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l LEITURAS AFINS Aprender Psicologia Maria Luiza Silveira Teles Do fora da Clausura à Clausura do Fora Loucura e desrazão Peter Pál Pelbart Eras, Marias, Liliths... As voltas ao feminino Vera Paiva Psicologia Social O homem em movimento Silvia Lane / W. Godo (org. Tempo de Desejo Sociologia e psicanálise hU loisa Fernandes (org.) Suicídio Testemunhos do adeus M:;ria Luiza Dia1- O Triunfo da Terapêutica Phillip Rieff O que Neurose Maria Luiza S. Teles O que é Psicanálise Fábio Herrmann O que é Psicanálise 2? visão O. Cesaroto/M. Leite O que é Psícodrama \Vilson C. de Almeida O que é Psicologia Maria Luiza S. Teles O que é Psiquiatria Alternativa Alan I. Serrano ÍC Eduardo Mourão Vasconcelos « w3 r \ Gn>, *O O QUE É PSICOLOGIA COMUNITÁRIA f í P ç;u o u editora brasiliense \< f f* ' Uj £ W i Copyright Ê by Eduardo Mourão Vasconcelos, 1935 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eleirônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia da editora. Dados Iniernacionais de Catalogação na Publicação (cn>) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Vasconcelos, Eduardo Mourão. O que é psicologia comunitária / Eduardo Mourão Vas- concelos. — 1 . ed. — São Paulo : Brasiliense, 1985. 1. Pi-icolofíia ^ocial 1. Título Psicoloeia comuni t á r i a 301 l CDD-301.1 E D I T O R A BRASILIENSE S.A. . \h:'quês r<V .SV° i cenie, 1771 (>! 1.1^-^03 — São i :ilo — SP i-i.Hc l O i l } 861-3366 - l-'ax 861-30^4 Filiada à ALiDR. ÍNDICE A conquista do direito de ser feliz e sau- dável 7 A crise da psicologia 16 As origens históricas da psicologia comu- nitária 24 O cue é, afinal, a Psicologia Comunitária? . 37 Os locais de atuação da psicologia comu- nitária 43 O psicólogo comunitário como profissional de scúde e saúde mental 60 A^umas questões de fundo: saúde me ital, cuitura, educação e técnicas psicológicas . . 83 Indicações para leitura 100 ^ Si • C Quero agradecer a todos os que incentivaram, colaboraram e tornaram possível a realização deste ensaio. Entre tantos, gostar/a de lembrar Sandrinha, Mara, Mônica, Ana Rita, Bernardo, Stella, Cecília, Georgina, Karin, meus hermanos Eymard e William, e muito especialmente Cristina Magro, pela revi- são linguística. A CONQUISTA DO DIREITO DE SER FELIZ E SAUDÁVEL Cerca de mil mulheres se acotovelam no auditório. São participantes de grupos feministas ou membros de grupos comunitários diversos da periferia da cidade, ou simplesmente donas-de-casa, mães, jovens estudantes, trabalhadoras. A polémica está forte, várias falam, gritam ao mesmo tempo. Assunto: as reivindicações das mulheres mineiras e brasileiras hoje. Muitas discussões, vaias, aplausos. A essa altura dos acontecimentos, a impressão que se tem é de que a plenária final do l Encontro da Mulher Mineira não vai conseguir fechar uma plataforma unificada de íutas e atividades. Alguns cios grupos militantes presentes queriam que todas assumissem exclusivamente bandeiras tais como "Constituinte livre e soberana", "Reforma agrária radical", "Liberdade sindical'" entre Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária S< r outras. Para eles, lutar pela igualdade sexual ou pela felicidade são todas reivindicações pequeno- burguesas. Há uma oposição violenta, mas difusa e desorganizada, a esse ponto de vista. De repente, uma jovem da periferia arranca a palavra, e se faz ouvir. Ê um depoimento vivo, forte: "Eu luto sim. Por estas coisas grandes aí, sim. To na minha associação de bairro. Luto pela água, pelo transporte, pela liberdade. Mas também sou mulher. Sofro no couro as violências de um marido bruto. Morro de desejo de poder ser mulher, ser feliz, ter prazer. Sei de minhas amigas, minhas comadres. É a mesma coisa. Se num vem pancada, é o peso dos filhos, da casa e do trabalho, tudo sozinha. E essas coisas todas eu não posso esperar, deixar pra depois, quando 35 coisas grandes mudarem. Eu quero ser feliz, e isso não vou esperar, nenhuma de nós tem que esperar. Nós temos uma luta nossa, de muíher. Pra já". Ovação geral, aplausos. Não há mais clima na assembleia para negar as reivindicações específicas da condição de mulher, suas aspirações existenciais ligadas ao cotidiano do trabalho, da relação entre os sexos, da vida conjugal e sexual, da maternidade e da educação dos filhos, etc. Isso aconteceu em Belo Horizonte, há cíncc anos. A meu ver, esse é um fato cheio de signifi- cações. Ele ilustra como o movimento feminista vem assumindo e colocando na rua, além das grandes lutas pela mudança política e pelos anseios Fica cada vez mais clara e explícita a necessidade do bem-r\far, da felicidade dm pessoas, como uma expenda social e global 10 Eduardo Mourão Vasconcelos de igualdade económica e social entre os sexos, várias das outras questões antes consideradas pequenas, secundárias, ligadas à condição feminina, às relações interpessoais e às identidades tanto feminina como masculina. Vamos recuar mais um pouco no tempo. Estamos na periferia de Vitória, Espírito Santo, mais exatamente em 1975, na região de Camp ; Grande. A reunião do Círculo Bíblico da comunidade está começando. São homens, mulheres, mais alguns jovens e crianças, sentados em tábuas, caixotes e tijolos. Após a leitura bíblica, a fase da reunião destinada à discussão dos fatos da vida traz à tona as preocupações de cada um: Seu João falou sobre os problemas do trabalho e do salário para a convivência da família. Mas a conversa pegou mesmo com o assunto sugerido pela dona Ana: as dificuldades de se educar os fi lhos num mundo de muita confusão e mudança. "Os pais podem bater nos filhos?", perguntou c . Maria. "Como fazer com o filho que só sabe fazer birra e não obedece?", desta vez interrogou o sr. Lauro. E a busca de uma educação mais libertadora foi o tema da noite. A maioria dos f. resentes falou de suas dificuldades, trocou ideias e sugestões. Também naquela comunidade eclesi^ i de base, os temas religiosos, sociais e políticos incorporam a problemática existencial de cada família. A educação dos filhos, a relação homem-mulher, o O que é Psicologia Comunitária n alcoolismo e tantos outros assuntos estão constan- temente presentes. Não são mais menosprezados em favor de outras discussões consideradas até então as únicas ligadas à libertação de um povo, nem vistos como isolados e independentes destes. Voltemos a Belo Horizonte, em 1979. Chega à cidade o psiquiatra italiano Franco Basaglia Ongaro, considerado o maior expoente mundial na luta pela libertação e humanização dos doentes mentais. Até sua morte, em agosto de 1980, foi a principal liderança do movimento de Psiquiatria Democrá- tica, que após quase duas décadas vinha lutando pela humanização dos manicômios, propondo formas alternativas de atenção à saúde mental e mobilizando a sociedade italiana em torno desses assuntos. A presença de Basagiia agitou a sociedade mineira. A imprensa denunciou a situação dos hospitais, foi feito o filme Em Nome da Razão por Helvécio Ratton, um congresso de psiquiatria se realizou em ineio a um clima de euforia e revolta. Entidades preocupadas com a saúde mental se reorganizaram e reforçaram sua ação. O que existe de comum entre esses três fatos que me faz reiatá-los assim paralelamente? Acredito qut. a sociedade ocidental vem parti- cipando desde os anos sessenta de um processo gradativo de redefinição da saúde mental. Assim, á cada vez mais clara a expíicitação da necessidade da felicidade, do bern-estar das pessoas, como 12 Eduardo Mourão Vasconcelos uma exigência social global e urgente, e não como individual, privado, ou algo para o futuro, a ser conquistado após as sonhadas mudanças políticas e sociais. Processos históricos como o movimentode maio de 1968 na França e suas repercussões em todo o Ocidente atestam isto. As palavras de ordem falavam do desejo, da imaginação, da criatividade, da autonomia incorporados à vida social. Os movi- mentos de contracultura também mostram clara- mente essa dimensão. A questão da condição feminina, do homosse xualísmo, do corpc e do prazer deixaram de ser temas de cochichos proibidos e viraram assunto do cotidiano das pessoas e dos meios de comu- nicação. A vertiginosa difusão de filosofias e formas de vida alternativas, notadamente as de inspiração oriental, atesta 3 busca, peia juventude, de propc..- tas mais integrais e harmónicas de vida. No movimento sindical, a saúde e o bem-estar do trabalhador começam a ser temas de luta em alguns países. Abre-se a c;:scussão sobre o orocesso de trabalho, ou seja, como as fábricas es.ruturam a relação do trabalhador cem a máquina, com . > outros colegas de trabalho e com os postos de vigilância e oireção. O objetivo é não só avaliar as estratégias e relações de poder dentro da empresa, como também reivindicar melhores condições de saúde e saúde mental do trabalhador. O que é Psicologia Comunitária 13 A antipsiquiatria como movimento social de crítica às formas segregativas estimatizadoras de se ver a "doença mental" também tem se difundido enormemente. O movimento ecológico, ao mesmo tempo que denuncia a devastação do meio am- biente, vem mostrando a necessidade de uma relação de respeito e amor à natureza como ele- mento indispensável à vida humana feliz. Como podemos interpretar tais acontecimentos de processos históricos? Na tradição da ciência política e do direito, muito se fala na conquista gradativa da cidadania na sociedade capitalista, ou seja, a difusão das reivindicações em torno dos direitos civis, políticos e sociais de todos nós enquanto pessoas humanas e cidadãos, e o seu reconhecimento cada vez mais generalizado. A concepção de cidadania, porém, nunca foi nem poderia ser algo estático. Cada fase da socie- dade contemporânea foi incorporando a visão de novos temas e direitos à luta pela libertação humana. Esses terias foram emergindo como uma exigência decorrente das condições de vida, das lutas, desejos e utopias das pessoas e dos grupos sociais em cada uma dessas etapas históricas. Há um outro aspecto interessante sobre a questão da cidadania que também vale a pena notar. As reivindicações pelos direitos civis, políticos e sociais nunca aparecem igualmente em iodas as classes e grupos sociais oorimidos. É mais comum emergirem. 