente Próximo só começaram no final do século XIX. Montelius não subscreveu as interpretações racialistas da história humana. Ao mesmo tempo em que ele se preocupava com os processos de difusão responsáveis pela propagação da civilização na Europa nos tempos pré-históricos, procurou explicitar os processos evolutivos responsáveis pela origem da civilização no Oriente Próximo. Como cidadão de uma nação geograficamente periférica, cuja vida cultural e acadêmica estava sendo transformada, no século XIX, por influência da Alemanha, ele provavelmente via a difusão como um poderoso estímulo para a mudança. Embora ele tenha sido o primeiro grande inovador da arqueologia a ser fortemente influenciado por uma concepção propriamente difusionista da cultura, sua posição no debate a respeito da inventividade humana foi tímida e seu pensamento, em grande medida, continuou evolucionista. O Conceito de Cultura No final do século XIX, uma preocupação crescente com a etnicidade estimulou a formação do conceito de cultura arqueológica e a adoção da abordagem histórico-cultural no estudo da pré-história. Na Escandinávia e na Europa central, os arqueólogos começaram a traçar analogias explícitas entre, de um lado, conjuntos reunindo muitos vestígios com características específicas, geograficamente restritos, e, de outro, as culturas etnográficas. Kroeber e Kluckhon (1952) registraram como, no curso do século XVIII, filósofos franceses e alemães começaram a empregar a palavra francesa "culture",