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O DEVER DO ESTADO DE GARANTIR UMA IGUALDADE DE OPORTUNIDADE PARA A PRÁTICA ESPORTIVA: A LEI DE INCENTIVO AOS ESPORTES COMO UM ARTIFÍCIO THE STATE’S DUTY OF GUARANTEEING OPORTUNITY EQUALITY FOR GENERAL SPORTS PRACTICE: THE LAW ON ENCOURAGEMENT OF SPORTS AS A DEVICE Heloisa Cristina Ferreira Ribeiro1 Tiago Severino Vieira2 SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – Do direito à igualdade: gênero e esporte; 3 – O papel do utilitarismo na construção da desigualdade substancial e o Estado como garantidor de igualdade de fato; 4 – A atuação do Estado na tentativa de solucionar a desigualdade de gênero; 5 - Conclusão. RESUMO O artigo promove uma análise da questão da desigualdade de gênero em âmbito esportivo no cenário nacional, apresentando dados referentes aos investimentos de alguns clubes nos esportes femininos, a distribuição de clubes nos principais esportes no Brasil e as suas respectivas maiores ligas. Critica-se o papel exercido pelo Estado ao não garantir às mulheres uma posição inicial de igualdade material em relação aos homens para a prática esportiva. E a efetivação de mecanismos já existentes como a Lei de Incentivo aos Esportes (Lei nº 11.438/06) como uma possível forma de solucionar os problemas. Palavras-chave: desigualdade, gênero, esporte, ações afirmativas, Lei de Incentivo aos Esportes. ABSTRACT This article promotes an analysis of the issue of gender inequality in sports in the national scene, presenting data for the investments of some clubs in women's sports, the distribution of the major sports clubs in Brazil and their respective major leagues. It criticizes the role played by the state, which does not guarantee women a starting position of material 1 Graduanda no curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares. 2 Graduando no curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora – Campus Governador Valadares. equality in relation to men in general sports practice and the effectiveness of existing mechanisms such as the Law on Encouragement of Sports (Law No. 11,438 / 06) as a possible way to solve these issues. Keywords: inequality, gender, sport, affirmative action, Law on Encouragement of Sports; Lei nº 11.438/06. 1. INTRODUÇÃO Os Jogos Olímpicos de Verão de 2016, evento sediado no Brasil, evidenciaram um grande problema estrutural no país: a desigualdade de gênero no âmbito esportivo. Desigualdade esta que se dá em nível abissal quanto aos investimentos e faz-se presente desde o esporte como prática escolar ao de atividade profissional. As mídias, ao veicularem informações sobre os investimentos financeiros no esporte, proporcionaram perplexidade aos seus espectadores com as disparidades existentes entre os gêneros. Diante disso, o assunto ganhou destaque em discussões, apontando como causa principal o sexismo. A cultura sexista é a promotora da desigualdade. A presença feminina no esporte vem sendo marcada recentemente. Afinal, práticas esportivas sempre foram vistas como parte do “território masculino”. Às mulheres: a arquibancada e práticas que envolvem gestos suaves e passíveis de serem sexualizados. É o discurso binário pautado na “masculinidade” e “feminilidade”. E inicia-se na educação escolar de atividade física: ensina-se que os meninos devem ser assistidos e suas habilidades apreciadas, como a “força”, ao passo que as meninas são delicadas e não gostam de suar. Uma das respostas para o porquê que a sociedade aplaude o esporte masculino está nesta construção transmitida. A partir de então, questiona-se se o esporte feminino não passa de um fetiche masculino. Percebe-se que o direito à igualdade não é levado a sério no âmbito esportivo. Uma vez que é propagado que o esporte não é para elas e a Lei dos Incentivos ao Desporto revela-se falha. O artigo tentará buscar meios de solucionar a desigualdade de gênero de esporte. Esses meios dar-se-ão por ações positivas do Estado com intuito de resolver a diferença constituída entre a prática e o desenvolvimento dos esportes em seus gêneros. Acredita-se, primeira e hipoteticamente, que a atuação do Estado poderá contribuir para uma mudança gradual do cenário brasileiro. Tal hipótese será discutida no decorrer deste artigo Inicialmente, necessita-se discutir os direitos fundamentais violados ao se deparar com a desigualdade apresentada. O direito fundamental à igualdade de gênero está previsto no artigo 5º, I, da Constituição Federal brasileira de 1988. Depois, abordar-se-á a problemática da desigualdade material presente na sociedade brasileira, pois apesar da igualdade formal perante a lei, observa-se a diferença existente na realidade. Dados que possibilitam e contribuem para o entendimento dessa questão serão apresentados. E, por fim, trata-se de como a questão pode ser solucionada em conjunto, pois apesar da previsão no ordenamento brasileiro de que todos são iguais perante a lei, o próprio ordenamento brasileiro não oferece meios que possam extinguir essa desigualdade. A solução para esse problema dar-se-á através de uma atuação afirmativa do Estado, valendo-se de mecanismos legais existentes e que possam ser modificados e melhorados, com intuito de concretizar os direitos fundamentais de igualdade. A metodologia utilizada neste artigo é a pesquisa bibliográfica em conjunto com uma