14 Eduardo Mourao Vasconcelos " inicialmente através de intelectuais, de lideranças e de movimentos sociais específicos. Existe uma espécie de vanguardeamento na defesa desses direitos. São grupos que assumem "a frente" de seu processo de conquista e reconhecimento e, gradativamente, a consciência daquele aspecto de cidadania vai ganhando adeptos em direcão às grandes massas da população. Assim, particularmente, acredito que a segunda metade do século XX vem desfraldando uma nova bandeira de reivindicações, vem inaugurando uma nova faceta inerente à cidadania: o direito à saúde mental, l soo significa que as grandes lutas sociais em torno da participação política e das condições materiais de vida e trabalho começam a incorporar um aspecto — até então marginal — relativo ao direito de ser feliz e saudável. Ou seja, reivindica-se que na construção do novo mundo e da nova sociedade, o trabalho, as estruturas sociais e instituições que forem sendo criadas não sejam burocráticas, alienadoras e castradoras. Que se :3m incentivadas e exista espaço para a imaginação, a criatividade, a arte, a afetividade. Que a sensibi- lidade, o lúdico e o prazer não sejam apenas momentos isolados e marginais na vida dos indi- víduos. Que as relações entre as pessoas e os sexos sejam solidárias, sem medo, igualitárias, complementares, e não autoritárias, superficiais ou simplesmente de consumo e de uso dos outros. Você mesmo, leitor, poderá completar esse O que é Psicologia Comunitária 15 quadro que tentei começar a esboçar. . . Acredito que todos nós, de forma e intensidade diferentes, hoje participamos deste movimento. O direito à felicidade e à saúde mental significa também ter acesso a serviços que permitam traba- lhar as contradições, as repressões e violências que fomos introjetando desde crianças, e que nos aparecem através da angústia, do medo, da difi- culdade de amar e de se relacionar com o mundo e com os outros. Nesse momento, cabe-nos pergun- tar então pela atual situação dos serviços de saúde mental, prestados notadamente pelas instituições ligadas ao exercício profissional da Psiquiatria e Psicologia, e pelas suas pote ;cialidades. Esse debate acerca da Psicologia atual inaugura um campo do qual emergirá a Psicologia Comuni- tária. Ela é uma das tentativas de se responder a essa preocupação em se colocar a saúde mental em uma perspectiva preventiva e inerente à vida social. Ao mesmo tempo, ela visa atuar também sobre as contradições internalizadas nas pessoas. Você poderia argumentar, a respeito deste segundo item, que a Psicologia que conhecemos hoje já cumpre esse papel. No entanto, há algumas diferenças. O que farei a seguir será analisar esse quadro geral da Psicologia atual. A CRISE DA PSICOLOGIA Você provavelmente deve ter um amigo ou conhecido recém-formado ou mesmo cursando os últimos anos de uma faculdade de Psicologia. Pergunte a ele como está o campo de trabalho para os psicólogos que têm entrado no mercado nos últimos anos. Na certa ele dirá que a situação está muito ruim, que os psicólogos estão em sua maioria desempregados ou subempregados, ou trabalhando como bancários, auxiliares de escri- tório, ou coisas assim. Provavelmente dirá também que essa situação é a mesma para os demais profis- sionais de nível universitário no Brasil. É claro que existem aspectos comuns entre o quadro da Psicologia e o das demais profissões; o aumento do número de profissionais formados em decorrência da prolne.-ação vertiginosa de faculdades depois da reforma universitária de O que é Psicologia Comunitária 17 1968 é um desses aspectos. A crise económica pela qual passa o país é outro. Sabemos, por exemplo, que a psicoterapia é um dos primeiros itens a ser cortado dos orçamentos familiares arrochados pela crise, sendo que a clínica tem sido o principal campo de atuação do psicólogo no Brasil. Mas serão apenas esses aspectos gerais os únicos responsáveis por essa profunda crise em que se encontra a Psicologia atual? Assistimos apenas a mais um desdobramento temporário da crise da sociedade brasileira? Ou haverá outros aspectos específicos, inerentes à própria Psicologia, por detrás deste quadro crítico que nós, psicólogos, estamos vivendo? Eu acredito que sim. Vejamos. A Psicologia, como a conhecemos, é uma profissão recente, sendo reconhecida nos países ocidentais há pouco mais de cem anos. Nasceu com a pretensão de ser uma disciplina científica do mesmo tipo da Biologia ou da Fisiologia, em um momento histórico em que estas e outras ciências de base empírica deti- nham enorme prestígio. Buscou abandonar a Filosofia, à qual estava iigada até então, adotando o modelo cientificista daquelas áreas do conhe- cimento. Mas logo mostrou-se ser mais complexa e heterogénea, tanto do ponto de vista teórico, quanto em suas 3p'icacões concretas e sua prática social. No Brasil, a Psicoloqia é uma profissão mais Eduardo Mourão Vasconcelos recente ainda: sua regularização data de 1962. Copiando tendências dominantes na Europa e nos Estados Unidos na época, a forma de atuação prioritária que orientou tanto a legislação profis- sional quanto a formação dada nos cursos universi- tários privilegia a clínica, através de consultório individual. Assim, ela acompanhou a tendência que vigorava até então em outras profissõescomo a Medicina, conforme o modelo do profissional liberal clássico. Isso significa que á maioria dos psicólogos é formada para sair do curso, montar um consul- tório, buscar uma formação adicional sofisticada e cara, porque a que teve no curso na"o é satisfa- tória, e esperar uma clientela difusa lhe bater às portas e pagar pelos seus serviços. O psicólogo vai então atender a uma pequena clientela, formada pela parcela da população mais privilegiada econó- mica e culturalmente, de forma essencialmente individual e curativa, quando o quadro "doentio" já está instalado. Entretanto, em sociedades em que o capitalismo dos monopólios e grandes conglomerados empre- sariais penetra com profundidade, todos os setores da população tendem a se transformar em assala- riados do capital ou do Estado, inclusive a classe média. Nesse contexto, a tendência das diversas modalidades de profissional libera! é entrar cada vez mais em declínio. Isso vem acontecendo de forma mais incisiva em outras profissões, como O que é Psicologia Comunitária 19 a Medicina, a Engenharia, etc. Assim, a crise atual do mercado de trabalho do psicólogo revela aspectos mais profundos, a ponto de podermos falar em uma crise de modelo de atuação profissional. Assistimos ao fenómeno do subemprego ou desemprego dos profissionais, enquanto a maioria da população está carente não só de condições mínimas de sobrevivência, como também de serviços de saúde em geral e de higiene mental adequados às suas necessidades. Em outras áreas de atuação do psicólogo dife- rentes da clínica, ocorrem fenómenos mais ou menos semelhantes. Na área escolar do Brasil, a rede de escolas públicas normalmente não assume e não paga por serviços psicológicos específicos. A grande massa de crianças em idade escolar fica sem acesso a serviços de saúde mental. Na área empresarial, são principalmente as empresas de grande porte que requisitam e sustentam serviços psicológicos mais complexos. Podemos resumir a questão. A partir da área clínica, o rnode o de atuação do psicólogo, inspi- rado no profissional liberal clássico, está em crise. E, ao mesmo tempo, nossa sociedade ainda não demandou claramente outra forma ou modelo de :tuação. Ou seja, a questão da saúde mental .o é assumida apenas em duas situações: 1) como questão privada ^dividual, para quem pode pagar por serviços especializados; 2} quando a "doença" mental chega ac ponto de impossibilitar que o 20 Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária 21 indivíduo continue a produzir ou quando ele começa a criar problemas ou riscos para o meio social, justificando a intervenção da Psiquiatria através das internações tradicionais. Que razões podemos identificar para que essa situação se mantenha? Apesar de toda a realidade ser contraditória, podemos dizer que uma socie- dade de capitalismo tardio, periférico, como a nossa, vê o homem comum apenas enquanto roda da engrenagem produtiva. Os problemas de saúde mental só são considerados quando ferem direta- mente os interesses da acumulação de riquezas ou quando incomodam demais a "paz" social. Além disso, a intervenção médica tradicional na área de saúde mental responde rnuito bem aos interesses lucrativos do que chamamos complexo médico- industrial, formado pelas indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos e pelos hospitais e empresas médicas privadas. Mas não existem apenas razões económicas. A tradição histórica secular de autoritarismo vigente no país tende a se reproduzir em todas as instituições, inclusive a família, tratando as questões sociais e subjetivas através de métodos coercitivos ou simplesmente manipulativos. Como e \emplo temos os nossos manicômios psiquiá- tricos, o sistema policiei, penitenc'árío e de meno- res, as instituições os assistência sociai e a estrutura repressiva das famílias de tipo tradicional. Se pensarmos na Psicologia, há também algumas razões específicas para o pouco valor atribuído a ela em nosso país. Numa sociedade tradicional- mente