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UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS Departamento de Psicologia TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E COMPORTAMENTO CRIMINAL (Caso: Reclusos do Presídio Militar de Luanda) Autor: Lukamba João Joaquim Tutor: Professor Doutor José da Costa Berdinadinel Alcântara Pedro Ph.D. Trabalho de Fim do Curso apresentado para obtenção do Grau de Licenciado em Psicologia, opção Criminal Luanda/2016 II DEDICATÓRIA À Minha querida Mãe Delfina A. Augusto Fernando 6 AGRADECIMENTOS Os meus agradecimentos vão primeiramente para os meus familiares (irmãos, tios, primos) em seguida, para a Direcção da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto; ao Departamento de Psicologia, à todos os Professores, em particular, ao meu Orientador Professor Doutor Alcântara Costa, por ter sido o meu Mestre e guia nesta difícil missão, agradeço pela inspiração, pelos ensinamentos e por trazer-me ao campo apaixonante da Psicologia Criminal bem como também, por assumir a paternidade académica, serei eternamente grato. Agradeço à Professora Doutora Maria Adelina do Nascimento Alberto, por todo o apoio material e pelos conselhos que me tem dado, a ela, também serei eternamente grato. Ao Professor Doutor Aníbal João Ribeiro Simões pelos valiosos ensinamentos no campo da metodologia científica, pois, graças a esses ensinamentos, foi possível terminar este trabalho em tempo útil. Agradeço à Psicóloga e pesquisadora Cabo-Verdiana Aleida de Jesus Gomes Varela, pelo suporte dado na compreensão do manual da P-scan e pelos conhecimentos partilhados ao longo da realização da pesquisa. Ao Comandante do Presídio Militar de Luanda, à todos os reclusos participantes da pesquisa e não só. Finalmente, quero agradecer todos os colegas, amigos, conhecidos e pessoas que, directa ou indirectamente contribuíram para que este trabalho tivesse êxitos. 7 RESUMO O estudo foi realizado no corrente ano e teve como objectivo principal, Compreender a relação entre o Transtorno de Personalidade Anti-social e o comportamento Criminal nos reclusos do Presídio Militar de Luanda. Com base na metodologia qualitativa e quantitativa, realizou-se o levantamento bibliográfico bem como o contexto histórico tendo como suportes teóricos, as teorias evolucionista de Stalenheim, a teoria psicanalítica de Freud e a teoria interpessoal de Kiesler e Benjamim. A população em estudo foi composta por 38 reclusos condenados onde foi extraída uma amostra de 36 para a parte quantitativa e 1 técnico da área de reeducação penal para a parte qualitativa. Os instrumentos utilizados para a recolha de dados foram, um questionário padronizado da P-Scan e um guião de entrevista. Para o tratamento, utilizou-se o manual da P-scan, os Softwares Nvivo10 e o SPSS. Depois do tratamento e análise dos dados, concluímos que, mais do que a metade dos reclusos inqueridos apresentam traços claros do transtorno de personalidade anti- social e comportamento criminal (76%) conforme os dados da tabela 12. E fica por se provar apenas o grau de correlação entre estes dois fenómenos. Concluímos também que os temas que descrevem correctamente este comportamento anti-social são os seguintes: indivíduo, sociedade, problemas, comportamento criminal e reeducação. Estes dados resultaram da análise de conteúdo. Palavras-chave: personalidade anti-social, comportamento criminal, transtorno. 8 ABSTRACT The study was conducted in the current year and its main objective, understand the relationship between Personality Disorder Antisocial and criminal behavior in the Military Prison inmates Luanda. Based on qualitative and quantitative methodology was held the literature and the historical context having as theoretical support, the evolutionary theories of Stalenheim, psychoanalytic theory of Freud and the interpersonal theory of Kiesler and Benjamin. The study population consisted of 38 prisoners convicted where a sample was taken from 36 for the quantitative part and 1 technician criminal rehabilitation area for the qualitative part. The instruments used for collecting data, a standardized questionnaire P-Scan and an interview guide. For the treatment, we used the P-manual scan, the software Nvivo10 and SPSS. After processing and analysis of data, we find that more than half of the surveyed prisoners with clear traces of antisocial personality disorder and criminal behavior (76%) as table data are 12. And for only prove the degree of correlation between these two phenomena. We also conclude that the issues that properly describe this antisocial behavior are: individual, society, problems, criminal behavior and reeducation. These data resulted from content analysis. Keywords: antisocial personality, criminal behavior disorder. 9 ÍNDICE GERAL INTRODUÇÃO……………………………………………………………………..10 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA ........................................................................ 14 JUSTIFICAÇÃO DO ESTUDO ................................................................................. 15 OBJECTIVOS ............................................................................................................ 16 HIPÓTESES ............................................................................................................... 16 VARIÁVEIS………………………………………………………………………...14 DELIMITAÇÃO E LIMITAÇÃO .............................................................................. 17 METODOLOGIA ....................................................................................................... 18 Instrumentos ................................................................................................................ 19 Critérios de seleção da amostra .................................................................................. 20 Estrutura do trabalho ................................................................................................... 21 CAPÍTULO I - TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL E COMPORTAMENTO CRIMINAL……………………………………………...22 1.1 - Definição de termos e conceitos ........................................................................ 22 1.2 – Contexto Histórico ................................................................................... 23 1.2.1- Contribuições de Hervey Cleckle…………………………………………….23 1.3 -Teorias sobre o transtorno de personalidade anti-social relacionadas ao comportamento criminal ............................................................................................ 25 1.3.1 - Teoria evolucionista de Stalenheim………………………………………….25 1.3.2 - Teoria psicanalítica…………………………………………………………..27 1.3.4 - Teoria interpessoal…………………………………………………………...28 1.4 - Transtorno de personalidade anti-social segundo o DSM-IV ........................... 30 1.4.1- Características do Transtorno de Personalidade Anti-Social .......................... 30 10 1.5 – Diagnósticos do Transtorno de Personalidade Anti-Social segundo Cleckey, Hare e o DSM-IV. ...................................................................................................... 31 1.5.1 – Factores que desencadeiam o Transtorno de Personalidade Anti-Social ...... 35 1.5.1.1 - Factores neurofisiológicos do Transtorno de Personalidade Anti-Social….361.5.1.2 - Factores psicológicos do Transtorno de Personalidade Anti-Social………37 1.5.1.3 – Outros factores do Transtorno de Personalidade Anti-Social……………..40 1.6- Transtornos de personalidade e a perícia psicológica………………………….40 CAPÍTULO II – RELAÇÃO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL COM O COMPORTAMENTO CRIMINAL ............................. 42 2.1 – Conceituação sobre o comportamento criminal ................................................. 42 2. 2 – Traços da personalidade criminosa ................................................................... 43 2.3 – A tripla maturidade como garantia da formação de uma personalidade saudável……………………………………………………………………………...45 CAPÍTULO III – TRATAMENTO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ......................................................................................................... 47 3.1 – Caracterização da instituição em estudo ............................................................ 47 3.2 – Procedimentos éticos e dificuldades encontradas .............................................. 48 3.3 - Resultado da pesquisa qualitativa ....................................................................... 48 3.3.1 - Técnica interpretativa ...................................................................................... 48 3.3.2 - Caracterização da amostra em estudo .............................................................. 48 3.3.3 - Análise temática .............................................................................................. 49 3.4 - RESULTADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA ........................................ 52 3.4 - Caracterização dos reclusos de acordo com os níveis de preocupação relactivamente ao Transtorno de Personalidade Anti-social ....................................... 65 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .......................................................................... 73 CONCLUSÕES .......................................................................................................... 