pesquisa realizada com 20 clubes brasileiros de diversas regiões com intuito de saber a porcentagem da receita ou orçamento que eles destinam para os times femininos.3 2. DO DIREITO À IGUALDADE: GÊNERO E ESPORTE O princípio da igualdade abraçou a segunda dimensão dos direitos fundamentais, constituída pelos direitos sociais, culturais e econômicos. Não somente ampliaram o catálogo de direitos fundamentais, tão mais do que isso: redefiniram os direitos individuais4 – pertencentes à primeira geração de direitos fundamentais, ditos direitos de liberdade. Não basta o direito à liberdade em si, seu gozo só advém da conjuntura com a igualdade. A saber, a terceira dimensão ou geração de direitos consiste no princípio da fraternidade, dotados de elevado teor de humanismo e universalidade5, os quais são os direitos ao desenvolvimento, à paz, à comunicação, ao meio ambiente e à fraternidade. Tais gerações de direitos fundamentais são etapas do longo processo histórico do Constitucionalismo. Cabe ressaltar que em países periféricos e subdesenvolvidos, na transição de regimes ditatoriais para democráticos, houve-se, como designa Boaventura de Sousa Santos, um curto-circuito histórico de direitos fundamentais6; assim, direitos que foram conquistados ao decorrer do tempo nos países centrais, sancionaram-se de uma só vez naqueles. Os direitos 3 Obteve-se resposta de apenas três clubes até a data de entrega deste artigo. 4 FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Curso de Direito Constitucional/ Bernardo Gonçalves Fernandes, 7. ed., rer. ampl. Atual; JusPODIVM: Salvador, 2015. 5 BONAVIDES, Paulo. Direitos Fundamentais, Globalização e Neoliberalismo. Disponível em: < http://www.unicap.br/rid/artigos2004/direitosdundamentais.doc> Acesso em: 05 de setembro de 2016. 6 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3 ed. rev. ampl. p. 15. sociais foram mencionados formalmente na Constituição de 1934, porém somente vieram a ser discutidos no cenário da constituição cidadã, a Constituição Federal de 1988. Este colapso de direitos sociais fez com que, até hoje, sua digestão não fosse completa pela sociedade brasileira. A má compreensão desses direitos também é um fatorpara a desigualdade de gênero e perpetuação da cultura sexista. O direito à igualdade precisa ser discutido, de modo que seu entendimento seja alargado, bem como uma conscientização de direitos. Segundo Marcelo Novelino, “o direito fundamental à igualdade impõe o dever, prima facie, de se conferir um tratamento isonômico a todos os seres que se encontrem em uma mesma categoria essencial”7. O artigo 5º da Constituição Federal brasileira dispõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. O tratamento igualitário, em tese, impede que haja discriminações e preconceitos disseminados entre os indivíduos. Como expõe Barroso: Todas as pessoas têm o mesmo valor intrínseco e, portanto, merecem igual respeito e consideração, independente de raça, cor, sexo, religião, origem nacional ou social ou qualquer outra condição. Aqui se inclui o tratamento não discriminatório na lei e perante a lei (igualdade formal), bem como o respeito à diversidade e à identidade de grupos sociais minoritários, como condição para a dignidade individual (igualdade como reconhecimento)8. (BARROSO A única distinção aceitável é aquela que visa “promover um fim constitucionalmente consagrado” e razoavelmente justificado9. O tratamento isonômico de gênero está especificado no inciso I do já mencionado artigo 5º: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Dessa forma, não faz sentido haver distinção entre papéis por gênero. Não existe um território masculino e outro feminino. Entretanto, não é bem assim que tem funcionado. A igualdade de gênero inexiste substancialmente. Mulheres ainda não ocupam todos os espaços presenciados por homens, principalmente na esfera do trabalho, que é bastante seccionada: “a divisão sexual do trabalho 7 NOVELLINO, Marcelo. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. p. 491 8 BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. p. 23. 9 NOVELLINO, Marcelo. Direito constitucional. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012. P.491 estrutura as relações de gênero na sociedade e estabelece uma divisão naturalizada das áreas reprodutivas atribuídas às mulheres e das áreas produtivas atribuídas aos homens”10. E elas ganham bem menos que os homens ocupando funções iguais. Tentam justificar essa desigualdade com o biológico do corpo feminino mais a falácia de que as mulheres são extremamente emotivas. E perpetua-se o sexismo. A discriminação de gênero, fruto de uma longa tradição patriarcal que não conhece limites geográficos tampouco culturais, é do conhecimento de todos os brasileiros. Entre nós, o status de inferioridade da mulher em relação ao homem foi por muito tempo considerado como algo qui va de soi, normal, decorrente da própria “natureza das coisas”. A tal ponto que essa inferioridade era materializada expressamente na nossa legislação civil. (BARBOSA,2011. p. 142)11 O esporte é considerado como um direito fundamental, como parte integrante do direito fundamental ao lazer. Atividades esportivas são um direito de todos os cidadãos brasileiros, que está previsto no artigo 217 da Constituição Federal, dispondo que compete à União incentivá- las. No