machista, uma ciência como a Psicologia é essencialmente feminina. Não só porque a maioria de seus profissionais são rnulhâres, como também porque acentua a sensibilidade, a afetividade, valores desconsiderados pelo machismo dominante. Por outro lado, a profissão, sendo recente, tem pouca tradição académica e profissional. E na medida que a maioria dos profissionais está isolada em seus consultórios, dificilmente eles se mobili- zam enquanto categoria profissional na defesa de seus interesses. Além disso, não podemos perder de vista uma outra questão: a insistência das instituições ligadas à Psicologia no país em se propor como modelo prioritário de atua^ão profissional a clínica parti- cular. Não temos traição de pensar a Psicologia dentro do quadro mais geral de serviços de saúde a serem prestados à população. Ou de sugerir modelos alte1 nativos que 'abordem a questão da saúde mental de forma mais adequada e acessível ao povo. Quando novas oportunidades de trabalhe se abrem em instituições das mais variadas, o psicólogo normalmente não sabe o que fazer na nova situação, ou assume atividades diferentes que o fazem perder sua identidade profissional, ou tende a se fechar em uma saía para atendimentos individuais ou de pequenos grupos. De certa forma, esse quadro geral da saúde Eduardo Mourão Vasconcelos mental e da Psicologia não é privilégio de nosso país. É também comum a quase todos os países de formação econômico-social integrada ao capi- talismo ocidental. Podemos ainda constatar que também nesses países, embora os interesses domi- nantes pretendam manter a situação que descre- vemos, as formas tradicionais de prestação de serviços no setor de saúde mental estão em crise. A assistência psiquiátrica tradicional baseada na internação é cara. Não tem eficiência alguma, pelo contrário, torna mais crónica a doença, o que é atestado pelo alto nível de reinternações. E mesmo assim, não é acessível à maioria da popu- lação. Além disso, vem sofrendo uma forte denúncia por parte dos movimentos antipsiquiátricos, dos meios de comunicação de massa, e da opinião pública em geral. Por outro lado, a doença mental vem provocando um alto nível de incapacitação para o trabalho, sobrecarregando o sistema previ- dência ri o com despesas em auxílio-doença e aposentadoria permanente. E pelo lado da Psicologia, os serviços tradicionais oferecidos por ela são elitizados, sofisticados, caros e demorados. A maioria da população não pode ser integrada a eles tanto cultural como economicamente. Ou seja, ela não se adapta ao universo cultural e aos rituais desenvolvidos pelas técnicas psicológicas tradicionais, nem pode pagar por elas. Essa crise do setor, bem como as novas reivín- 0 que é Psicologia Comunitária 23 dicações sociais, vêm exigindo formas alternativas de se abordar a saúde mental. Assim, desde a década de 60 vimos assistindo, em vários países, a proposição de modelos alternativos de serviços em saúde mental, frequentemente acompanhados de projetos de atuação comunitária, onde os psicólogos também têm sido chamados a atuar. Nesse mo- mento é que vão surgir as primeiras experiências em Psicologia Comunitária, como uma das saídas alternativas para a Psicologia e sua crise. AS ORIGENS HISTÓRICAS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA Além das novas demandas sociais, da crise específica da Psicologia e da crise atual dos serviços de saúde mental discutidos até agora, que outras experiências e processos históricos contribuíram para o aparecimento da Psicologia Comunitária? - Não á muito fácil rastrear, no plano internacio- nal, as primeiras experiências em Psicologia que já se aproximavam dos ideais da Psicologia Comuni- tária. Mesmo assim, podemos dizer que uma das primeiras tentativas conhecidas foi realizada por Moreno, em Viena, no começo do século. Ele começou, ern 1908, a fazer improvisaçõesdramá- ticas com crianças, instigando-as a rebelarem-se contra o mundo dos adultos e a criarem normas e regras para uma sociedade infantil respeitada pelos maiores. As experiências prosseguem em 1921, O que é Psicologia Comunitária 25 Em 1902, em Vi< -.:;, as primem^ experiências com dramatizações (o "Teatro da Exp< ntaneidade", e m,.;i\ o "Teatro Terapêutico11) criaram as bases para a estruturação do que lune conhecemos como técnicas psicodramáíicas. 26 Eduardo Mourao Vasconcelos com dramatizações que acabam na criação do Teatro da Espontaneidade e, dois anos mais tarde, no Teatro Terapêutico, Eram experiências abertas e muitas vezes realizadas na rua. Elas criaram a base para a estruturação do que hoje conhecemos como as técnicas psicodramáticas. A experiência e a obra de Wílhelm Reich, apesar de polémicas, são cruciais na formação histórica da proposta da Psicologia Comunitária. Reich participou como assistente de Freud de uma clínicc gratuita em Viena, em T922, após a criação, em 1920, de uma clínica semelhante em Berlim. Logo chegou à conclusão de que seria ilusório querer transformar a miséria sexual e mental com a muitiplicação de clínicas e análises. Funda então, em Viena, uma sociedade socialista de Aconselhamento Sexual e de Sexologia, abrindo em 1929 seis centros de higiene sexual, animados por quatro psicanalistas e três obstetras, que lutam pela legalização do aborto. Foi em Berlim, no entanto, que encontrou melhores condições temporárias de trabalho. Após conferências com médicos e estudantes socialistas, e convencido da necessidade de politizar a questão sexual, liga-se ao Partido Comunista Alemão e funda a Associação Alemã para uma Política Sexual Proletária (SEXPOL), que teve seu primeiro congresso em Dússeldorf, em 1931. Mas a açao de Reich durou pouco. Além do insucesso das clínicas higiénicas, o PC alemão em O que é Psicologia Comunitária pouco tempo proibiu a difusão de suas brochuras, e desligou-o do partido em 1932. Logo após, a Sociedade Psicanalítica Alemã também o excluiu de seu quadro. Finalmente, em 1933, ele abandona a Alemanha. Uma outra experiência bem diversa da de Reich, mas bastante significativa, é a dos Alcoólicos Anónimos (A.A.), iniciada em 1935, nos Estados Unidos, e hoje amplamente difundida em quase todo o mundo. Os grupos de alcoólicos funcionam autonomamente, e suas reuniões manipulam técnicas simples de depoimentos de vida e refor- çamento pelos períodos de tempo crescentes que um integrante fica sem beber. Além disso, elas criam laços de solidariedade e amizade entre eles como suporte para a superação de seus problemas. Podemos identificar algumas limitações no trabalho dos A.A.: é uma abordagem centrada na doença, um tratamento moral para o alcoolismo, e não leva em conta os seus condicionamentos sociais e políticos, como a política de incentivo ao consumo das bebidas. No entanto, os A.A. consti- tuem sem dúvida uma experiência sugestiva e eficaz dentre ;.io enfoque da Psicologia Comuni- tária, e influenciaram enormemente a criação de experiências semelhantes mais recentes, do tipo Neuróticos Anónimos, grupos cie auto-ajuda de ex-psíquiatrizados, etc. A partir do? meados do atual século, assistimos a experiências e movimentos mais globais e de 28 Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária 29 cunho mais institucionalizado, que influenciaram diretamente o nascimento da Psicologia Comu- nitária. Em primeiro lugar, temos o processo de refor- mulação dos conceitos e da prática da Psiquiatria. Por um lado, surgem as iniciativas modermzadoras de crítica à estrutura dos manicômios, que se inicia na Inglaterra, no período de guerra. Os hospitais e seu consequente "desperdício de homens", que noutras condições poderiam estar nas frentes de batalha ou na produção, começam a ser questionados. Vamos assistir, então, a inicia- tivas de tentar modificar a dinâmica de tratamento nos hospitais psiquiátricos militares, cheios de neuróticos de guerra. Na Inglaterra, alguns psiquia- tras lançaram a ideia de grupos de discussão e de ativídades com os pacientes, além de realizarem uma reunião diária geral com os médicos, como forma de integrar o conjunto dos grupos e ativi- dades. Esse experiência foi um sucesso e permitiu o nascimento de comunidades terapêuticas, alguns anos depois, e das psicoterapias de grupo. A reformulação não ficou apenas dentro dos hospitais. Na Branca, surge a "psiquiatria de setor", ou seja, a divisão do país em setores e regiões, dispondo, cada u ma, de equipes trabalhando em contato direto com a comunidade. Não houve interferência, entretanto, na vida manicomial. A Psiquiatria Comunitária surgiu nos Estados Unidos. Foi lançada a proposta de níveis de inter- venções da assistência, seguindo o momento evolutivo da "doença mental": 1) prevenção primária: intervenção nas condições possíveis de formação da doença mental, que podem ser individuais ou de meio; 2) prevenção secundária: intervenção que busca o diagnóstico e o tratamento precoce da doença mental; 3} prevenção terciária: busca de readaptação do paciente à vida social, após sua melhora. Apesar da ambiguidade e imprecisão de muitos dos conceitos propostos por esses autores, a grande novidade foi o lançamento da proposta de pre- venção primária, visto que os dois outros níveis já faziam parte do sistema psiquiátrico-curativo. Em outra vertente, tivemos o desenvolvimento da antipsiquiatria. Ela desenvolve u.na crítica feroz ao próprio conceito de doença mental, mostrando como a sociedade se sente ameaçada pelo comportamento desviante,e como a psiquiatria acaba operando como agência de controle e nonr^- tização social. Entretanto, o movimento de maior profundidade de mudanças e de repercussão internacional foi, sem dúvida, o da Psiquiatria Democrática, vanguardeada por Basaglia, na Itália. A expe-x^c ia começou no Hospital Psiquiátrico de Gorila, no Nordeste de