74 SUGESTÕES .............................................................................................................. 76 11 Referências Bibliográficas ...........................................Erro! Marcador não definido. APÊNDICES E ANNEXOS ....................................................................................... 80 ÍNDICE DE TABELAS E GRÁFICOS Tabela 1 - Distribuição da amostra qualitativa pelas variáveis sócio- demográficas………………………………………………………………………...43 Tabela e Gráfico 2- Distribuição da amostra em relação a idade e ao gênero………………………………………………………………………………..46 Tabela e Gráfico 3- Distribuição da amostra de acordo as habilitações literárias……………………………………………………………………………...47 Tabela e Gráfico 4 – Distribuição da amostra de acordo às profissões para além de Militar………………………………………………………………………………48 Tabela e Gráfico 5 – Distribuição da amostra de acordo ao tipo de crime………………………………………………………………………………...49 Tabela e Gráfico 6 – Distribuição da amostra de acordo aos tipos de pena………………………………………………………………………………….50 Tabela e Gráfico 7 – Distribuição da amostra de acordo ao uso de drogas…………..........................................................................................................51 Tabela e Gráfico 8 – Distribuição da amostra de acordo ao uso de álcool………………………………………………………………………………...52 Tabela e Gráfico 9 – Parece não ser capaz de compreender os sentimentos dos outros?.........................................................................................................................53 Tabela e Gráfico 10 – Quando era adolescente foi considerado irrequieto e indisciplinado?............................................................................................................54 Tabela e Gráfico 11 – Os teus olhos não mostram sentimento nem emoção?......................................................................................................................55 Tabela e Gráfico 12 – Considera-se como alguém que não pára em um lugar fixo?............................................................................................................................56 Tabela e Gráfico 13 – Tem explicações convincentes (nas quais os outros acreditam) para todo o comportamento?.....................................................................57 Tabela e Gráfico 14 – Distribuição da amostra de acordo aos níveis da faceta interpessoal………………………………………………………………………….59 Tabela e Gráfico 15 - Distribuição da amostra de acordo aos níveis da faceta Afectiva……………………………………………………………………………..60 Tabela e Gráfico 16 – Distribuição da amostra de acordo aos níveis da faceta estilo de vida………………………………………………………………………………61 12 Tabela e Gráfico 17 – Apresentação da amostra de acordo ao resultado total da P- Scan sobre a prevalência do Transtorno de Personalidade Anti- Social………………………………………………………………………………...62 Tabela 18 – Correlação de Pearson: Transtorno de Personalidade Anti- social………………………………………………………………………………...63 Tabela 19 – Relatório de correlação de Pearson……………………………………64 Tabela 20 – Correlação de Pearson: Transtorno de Personalidade anti-social e substâncias Psicoactivas……………………………………………………………..64 13 INTRODUÇÃO A conduta criminosa, desde os primórdios é explicada de várias maneiras por diversos teóricos. Causas como determinações genéticas, distúrbios neurofisiológicos e aspectos da dinâmica social têm sido apontadas, com base em estudos aturados desenvolvidos por especialistas da Antropologia Criminal, Psiquiatria, Psicologia e da Sociologia Criminal. Teorias como a do criminoso nato de Cesare Lombroso e seus discípulos: Charles Goring «hereditariedade»; Ernest Hooton «inferioridade antropológica»; W. Sheldon «tipo constitucional»; H. Goddard e Kuhlman «debilidade mental», dominaram as discussões em torno da denominada escola positivista cujo patrono foi Lombroso. Não tardou para juntarem-se ao debate as “teses ecléticas” fundamentadas pelos Glueck que, no entender de Andrade e Dias (2013) “era irrecusável que os indivíduos de predominância mesomórfica exibissem um claro «potencial de delinquência». O que se compreende dada a sua energia e tendência para a acção, bem como o facto de serem exageradamente frouxos nos seus “mecanismos de inibição”. Dada as discussões acesas entre estas duas escolas, juntaram-se também as teorias psicodinâmicas baseadas na psicanálise de Sigmund Freud passando então, para a psicologia criminal no sentido mais amplo, colocando na mesa o debate sobre a natureza Versos educação ou seja, a dualidade cunhada nos Estados Unidos como Nature/Furture, posteriormente, surgem as teorias sociológicas particularmente a teoria da anomia sustentada por Émile Durkheim. Foi então, a partir destes cenários explicativos que levamos a cabo esta pesquisa sobre o Transtorno de personalidade anti-social, um estudo sobre a relação com o comportamento criminal. A pesquisa foi realizada com os reclusos do Presídio Militar de Luanda. Para a operacionalização da pesquisa, foram utilizados dois grandes instrumentos: um questionário padronizado de Robert Hare para o diagnóstico do transtorno de personalidade anti-social e um guião de entrevista elaborado com base nos indicadores do conceito chave e, finalmente, fez-se a confrontação dos dados a fim de saber-se a sua relação com o comportamento criminal. 14 IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA São várias as investigações sobre o transtorno de personalidade anti-social e, têm sido constantemente relacionadas ao comportamento criminal. Deacordo com Caballo (2004) este transtorno “se caracteriza por um padrão de comportamento desconsiderado, explorador, socialmente irresponsável, bem como o fracasso para adaptar-se às normas sociais” (p.109). Por este facto, em função dos relatos que foram chegando por intermédio dos meios de comunicação e os relatórios da Polícia, verificamos que Luanda assiste nos últimos dias um número elevado de crimes praticados por indivíduos de diversos extractos sociais. Assim sendo, lançou-se o desafio de procurar saber se a prática criminal está relacionada ao transtorno de personalidade anti-social. Segundo dados estatísticos, avançados pelo então director do Hospital Psiquiátrico Penitenciário de Luanda, o Médico Rui Pires, percebe-se que, de acordo com os exames psiquiátrico-forenses que aquela unidade sanitária tem realizado, para auxiliar o Sistema Legal, existe um número elevado de indivíduos em conflito com a lei que têm sido diagnosticados com Transtornos de Personalidade, particularmente o transtorno Anti-social. Embora não sendo propriamente uma doença, este transtorno carece de esclarecimentos quer a nível da Psiquiatria, da Psicologia Clínica, como também, a nível da Psicologia Criminal. Não é menos verdade que o indivíduo portador de um transtorno de personalidade específico, apresenta-se mais vulnerável a desenvolver condutas desviantes e/ou criminosas caso, não seja devidamente assistido, entretanto, o quadro do transtorno de personalidade anti-social destaca-se pela elevada incidência que, geralmente é marcada pela extrema violência e insensibilidade emocional. Salienta- se também que a prática ou conduta criminosa violenta, como o homicídio, estupro ou sequestro, não se aplicam a todas as pessoas com transtorno de personalidade anti-social. Conforme descrevemos atrás, o fenómeno em causa carece de estudos aprofundados e, para tal, elaboramos as seguintes questões científicas: Será que o Comportamento Criminal dos reclusos do Presídio Militar de Luanda está relacionado com o transtorno de personalidade anti-social? 15 Em termos de tipificação, existem crimes específicos cometidos por pessoas com transtorno de personalidade anti-social? JUSTIFICAÇÃO DO ESTUDO Apresentamos em seguida a justificativa para a realização deste estudo, desde a motivação, a importância para a comunidade acadêmico-científica até a actualidade e a visão geral da metodologia. Teoricamente o estudo é importante visto que existem poucos do género realizados nessa temática e não só, esta pesquisa surge também com o objectivo de ajudar na identificação das condutas criminosas tipicamente relacionadas ao transtorno, que têm seu início com pequenos actos, quase que insignificantes, na tenra idade. Desta forma, na efectivação da pesquisa tivemos a oportunidade de ampliar, de modo científico, o nosso campo de conhecimentos sobre o transtorno de personalidade anti-social e a sua relação com o comportamento criminal. Do ponto de vista prático, este estudo poderá auxiliar as instituições judiciárias (SIC- Serviços de Investigação Criminal; Procuradoria Geral da República; Tribunais e os estabelecimentos prisionais), a melhorarem as suas formas de lidar com indivíduos acometidos por este transtorno e que estejam em conflitos com a lei, a pensar na possível reabilitação dos mesmos para garantir o seu regresso exitoso ao convívio social. Isto terá um grande impacto à todos os agentes que lidam directamente com a matéria do crime bem como as motivações. Pois, só conhecendo as verdadeiras causas é que podemos “banir” o mal ou minimizar os seus efeitos nefastos. a) Actualidade O estudo é bastante actual por razões óbvias. Pelo facto de ser um assunto cuja temática tem sido estudada não só nos PALOPs como também a nível de países francófonos, anglófonos e até hispânicos, em segundo lugar, pelo facto da escassez, em Angola, deste