entanto, o incentivo ao esporte é maior em relação ao sexo masculino, tanto como o esporte profissional e o não profissional. A “feminilidade” parece, para a sociedade, não combinar muito bem, por exemplo, com o futebol, quando a conhecida jogadora Marta é “elogiada” ao ser comparada que “joga igual homem” (sic). O esporte feminino soa como uma fetiche masculino: as atletas são hipersexualizadas. Novamente, a cultura sexista que objetifica o corpo feminino. A verdade é que o esporte feminino não vende. É como se as mulheres não se desempenhassem como os homens e lhes faltasse o artifício da brutalidade, que coloca a sociedade em um relacionamento tão abusivo e sério com o esporte masculino: a paixão exacerbada, que move a sua torcida. O país do futebol é de um futebol da “masculinidade”. Ainda, um homem cultivar a paixão pelo futebol é socialmente entendido como um elemento caracterizador e necessário da sua heterossexualidade, sendo, portanto, um padrão obrigatório. Torna-se evidente a não efetivação do direito fundamental da igualdade de gênero no esporte, tanto pelo Estado quanto pela sociedade. 10 THOME, Candy Florencio. O princípio da igualdade de gênero e a participação das mulheres nas organizações sindicais de trabalhadores. São Paulo: LTr, 2012. p. 119-120 11 BARBOSA, Joaquim B. Gomes. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo Direito Constitucional brasileiro. Brasília. Revista de Informação Legislativa, 2001. p 142. 3. O PAPEL DO UTILITARISMO NA CONSTRUÇÃO DA DESIGUALDADE SUBSTANCIAL E O ESTADO COMO GARANTIDOR DE IGUALDADE DE FATO Existe um grande abismo ao se comparar os investimentos nos esportes. O futebol no Brasil possui investimento enormemente superior aos demais esportes, como basquete ou vôlei. Esportes não tradicionais como badminton, hockey sobre a grama, entre outros, diferem-se bastante. Porém, no próprio esporte existe uma diferença gritante entre os gêneros. Observa-se o futebol, o esporte mais popular do Brasil e no mundo. O futebol feminino não consegue programar um campeonato perene, que seja duradouro como há no masculino. As principais jogadoras, inscritas na realidade brasileira, precisam ter uma carreira tripla – atleta, outra ocupação e serviços domésticos. Entre os motivos causadores da diferença do investimento, pode-se citar como problema a questão utilitarista presente no mercado. O investidor ao imaginar qual instituição ou projeto que irá depositar seu patrocínio, procura aquele que lhe oferecerá o maior resultado possível. Quanto maior a exposição do clube, maior será o investimento nele e maior será o retorno ao investidor. Com isso, há um ciclo vicioso onde equipes menores, equipes novas, ou até esportes com menor visibilidade não obterão de forma fácil um sucesso. A formação de um clube competitivo ou crescimento do esporte necessita de investimento. Bentham, um dos maiores pensadores utilitaristas, observa essa procura pela felicidade. Felicidade atual, que pode ser representada pelo ganho de dinheiro, melhora da imagem perante a sociedade. O princípio da utilidade significa aquele princípio que aprova ou desaprova cada ação de acordo com a tendência que apresenta a aumentar ou a diminuir a felicidade daqueles cujo interesse está em jogo; ou, o que é o mesmo em outras palavras, a promover ou se opor àquela felicidade. Eu digo de toda e qualquer ação, e portanto não somente de toda ação de um indivíduo privado, mas também de toda medida de governo. (Bentham. 1948, p. 2)12 Como afirma Benthan, o governo também busca uma felicidade em suas ações. No esporte esta questão pode ser vista no Brasil dominado pela ditadura na década de 60, onde enxergou-se na seleção masculina de futebol a chance de aparentar um governo eficiente com sucesso. Sucesso este conquistado em 1970 com a conquista da Copa do Mundo, que serviu de propaganda para o governo. Um exemplo atual, mas também de um Estado ditatorial é a Coréia 12 BENTHAM, Jeremy. “An introduction to the principles of morals and legislation”, in . The principles of morals and legislation, Nova York, Hafner Press,1948, p.2. do Norteque divulga os resultados apenas se for favorável, com intuito de passar algo positivo para sua população. Cabe ao Estado olhar essa disparidade, por mais que muitas vezes, usa-se desta para se promover. Rawls, em sua Teoria da Justiça elaborou três passos que devem ser seguidos pelos países periféricos que passaram por momentos ditatoriais. Primeiro deveria oferecer a liberdade para a comunidade, ela seria a base para os demais passos. Segundamente, viria a igualdade e por último, teríamos a diversidade. O mesmo autor, em seu pensamento, traz que seria fundamental o Estado oferecer uma posição inicial de igualdade de oportunidades para que todos possam conseguir seus objetivos, sem que haja uma diferença entre partes supostamente iguais. O papel do Estado seria situar as pessoas em uma posição livre e igual para que cada uma tenha a mesma oportunidade, de maneira que um não tenha uma vantagem perante o outro.13 Não há injustiça nos benefícios maiores conseguidos por uns poucos desde que, a situação dos menos afortunados seja com isso melhorada. Deste modo vale a pena ressaltar que o início da justiça como equidade como outra visão contratualista, consiste em duas partes, a primeira uma interpretação de uma situação inicial