país, sob a direção do próprio BasagSia. As modi- 2Í 30 Eduardo Mourão Vasconcelos \ que é Psicologia Comunitária 31 ficações incluíram a adoção de um modelo radical de comunidade terapêutica e a abertura do hospital para que os pacientes pudessem viver fora dele. Foram montados centros de higiene mental, para reinserção dos ex-internos na vida social. Além disso, foi feito um trabalho de mobilização e esclarecimento da população e dos movimentos sociais, inclusive com integração de leigos no trabalho. A experiência foi expandida em outras cidades, e em algumas delas o hospício foi fechado. Em 1978, através da mobilização e da pressão popular, conseguiram sedimentar estas novas práticas em uma nova ei psiquiátrica para todo o país. Essa nova lei, entretanto, encontrou muitas dificuldades na sua implantação. Dependia da existência, em cada cidade, de equipes de profis- sionais identificados com o seu espírito, e que se mobilizassem para efetivá- a. Houve muita resis- tência por parte da população, acostumada a associar o louco com a violência e o despreparo para a vida social. Os políticos conservadores capitalizaram esse clima, tentando mudar a lei. Assim, ela foi implantada de forma mais integral em algumas cidades, e em outras não houve modifi- cações substantivas. Atualmente, em 1985, encon- tram-se cinco orojetos de reformulação do seu texto no parlamento italiano. Na América Latina, algumas experiências alterna- tivas mais locais foram realizadas. Podemos lembrar o nome de Alfredo Moffatt, autor de livro bastante conhecido, Psicoterapia do Oprimido, relatando sua experiência na Colónia Pena Carlos Gardel, em Buenos Aires, Argentina. A Medicina Comunitária também teve urn forte papel no aparecimento da Psicologia Comunitária. Na área de saúde, as experiências comunitárias têm peio menos duas origens diferentes. Por um lado, a experiência de alguns países denominados socia- listas.A China revolucionária foi talvez a precur- sora, corr, s L. . .ca de serviços de saúde inovadores para as populações camponesas e de periferia urbana, na época sem qualquer acesso a eles. Foram real izados serviços de saneamento e cuidados elementares de saúde através da mobilização popular, do treinamento dos chamados "médicos de pés descalços", integrados com a medicina chinesa milenai. No íado capitalista, a Medicina Comunitária nasceu principalmente da preocupação de se oferecer alguma forma de assistência aos pobres que não podiam ter acesso à medicina sofisticada e cara. Foram montados sistemas de saúde comu- nitária em países da Áfr ica colonial, como Quénia, Zâmbia, Uganda. E nos EUA na década de 60, apare- cem os programas de saúde dentro de uma estra- tégia de assistência mais ampla aos bolsões de pobreza. Foram os chamados "Programas de Com- bate à Pobreza", lançados por Kennedy e Johnson. Na América Latina, as primeiras iniciativas 32 Eduardo Mourao Vasconcelos comunitárias normalmente não tiveram origem estatal, dadas as características francamente antipopulares da maioria dos governos locais após a década de 60. Foram os próprios movimentos sociais, aí compreendidos os movimentos sindicais urbano e camponês, os movimentos de bairros, as comunidades eclesiais de base, os movimentos femininos, movimentos negros, que se lançaram à tarefa de construção de laços e ações comunitárias. Nessi^, experiências,'além das lutas e reivindicações políticas e materiais, da prática da educação popular, as atividades incluem várias questões ligadas especificamente à saúde mental. Podemos lembra- as creches comunitárias, os clubes de mães, 3í ações solidárias coletiyas nos momentos de aperto das famílias, atividades de lazer, esporte, cultura, etc. Essas iniciativas têm como caracte- rística básica a autonomia, e isso fez que os gover- nos mais tarde pretendessem integrá-las, desenvol- vendo programas comunitários via Estado. Outro processo fundamental que contribuiu para o aparecimento da Psicologia Comunitária foi o progressivo assalariamento, o achatamento da e a consequente criação de condições para uma politização crescente dos profissionais de saúde e saúde mental. Por urn laço, começaram a aparecer as ações e movimentos representativos das categorias profissionais, e, entre suas reivindi- cações e discussões, aparecem os temas ligados a serviços de saúde mais racionalizados e adequados O que é Psicologia Comunitária 33 às condições de vida da população. E, por outro lado, a ação desses profissionais nas universidades e nos serviços de saúde abriu espaço para algumas experiências inovadoras de grande importância. Finalmente, não poderíamos nos esquecer de todo um movimento de questionamento crítico dentro da Psicologia como um todo, e da Psicologia Social em particular. Na América Latina, iniciou-se gradativamente a problematização dos esquemas teóricos procedentes dos Estados Unidos e Europa, na busca de uma adequação à nossa realidade social. A Psicologia na Argentina, até o golpe militar na década passada, talvez seja o melhor exemplo desse movimento de recriação teórica e prática. Esse novo espaço dentro da Psicologia, se efetivamente ampliado, possibilitará o desen- volvimento de novas experiências, encontros e a sistematização da Psicologia Comunitária em nosso continente. Entretanto, as primeiras iniciativas oficiais, concretas, específicas em seúde mental comuni- tár ia podem ser identificadas nos Estados Unidos. Em 1963, foi lançado o projeto dos Centros Comu- nitários de Saúde Mental. Vários programas foram previstos, com modalidades parciais de hospitali- zação, serviços de consulta externa e de emergência, r rovenção de suicídio, alcool ismo, atendimentos míant i l e adolescente, etc. A avaliação crítica desses centros é bastante negativa. Vános dos programas previstos não foram 34 Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária implementados, .são pouco acessíveis geográfica e economicamente, e na realidade não houve inte- resse de se atingir a participação popular na tomada de decisões e na sua gestão. São pouco eficazes para se contrapor aos interesses da rede de hospitais psiquiátricos estaduais, que funcionam centrados na internação tradicional. Enfim, promovem a "psíquiatrização" da sociedade, estimulando o uso de drogas e serviços, impondo maneiras psiquia- trizantes de interpretar a vida e os conflitos sociais. A partir das décadas de 60 e 70, alguns países do Terctlro Mundo vêm desenvolvendo a criaçso de centros comunitários de saúde mental ou integrando atívidades em saúde menta! à rede básica de postos e ambulatórios médicos. Entre eles se destacam o Chile, Jamaica, México e Hon- duras. De início, tivemos iniciativas isoladas, ligadas às universidades ou projetos pilotos estatais. Entretanto, nos meados da década passada, a Organização Mundiai de Saúde passa a propor a implementação de sistemas mais racionalizados de saúde e saúde mental. O modelo visa à descentra- ização dos serviços, tendo como porta de entrada do sistema o posto de saúde junto aos bairro: populares e distritos rurais. A ênfase é dada àquelas atividades mais simplificadas de atenção primária à saúde, per pessoas da comunidade corr. treina- mento básico, com presença ou supervisão perma- nente de profissionais graduados. São propostas iniciativas comunitárias e preventivas em saúde. Esse modelo tem sido implementado experimen- talmente em regiões específicas de vários países capitalistas do Terceiro Mundo. Em países como Cuba, todo o sistema de saúde e saúde mental é montado de forma semelhante. Tentarei mais adiante descrever o seu funcionamento e esboçar uma avaliação corn maiores detalhes. Se fizermos uma avaliação da implantação de Psicologia Comunitária no Brasil, acreditoque pode- remos identificar pelo menos três direções. A pri- meira se dá pela via académica, universitária, Ou seja, as faculdades de Psicologia, copiando os currículos estrangeiros, incluem a disciplina lecionando-a de forma teórica, assistemática, e sem muitas possibili- dades de uma prática concreta. Nesse sentido, pode- mos dizer que, de modo gera l, o ensino da Psicologia Comunitária no Brasi sofre deste mal crónico que é a ausência de referências práticas que orientem sua teor ização e sua adequação à realidade bras : :e i ra. O segundo caminho tem sido, até recentemente, o do movimento popular, em experiências con- cretas em associações de bairro, em educação popular em geral, em creches comunitárias, comu- nidades eclesiais de base, clubes de mães, etc. Normalmente, são experiências autónomas que são também acompanhadas por estudantes ou mesmo profissionais de Psicologia,, através de compromisso político pessoal, sem íigação reaí ou formal com a Psicologia académica. Os depoimentos que venho ouvindo acentuam muito isto: "Junto ao povo 36 Eduardo Mourao Vasconcelos temos de reaprender tudo, como se não tivéssemos passado por um curso. Ou mesmo, temos de desaprender muita coisa do curso, em termos da realidade sócia! que encontramos pela frente. E, geralmente, a gente não se sente psicólogo quando realiza essas formas de trabalho comu- nitário". Em síntese, as experiências ocorrem de forma normalmente espontânea, sem avaliação rigorosa de seus resultados e sem um contato permanente com uma busca de sistematização teórica. Em terceiro lugar, estamos assistindo, nos últimos anos, à implantação muito gradativa de programas que incorporam a Psicologia Comuni- tária, por parte de instituições sociais principal- mente ligadas ao Estado. Normalmente são projetos-piloto em pequenas unidade; de saúde, escofas, comunidades. Recentemente, a Previdência chegou a anunciar unia reorientação da assistência psiquiátrica no país, e propondo um modelo inspirado em parte na proposta feita pelr OMS. Na maioria dos casos,não existe uma