tipo de abordagem que torna imperioso realizá-lo a fim de darmos uma outra visão panorâmica do que se tem feito em torno do comportamento criminal. Por último, tornou-se ainda mais que necessário realizar este estudo visto que, a Psicologia vai ocupando aos pouco, o seu espaço dentro das instituições que 16 ultimamente se têm vergado diante deste campo vastíssimo e útil do saber científico para compreender melhor aquilo que escapa nas suas esferas de conhecimento, referimo-nos, particularmente, ao campo do direito que, em Angola, cada vez mais transforma-se em uma área interdisciplinar. OBJECTIVOS Toda investigação é guiada por um objectivo ou vários. Como não deixaria de ser, com esta investigação pretendeu-se atingir os seguintes objectivos: Objectivo geral: Compreender a relação entre o Transtorno de Personalidade Anti-social e o comportamento Criminal nos reclusos do Presídio Militar de Luanda. Objectivos específicos: 1. Identificar o transtorno de personalidade anti-social nos reclusos do Presídio Militar de Luanda; 2. Descrever o transtorno de personalidade anti-social nos reclusos do Presídio Militar de Luanda; 3. Verificar a relação entre comportamento criminal e o transtorno de personalidade anti-social aos reclusos do Presídio Militar de Luanda; 4. Relacionar o transtorno de personalidade anti-social com as variáveis sócio- demográficas (sexo, idade, nível académico); 5. Propor medidas preventivas para lidar com indivíduos que apresentam o transtorno de personalidade anti-social. HIPÓTESES Como hipóteses de investigação, temos as seguintes: H1: O transtorno de personalidade anti-social pode estar relacionado com o Comportamento Criminal nos reclusos do Presídio Militar de Luanda; H2: O transtorno de personalidade anti-social tende a variar conforme o sexo, a idade, o nível de escolaridade que cada indivíduo possui; H3: O grupo de reclusos com mais de um crime cometido, podem ser os que apresentam maiores indícios de transtorno de personalidade anti-social. 17 VARIÁVEIS De acordo com Marconi e Lakatos (2003) “uma variável pode ser considerada como uma classificação ou medida; uma quantidade que varia; um conceito operacional, que contém ou apresenta valores; aspecto, propriedade ou factor, discernível em um objecto de estudo e passível de mensuração”. Para a presente pesquisa, foram consideradas as seguintes variáveis: Variável Independente: Transtorno de personalidade anti-social; Variável Dependente: Comportamento criminal; Variáveis sócio-demográficas: Idade, gênero, Nível de escolaridade, profissão. DELIMITAÇÃO E LIMITAÇÃO O estudo foi realizado no Presídio Militar de Luanda. Importante também, referir que, o mesmo foi delimitado apenas aos reclusos condenados, ou seja, àqueles que encontram-se a cumprir suas penas independentemente do tipo de crime sendo a população composta por 38 reclusos do gênero masculino, pelo facto de não ter existido até a altura da realização da pesquisa, reclusos do gênero feminino, fez parte também da parte qualitativa, um técnico da área de reeducação penal, seleccionado a partir do chamado critério de relevância teórica. Qualquer investigação científica, seja em que ramo do conhecimento for, dado ao facto de ser científica, apresenta sempre limitações, o que para o caso desta pesquisa não foi excepção. Na realidade, o estudo sobre o Transtorno de Personalidade Anti-social tem sido bastante complexo e torna-se mais ainda quando, o mesmo é feito numa instituição judiciária onde impera o chamado “segredo de justiça” e não só, pelo facto de se tratar de reclusos cumprindo a Pena Privativa de Liberdade. Portanto, não foi fácilatrair a simpatia de todos para a pesquisa e os que responderam ao convite ao longo do inquérito sentiram-se desconfortáveis com algumas perguntas do questionário que levaram-lhes à omissões de informações que são consideradas relevantes para a pesquisa e, em caso mais extremos, à desistências, a outra limitação também é o facto de não ter existido mulheres dentro do universo 18 estudado, visto que, pretendíamos relacionar os géneros face o comportamento criminal e o transtorno de personalidade anti-social. Não obstante este facto, os resultados que apresentamos deste estudo são válidos e aplicáveis, até certo ponto, no campo da ciência estando aberto à críticas e sugestões de outros pesquisadores que possam futuramente abordar a mesma temática em estudos futuros. METODOLOGIA Para a presente pesquisa utilizou-se a triangulação, que caracteriza-se pelo cruzamento dos dois métodos, qualitativo e quantitativo. Qualitativo por ser compreendido como um “conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam descrever e descodificar os componentes de um sistema complexo de significados a partir da análise de conteúdo. O objectivo deste método é traduzir e expressar o sentido dos fenómenos do mundo social analisando as significações subjectivas na perspectiva do sujeito em relação ao fenómeno estudado e o meio em que estiver inserido, a fim de reduzir a distância entre o indicador e o indicado, entre a teoria e dados, entre o contexto e a acção (Maanen, 1979) ”. Segundo Roeseh (2005, p.154), “a pesquisa qualitativa é descritiva e enfatiza a interacção entre o entrevistado e o entrevistador, quanto aos fins, tem como principal objectivo expor características de determinada população ou determinado fenómeno. Pode também estabelecer correlações entre variáveis e definir sua natureza. A pesquisa de opinião insere-se nessa classificação”. Portanto, este método serviu-nos de base para tratar os dados da entrevista feita ao técnico da área de controlo e reeducação penal, a fim de entender os significados que o mesmo dá ao comportamento dos reclusos, distribuir pelas variáveis sócio-demográficas e finalmente estabelecer a relação com o Transtorno de Personalidade Anti-social. Tudo isso foi feito com base nas três etapas: colecta de dados, interpretação e apresentação dos relatos. O método quantitativo, por sua vez, é entendido como “um método que caracteriza-se pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de colecta de informações, quanto no tratamento destas por meio de técnicas estatísticas, desde as mais simples até as mais complexas”, Richardson (1989). 19 De acordo com Popper, (1972). “De uma forma geral, tal como a pesquisa experimental, os estudos de campo quantitativos guiam-se por um modelo de pesquisa onde o pesquisador parte de quadros conceituais de referência tão bem estruturados quanto possível, a partir dos quais formula hipóteses sobre os fenômenos e situações que quer estudar. Uma lista de consequências é então deduzida das hipóteses. A colecta de dados enfatizará números (ou informações conversíveis em números) que permitam verificar a ocorrência ou não das consequências, e daí então a aceitação (ainda que provisória) ou não das hipóteses. Os dados são analisados com apoio da Estatística (inclusive multivariada) ou outras técnicas matemáticas”. Isto quer dizer que, geralmente, assim como na pesquisa experimental, os “estudos quantitativos” orientam-se por uma forma de “pesquisa” em que o pesquisador parte de painéis conceituais possivelmente bem estruturados onde formula hipóteses relacionadas aos fenómenos a serem compreendidos. Das hipóteses propõem-se algumas consequências. Os dados darão ênfase aos números (ou informações possíveis de serem convertidas em números) que permitem confirmar a existência ou inexistência das consequências, e daí então a aceitação (provisória à princípio) ou não das hipóteses. A análise dos dados é feita à luz da Estatística (multifacetadas) ou outros procedimentos matemáticos. Portanto, este método também serviu como base para colecta, interpretação e apresentação dos dados por intermédio de um questionário padronizado, específico para o estudo do Transtorno de Personalidade Anti-social. Instrumentos Depois de um levantamento bibliográfico referente ao Transtorno de Personalidade Anti-social, comportamento criminal, bem como a efectivação das consultas aos documentos da instituição em estudo, foi feita a colecta de dados utilizando dois instrumentos principais: um guião de entrevista e um questionário padronizado da P-Scan de Robert Hare. Entrevista: “A entrevista é uma das técnicas de colecta de dados considerada como sendo uma forma racional de conduta do pesquisador, previamente estabelecida, para dirigir com eficácia um conteúdo sistemático de conhecimentos, de maneira mais completa possível, com o mínimo de esforço de tempo”. Rosa e Arnoldi apud Júnior (2011). 