e do problema da escolha colocado naquele momento, e a segunda se procura demonstrar seriam aceitos consensualmente. A palavra contrato sugere essa pluralidade, bem como a condição que a divisão apropriada de benefícios aconteça de acordo com os princípios aceitáveis para ambas as partes. (RAWLS, 1997. p. 16)14 A desigualdade de gênero no esporte é um problema jurídico, pois é papel do Estado garantir a igualdade material. Ela busca concretizar os direitos na realidade econômica e social, tentando erradicar as desigualdades presente na comunidade. Marcelo Novelino, em seu livro de Direito Constitucional, disserta um pouco sobre a igualdade em relação aos bens da vida. A igualdade material impõe ao Estado o dever de adotar medidas que visem à redução das desigualdades fáticas existentes. A concessão de direitos substanciais a determinados grupos de indivíduos hipossuficientes com a finalidade de proporcionar-lhes igualdades reais e condições em relação 13SILVEIRA, Denis Coitinho. Posição original e equilíbrio reflexivo em John Rawls: o problema da justificação. Trans/Form/Ação vol.32 no.1, Marília , 2009. 14 RAWLS, John, Uma Teoria da Justiça/John Rawls: Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves – São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.16. muitas vezes interfere no âmbito de proteção da igualdade jurídica, sendo imprescindível o recurso ao sopesamento das razoes e contrarrazões pelos dois princípios opostos. (...) A igualdade material por seu turno, tem por objetivo primordial a redução de desigualdades existentes no plano fático. (NOVELINO, 1972. p. 492)15 Já Rodrigo César Rebello Pinho ao conceituar os dois modelos de igualdade, define- os como, Há duas espécies de igualdade: formal e material. A formal dentro da concepção clássica do Estado Liberal é aquela em que todos são iguais perante a lei. Existe também a material, denominada efetiva, real, concreta ou situada. Trata-se da busca da igualdade de fato na vida econômica e social. Em diversos dispositivos o constituinte revela sua preocupação com a profunda desigualdade em nosso país, com a criação de mecanismos que assegurem uma igualdade real entre os indivíduos. Não basta a igualdade formal. O Estado deve buscar que todos efetivamente possam gozam dos mesmos direitos e obrigações. (PINHO, 2007.p.98).16 Celso Antônio Bandeira de Mello disserta sobre a importância de proporcionar a igualdade material dentro do Estado e critica o conceito de igualdade extraído das revoluções francesa e americana, afirmando que era apenas uma igualdade formal. Como se vê, em lugar da concepção “estática” da igualdade extraída das revoluções francesa e americana, cuida-se nos dias atuais de se consolidar a noção de igualdade material ou substancial, que, longe de se apegar ao formalismo e à abstração da concepção igualitária do pensamento liberal oitocentista, recomenda, inversamente, uma noção “dinâmica”, “militante” de igualdade, na qual, necessariamente, são devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade. (MELLO,2003. p.19)17 15 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional/Marcelo Novelino. – 7. ed. ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012, p.492. 16 PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria geral da Constituição e direitos fundamentais / Rodrigo César Rebello Pinho. - 7. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2007, p. 98. 17 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. Os grupos ou indivíduos devem ser tratados de forma específica, para que suas características particulares não sejam esquecidas. O esporte feminino possui particularidades no Brasil, devido a um problema que não é atual. É preciso traçar políticas públicas com o caráter afirmativo para promover a igualdade de oportunidades, algo não existente, como será apresentado em alguns dados adiante. Igualdade material não consiste em um tratamento sem distinção de todos em todas as relações. Senão, só aquilo que é igual deve ser tratado igualmente. O princípio da igualdade proíbe uma regulação desigual de fatos iguais; casos iguais devem encontrar regras iguais e, por isso não devem ser regulados desigualmente. A questão decisiva da igualdade jurídica material é sempre aquela sobre os característicos a serem considerados como essenciais, que fundamentam a igualdade de vários fatos e, com isso, o mandamento do tratamento igual, ou seja, a proibição de um tratamento desigual ou, convertendo em negativo: sobre os característicos que devem ser considerados como não-essenciais e não devem ser feitos base de uma diferenciação. (Silva, 2003, p.42)18 Rothenburg, traz a diferença existente entre os sexos na sociedade, onde as mulheres encontram-se em posições de desigualdades em diferentes frentes, tanto na esportiva como no trabalho. A igualdade de fato, por outro lado, refere-se à realização da igualdade, em concreto. Assim, de nada adianta dizer que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (art. 5º, I, da Constituição brasileira) e reforçá-lo com a “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo” (art. 7º, XXX), se, na prática, “de fato”, ainda são os homens que ocupam a maior parte dos melhores empregos e, para as mesmas atividades, o salário das mulheres costuma ser menor. (RUTHENBERG, 2008. P.85)19 As mulheres apresentam muita dificuldade para poder praticar esporte em alto nível no Brasil. As competições são precárias, não possuem uma organização satisfatória, que ofereça ao público um bom produto. Isso implica nos baixos salários oferecidos às jogadoras, que, diante disso, precisam ter outra profissão ou abandonam o esporte. 