integração dessas diferentes iniciativas em Psicologia Comu- nitária. Mas acredito que a tendência a que vimos assistindo é a superação gradativa deste isolamento de experiência?. Isso pode se dar, por exemplo, através da integração das universidades às inicia- tivas institucionalizadas de prestação 'e serviços, ou da colaboração com os prcjetos populares autónomos. O QUE É, AFINAL, A PSICOLOGIA COMUNITÁRIA? Nc-oíe ponto, você, leitor, depois de ter uma visão das origens da Psicologia Comunitária, deve estar se perguntando: o que é então a Psicologia Comunitária? Alguns autores, quando analisam a história da atuação de um corpo científico e profissional, notam que em determinadas circunstâncias histó- ricas os profissionais têm uma forma própria de atU'--- r diferente dos que atuam em outras épocas e contextos sociais. A essa forma chamam psra- digma da prática profissional. Na área médica, por exemplo, sabemos que o modelo de atuação que conhecemos, chamado Medicina Científica, não foi e não é o único existente. Se percorrermos a história da Medi:;ina, veremos que a Alemanha dos séculos XVI I I e XIX e a Inglaterra e França do 38 Eduardo Mourao Vasconcelos século passado nos apresentam três paradigmas distintos da prática médica. A Medicina Comu- nitária recente constitui um outro paradigma, em oposição ao da Medicina Científica atual. Na Psicologia, vimcn. que as experiências que podemos reunir sob o nome da Psicologia Comu- nitária tiveram origens e objetivos bastante dife- rentes. Tivemos desde propostas bastante radicais, como a SEXPOL, até os programas conservadores norte-americanos. Apesar dessa diversidade, creio poder afirmar que a Psicofogia Comunitária pode ser considerada um campo com uma unidade mínima, e pode significar a formalização de um novo paradigma de prática profissional do psicó- logo, em relação à prática predominantemente desenvolvida até então. Assim, apesar dos riscos de simplificação exces- siva, acredito que a sistematização comparativa que tentarei esboçar aqui poderá ser interessante para se entender como vejo a proposta de uma Psicologia Comunitária comprometida com os interesses populares: PSICOLOGIA TRADICIONAL PSICOLOGIA COMUNITÁRIA 1) As abordagens enfatizam 1) As divisões du sabe' são o enfoque do psicólogo como esfeia predominan- temente independente do fruto da história das ins- tituições académicas e profissionais. A realidade O que é Psicologia Comunitária PSICOLOGIA TRADICIONAL social. As análises são essencialmente unidisci- plinares, e o trabalho rea- lizado é predominante- mente uniprofíssional. 2) Enfatiza-se a abordagem individual do psíquico. 3) A abordagem é desarti- culada de unia visão mais ampla do social, e muitas vezes pretende-se neutra com relação aos proble- mas soc ia is . 4} A prát ica desenvolvida é dirigida prioritariamente para os grupos sociais mais privilegiados, tanto do ponto de vista econó- mico quanto cultural. 5) Nas faculdades, a forma- ção é predominantemen- te teórica, intramuros, e PSICOLOGIA COMUNITÁRIA se apresenta como uma integração dos aspectos orgânicos, psíquicos e sociais. A abordagem é interdisciplinar, e o tra- balho é feito em equipes multiprofissionais. 2) A ênfase está nas pessoas enquanto seres sociais, onde o conteúdo psicoló- gico tem conotações tam- bém institucionais, so- ciais, culturais e políti- cas, e vice-versa. 3) É uma abordagem articu- lada a uma visão to tal i- zante do social e busca a explícitação de um com- promisso pohYco e so- cial. 4} A prioridade básica são as classes populares, ainda sem acesso a serviços bá- sicos de saúde mental. 5) A formação só é coerente se baseada na prática concreta no campo social. 40 Eduardo Mourao Vasconcelos Í O que é Psicologia Comunitária 41 PSICOLOGIA TRADICIONAL desvinculada da prática. 6) As técnicas são predomi- nantemente curativas. 7) A teorização e o conjunto de técnicas são dirigidos principalmente para con- sultórios, hospitais e gabi- netes separados da vida social, e em locais con- centrados nas áreas dos grandes centros urbanos. 8) A prática profissional é altamente especializada por técnicas de trabalho (principalmente na clíni- ca), A c l iente la se adapta ao esquema teórico e técnico do profissional. Raramente se buscam práticas alternativas. 9) A prática predominante exige sempre a presença do prof issional, e é man- tenedora de monopólio do saber profissional. O lugar do poder é fixo e constantemente centrado PSICOLOGIA COMUNITÁRIA com reflexão teórica e pesquisas concomitantes. 6) Integração de recursos curativos e preventivos com ênfase na prevenção. 7} Teorização e técnicas são dirigidas para situações institucionalizadas e de campo, junto aos locais de trabalho e moradia da população, proporcionan- do maior acessibilidade e coerência com a reali- dade vivida por ela. 8) Formam-se profissionais mais generalistas, envolvi- dos com faixa mais ampla de técnicas e práticas adequáveis à variedade de situações sociais. Há uma busca constante de pés guisa e sistematização de práticas alternativas. 9) O profissional atua pr i - mordialmente como as- sessor, transmissor de ha- bilidades e treinador de agentes de saúde mental O objetivo é a desrnono- polização gradat iva do PSICOLOGIA TRADICIONAL no profissional. 10) A abordagem não reco- nhece o conhecimento difuso e as práticas infor- mais populares em saúde mental 11) As práticas têm alto nível de especialização e sofisticação. A formação é longa, demorada, de al to custo, que é repas- sado aos serviços, e daí sua elitização. 12) As práticas são planeja- i.;.-r e executadas pelo P r o1 ssional sem qualquer pá; ticipação da clientela. PSICOLOGIA COMUNITÁRIA saber, com a integração da saúde mental na vida cotidiana e na cultura do povo. O lugar do poder é alternado e distribuído. 10) Há um reconhecimento e busca de constante co- aprendizagem com o sa- ber e as práticas autóno- mas da população que têm implicações ou que são diretamente ligadas à saúde mental. 11) Propõe-se pesquisa e síntese de práticas mais simplificadas, apropriadas às condições sociais e cul- tura is populares. Urn dos objetivos básicos é a ex- tensão da cobertura com manutenção d a qualidade. 12) Busca-se efetiva partici- pação da clientela na definição das prioridades de aíu: cão, píanejamen- to, execução e aval iação das atividades. Ou seja, participação comunitária efetiva. 42 Eduardo Mourao Vasconcelos PSICOLOGIA TRADICIONAL 13) A ação do psicólogo é restrita aos consultórios, secões de contato ou tra- balho na escola ou em- presa. PSICOLOGIA COMUNITÁRIA 13) A ação do psicólogo envolve também o conhe- cimento da saúde pública, a administração, gestão e supervisão dos serviços. Assim, as técnicas em Psi- cologia Comunitária são de três tipos; a) técnicas ligadas direta- mente à intervenção em saúde mental com a clientela; b) técnicas voltadas ao trei- namento de pessoal para atuar em saúde mental; c) técnicas administrativas e de gestão dos serviços em saúde mental. OS LOCAIS DE ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA A primeira coisa que podemos constatar é que os psicólogos comunitários não são donos de campos de trabalho onde só eles atuam. Eles vão bater em muitas áreas onde psicólogos ern geral já desenvolvem suas atividades, bem cono outros profissionais da área humana e de saúde. Como vimos, o que dá identidade ao psicólogo comuni- tário em relação a seus colegas tradicionais é uma forma própria de atuar, voltada para objetivos próprios segundo uma visão crítica definida. Assim, o primeiro campo de atuação da Psico- logia Comunitária é o das próprias instituições onde o psicólogo já é comumente chamado a trabalhar; nasescolas e demais instituições de educação, nos hospitais psiquiátricos, nas empresas, etc. Nelas, o psicólogo comunitário poderá até l 44 mesmo desempenhar algumas das ações tradicio- nalmente já realizadas pelos demais psicólogos. Entretanto, ele não deve parar aí. A Psicologia Comunitária nos pede uma visão mais crítica e uma ampliação do campo de atuacao. Ela nos cobra uma abordagem mais preventiva, manipu- lando variáveis mais amplas, sociais e institu- cionais. Ela reivindica a açao participativa dos usuários e funcionários das instituições na reso- lução dos problemas e na atuação sobre a saúde mental. Ora, não é difícil perceber como as instituições, em geral, principalmente nas sociedades capita- listas autoritárias, são instrumentos chamados a cumprir a manutenção da ordem, das ideias e das relações sociais que reproduzem a dominação e a alienação das pessoas. Uma escola pública primária, por exemplo, está sempre chamada a manipular a cultura dominante, as ideias e visões de mundo implícitas nos pro- gramas de ensino oficiais. Aí, a cultura do povo praticamente não tem lugar. Ela também tende a desenvolver nos alunos o espírito de competição e individualismo. Estes normalmente participam muito pouco do processo de educação. São massi- ficados e relegados à passividade e à escuta. A escola também reproduz a desigualdade social. O e1 alunos oriundos das ciasses mais pobres normal- mente abandonam os bancos escolares nos primeiros anos, enquanto uma elite consegue galgar a pirâ- Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária -4- -' Ecologia Comunitária reivindica a açao participativa Ui:> usuários e funcionárias das instituições fia resolução problemas e na aiuação sobre a saúde mental. 