20 Nesta perspectiva, foi elaborado um guião de entrevista articulado a partir da operacionalização do conceito em abordagem a ser utilizado para a colecta das opiniões e relatos no campo de pesquisa. Estes relatos foram obtidos a partir da entrevista com um técnico especializado que desenvolve suas actividades no departamento de controlo e reeducação penal do Presídio Militar de Luanda “Luanda”. Depois de efectuada a entrevista, os depoimentos foram inseridos em um computador equipado com o Software Nvivo10 a foi feita a análise de frequências das palavras para se determinar os temas emergentes. Questionário: um instrumento composto por “um conjunto de perguntas sobre um determinado tópico que não testa a habilidade do respondente, mas mede sua opinião, seus interesses, aspectos da personalidade e informações biográficas, (Yaremko et al apud Gunther 2003) ”. Assim sendo, foi utilizado o questionário P- Scan de Robert Hare, traduzido para o português por Gonçalves (…) e utilizado a nível de pesquisas realizadas nos países lusófonos. Este questionário é padronizado e tem como principal objectivo verificar o grau de incidência do Transtorno de Personalidade Anti-social. O tratamento dos dados do questionário foi feito por intermédio de um manual denominado “Manual da P-Scan” e do pacote informático “Software SPSS”. Critérios de selecção da amostra Sendo “uma pequena parte dos elementos que compõem o universo” a ser estudado, a selecção da amostra deve obedecer a critérios rigorosos para que dê maior credibilidade aos resultados da pesquisa. São vários os critérios de selecção da amostra, para o efeito deste estudo foram considerados dois critérios principais: o “critério da aleatoriedade” da amostra e o “critério da relevância teórica”. Antes de defini-los, torna-se importante realçar que a amostragem tem como principais objectivos os seguintes: “Determinar as variações que se observam numa amostra representativa da população (amostragem descritiva) e Compreender de maneira aprofundada o caso estudado (amostragem teórica) ”. “Critério da aleatoriedade da amostra: : a escolha deve ser feita a partir da população, que se exige representativa”. 21 “Critério da relevância teórica”: as unidades de estudo escolhidas devem contribuir para o desenvolvimento do assunto em estudo”. A partir destes parâmetros definiu-se a amostra. Sendo a população em estudo constituida pelos reclusos do Presídio Militar de Luanda, foram considerados estes critérios para extrair do universo estatístico, uma amostra representativa que venha contribuir com insight para o desenvolvimento da temática em estudo. A partir dos38 reclusos condenados, utilizou-se o cálculo amostral com base nesta fórmula ( ) sendo o erro amostral de 5%, nível de confiança de 90% e a amostra necessária foi de 34 reclusos, o cálculo foi feito por intermédio de uma calculadora online. Estrutura do trabalho O trabalho está estruturado da seguinte maneira: CAPÍTULO I - Transtorno de personalidade anti-social e comportamento criminal (definição de termos e conceitos, contexto histórico, teorias de base, factores e diagnósticos); CAPÍTULO II - Relação do transtorno de personalidade anti-social com o comportamento criminal (comportamento criminal face os indicadores do TPAS); CAPÍTULO III - Tratamento, análise e interpretação dos resultados (caracterização, resultados da pesquisa qualitativa, resultados da pesquisa quantitativa, discussão, conclusões, sugestões, referências bibliográficas). 22 CAPÍTULO I - TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL E COMPORTAMENTO CRIMINAL Antes de entrarmos para a abordagem propriamente dita, apresentaremos as definições dos termos e conceitos. 1.1 - Definição de termos e conceitos Transtorno: “Algo que provoca desarranjo, uma desordem na área psíquica do indivíduo. Transtorno é um distúrbio relacionado a uma resposta de medo ou ansiedade activada em uma situação em que não é necessária ou durante um período mais prolongado do que o necessário”. Personalidade: “É a totalidade relactivamente estável e previsível dos traços emocionais e comportamentais que caracterizam a pessoa na vida quotidiana, sob condições normais” (Kaplan e Sadock citado por Fiorelli, 2012). Transtorno de personalidade: É definido como “um padrão persistente de vivência íntima ou comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é invasivo e inflexível, tem seu início na adolescência ou começo da idade adulta. É estável ao longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo” (APA, citado por Minto 2012). Anti-social: “Contrário às ideias, costumes ou interesses da sociedade; transgressor das regras da vida em sociedade e da moral social. Aquele que vai contra os interesses favoráveis a melhores condições sociais para os trabalhadores”. Transtorno de personalidade anti-social: “É um transtorno que “se caracteriza por um padrão de comportamento desconsiderado, explorador, socialmente irresponsável, bem como o fracasso para adaptar-se às normas sociais” (Caballo 2004). Comportamento: “Termo que designa a actividade global ou conjunto dos actos de um indivíduo perante uma situação ou conjunto de estímulos, ou seja, é resposta que um organismo dá perante a situação que a suscita”. Comportamento criminal: “Todo o comportamento adoptado por um indivíduo que, de alguma forma fere um plano moral e ético compreendido pela sociedade em que ele está inserido, mesmo que por algumas vezes o “delito” 23 praticado por ele não esteja previsto e não seja reprovado legalmente”. (Davoglio, 2010). Recluso: “Pessoa condenada a pena de reclusão; metido em cela; em clausura, enclausurado ou recolhido ao convento”. 1.2 – Contexto Histórico Tencionamos neste subcapítulo, fazer uma resenha histórica sobre as primeiras abordagens do transtorno de personalidade anti-social relacionado ao comportamento criminal. 1.2.1- Contribuições de Hervey Cleckley A paternidade dos estudos sobre o Transtorno de Personalidade Anti-social foi atribuída ao psiquiatra norte-americano Hervey Millton Cleckley em função das várias pesquisas que realizou acerca desta temática durante muitos anos, da abrangência e dos destaques das suas pesquisas. A sua obra-prima sobre esta temática foi lançada em 1941 e tinha como título em inglês The Mask of Sanity (A Máscara da Sanidade). Cleckey citado por Caballo (2004). “Ofereceu uma caracterização clínica do transtorno. Descreveu a expressão transtorno de personalidade anti-social como um transtorno apresentado por indivíduos com um estilo de vida claramente anti-social, que cometem actos delitivos desde a infância e manifestam uma baixa tolerância à frustração, um frequente abuso de drogas, uma forma de vida parasita e um nível elevado de impulsividade”. Isto quer dizer que, do ponto de vista clínico, o transtorno de personalidade anti-social é descrito como um transtorno evidenciado por aquelas pessoas cujo modus vivendi é reflectidamente anormal, com condutas delitivas desde a tenra idade manifestando um nível reduzido de tolerância à situações frustrantes, uso constante de estupefacientes, uma vida exploradora acompanhada de ataques impulsivos. Cleckley, nas suas contribuições bastante válidas e inspiradoras sobre o transtorno de personalidade anti-social, teve o cuidado, de esclarecer semelhanças com a psicopatia, uma expressão mais jurídica, diferente da clínica-descritiva. 24 Mas, de acordo com Henriques (2009) “a descrição da psicopatia como personalidade anti-social vigora até nossos dias, como o atestam as nosografias psiquiátricas contemporâneas”. Portanto, Cleckley (2004) foi mais exaustivo ao descrever o transtorno de personalidade anti-social, na sua forma clínica e não analítica, facto que deixa algumas lacunas na sua abordagem do ponto de vista jurídico já que, o transtorno de personalidade anti-social tem sido visto, não como uma patologia mental, propriamente dita. Pois, uma das inquietações relacionadas aos contributos de Hervey Cleckley é a de saber até que ponto o transtorno de personalidade anti-social deve ser considerado uma patologia visto que nas abordagens do autor, fala-se em tratamento difícil para as pessoas acometidas por este transtorno. A outra tem que ver com a diferença entre transtorno de personalidade anti-social e conduta anti-social. Até porque, interessa-nos, uma vez que pode ajudar a identificar as condutas anti-sociais e o transtorno, por outro lado. De acordo com Gauer (2004), “Há uma distinção crucial entre actos anti- sociais e transtorno de personalidade anti-social: nem todas as pessoas que cometem desrespeitos isolados têm TPAS, mas todas as pessoas com TPAS exibem uma gama extensiva de comportamentos desviantes”. Assim, conforme consta, existe uma separação fundamental entre as condutas anti-sociais e o TPAS, visto que, nem todo indivíduo que desrespeita às normas de forma separada é portador de TPAS, mas o indivíduo com TPAS acarreta sempre traços condutais à margem das normas. Finalmente, apesar do aspecto negativo antes avançado, há outro aspecto a reter nas contribuições de Cleckley, prende-se com o facto de as abordagens deste autor poderem ser vistas como um tratado geral sobre o transtorno de personalidade anti-social pelo seu aspecto profundo, assim, facilitará a aplicabilidade no contexto angolano. E o autor esclarece também a dimensão do TPAS. De acordo com Ikal (2005) “é importante destacar que qualquer pessoa pode apresentar características do TPA, não é necessário que cometa um delito para que faça parte do grupo das condutas anti-sociais”. 25 Por outras palavras, torna-se importante sublinhar que um indivíduo qualquer pode demonstrar traços do TPA sem, no entanto, cometer um acto delictivo para que seja integrado entre os anti-sociais. 1.3 -Teorias sobre o transtorno de personalidade anti-social relacionadas ao comportamento criminal Depois de termos apresentado as contribuições valiosas de Hervey Cleckley, que também estimularam-nos a necessidade de desenvolver os estudos sobre o transtorno de personalidade anti-social e a sua relação como o comportamento criminal em Angola, falaremos em seguida, das teoriasque sustentam esta temática. 