18 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. 19ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade material e discriminação positiva: o princípio da isonomia. Novos estudos jurídicos. Vol. 13 - n. 2. 2008, p. 77-92. E asituação se complica ao observar-se que os clubes concentram-se mais na região sudeste e sul. O que dificulta ainda mais o esporte como um todo. Talentos são perdidos devido à distância dos grandes centros dos esportes.20 Na tabela abaixo é possível ver o baixo número de clubes nos principais esportes do Brasil e a concentração dos clubes nas regiões Sul e Sudeste. A tabela traz dados das ligas femininas e masculinas, respectivamente. Esportes Centro-Oeste Norte Nordeste Sudeste Sul Total Basquete21 22 0/1 0/0 3/1 3/12 0/1 6/15 Futebol23 0/0 2/0 6/3 11/12 1/6 20/20 Handebol24 0/0 0/0 1/1 4/4 3/2 8/8 Voleibol25 1/0 0/0 0/0 10/7 1/4 12/12 Em contato com os principais clubes do Brasil, foi lhes questionado se investem nos esportes femininos; e caso a resposta fosse positiva, qual porcentagem da receita do clube seria destinada aos times femininos. As respostas foram poucas. Mas observa-se que a maioria não investe em esportes femininos. Há outros que apenas usam o nome do clube, mas também há clubes que sedem sua estrutura; nesses dois modelos, instituições particulares ficam responsáveis por todo gasto com os times. 2.1 AVAÍ FUTEBOL CLUBE26 O clube não possui nenhum time feminino. 2.2 JOINVILLE ESPORTE CLUBE27 O clube de Santa Catarina não possui investimentos para os esportes femininos, e trabalha com parcerias usando o nome do clube. 20 Problema também vivido pelos esportes masculinos. Porém esses apresentam uma estrutura melhor, mesmo sendo precária, em relação aos esportes femininos. 21 Liga de Basquete Feminino, Times LBF. Disponível em: .http://ligadebasquetefeminino.com.br/times-lbf/. Acessado no dia 6 de setembro de 2016. 22 Liga Nacional de basquete, Equipes NBB. Disponível em http://lnb.com.br/equipes/nbb/. no dia 6 de setembro de 2016. 23 CBF. Disponível em: < http://www.cbf.com.br/ >. Acessado no dia 6 de setembro de 2016. No masculino, usou- se apenas dados do campeonato brasileiro da primeira divisão. 24 Brasil Handebol. Disponível em: http://www.brasilhandebol.com.br/. Acessado no dia 6 de setembro de 2016. 25 CBV, Superliga. Disponível em: http://superliga.cbv.com.br/. Acessado no dia 6 de setembro de 2016. 26 Dados obtidos por contato com o clube através de emails. O email do clube é secretariageral@avai.com.br 27 Dados obtidos por contato com o acessor do clube através de emails. O email do clube é leonardo@jec.com.br. 2.3 CLUBE DE REGATAS VASCO DA GAMA28 O Vasco da Gama não possui um detalhamento refinado de suas finanças em relação aos esportes femininos. Os números dos esportes femininos estão inclusos nos esportes amadores. A receita com os esportes amadores no ano de 2015 é de R$ 209.039, enquanto a despesa do mesmo ano gira em torno R$ 22.004.954. 2.4 CLUBE DE REGATAS FLAMENGO29 O clube, assim como o Vasco da Gama, possui times femininos, mas também não divulga seus investimentos de forma detalhada sobre os esportes femininos. O clube possui uma receita com os esportes amadores no valor de R$ 18.305.000 e uma despesa no valor de R$ 3.160.000. 2.5 CLUBE ATLÉTICO JUVENTUS30 O custo do clube Juventus em relação ao futebol feminino, único esporte feminino que o clube possui, refere-se à manutenção e estrutura de campo e à equipe técnica, a qual é custeada por intermédio de patrocínios. Segundo o clube, por questões de sigilo de contrato os valores referente aos contratos não podem ser divulgados. 4. A ATUAÇÃO DO ESTADO NA TENTATIVA DE SOLUCIONAR A DESIGUALDADE DE GÊNERO A Lei nº 11.438/06,31 popularmente chamada como a Lei de Incentivo ao Esporte, prenuncia a possibilidade de pessoas físicas e jurídicas investirem uma quota parte de seu imposto de renda em prol de projetos desportivos, de entidades esportivas proponentes, devidamente aprovadas pela Comissão Técnica do Ministério do Esporte. A lei permite que empresas e pessoas físicas empreguem parte do que pagariam de Imposto de Renda em projetos esportivos aprovados pelo Ministério do Esporte. As pessoas 28 Dados obtidos no site oficial do clube (http://www.vasco.com.br). 