46 Eduardo Mourao Vasconcelos mide escolar até o ensino superior. Como na escola, o psicólogo é chamado a essas instituições para atua r unilateralmente sobre questões ligadas à saúde mental, normalmente para selecionar, diagnosticar e avaliar indivíduos isoladamente ou para "cuidar" clinicamente dos considerados "casos-problemas" pela instituição. E a maioria dos psicólogos responde a estes pedidos e demandas de forma acrítica e automática. Ou porque não percebem a problemática de fundo ou porque foram formados pnlas escolas de Psico- logia exatamente para fazer aquilo que as direções das instituições pedem; e outras vezes, porque sentem o risco de perder o emprego se questio- narem algo. Assim, contribuem para que os confli- tos e a "doença", que estão impregnados na instituição, sejam identificados apenas em algumas pessoas, consideradas as desequilibradas e pro- blemáticas. A Psicologia Comunitária, nesta área institucional, busca conhecer criticamente as instituições, permi- tindo identifica-' suas contradições, sua estrutura concreta e simbólica, no sentido cie visualizar propostas de trabalho alternativas e realistas. Em segundo lugar, busca traçar formas de inter- venção na vida das instituições, ampliando a par ticipação de todos os interessados nus problemas levantados. E, fundamentalmente, procura desen- volver técnicas de abordagem da saúde mental integradas a essas novas formas participativas. O que é Psicologia Comunitária 47 Como se dá isso concretamente? As respostas não são simples, mas podemos resumir alguns pontos básicos. Normalmente, todo profissional dentro de uma instituição é chamado peia direção a realizar algumas atividades tradicionais. A estes pedidos chamamos "demandas oficiais". Este conceito de demanda tem origem na Psicanálise, e é trabalhado pela abordagem de origem francesa chamada Análise Institucional. Vamos ver como funciona. Todo mundo sabe intuitivamente que uma criança pode pedir alimento mesmo sem ter fome. Sabemos que por trás desse pedido, dessa demanda, ela pode estar querendo outras coisas, como atenção, carinho, etc. A esses pedidos que se "escondem por trás" da demanda primeira cha- mamos "demandas implícitas". Assim, nestes casos, dar simplesmente alimento para a criança pode impossibilitá-la de expressar suas demandas implícitas, mais significativas e importantes para ela. Da mesma forma, quando a direção da instituição formula suas demandas oficiais ao profissional, ela quer resolver as questões da vida institucional escondendo uma série de outros problemas, pontos de vistas e pedidos dos funcionários e da clientela. Cabe ao psicólogo comunitário sugerir formas e situações participativas onde a própria direção, os funcionários e os usuários da instituição possam discutir a "demanda oficial" e eles mesmos formu- 48 Eduardo Mourão Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária 49 larem as demandas implícitas. Como se dá isso na prática? Vamos exemplificar com o trabalho do psicólogo em uma escola. Ele foi chamado para fazer diagnós- tico e acompanhamento clínico de alunos conside- rados indisciplinados ou de baixo rendimento escolar. Esta é a demanda oficial, e o psicólogo deve respondê-la inicialmente da maneira como foi formulada, para se manter na instituição. Mas deverá favorecer a criação de situações nas quais a direção, os professores, funcionários, os alunos e seus pais possam discutir a questão da indisci- plina e do baixo rendimento. Inevitalmente apare- cem outros pontos de vista, outros pedidos, ou seja, as demandas implícitas. Os professores, por exemplo, podem falar da dificuldade de montar aulas chamativas e dinâmicas, e pedir uma orien- tação didático-pedagógica. Mais tarde podem ir percebendo nestas discussões as dificuldades de um ensino apropriado em salas de aula com 60 ou 70 alunos, nas quais os estudantes são massificados e colocados na situação passiva. E por aí vai ... Com um pouco de jeito a própria direção da escola pode ir percebendo que a questão da indisci- plina e do baixo rendimento não é tão simples assim. É possívef que ela mesma acabe formu- lando suas demandas implícitas, caminhando para soluções mais abrangentes dos problemas da escola, O objetivo básico do processo é sempre incentivar a participação gradativa dos diversos grupos de pessoas ligadas à instituição e que normalmente não são chamadas nem mesmo a opinar. Na escola, por exemplo, podemos chegar a integrar, nas atividades educativas e de saúde mental, os próprios pais e familiares do aluno, e até mesmo toda a comunidade. E na medida que participam, podem garantir que a instituição sirva a seus interesses. Com isso acredito que surgirão alternativas mais democráticas e participativas de vida institucional e social. Também as técnicas específicas de abordagem da saúde mental podem se tornar mais adequadas a essa nova realidade participativa. O psicólogo, agora, em vez de ficar apenas restrito a sua sala atendendo casos individuais, poderá, por exemplo, formar grupos de professores para a elaboração da problemática deles, grupo? de pais para discutir as questões ligadas à educação e estimulação dos fiihos. Poderá até mesmo assessorar a direção da escola em atividades e programas mais abrangentes e compatíveis com a realidade da instituição. Não podemos nos esquecer de que esse processo é sempre lento e difícil. É bom lembrar que toda ação desse tipo toca nas relações de poder dentro da instituição. O psicólogo não pode se colocar como "dono da verdade", ou corno quem provoca a mudança, pois sua posição pessoal é muite frágil. Seu papel é fundamentalmente de facilitador sugerindo situações onde os demais participantes possam falar de suas deir.andas e dar palpites sobre 50 Eduardo Mourão Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária como solucioná-las. Além disso, todo processo de mudança em cada instituição depende do contexto político mais global da sociedade. Dessas observações podemos concluir a necessi- dade de estar constantemente analisando as correla- ções de força e de poder dentro e for» da institui- ção, para se avaliaro espaço de mudança possível. Não adianta nada ter boas intenções sem ter os pés na realidade. É importante também ter "paciência histórica", no sentido de evitar confrontos imaturos ou desnecessários com as direções das instituições. Às vezes pode valer aqueíe conhecido ditado: "Seguro morreu de velho". Outras situações pedem para se arriscar mais. É sempre bom lembrar que as ações mais inovadoras precisam ae apoio e legitimação mais amplas no corpo de funcionários e na cliente a em geral da instituição. As instituições e programas governamentais da área social constituem um segundo campo de atuacão do psicólogo comunitário. Principalmente nos últimos quarenta anos, a demanda feita ao Estado para responder às necessidades globais da população vem crescendo, principalmente com relação à maioria mais pobre e oprimida. E os próprios governos estão percebendo a pouca eficácia concreta e legitimadora de seus programas e ações sociais quando são autoritários e assistên- cia listas. Assim, cada vez mais se faz apelo a programas "participativos", visando ao desenvol- vimento da comunidade. São programas vinculados \1 à área da saúde, programas suplementares de educação, menores abandonados, centros sociais urbanos, programas sociais com trabalhadores rurais, com velhos, entre outros. Algumas empresas e autarquias, principalmente ligadas a clientelas amplas e definidas, também tem formado equipes interprofissionais para o contato com o público e manutenção de iniciativas comunitárias. O desenvolvimento de comunidade a partir do Estado ou de instituições paraestatais exige cuida- dos muito especiais — devido aos mecanismos de integração e limitação do caminho dos movimentos sociais — no sentido de manter sua autonomia. Um terceiro campo de atuacão do psicólogo comunitário são os próprios movimentos sociais. Aqui são desenvolvidas as práticas mais coerentes com os interesses populares, na medida que há maior participação e controle da comunidade sobre todas as iniciativas. Por outro lado, dado que os recursos económicos nas nossas sociedades estão concentrados nas empresas e no Estado, a maioria desses projetos conta apenas com a colabo- ração voluntária ou com o trabalho insatisfatoria- mente remunerado de psicólogos e de outros profissionais. Mesmo assim, a meu ver, as possibi- lidades de trabalho estão crescendo enormemente hoje, no Brasil. Nessa área, a gama de atividades possíveis é enorme. Podemos começar pelos sindicatos de trabalhadores. Como, no Brasil, estes são obrigados 52 Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária 53 pela legislação em vigor a manter serviços assísten- ciais, incluindo serviços de saúdef há possibilidades concretas de montagem de serviços de saúde mental mais apropriados aos interesses dos traba- lhadores. Há, inclusive, a alternativa de projetos intersindicais, quando vários sindicatos mantêm serviços comuns. Este tipo de trabalho permite não só acesso de serviços de saúde mental aos trabalhadores individualmente, com sua família ou em pequenos grupos, como também permite ao psicólogo conhecer, através do estudo de casos, as condições de trabalho dentro das empresas e sua interferência sobre a saúde mental. Assim, a Psicologia, da mesma forma que faz a Medicina do Trabalho quando assumida por profissionais comprometidos com os trabalhadores, estará possibilitada a assessorar o sindicato no entendimento das estratégias das empresas na área de processo de trabalho e desenvolvimento de recursos humanos. Isto possibilita colocar a saúde mental como questão a ser incluída nas pautas de reivindicações, nas negociações entre trabalhadores e patrões. Além disso, a criação desses serviços permite-nos ir gradativa mente conhecendo a realidade psicossocial específica dos trabalhadores, o aue é de grande importância para a Psicologia, como também para as entidades populares em gera!. Outra possibilidade concreta de trabalho para o psicólogo comunitário está nas comunidades eclesiaís de base e nas atividades pastorais em