1.3.1 - Teoria evolucionista de Stalenheim São várias as teorias desenvolvidas sobre o assunto, das quais destacamos apenas três. Apresentaremos primeiramente a teoria evolucionista de Stalenheim por ser a mais actual. Segundo Vasconcellos (2004) “Estudos desenvolvidos por Stalenheim e colaboradores encontraram uma correlação significativa entre o TPAS e um elevado nível de testosterona em indivíduos portadores do citado transtorno. Algumas pesquisas investigando a acção da monoamina oxidase (MAO) têm demonstrado a possibilidade que esta possa servir como um marcador biológico para uma série de traços anti-sociais da personalidade”. Em outros moldes, a tese por Stalenheim defendida e seus colaboradores é a de que existe um correlato significativo entre o TPAS e um nível considerável de testosterona em pessoas que apresentam o transtorno. Os estudos feitos sobre a acção da monoamina (MAO) demonstraram a possibilidade de que esta substância sirva como um tipificador biológico para um seriado de traços de personalidade anti- social. 26 O aspecto importante desta abordagem é o facto de ela ser do fórum biológico, porque tem sido discutido durante as últimas pesquisas se existiam no TPAS componentes biológicas e se podem ser consideradas estes factores não psicológicos para a possível conjugação, visto que, de acordo com Del_Ben (2004) “Nenhum factor isolado pode ser identificado como agente causal de TPAS, mas alguns específicos, quando combinados, poderiam predispor ao desenvolvimento de comportamento anti-social na vida adulta. Entre eles, estariam incluídos: predisposição genética, exposição intra-uterina a álcool e drogas, exposição durante a infância à violência, negligência e cuidados parentais inconsistentes e dificuldades de aprendizagem e desempenho escolar insatisfatório”. Quer dizer que, a abordagem evolucionista não considera um factor único como causador do TPAS, releva também a conjugação de factores que pudessem activar a predisposição para a conduta anti-social na fase adulta. Dos tais factores destacam-se o factor genético, ambiente uterino exposto às drogas e álcool, ambiente violento durante à infância, comportamentos negligenciais nos cuidados parentais acompanhado de inconsistência bem como, problemas de aprendizagem e insucesso escolar. É importante salientar e está bastante claro, que apesar de ser uma abordagem biológica ela, não desconsidera os outros factores pelo facto de serem determinantes, quando relacionados. Pois seria impossível para o nosso estudo no contexto angolano se não considerássemos os aspectos multifactoriais. De acordo com Lykken citado por Fernández (2010), “Para ter um comportamento adaptado às normas, apesar da determinação da herança biológica é necessário também um processo de socialização que inculque hábitos adaptados às regras. Este processo dependerá de dois factores: as práticas educativas dos pais e as características psicobiológicas herdadas que facilitam ou dificultam o processo de aquisição das normas”. Ou seja, agir conforme às normas, para além do factor biológico determinante é claramente indispensável o processo socio-educativo dentro e fora do contexto familiar para impingir rotinas adaptáveis às regras e normas socialmente aceites. Tal processo subordina-se ao duplo factor: modelos educacionais dos progenitores e as 27 características psicobiológicas que tenham sido herdadas facilitando ou dificultando o processo de aquisição das normas. Como vimos, a abordagem evolucionista estende-se à tridimensionalidade dos factores: biológico, psicológico e social, culminando assim nos chamados “factores biopsicossociais” do transtorno de personalidade anti-social. Por fim, torna-se imperativo saber quais foram os objectivos desta teoria? Para tal desiderato nada melhor do que citar Millon (2006) que de acordo com o autor, “o objectivo principal da teoria evolucionista é explicar o modelo evolutivo da personalidade anti-social, o padrão de conduta dentro da matriz pessoal no contexto da determinação biológica”. Ou seja, a abordagem evolucionista cujo expoente máximo foi Stalenheim surge principalmente com o propósito explicativo da maquete evolutiva da personalidade anti-social, forma de conduta do molde pessoal enquadrada no padrão dos determinantes biológicos. Por outro lado, o objectivo da abordagem evolucionista é o de explicar o transtorno de personalidade anti-social a partir de uma componente genética sem descurar os outros factores. 1.3.2 - Teoria psicanalítica Tal como foi anunciado no princípio, para além da teoria evolucionista, outras abordagens também foram feitas em torno da problemática do transtorno de personalidade anti-social, uma delas foi feita, embora não tendo sido muito exausta, pelo psicanalista Sigmund Freud. Os postulados da psicanálise são bastante conhecidos a nível do campo da ciência psiquiátrica em geral e psicológica em particular. Uma das temáticas mais desenvolvidas na psicanálise clássica foi sobre o estudo da personalidade que mereceu do seu patrono, Sigmund Freud, uma explicação em sua obra intitulada “o ego e o id”. Freud recorreu também às suas experiências clínicas para explicar a essência do transtorno de personalidade anti-social e, segundo o autor citado por Millon (2006) “a personalidade anti-social pode ser entendida a partir também do esquema psicanalítico clássico”. Visto que, ainda segundo autor, “de uma maneira clara o ego 28 se desenvolve não como o superego e, toda a personalidade é dominada pelos impulsos do id bem como pelo princípio do prazer”. Quer dizer que, de acordo com Millon (2006) “a psicanálise clássica afirma que o id está centrado por completo em suas necessidades imediatas”, e por este facto, “os anti-sociais violam impulsiva e egocentricamente a norma convencional da vida social”. O id, tal como assevera Freud, por estar “dominado pelo sexo e pela agressividade” serve como base para despolectar “o comportamento da maioria dos anti-sociais”. Freud faz então uma relação de causa - efeito entre o gênero, a agressividade e o comportamento anti-social. Finalmente Freud citado por Millon (2006) explica que: “Os indivíduos anti-sociais são aqueles que cometem crimes sem nenhum tipo de sentimento de culpa ou aqueles que não apresentam qualquer desenvolvimento de inibição moral e em consequência do seu conflito com a sociedade consideram que os seus actos são justificados. Os anti-sociais não têm uma voz interna ou um sensor interno que modere seus actos. ” Ou seja, para a corrente freudiana aqueles indivíduos que cometem actos delitivos sem demonstração de algum “sentimento de culpa” ou com ausência de bloqueio moral e, no seguimento da conflitualidade “com a sociedade” considerem as suas condutas justificáveis, são os denominados anti-sociais. Estes por sua vez não possuem um comando interno ou um correspondente que arbitre as suas acções. Portanto como avançou-se no início, Freud, apesar de não ter sido exausto nessa temática do transtorno de personalidade anti-social deu um contributo valioso e foi mais claro ao estabelecer a relação com o comportamento criminal. Ao falar do comportamento advindo dos instintos, Freud faz referência a falta de controlo dos impulsos que se criam a nível do id, uma entidade que precisa ser regulada com a consciência do ego (realidade) e as repressões do superego (moral). Daí ele ter destacado a ausência em indivíduos com comportamentos anti-sociais do “sensor interno que modere seus actos”. 1.3.4 - Teoria interpessoal29 A terceira teoria a de base, centra-se na abordagem interpessoal representada por Kiesler e Benjamim. Esta abordagem coloca a discussão numa vertente relacional, porque para ela, “os comportamentos estão organizados em função do círculo interpessoal”. De acordo com Kiesler (1996) “a personalidade anti-social representa a hostilidade interpessoal quase em estado puro”. E acrescenta que, “segundo descrições dos níveis de gravidade, as acções moderadamente patológicas são hostis, irritáveis e grosseiras”. Nessa linha de pensamento, para este autor, os indivíduos com transtorno de personalidade anti-social “são pessoas que discutem com facilidade, ignoram os sentimentos dos demais, resistem a cooperar com os outros e provocam conflitos”. Por seu turno, Benjamim citado por Millon (2006) “Cria a Análise Estrutural do Comportamento Social (AECS) onde descreve um quadro parecido ao de Kiesler. Benjamim ressalta que a diferença entre o comportamento criminal e o comportamento anti-social está no facto de, por exemplo, o indivíduo anti-social poderá negar-se a pagar sustento dos filhos em função da obrigação de uma autoridade externa, este acto poderá não constituir necessariamente um crime ao passo que no comportamento puramente criminal sobressairá mais o factor satisfação de uma necessidade pessoal sem necessariamente estar relacionada à dificuldade de cumprir alguma norma social direccional. Essa é uma diferença importante em relação ao comportamento criminal”. Quer dizer que Benjamim ao conceber o (AECS) Análise Estrutural do Comportamento Social era com o propósito de elaborar um conjunto de itens com similitudes da conjuntura elaborada por Kiesler. Mas em contrapartida, a divergência entre a conduta criminal e a conduta anti-social é ressaltada pelo autor, por exemplo, o acto de alguém imiscuir-se de pagar a pensão alimentar aos filhos em descumprimento de uma exigência de alguma autoridade poderá ser descrita como contendo indícios de algum transtorno de personalidade