29 Dados obtidos no site oficial do clube. Link do PDF: https://flamidia.blob.core.windows.net/site/upload/downloads/20160113092008_962361.pdf 30 Dados obtidos por contato com o clube através de emails. O email do clube é juventus@juventus.com.br. 31 Lei n 11.438/06, Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2006/Lei/L11438compilado.htm. Acessado no dia 30 de agosto de 2016. físicas podem investir até 6% do Imposto de Renda, enquanto as pessoas jurídicas podem destinar apenas 1% do valor. Para que exista o incentivo ao desporto, usufruindo desse dispositivo legal, é necessária a relação entre três setores socais, sendo eles, o Estado, a iniciativa privada e as associações sem fins lucrativos. O Estado tem a capacidade de nutrir, sendo o autor na criação de benefícios por dispositivos legais, como a lei apresentada, e, por seguinte, analisar, aprovar e fiscalizar os projetos para que se tenha uma concretização dos objetivos traçados. A iniciativa privada é responsável pela introdução de dinheiro nos meios desportivos, gozando dos benefícios legais. As associações sem fins lucrativos seriam os projetos que seriam beneficiados com os recursos captados pela lei. Esta lei foi promulgada em 2006, no período anterior aos Jogos Pan-americanos de 2007, e já pensando nos Jogos Olímpicos de 2016, no qual o Comitê Olímpico Brasileiro lançou candidatura um pouco tempo depois. O objetivo da lei, inicialmente, era fortalecer os esportes no Brasil que não recebem o mesmo investimento que o futebol e, ao mesmo tempo, auxiliar projetos sociais que atuam em prol da sociedade de forma geral, saindo da esfera esportiva apenas. A Lei nº 11.438/06 possui grande valor para o esporte, apesar de algumas falhas que serão apresentadas, pois fomenta o incentivo por parte de empresas privadas, que recebem em troca os incentivos fiscais. Essa fomentação nos esportes culmina em sucessos em eventos esportivos. Apesar da grande importância da Lei de Incentivo ao Esporte, ela acaba sendo ineficaz em um ponto. A Lei apresentada oferece duas possibilidades de a pessoa jurídica poder contribuir com o projeto: a doação e o patrocínio. Como dispõe a própria lei32, “Art. 3o Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: I - patrocínio: a) a transferência gratuita, em caráter definitivo, ao proponente de que trata o inciso V do caput deste artigo de numerário para a realização de projetos desportivos e paradesportivos, com finalidade promocional e institucional de publicidade; (Redação dada pela Lei nº 11.472, de 2007) b) a cobertura de gastos ou a utilização de bens, móveis ou imóveis, do patrocinador, sem transferência de domínio, para a realização de projetos 32 Lei n 11.438/06, Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2006/Lei/L11438compilado.htm. Acessado no dia 30 de agosto de 2016. desportivos e paradesportivos pelo proponente de que trata o inciso V do caput deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.472, de 2007) II - doação: a) a transferência gratuita, em caráter definitivo, ao proponente de que trata o inciso V do caput deste artigo de numerário, bens ou serviços para a realização de projetos desportivos e paradesportivos, desde que não empregados em publicidade, ainda que para divulgação das atividades objeto do respectivo projeto; (Redaçãodada pela Lei nº 11.472, de 2007) b) a distribuição gratuita de ingressos para eventos de caráter desportivo e paradesportivo por pessoa jurídica a empregados e seus dependentes legais ou a integrantes de comunidades de vulnerabilidade social; (Redação dada pela Lei nº 11.472, de 2007) III - patrocinador: a pessoa física ou jurídica, contribuinte do imposto de renda, que apóie projetos aprovados pelo Ministério do Esporte nos termos do inciso I do caput deste artigo; IV - doador: a pessoa física ou jurídica, contribuinte do imposto de renda, que apóie projetos aprovados pelo Ministério do Esporte nos termos do inciso II do caput deste artigo; V - proponente: a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado com fins não econômicos, de natureza esportiva, que tenha projetos aprovados nos termos desta Lei. Com as possibilidades citadas, cabe ao investidor escolher como realizará a sua aplicação. E como o gasto será igual, o investidor opta pelo patrocínio, pois assim terá retorno ao divulgar sua marca, promovendo-a. Além do mero retorno, há a questão da boa impressão que a empresa causa à sociedade ao investir em projetos sociais. Em muitos casos, no senso comum, não há conhecimento que há um incentivo fiscal para realização desses projetos. E consequentemente as empresas ganham uma notoriedade social por esse “ato de boa vontade”. Com a opção pelo retorno financeiro, ocorre uma situação que acaba sendo esperada pela situação de mercado. As empresas optam por apoiar instituições ou projetos que possuem maior visibilidade, sendo assim o retorno financeiro será bem maior em consequência dela. Como exemplo, temos os projetos aceitos para o Clube de Regatas do Flamengo no ano de 201633: 33Flamídia. Disponível em: https://flamidia.blob.core.windows.net/site/upload/downloads/20160113092008_962361.pd. Acessado no dia 30 de agosto de 2016. Patrocínios (Lei de Incentivo) 2016 2015/R Variação 2015 Variação Patrocínio Incentivado (Basquete) 9.315.000 8.367.000 948.000 9.108.000 207.000 Patroc. Incentivado (Viagens) 1.000.000 1.330.000 - 330.000 0 1000 Patroc. Incentivado (E. Aquáticos) 1.417.000 1.130.000 287.000 1.540.000 - 123.000 Patroc. Incentivado (CT) 0 1.765.000 - 1.765.000 6.000.000 - 6.000.000 Patroc. Incentivado (Ginástica/Judô) 1.320.000 88.000 1.232.000 1.650.000 - 330.000 Patroc. Incentivado (Vôlei/Basquete) 1.294.000 692.000 603.000 1.760.000 - 466.000 Patrocínio Incentivado (Cuidar) 447.000 0 447.000 0 447.000 Patroc. Incentivado (Ref. Piscina)) 0 4.185.000 - 4.185.000 3.600.000 - 3.600.000 CBC (Equipamentos) 0 0 0 1.749.000 - 1.749.000 Patrocínio Incentivado (Remo) 822.000 0 822.000 2.220.000 - 1.378.000 CBC (Equipamentos) 0 0 0 1.615.000 - 1.615.000 Total 15.615.000 17.558.000 -1.942.000 29.222.000 -13.607.000 Como explicitado acima, o Clube De