geral, principalmente nas Igrejas identificadas com os pobres e oprimidos. Normalmente incluem grupos de jovens, círculos bíblicos e grupos de reflexão e cursos para casais, pastorais específicas para doentes, velhos e crianças, pastoral operária, etc. Tais atividades já assumem por si mesmas grande importância para a saúde mental dos setores populares, porque incluem vários temas fundamentais ligados à sua vida social e emocional. Na verdade, a participação junto às bases eclesiais populares engajadas e aos movimentos sociais populares constitui uma verdadeira escola para se conhecer e se comprometer com a realidade social e existencial do povo. O psicólogo que atua organicamente junto a estes movimentos não só aprende, como também coloca à disposição das ciasses populares os conhecimentos e técnicas já sintetizados pela Psicologia oficial. Acredito que essa co-apreridizagem pode ser bastante rica e frutífera. Junto às associações de bairro e movimentos comunitários de base residencial, existe também um campo enorme de trabalho. Por um lado, c vida associativa, as formas de solidariedade, as atividades comuns de lazer, esporte e cultura já constituem, por si mesmas, estratégias de promo- ção da saúde menta1. É tarefa nossa incentivá-tas e conhecê-las. Em segundo lugar, os movimentos de bairros vão se apropriando de iniciativas autó- nomas em saúde, ou buscando gerir ou controlar 54 Eduardo Mourão Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária 55 os postos e serviços de saúde estatais ali locali- zados. Cabe à Psicologia Comunitária acompanhar esse processo, assessorando as iniciativas ou servi- ços em saúde mental. Isso vem acontecendo principalmente nos acompanhamentos da escola pública nos bairros, na gestão de creches públicas ou comunitárias, ou nas aíividades de saúde mental desenvolvidas a partir dos postos médicos. Os movimentos femininos e feministas, com seus grupos do tipo clube de mães, associações de donas-de-casa e outros, também têm reivindicado explícita ou implicitamente a presença do trabalho da Psicologia Comunitária. Iniciativas tais como creches comunitárias, grupos de reflexão, monta- gem de serviços materno-infantis, de serviços de atendimento de urgência específicos para mulheres são um enorme campo de co-aprendizagem e atuação para os psicólogos. Aqui talvez seja a área que demande mais claramente uma presença específica da Psicologia na assessoria das atividades e na co-produção de material de reflexão e dis- cussão sobre saúde mental da mulher, sexualidade, vida conjugal, educação de filhos, etc. Também os partidos políticos e a atuação político-parlamentar constituem um carnpo aberto à atuação dos psicólogos comunitários. Cabe também a nós, por exemplo, colaborar no levan- tamento de dados, na análise de temas e na elabo- ração de programas e projetos de lei que tenham alguma ligação com a saúde mental. Também J podemos colaborar no estudo psicossocial do comportamento da população nos processos eleitorais e de mobilização social. A discussão de problemas e a elaboração de projetos urbanísticos e ambientais deve contar também com a nossa presença. Um desafio para a Psicologia Comunitária são os movimentos e grupos negros. Os grupos de militância, as escolas de samba, os grupos de capoeira, de dança afro e os grupos religiosos desenvolvem atividades não só voltadas à luta contra a discriminação presente na sociedade atual, mas também no sentido de reforçar a identi- dade étnica, cultural e religiosa do negro. Isso tem muito a ver com a promoção da saúde mental. Os rituais mágico-religiosos como a umbanda, o candomblé e outros, constituem verdadeiras estratégias terapêuticas autónomas. Creio que apesar de contraditórios, em muitos casos, são mais eficazes que as técnicas sofisticadas e caras da Psicologia académica, que manipulaum código cultural muito estranho à realidade popular. Aqui, acredito que a atitude da Psicologia Comu- nitária deve ser muito mais de escuta, acompanha- mento e pesquisa, respeitando profundamente a autonomia negra. Em todos esses movimentos sociais, a Psicologia Comunitária pode contribuir dentro da especifici- dade c je cada um. Entretanto, existe um campo em que ela pode oferecer uma colaboração muito 56 Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária 57 importante, que é comum a todos eles. Toda vivência comunitária envolve, além dos aspectos sociais e políticos, explícitos, uma série de meca- nismos simbólicos, na maioria das vezes inconscien- tes. Como isso ocorre na prática? Nos grupos populares, como em qualquer outro, existem enormes dificuldades em se buscar formas novas de participação, cooperação e solidariedade. Há uma tendência muito forte, nas primeiras atividades, de se reproduzir a apatia, a competição ou as formas participativas e de liderança autori- tárias, centralizadoras, que se conhecem no traba- lho, na família, na escola ou através dos políticos tradicionais. Por que estas formas tradicionais de vivência em grupo resistem tanto à mudança? É porque, além dos mecanismos ideológicos que conscientemente podemos questionar, estas relações também fazem parte de uma estrutura afetíva e emocional incons- ciente. A experiência de conviver com o conflito, com a agressividade e com a busca de autonomia mobiliza sensações de muito medo, ameaça e inse- gurança nos grupos e nas pessoas. É mais fácil, por exemplo, termos um líder comunitário autoritário que assume todas as responsabilidades. Por um lado, ele alimenta os seus anseios de se sentir ídolo e mito para com os liderados; por outro, e ao mesmo tempo, mantém todos na situação de dependência, sem terem de enfrentar o risco de assumir a agressividade para com o líder e de criar e traçar caminhos novos nunca antes percorridos pelas pessoas e pelo grupo. Os dois processos se complementam e solidificam esse tipo de liderança. Assim, a superação gradativa dessas formas mais imaturas e autoritárias de vivência em grupo na comunidade envolve uma aprendizagem difícil e demorada. E aqui temos um dos mais importantes campos de trabalho para a Psicologia Comunitária, qual seja, o de contribuir para a explicação desses mecanismos, possibilitando assim situações nas quais os grupos populares possam assumir e criar novas formas de comportamento social mais democráticas, participativas e solidárias. Da mesma forma, a relação entre o agente externo (os próprios profissionais e os mi l i tantes ern geral) e a comunidade também é atravessada por esses processos simbólicos sutis, que são capazes, inclusive, de bloquear por mu :tn tempo o crescimento de uma atividade comunitária. Por exemplo, uma atuação do tipo vanguardista, em que o agente externo acaba substituindo as pró- prias lideranças da população, pode manter a relação de dependência na comunidade. Então, a atuação dos psicólogos comunitários e outros profissionais junto aos movimentos populares vai depender muito de como é travado e analisado 58 Eduardo Mourão Vasconcelos este contato com eles. Essa é uma questão que merece um debate cuidadoso por parte de todos os agentes de intervenção nas comunidades. As possibilidades desta relação com a comuni- dade dependem também da forma institucional concreta de contato e convivência do profissional com o grupo popular. Aí podemos ver algumas alternativas. Uma delas é a ação não mediada institucionalmente, quando 'o psicólogo e o movi- mento social estabelecem um contato direto entre si. A definição das possibilidades, dos obje- tivos e dos limites da ação do profissional deve ser claramente explicitada junto ao grupo cliente, paia evitar expectativas que mais tarde seriam frustradas. Outras vezes esse relacionamento é estabelecido através de entidades de assessoría às atívidades populares, como as instituições de educação, os centros de pesquisa e documentação, instituições de saúde-, ou mesmo partidos pol í t icos de cunho popular. Não poucas vezes ocorre que estas insti- tuições acabam tentando fazer dos movimentos populares urna "correia de transmissão" de suas ideias e propostas. Definem os objetivos das atividades, e vêem o trabalho comunitário como uma forma de "ganhar" adeptos no meio popular. Tanto o psicólogo como os grupos comunitários devem se precaver para evitar esse tipo de relação, no sentido de que os próprios movimentos sejam donos de si mesmos, garantindo assim a autonomia popular. E se as atividades incluírem um papel O que é Psicologia Comunitária 59 clínico ou uma atuação mais analítica e interpre- tativa por parte do psicólogo, é preciso discutir bem os limites de sua ação como militante ou incentivador direto da mobilização comunitária. E atenção: se essa relação for mediada por instituições públicas ou ligadas a empresas, todo cuidado é pouco. A ação desses órgãos tem objeti- vos muitas vezes contrários aos interesses populares, e a atuação junto aos movimentos sociais pode ser integrativa ou desmobilizadora, apesar das boas intenções do profissional. Para concluir, existe ainda, dentro do quadro de possibilidades de ação da Psicologia Comunitária, um campo que se descortina no Brasil e em vários países do Terceiro Mundo. São os projetos de serviços de saúde mental integrados ao sistema de saúde, com ênfase nos chamados cuidados primá- rios. É disso que pretendo falar melhor no próximo capítulo. O que é Psicologia Comunitária 61 O PSICÓLOGO COMUNITÁRIO COMO PROFISSIONAL DE SAÚDE E SAÚDE MENTAL Entre os especialistas em saúde pública é pratica- mente consenso a existência de uma verdadeira crise da Medicina e dos serviços de saúde. São serviços sofisticados de alto custo, não acessíveis à maior parte da população e incapazes de atender aos problemas mais comuns de saúde do povo. Enquanto isso, as universidades continuam for- mando