anti-social sem tal acto estar directamente ligado a conduta criminal. Portanto, relativamente ao “comportamento criminal” este é um aspecto preponderante a ser relevado. A intenção do autor é apresentar a componente interactiva sem deixar de parte o aspecto clínico. Se ele ressalta o aspecto da “dificuldade em cumprir as normas estabelecidas” pode nos dar a ideia de que, cometendo crime seria mais viável uma 30 intervenção clínica (tratamento), do que no âmbito penal (punitiva). Mas seria precipitado chegar já a esta conclusão porque o problema é bastante complexo e na tentativa de aclarar o autor termina explicando o seguinte: “Os comportamentos criminais só são anti-sociais quando contêm um elemento interpessoal adicional que consiste em estabelecer e proporcionar alguma forma de controlo sobre os demais sem ter em conta as consequências dos seus actos. Assim sendo, os actos criminais encaminhados exclusivamente para obter benefícios pessoais não se consideram uma evidência de personalidade anti-social”. (Benjamim, 1996). Aqui fica mais claro porque, tal como se lê, a ausência da consciência dos efeitos das suas acções e a tendência de propiciar alguma forma de domínio sobre terceiros constituem quesitos para que se considere um acto, de anti-social, ou seja, para ser considerado um comportamento criminal como anti-social o “elemento interpessoal” deve ser indispensável. Nessa senda, não constituem evidências de “”personalidade anti-social” as acções criminais direccionadas exclusivamente a obtenção de benesses pessoais. Portanto, percebe-se que nenhuma das três teorias apresentadas nessa abordagem é por si só, suficientemente capaz de explicar esta problemática do transtorno de personalidade anti-social e sua relação com o comportamento criminal, por isso, vale dizer que elas, as teorias, tanto a evolucionista, a psicanalítica como a interpessoal são úteis no seu conjunto porque se forem consideradas de forma separada saltará sempre algum aspecto relevante. 1.4 - Transtorno de personalidade anti-social segundo o DSM-IV Depois de apresentarmos as teorias que serviram como base para o estudo, apresentar-se-á também, a visão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV). Aspectos como as características, o diagnóstico e os factores são importantes para a pesquisa. 1.4.1- Características do Transtorno de Personalidade Anti-Social Segundo o DSM-IV (1994) “a característica essencial do Transtorno da Personalidade Anti-Social é um padrão invasivo de desrespeito e violação dos 31 direitos dos outros que inicia na infância ou começo da adolescência e continua na idade adulta”. Ou seja, os comportamentos que se manifestam na fase adulta cujo princípio se dá na fase infantil, desrespeitar os direitos de outras pessoas bem como a conduta agressiva constituem um padrão de transtorno de personalidade anti-social. Em relação as características, o DSM-IV postula também que: “Este padrão também é conhecido como psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial. Uma vez que o engodo e a manipulação são aspectos centrais do Transtorno da Personalidade Anti-Social, pode ser de especial utilidade integrar as informações adquiridas pela avaliação clínica sistemática com informações colectadas a partir de fontes colaterais, DSM-IV (1994) ”. Quer dizer que para o DSM-IV, o transtorno de personalidade dissocial, a sociopatia bem como a psicopatia são as outras formas como é conhecido o transtorno de personalidade anti-social e as formas principais deste transtorno caracterizam-se pelo engano e controle. Os dados provenientes das pessoas próximas bem como aqueles conseguidos a partir da prática clínica serão úteis se forem integrados. Ou seja, “O Transtorno da Conduta envolve um padrão de comportamento repetitivo e persistente, no qual ocorre violação dos direitos básicos dos outros ou de normas ou regras sociais importantes e adequadas à idade. Os comportamentos específicos característicos do Transtorno da Conduta ajustam-se a uma dentre quatro categorias: agressão a pessoas e animais, destruição de propriedade, defraudação ou furto, ou séria violação de regras” (DSM-IV 1994). 1.5 – Diagnósticos do Transtorno de Personalidade Anti-Social segundo Cleckey, Hare e o DSM-IV. O diagnóstico é indispensável para aferir se o indivíduo que está a ser observado preenche os critérios do transtorno de personalidade anti-social. Para que isso seja possível, existe uma referência principal que é o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais elaborado e sempre actualizado pela comissão de pesquisa da Associação Americana de Psiquiatria (APA), que já se encontra na sua 5ª edição. 32 Mas, dado o facto de estarmos a falar do transtorno de personalidade anti- social e o comportamento criminal, traremos primeiro os itens de diagnósticos elaborados por Cleckey e Hare citados por Lobo (2009). Para Cleckey (2009), “o indivíduo para ser considerado como portador de transtorno de personalidade anti-social deve apresentar em seu comportamento, características que preencham os seguintes itens: 1. Aparência sedutora e boa inteligência; 2. Ausência de delírios e de outras alterações patológicas do pensamento; 3. Ausência de “nervosidade” ou manifestações psiconeuróticas; 4. Não confiabilidade; 5. Desprezo para com a verdade e insinceridade; 6. Falta de remorso ou culpa; 7. Conduta anti-social não motivada pelas contingências; 8. Julgamento pobre e falha em aprender através da experiência; 9. Egocentrismo patológicoe incapacidade para amar; 10. Pobreza geral na maioria das reacções afectivas; 11. Perda específica de insight (compreensão interna); 12. Não reactividade afectiva nas relações interpessoais em geral; 13. Comportamento extravagante e inconveniente, algumas vezes sob a acção de bebidas, outras não; 14. Suicídio raramente praticado; 15. Vida sexual impessoal, trivial e mal integrada; 16. Falha em seguir qualquer plano de vida. (Cleckey citado por Henriques 2009). Como podemos ver, nos dezasseis itens apresentados por Cleckey (1998), os indivíduos com o transtorno de personalidade anti-social normalmente, na visão do autor, demonstram uma inteligência muito admirada e são aparentemente sedutores não apresentam episódios delirantes nem problemas no pensamento, ou seja, são cognitivamente tranquilos. Por outro lado, não demonstram complicações neuróticas mas são inconfiáveis. Eles, não demonstram arrependimentos em seus actos e são insensíveis com o sofrimento alheio. Os seus actos anti-sociais em parte, não têm nada a ver com problemas sociais, por exemplo, o roubo praticado por um indivíduo com transtorno de personalidade anti-social, muitas vezes não é motivado por uma carência ou por necessidade. Em relação a aprendizagem têm dificuldades em adquirir habilidades com a experiência e fazem julgamento errôneo das situações. São egocentricamente 33 patológicos levando-os a incapacidade para amar. Nisso, se parecem com os narcisistas e por este facto, costumam não ser bem-sucedidos nas relações interpessoais. Quando estiverem sob efeito de álcool apresentam acções que escapam às normas e ao bom senso ou seja, indecente e imoral. Por último, os indivíduos com transtorno de personalidade anti-social têm uma vida sexual promíscua, ou seja, não têm uma só parceira sexual e falham constantemente no plano de vida. O outro autor que também dedicou-se ao estudo do transtorno de personalidade anti-social, foi Robert Hare. Hare teve como principal influência a abordagem de Cleckey (1998), aliás, trouxe uma revisão da anterior escala e chamou-a de Psicopaty Checklist Revew-PCL-R. Segundo Lobo (2007) “A estrutura bi-factorial da PCL-R de Hare pressupõe que os itens tenham uma distribuição de acordo com dois factores, no total 20 itens, a saber”: 1. Loquacidade/volubilidade/encanto superficial; 2. Sentido grandioso do valor de si próprio; 3. Necessidade de estimulação/tendência para o tédio; 4. Mentir patológico; 5. Estilo manipulativo; 6. Ausência de remorsos ou sentimentos de culpa; 7. Superficialidade afectiva; 8. Frieza/ausência de empatia; 9. Estilo de vida parasita; 10. Deficiente controlo comportamental; 11. Comportamento sexual promíscuo; 12. Comportamento problemático precoce; 13. Ausência de objectivos realistas; 14. Impulsividade; 15. Irresponsabilidade; 16. Não acatamento de responsabilidades pelas suas acções; 17. Relacionamentos conjugais numerosos e de curta duração; 18. Delinquência juvenil; 19. Revogação de medidas alternativas ou flexibilizadoras da pena de prisão; 20. Versatilidade criminal (Hare apud Lobo 2007). 