Regatas do Flamengo obteve no ano de 2015 R$ 29.222.000 e no ano de 2016 o valor de R$ 15.615.000. Valores estes que foram destinados para diversos lugares, incluindo reformas, construção de centro de treinamentos para o futebol e equipamentos em gerais. O que se propõe é uma intervenção estatal com intuito de direcionar esta verba adquirida para projetos e categorias que necessitam mais de investimento. Pois o Flamengo, que foi concebido como exemplo, e outros clubes de grande visibilidade nacional conseguem obter recursos sem necessidade do projeto. A discriminação constitucional é algo previsto, o tratamento diferenciado entre as instituições e projetos seria algo positivo. Como afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho. “O princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Veda apenas aquelas diferenciações arbitrárias, as discriminações. Na verdade, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça.” (FERREIRA FILHO, 2012. p. 311)34 A Lei de Incentivo aos Esportes ao não impor ou direcionar onde a verba deve ser colocada, acaba criando brechas para que a empresa busque apenas o seu bem, com o maior retorno possível. Algo que acaba sendo natural e esperado, pois o mercado impõe que as instituições privadas almejem sempre um retorno financeiro. José Afonso da Silva faz uma importante distinção de igualdade na lei e igualdade perante a lei, cabendo assim ao Estado agir em prol de uma igualdade na lei. A igualdade perante a lei corresponde a obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade como o que eles estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza a isonomia puramente formal, enquanto a igualdade na lei exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição. Enfim, segundo a doutrina, a igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na lei seria uma exigência dirigida 34 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional / Manoel Gonçalves Ferreira Filho. – 38. ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2002 tanto àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos. (2007, p.211)35 Uma solução possível seria o Estado determinar políticas de discriminação positiva para promover uma igualdade material no âmbito do esporte. O Estado deve prestar de forma positiva sua ação para concretizar os direitos fundamentais, como traz Gilmar Mendes, Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos. (MENDES, 2002)36 Com essas políticas, o Estado criaria um sistema onde as minorias seriam privilegiadas com esses investimentos. Os esportes femininos teriam que receber uma quota parte dos investimentos, pois sem esse direcionamento acaba perpetuando a desigualdade já existente no esporte brasileiro. Celso Antonio Bandeira de Mello37 contribui ao apresentar quatro elementos identificadores de lesões ao princípio da igualdade. São eles: a diferenciação não pode atingir apenas uma pessoa; as situações a serem diferenciadas pelo jurídico devem ser de fato distintas, ou seja, apresentarem características diferenciadas; deve existir uma lógica entre a distinção estabelecida pela norma jurídica e os fatos diferenciados; e o laço de correlação deve ser pertinente em razão de interesses constitucionais protegidos, tendo em vista para tanto o bem público. 35 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo / José Afonso da Silva. 27. ed.,rev.e atual.- São Paulo: Malheiros, 2006. 36 MENDES, Gilmar. Os direitos fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de AtualizaçãoJurídica, nº. 10, janeiro, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. 37 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Regime constitucional dos servidores da administração direta e indireta, p.51. IN FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Curso de Direito Constitucional/ Bernardo Gonçalves Fernandes, 7. ed., rer. ampl. Atual; JusPODIVM: Salvador, 2015. Mello38 em outra obra afirma os pontos onde seriam as possíveis discriminações lícitas. As possibilidades dar-se-iam se não atingissem de modo absoluto e atual os princípios da generalidade e abstração da norma jurídica; que haja nas situações, coisas ou pessoas com características ou traços diferenciados; lógica entre os fatores existentes e a distinção estabelecida; e, por fim, a distinção estabelecida tenha um valor positivo, à luz do que estabelece a Constituição. Observando-se os pontos, percebe-se que seria possível a discriminação positiva. Pois o esporte feminino encontra-se numa posição inferior na sociedade brasileira, apresentando as características diferenciadas e o direcionamento por meio do Estado seria algo positivo sem que houvesse um prejuízo para os esportes masculinos em geral. Os times masculinos nos variados esportes conseguem obter uma receita maior constantemente, seja por haver um campeonato mais organizado e, consequentemente, atraindo mais investidores. Também pela questão da audiência, seja presente ou por meio de comunicações, onde a procura pelo produto masculino é maior. Lembrando que a procura pelo masculino é maior em detrimento de toda situação apresentada. O esporte feminino tendo pouco investimento oferecerá um produto com qualidade menor para o público. Outro meio de solução, seria uma análise mais apurada da instituição ou projeto que será agraciado pelo investimento. Pois, como já