um enorme contingente de profissionais de saúde que ficarão desempregados. Em termos muito gerais esse é o quadro dos serviços de saúde em boa parte dos países do Terceiro Mundo. Para se contrapor a isso, alguns países, seguidos pela Organização Munc^a. de Saúde (CMS; e pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), vêm sugerindo a montagem de sistemas de saúde hierarquizados e regionalizados. Segundo este modelo, cada bairro urbano ou distrito rural deve ter um pequeno posto de saúde como porta de entrada do sistema. Aí devem se realizar os chamados cuidados primários em saúde, ou seja, ações mais preventivas e educativas com o apoio da comunidade, bem como os primeiros cuidados médicos curativos, mais simplificados e ligados aos problemas mais comuns do povo. Em alguns dos casos, principalmente nas áreas rurais, tais cuidados primários são realizados por auxiliares de saúde, normalmente pejsoas da própria comunidade treinadas e supervisionadas para isso. Nas áreas urbanas a equipe primária é composta também de um médico generalista, enfermeira e eventualmente dentista. Os casos ma i? complexos, que não possam ser resolvidos no nível primário, devem ser remetidos para o atendimento secundário em ambulatórios ou centros de saúde regionais, capazes de fornecer serviços que demandem recursos médicos e equipa- mentos u n: pouco mais sofisticados. O -oistema se fecha então no nível terciário, com os hospitais e centros de reabi itação, aptos a desenvolver os serviços mais complexos. Esse sistema pode ser melhor visualizado no diagrama ap re?entado na Figura l. Esse modelo tem algumas caractfísttcas bóricas. Em primeiro lugar, visa a aumentar o acesso aos serviços de saúde até a completa universalização do 62 Eduardo Mourao Vasconcelos Figura l —O sistema hierarquizado de saúde Rede secundária: ambulatórios de saú- de; especialidades mé- dicasprincipais, psicólo- gos, enfermeira, dentista, assisterue social, etc. .-tfT l Rede primária: postos de saúde em bairros urbanos e distritos rurais: auxiliares de saúde, médico generalista, enfermeira, etc. atendimento. Todo habitante deve ter o seu posto de saúde como referência, com serviços gratuitos. O sistema deve ser prioritariamente estatal, mas instituições privadas podem ser incluídas, desde que integradas organicamente aos diferentes níveis de atendimento. Evita-se assim a duplicação de esforços, quando instituições diferentes concorrem entre si numa mesma área, oferecendo os mesmos serviços. O que é Psicologia Comunitária 63 As escolas de profissionais da saúde também devem ser integradas ao sistema. Estudantes e professores, ao mesmo tempo que aprendem e lecionam a teoria, realizam a prática, prestando serviço à comunidade. Esse modelo busca se adaptará realidade especí- fica de saúde da população cliente. Nesta estratégia, faia-se da simplificação da tecnologia médica, cujo processo não visa ao seu barateamento, com a consequente diminuição da qualidade técnica dos serviços. A simplificação, a meu ver, tem alguns objetivos muito definidos: 1) a adequação ao conjunto de doenças mais prevalentes no meio popular, dada a situação de fome e quadros infecciosos e epidemias típicas das situações de pobreza e de falta de saneamento básico; 2} uma estratégia preventiva em saúde; 3} a compreensibilidade das ações em saúde pela população, permitindo a participação ativa do povo nestas ações; 4} uma luta contra o consumisrro imposto pelas empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos. Esta simplificação, se realizada dentro desses objetivos e adaptada às condições regionais, torna possível uma extensão dos serviços a todo o país. Além disso, busca-se a cobertura de todas as 64 Eduardo Mourao Vasconcelos esferas da saúde e todas as faixas etárias. Ou seja, os serviços devem vísar às condições de vida do povo, seus problemas somáticos, bem como os de ordem psicológica, de forma integrada, e atingindo dos recém-nascidos aos velhinhos. Um outro aspecto interessante é o propósito de se reconhecer a existência das estratégias populares e buscar pesquisá-las e integrá-las ao conjunto de ações de saúde a serem realizadas no nível primário. Além de ser um modelo mais racionalizado, o objetivo é desenvolver serviços de saúde predomi- nantemente preventivos. E nesse momento então fala-se muito em participação comunitária da população na promoção da saúde, como condição indispensável de funcionamento de todo o sistema. Por isso ele é conhecido na literatura especializada como o modelo de saúde comunitária. Há cerca de dez anos, a OMS vem propondo a integração dos cuidados específicos em saúde mental ao sistema de saúde em geral. Ou seja, a saída para a crise da assistência psiquiátrica cen- trada na hospitalização está na descentralização dos sen/iços, que seriam prestados então em todos os níveis de atenção, a começar pelos pequenos postos, em bases também comunitárias. A ava iação mais geral da proposta desse modelo entre os analistas é polémica. Torna-se claro que, do ponto de viste oficial, ele é coerente com uma estratégia de expansão dos serviços de saúde a setores da população considerados marginais O que é Psicologia Comunitária 65 ao processo produtivo mais avançado, e, portanto, tem uma significação sobretudo política. Uma das facetas desta estratégia, entre outras, é o que alguns autores chamam de medicalizar. Quando a Medicina trata a verminose nas periferias de nossas cidades apenas com remédios, ela está medicalizando, pois a cura definitiva para a ver- minose está principalmente em ter ruas calçadas, água tratada e encanada, e boa rede de esgotos. Medicalizar, então, é abordar problemas sociais apenas com soluções médicas paliativas. Outro aspecto do modelo é a tentativa de normalizar as pessoas Através das regras médicas e higiénicas, busca-se que cada um assimile as normas de comportamento pessoal e social mais adequadas à dominação do corpo, dos indivíduos e dos grupos sociais. No entanto, não podemos reduzir a significação do modelo às estratégias dominantes do sistema económico e político. Ele abre espaço e é passível de uma reapropriaçao, ou seja, se garantida uma série de condições económicas, políticas e insti- tucionais, o modelo pode avançar bastante uma aproximação dos serviços de saúde mental aos interesses e condições de vida de nossa população. Alguns aspectos do modelo devem ser particula- rizados quando tratamos da área de saúde mental. Várias vezes, em debates com estudantes e profis- sionais da Psicologia, ouço perguntas sobre se a nossa população precisa efetivamente de nossos 66 Eduardo Mourão Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária cuidados. Na cabeça deles fica a imagem de que o povo se preocupa mesmo é com a sobrevivência imediata, com as condições de vida mais elemen- tares. E associam isso com a constatação de que os trabalhadores não batem à porta de nossos consultórios, ou mesmo se sentem amedrontados quando diante de psicólogos. Dessas constatações tiram a conclusão de que nosso povo ainda não demandou os serviços da Psicologia e de que não temos nada a fazer junto deles. Costumo comparar essa visão com a de um mecânico que só conhece e só dispõe de uma chave para parafusos e porcas de 10 mi)ír-.?iros, e é colocado diante de um motor cujos parafusos têm 16 milímetros. Acaba abandonando o serviço dizendo que ali ele não tem nada a fazer . . . Se o leitor íevar a questão a um médico que tenha boa sensibilidade para aspectos psicológicos de seus pacientes e que trabalhe ern ambulatório de periferia urbana ou área rural, possivelmente ele desmentirá taí visão. Deverá contar os casos de pacientes que reclamavam de vários sintomas orgânicos imprecisos e incoerentes entre si. E que, na medida que se incentive que falem sobre sua vida de fcxma mais livre, acabam explicitando as verdadeiras razões que os trazem ali: a vida infeliz, cansativa, vida conjugal extremamente pobre e opressiva, principalmente as mulheres , . . O que quero dizer é que a demande por cuidados específicos de saúde mental emergem implicita- mente, sendo uma de suas formas de expressão o pedido de cuidados médicos. E não é difícil enten- der as razões para que isto ocorra: a demanda nunca é formulada unilateralmente, ou seja, o povo sabe que o único profissional acessível é o médico, e este apenas lê a linguagem do corpo, do orgânico, e tenderá a resolver o problema com uma receita. Isso se encaixa bem com o desejo mais comum de resolver magicamente as ansiedades e dificuldades emocionais, sem confrontá-las aber- tamente. A própria formação cultural popular tende a associar os fenómenos psicológicos aos "problemas de nervo", em uma abordagem bioló- gica mítica, ou a fenómenos mágico-religiosos. Assim, o ritual de atendimento médico massifi- cado, com um mínimo de 16 consultas por um período sempre menor do que quatro horas de trabalho (padrão-base proposto pela próoria OMS) acaba medicalizando e entorpecendo os oroblemas sociais e psicológicos de nossa população. A 'ntegração de serviços adequados de saúde menta! cos cuidados médicos básicos pode significar uma quebra desse ciclo, e permitir a explicitaçao da demanda por cuidados em Psicologia antes da manifestação aguda dos quadros que justificariam a internação psiquiátrica. idealmente, esse atendimento em saúde mental, na medida que feito mais próximo ao loca! de moradia da população, permite uma abordagem mais abrangente, tendo como base toda a família 68 Eduardo Mourão Vasconcelos e mesmo a realidade social e comunitária do bairro. Ademais, por ter uma clientela fixa, permite um atendimento mais personalizado. Além de possibilitar o diagnóstico e o trata- mento mais precoce da "doença", o modelo
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