34 Como dissemos anteriormente, o PCL-R é uma revisão feita por Hare com base naquilo que foi traçado por Cleckey (1998). Mas há aqui algumas diferenças que devem ser ressaltadas, até porque o nosso estudo é no âmbito da Psicologia Criminal e Robert Hare, ao contrário de Cleckey, traçou estas características não na vertente clínica mas sim, na vertente criminal. Ou seja, adaptou a escala de Cleckey para o entendimento do comportamento criminal, isso é facilmente percebido se olharmos para os itens dez, dezoito, dezanove e vinte. A perda da capacidade de monitoramento das suas próprias acções, ter históricos de desobediência às leis ou padrões morais, não corresponder satisfatoriamente às medidas de substituição ou de menos rigidez das punições no âmbito da justiça, está directamente ligado com o comportamento criminal. E o item vinte aponta algo muito importante, a “versatilidade criminal”, quer dizer que, indivíduos com transtorno de personalidade anti-social podem apresentar uma variedade de práticas criminais dito de outro modo, podem ser estupradores, assaltantes, homicidas, violadores etc. Em relação ao diagnóstico o DSM-IV (1994) verificam-se alguns critérios a serem levados em conta: a) Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Anti-Social não se conformam às normas pertinentes a um comportamento dentro de parâmetros legais (Critério A1); b) Frequentemente enganam ou manipulam os outros, a fim de obter vantagens pessoais ou prazer (por ex., para obter dinheiro, sexo ou poder) (Critério A2); c) Podem mentir repetidamente, usar nomes falsos, ludibriar ou fingir. Um padrão de impulsividade pode ser manifestado por um fracasso em planejar o futuro (Critério A3). d) Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Anti-Social tendem a ser irritáveis ou agressivos e podem repetidamente entrar em lutas corporais ou cometer atos de agressão física (inclusive espancamento do cônjuge ou dos filhos) (Critério A4). e) Esses indivíduos também exibem um desrespeito imprudente pela segurança própria ou alheia (Critério A5), o que pode ser evidenciado pelo seu comportamento ao dirigir (excesso de velocidade recorrente, dirigir intoxicado, acidentes múltiplos); f) Eles podem engajar-se em um comportamento sexual ou de uso de substâncias com alto risco de consequências danosas. Eles podem negligenciar ou deixar de cuidar de um filho, de modo a colocá-lo em perigo. Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Anti-Social também tendem a ser consistente e extremamente irresponsáveis (Critério A6); g) O indivíduo deve ter pelo menos 18 anos (Critério B); 35 h) Deve ter tido uma história de alguns sintomas de Transtorno da Conduta antes dos 15 anos (Critério C). O DSM-IV acrescenta que estes indivíduos “podem mostrar-se indiferentes ou oferecer uma racionalização superficial para terem ferido, maltratado ou roubado alguém (por ex., "a vida é injusta", "perdedores merecem perder" ou "isto iria acontecer de qualquer modo, DSM-IV, 1994). Em relação as vítimas, “podem culpá-las por serem tolas, impotentes ou por terem os destinos que merecem; podem minimizar as consequências danosas de suas ações, ou simplesmente demonstrar completa indiferença, DSM-IV, 1994). Por último, “os indivíduos com Transtorno da Personalidade Anti-Social estão mais propensos do que as outras pessoas na população geral a morrer prematuramente por meios violentos (por ex., suicídio, acidentes e homicídios). Incapacidade de tolerar o tédio, DSM-IV, 1994). Vale dizer que o DSM-IV (1994) é restritamente indicado para diagnósticos clínicos, mas também pode ser usado no âmbito forense desde que se tenha em conta a seguinte observação: “O uso do DSM deve envolver o conhecimento dos riscos e limitações no âmbito forense. Quando as categorias, os critérios e as descrições do DSM-5 são empregados para fins forenses, há o risco de que as informações diagnósticas sejam usadas de forma indevida ou compreendidas erroneamente. Esses perigos surgem por não haver uma concordância perfeita entre as questões de interesse da justiça e as informações contidas em um diagnóstico clínico, (DSM-5 TR, 2014) ”. Quer dizer que o perito forense ao recorrer ao DSM para auxiliá-lo no diagnóstico do transtorno de personalidade anti-social deve ter consciência das restrições e dos perigos que este manual pode ter para o seu trabalho. A compreensão errônea e o uso inadequado dos subsídios contidos no DSM no âmbito forense, têm sido os maioresperigos. As discrepâncias que existem entre o propósito da justiça e as informações expostas no manual são os principais indicadores desses perigos, (DSM-5, 2014). 1.5.1 – Factores que desencadeiam o Transtorno de Personalidade Anti-Social São vários os factores apontados que podem influenciar no surgimento do transtorno de personalidade anti-social. Factores biológicos, psicológicos ou sociais 36 concorrem para se obter uma explicação plausível. Destacaremos os mais convincentes ao longo deste tópico. 1.5.1.1 - Factores neurofisiológicos do Transtorno de Personalidade Anti-Social O primeiro factor a ser apontado, será o factor neurofisiológico levantado por Del-Ben citado por Carvalho e Suecker (2011) nos seguintes termos: “O sistema límbico encontra-se relacionado ao controle e à elaboração de significativa parte dos comportamentos motivados e da emoção, sendo formado pelas seguintes estruturas: tálamo, epitálamo, hipocampo, hipotálamo, amígdalas, cíngulo e septo. Todas essas estruturas, juntamente com os lobos temporais, encontram-se relacionadas à regulação do comportamento agressivo”. Ou seja, as estruturas responsáveis pelo regulamento dos actos agressivos fazem parte, para além dos lobos temporais, septo, cíngulo, as amígdalas, o hipotálamo, o hipocampo, o epitálamo e o tálamo; de um sistema denominado por “sistema límbico”. Significa que todos os actos motivados e todas as acções emotivas têm como comando central este sistema e, será a partir de alguma disfunção dessa zona onde surgirá o comportamento anti-social. Aires (1999) por seu turno, explica que, “As estimulações ou lesões do tálamo encontram-se relacionadas à reactividade emocional do indivíduo. O hipocampo, por sua vez, é uma estrutura cerebral envolvida com os fenômenos da memória de longa duração, enquanto o hipotálamo é considerado a estrutura mais importante do sistema límbico, pois é responsável pelo controle das funções vegetativas, além disso, suas partes laterais estão envolvidas com o prazer e a raiva. Já a amígdala é a porção do sistema límbico relacionada ao sentimento afectivo, quando estimulada, pode provocar crises de violenta agressividade. O cíngulo participa das reacções emocionais à dor e da regulação do comportamento agressivo, ao passo que o septo se relaciona ao prazer sexual”. Como se pode compreender do que está acima exposto, cada compartimento do sistema límbico responde por uma função específica, mas, por outro lado, Davies (2010) salienta que, “Embora a área pré-frontal do córtex cerebral não faça parte do sistema límbico, também pode ser considerada responsável pela regulação das emoções, pois se conecta, de forma directa, com algumas estruturas do sistema límbico. Uma lesão no córtex pré-frontal pode desencadear a perda do senso de responsabilidade, assim 37 como a capacidade de concentração e abstracção, além de desenvolver um quadro de “tamponamento afectivo” (Davies, citado por Carvalho e Suecker, 2011). Por meio dos estudos realizados por Raine e colaboradores citados por Carvalho e Suecker (2003), as análises de neuro-imagem estrutural com ressonância nuclear magnética, demonstraram-se anormalidades volumétricas do lobo frontal em indivíduos com TPAS. Quando realizada a comparação entre pacientes com diagnóstico de TPAS com controlos não clínicos, verificou-se que os pacientes com TPAS apresentavam uma redução do volume de substância cinzenta pré-frontal, redução essa que se encontrava correlacionada com uma diminuição da resposta autonômica a um evento estressor provocado experimentalmente, como, por exemplo, a realização de um discurso, (Raine, citado por Carvalho e Suecker 2011). 1.5.1.2 - Factores psicológicos do Transtorno de Personalidade Anti-Social Os factores psicológicos de acordo com Carvalho e Suecker (2005), baseiam em três áreas principais: a) Psicanálise: tem como característica a divisão da estrutura psíquica do indivíduo em partes distintas com diferentes graus de subjetividade e a concentração de todas as características e conflitos concernentes à personalidade em torno da obtenção do prazer. Nesta vertente psicanalítica Freud diz que “no tocante à maioria dos outros criminosos, aqueles para os quais medidas punitivas são realmente criadas, tal motivação para o crime poderia muito bem ser levada em consideração; ela poderia lançar luz sobre alguns pontos obscuros da psicologia do criminoso e oferecer punição com uma nova base psicológica” Freud (1916). Ou seja, Freud chama a atenção para que se considere as motivações dos crimes do ponto de vista psicológico para que as punições fossem baseadas também na própria estrutura da psique do indivíduo. Freud (1916) acrescenta o seguinte: “Fui levado a proceder a um estudo mais completo de tais incidentes por alguns casos gritantes e mais acessíveis, nos quais as más ações eram cometidas enquanto os pacientes se encontravam sob meus cuidados, e já não eram tão jovens. O trabalho analítico trouxe então a surpreendente descoberta de que tais ações eram praticadas principalmente por serem proibidas e por sua execução acarretar, para seu autor, um alívio mental”. 