foi mostrado, alguns dos beneficiados não necessitam de investimento por parte desta lei. A disparidade de investimentos que se encontra no atual cenário é um problema institucional que deve ser solucionado por atuação afirmativa do Estado. Por fim, cabe lembra que o Estado, ao proporcionar investimento no setor de esportes, terá retornos em outros setores, como o da saúde. Projetos esportivos que alcançam a população feminina ajudariam nos custos futuro com a saúde. Pois o aumento da atividade física implica na diminuição dos gastos com saúde. A Lei de Incentivo aos Esportes também deve olhar para o futuro, dando atenção para as meninas em idade escolar. Culturalmente, tem-se a ideia de que os meninos praticam as atividades físicas na escola e as meninas apenas observam. Esta situação por muitas vezes parte- se das próprias meninas que por muitas vezes negam a participar das aulas. Porém, em muitos 38 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Princípio da isonomia desiquiparações proibidas e desiquiparações permitidas. RDTDP v.1, p.79/83,1993. IN FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Curso de Direito Constitucional/ Bernardo Gonçalves Fernandes, 7. ed., rer. ampl. Atual; JusPODIVM: Salvador, 2015. casos, ocorre o contrário, existe a vontade, mas não existem possibilidades, nesse momento o Estado teria que agir, promovendo uma educação física integradora da igualdade de gênero. Em um projeto de se tornar uma potência olímpica, o investimento é essencial. A lei tinha essa pretensão ao ser promulgada. Portanto, é preciso que ela seja aplicada e direcionada, de forma igual, aos dois gêneros. 5. CONCLUSÃO O problema apresentado neste artigo emergiu com o maior evento esportivo do mundo: as Olimpíadas de Verão Rio 2016. Com o destaque maior, acaba sendo natural o aumento das discussões e críticas à situação. O avanço da internet contribui imensamente para essa ênfase, pois a voz da população ganha maior representatividade. Essas vozes cresceram no período Olímpico e continuaram após o fim do evento. Essa movimentação proporcionou alguns resultados, como a questão da seleção permanente, em que após o termino das Olimpíadas, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou o fim da seleção permanente de futebol feminino, sendo que esta por mais debilitada que fosse considerada, oferecia a algumas jogadoras estabilidade financeira, tendo um vínculo empregatício. O fim da seleção permanente proporcionou uma comoção nas redes sociais, que em resposta pressionou a CBF até que esta voltou atrás e apresentou um novo projeto de seleção permanente, em que se teria como enfoque as seleções de base, as meninas que sonham em ser a Marta ou a Formiga, e que antes não tinham uma oportunidade. Outro problema, este maior ainda, era a não comercialização de camisas femininas por parte da patrocinadora de material esportivo. Problema que se encontrava em situação pior há alguns anos, quando os modelos usados pela seleção feminina eram idênticos aos masculinos, porém em números menores. Em clubes ou seleções menores nem o tamanho era inferior. Essa questão ganhou espaço na mídia e redes sociais com o menino com a camisa do jogador Neymar com o nome do mesmo riscado, e por cima o nome da Marta. Percebeu-se que não havia fornecimento para o consumo, e com a pressão exercida pela população, a fornecedora de material esportivo passou a comercializar. Todos esses acontecimentos narrados deram-se em um momento de destaque. Mas a realidade após a euforia é totalmente diferente: estádios vazios mesmo com entrada franca, jogadoras sem suporte nenhum, jogos em horários degradantes e diversas situações que impedem o crescimento do esporte feminino. O artigo pretendeu abordar a situação do esporte feminino e como o Estado pode interferir, colaborando para o crescimento. Caminhou-se pela perspectiva legal, em que, por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, o Estado agiria de forma a privilegiar os esportes femininos, pois eles necessitam em maior grau do investimento particular e público. As frases ditas pelas jogadoras de futebol, com altíssimo teor emotivo, após o término das Olimpíadas abarcam não apenas o futebol, mas, sim, a todas as atletas brasileiras que se encontram em situação precária para pratica esportiva. O Estado tem sido omisso nesta questão e a sociedade também; é mister que ambos atuem positivamente: não deixando de apoiar o esporte feminino. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Joaquim B. Gomes. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo Direito Constitucional brasileiro. Brasília. Revista de Informação Legislativa, 2001. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Regime constitucional dos servidores da administração direta e indireta, p.51. IN FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Curso de Direito Constitucional/ Bernardo Gonçalves Fernandes, 7. ed., rer. ampl. Atual; JusPODIVM: Salvador, 2015. _______. Princípio da isonomia desiquiparações proibidas e desiquiparações permitidas. RDTDP v.1, p.79/83,1993. IN FERNANDES, Bernardo Gonçalves: Curso de Direito Constitucional/ Bernardo Gonçalves Fernandes, 7. ed., rer. ampl. Atual; JusPODIVM: Salvador, 2015. _______.Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 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