38 Ao analisar os actos mais violentos, dos indivíduos que se encontravam sobre os seus cuidados enquanto “pacientes”, Freud (1916) descobriu com base no trabalho analítico, que, os actos criminosos eram cometidos fundamentalmente por serem acções que a sociedade proibia e por, depois do acto, o seu perpetrador vivenciar um “alívio mental”, quer dizer que o comportamento criminoso funcionava como um escape. Em seu artigo intitulado, tipos libidinais, Freud (1931), com mais propriedade, faz uma descrição segunda qual, “às pessoas do tipo narcísicas que se expõem a uma frustração do mundo externo, embora sob outros aspectos independentes, estão particularmente dispostas à psicose, e também apresentam precondições essenciais para a criminalidade”. Mais adiante, Freud (1931) finaliza da seguinte maneira: “Constitui fato familiar que as precondições etiológicas da neurose ainda não são conhecidas com certeza. As causas precipitantes dela são frustrações e conflitos internos: conflitos entre os três principais agentes psíquicos; conflitos que surgem dentro da economia libidinal em consequência de nossa disposição bissexual e conflitos entre os componentes instituais erótico e agressivo. É trabalho da psicologia das neuroses descobrir o que faz com que esses processos, pertencentes ao curso normal da vida mental, se tornem patogênicos!”. Portanto, apesar de reconhecer que a psicologia da neurose precisa fazer mais descobrimentos sobre como a actividade mental normal se transforma em estado mórbido, Freud (1931) não deixa de acentuar que agressividade está relacionada às frustrações e a três componentes conflituais que se dão no mundo intrapsíquico: conflitos de origem libidinal e conflitos entre as partituras dos instintos eróticos. A componente dos factores psicológicos para a explicação do transtorno de personalidade anti-social e comportamento criminal, estende-se também para psiquiatria forense, com um pendor mais clínico. b) Psiquiatria Forense: tem como função precípua determinar, a partir de cada caso concreto, o aspecto do comportamento ou faculdade do indivíduo que se acha alterada e o impacto que essa alteração causa em sua personalidade. 39 A psiquiatria forense enquadra o transtorno de personalidade anti-social em um grupo da qual denomina de condutopatias, expressão que, de acordo com Palomba (2003), “é uma palavra composta por sufixação (conduta+pathos, moléstia),referindo-se aos indivíduos que apresentam distúrbios de condutas e distúrbios de comportamentos”. Essa classificação enquadra os transtornos de personalidade e de comportamento na Classificação Internacional das enfermidades (CID-10) e os transtornos de personalidade, personalidades psicopáticas, sociopatias, descritos no manual de diagnóstico e estatístico das doenças mentais (DSM-IV). A causa desse transtorno de comportamento para a psiquiatria forense aqui representada por Palomba (2003) “é devido ao comprometimento de três estruturas psíquicas: a afectividade, a conação-volição e a capacidade crítica, mantendo-se íntegras as outras partes mentais”. Por outro lado, retira-se a possibilidade da existência de problemas com a inteligência e o mau funcionamento da memória bem como da parte que responde pela sensibilidade e percepção, pois os indivíduos com transtornos de personalidade anti-social são “capazes de produzir raciocínios correctos e profundos” (Palomba, 2003). O problema com a estrutura afectiva é marcado pela insensibilidade, indiferença, resposta emocional inadequada, egoísmo; a conação está ligada a intenção mal dirigida e a volição está relacionada com movimentos voluntários sem crítica. Na realidade, o que se encontra em uma estrutura anormal são as faculdades de julgamento de valores morais e éticos e a faculdade de autocrítica, pelo fato de que se essas faculdades estivessem sã, existiria um processo de inibir a intenção impossibilitando assim o movimento espontâneo que daria a passagem ao ato. A outra parte do psiquismo não encontra-se prejudicado e se há prejuízo nessa outra parte, poderá ser por uso de bebidas alcoólicas, drogas ou intoxicação, essas substâncias, por sua vez, podem apenas auxiliar no transtorno do comportamento anti-social, (Palomba, 2003). c) Psicologia criminal: aborda modelos biológico-comportamentais de aprendizagem social, de desenvolvimento moral e de traços variáveis da personalidade. A psicologia criminal sendo um sub-ramo da psicologia que se ocupa do estudo das causas ou motivos normais e patológicos que fazem com que um 40 indivíduo se torne delinquente, ela, procura formular hipóteses e constructos psicológicos para explicar a personalidade do indivíduo que delinqui, (Jiménez e Brunce citado por Paulino 2015). 1.5.1.3 – Outros factores do Transtorno de Personalidade Anti-Social Factores como o contexto sócio-econômico no qual os comportamentos ocorrem, o gênero, a idade e, neste aspecto, é importante realçar que para o DSM-IV (1994) “O Transtorno da Personalidade Anti-Social tem um curso crônico, mas pode tornar-se menos evidente ou apresentar remissão à medida que o indivíduo envelhece, particularmente por volta da quarta década de vida. Embora esta remissão apresente uma propensão a ser particularmente evidente com relação a envolver-se em comportamentos criminosos, é provável que haja uma diminuição no espectro total de comportamentos anti-sociais e uso de substâncias” (DSM-IV, 1994). O Transtorno da Personalidade Anti-Social deve ser distinguido do comportamento criminal visando ganhos financeiros, que não é acompanhado pelos aspectos de personalidade característicos do transtorno. Estes aspectos, sobretudo o da relação com o comportamento criminoso já foram discutidos a nível das teorias principalmente a interpessoal de Benjamim (1996). 1.6- Transtornos de personalidade e a perícia psicológica Depois das visões apresentadas acima bastante esclarecedoras, seria importante já a seguir, tratar o assunto a nível da perícia psicológica visto ser uma pesquisa que se realiza dentro da psicologia criminal e, por este facto não podemos perder o foco. Para o efeito, Mezquita começa por dizer que: “Muitos juízes e advogados se empenham bastante em perguntar se uma pessoa possui ou não um perfil de determinado tipo de agressor. Diante desta pergunta teremos a obrigação de dizer que não existem tais perfis, o que pode existir são certas variáveis de personalidade incluindo transtornos que favorecem o surgimento de uma conduta agressiva. Esta é uma resposta frustrante para a lei, já que no mundo jurídico os factos existem ou não existem, (Mezquita, 2007).” Está patente a controvérsia entre o campo jurídico e a psicologia, ao procurar saber se um determinado indivíduo tenha um traço de agressividade os juízes e advogados costumam estar muitas vezes interessados nisso para entender 41 determinados comportamentos. Mas em contrapartida, a resposta que lhes é dada é a de que tais padrões não existem necessariamente, o que se deve considerar são certos aspectos de mutabilidade na personalidade que pode até envolver um transtorno que facilitem o aparecimento de actos agressivos. Diante desta resposta nota-se um descontentamento e uma inquietude visto que para o campo jurídico “os factos existem ou não existem”. Esta controvérsia é explicada por Mezquita (2007), segundo a autora, “O mundo do direito se move dentro das variáveis discretas ao passo que a psicologia fundamentalmente está orientada pelas variáveis contínuas.” Pois, “temos de explicar que a existência de um determinado transtorno não garante a existência de uma determinada conduta.” Porque um psicodiagnóstico de transtorno de personalidade antissocial pode não garantir a taxativamente que determinada pessoa cometa um delito”, outrossim a maioria das pessoas com transtorno antissocial da personalidade se encontram socialmente adaptadas e só uma minoria passam a delinquir”. Apesar disso, Mezquita (2007) destaca que, se enquadrarmos as quatro variáveis na teoria da personalidade de Millon (1998) podemos perceber que os estilos de personalidades mais potencialmente agressivas são: o estilo paranóide, o limítrofe, o negativista, o sádico e o anti-social. Se tivermos que agrupá-los em uma ordem hierárquica, a personalidade anti- social aparecerá no topo da tabela, como avança Mezquita (2007). 42 CAPÍTULO II – RELAÇÃO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL COM O COMPORTAMENTO CRIMINAL 2.1 – Conceituação sobre o comportamento criminal A gama de conceitos sobre comportamento criminal é vasta se considerarmos as várias áreas do saber a partir do conhecimento filosófico-moral, jurídico- constitucional e sociológico. A psicologia por sua vez procura também explicar o que deve ser considerado então por comportamento desviante dando assim, pouca ênfase ao termo criminal. De acordo com Born (2005), “Para a perspectiva psicossocial, os actos de delinquência e/ou desviantes são actos sociais, isto é, actos que põem em ligação os seres humanos, sem que isso aconteça necessariamente numa relação imediata no aqui e agora. Neste conjunto de comportamentos sociais, distinguimos comportamentos neutros, comportamentos pró-sociais, comportamentos associais que podem provocar um dano sem que haja vontade de prejudicar e comportamentos anti-sociais que traduzem uma intenção negativa. É nestes dois últimos subconjuntos que se encontram os comportamentos que serão considerados como delinquentes conforme a avaliação da responsabilidade que, em direito penal, inclui nomeadamente a noção de intenção culpável ou de dolo”. Quer isto dizer que, para a perspectiva psicossocial, as acções de delinquir ou que representam um certo desvio enquadram-se primeiramente em um campo que descreve o vínculo entre os seres humanos não obstante, estar directamente relacionada com o presente momento em que estas interacções acontecem. Neste sentido, os actos intencionalmente negativos encontram-se destacados no quarto grupo, o dos “comportamentos anti-sociais”, a contar
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