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1 FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Eletrocardiograma Variabilidade da frequência cardíaca Determinação do eixo elétrico ventricular Prof. Dr. Miguel Arcanjo Areas Depto. Biologia Estrutural e Funcional – IB – Unicamp ____________________________________________________________________________________ Material de apoio didático desenvolvido com o único objetivo de destacar conceitos que serão utilizados exclusivamente nas aulas teóricas e práticas sobre eletrocardiografia. Não substitui a literatura recomendada pela disciplina. Partes do texto e das figuras utilizadas foram obtidas da bibliografia que consta no final desta compilação. 2 Índice I. ECG – histórico 03 II. ECG- equipamento 06 III. Eletrofisiologia 06 III.1. Potencial de ação em células marca passo 06 III.2. Excitação cardíaca e ECG 09 III.3. Potencial de ação em cardiomiócitos 10 IV. Função cardíaca 11 IV.1. ECG e ciclo cardíaco 12 IV.2. Débito cardíaco 13 IV.2.1. Fatores que afetam o débito cardíaco 16 IV.2.2. Pressão arterial 17 IV.2.2.1. Controle da pressão arterial 19 V. Arritmias e função cardíaca 22 V.1. Substâncias antiarrítmicas 22 VI. Receptores cardiovasculares 24 VI.1. Receptores adrenérgicos 24 VI.2. Receptores colinérgicos 29 VII. Sistema nervoso autônomo 30 VIII. Variabilidade da frequência cardíaca (VFC) 31 IX. ECG normal 38 X. Derivações eletrocardiográficas 40 XI. Determinação matemática das derivações do ECG 43 XII. O Sistema Hexaxial 46 XIII. Determinação do eixo elétrico ventricular 49 XIV. Exercícios e exemplos 52 XV. Hipertrofia ventricular esquerda 55 XVI. Exemplos de alterações no ECG 57 XVI.1. Isquemia mocárdica 57 XVI.2. Taquicardia sinusal 57 XVI.3. Bradicardia sinusal 58 XVI.4. Bloqueio atrioventricular 58 XVI.5. Síndrome do QT longo 60 XVI.6. Fibrilação ventricular 61 XVII. Bibliografia 63 3 ELETROCARDIOGRAMA Prof. Dr. Miguel Arcanjo Areas Depto. Biologia Estrutural e Funcional – IB – Unicamp ____________________________________________________________________________________ I. Histórico Segundo o artigo “Breve história da eletrocardiografia” (Giffoni e Torres; ver bibliografia), a invenção do eletrocardiógrafo, em 1902, pelo fisiologista holandês Willem Einthoven, contribuiu para inaugurar uma nova era na Medicina (figura1). De todos os estudiosos da eletrocardiografia, os cientistas Willem Einthoven, Thomas Lewis e Frank N. Wilson destacaram-se nesse campo. Einthoven aplicou conceitos da eletrofisiologia e da tecnologia de sua época na elaboração do galvanômetro de corda, instrumento que permitiu o primeiro registro eletrocardiográfico sem a necessidade de correção matemática (figura 3). Thomas Lewis dedicou-se à compreensão das arritmias, enquanto Wilson introduziu as derivações unipolares. Figura 1. Willem Einthoven, prêmio Nobel em Fisiologia – Medicina (1924). Eletrocardiógrafo - Cambridge Scientific Instrument of London, 1911. O aparelho de Einthoven pesava cerca de 270 kg e estava localizado no laboratório da universidade de Leyden (Holanda), quase a 1,5 km do hospital universitário, necessitando cinco pessoas para colocá-lo em funcionamento (figura 1). Para registrar os eletrocardiogramas dos pacientes internados, Einthoven conectou seu equipamento à linha telefônica transmitindo, assim, os impulsos elétricos dos pacientes do hospital até seu laboratório. Em 22 de março de 1905, foi realizado o primeiro teleeletrocardiograma. Einthoven 4 também conectou um microfone ao tórax dos pacientes, realizando, além disso, o primeiro telefonocardiograma. Em 1913, Einthoven introduziu o conceito de vetor cardíaco e seu uso clínico na distinção entre hipertrofias, inaugurando a vetocardiografia, como veremos adiante. Em 1924, ganhou o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina pelo desenvolvimento do galvanômetro de corda e suas aplicações. . Em 1931, Frank N. Wilson descreveu a derivação unipolar, provando matematicamente a possibilidade do registro da atividade elétrica do coração em qualquer parte do corpo. Em 1938, a American Heart Association e a Cardiac Society of Great Britain padronizaram a disposição dos eletrodos das derivações precordiais (V1 a V6). Assim, as 12 derivações eletrocardiográficas que atualmente são empregadas foram estabelecidas graças às contribuições de Einthoven, Wilson e Emanuel Goldberger, o qual, em 1942, introduziu as derivações aumentadas aVR, aVL e aVF, a partir das derivações unipolares originais de Wilson, VR,VL e VF. Figura 3. Registro obtido pelo eletrômetro capilar de Lippman (A), correção matemática realizada por Einthoven (B), registro através do galvanômetro de corda (C) e registro atual (D). A tecnologia dos computadores criou novos sistemas de captação de sinais e de avaliação de algoritmos, aumentando a dimensão do uso do eletrocardiograma. Assim, as análises de variabilidade da freqüência cardíaca, potenciais tardios, dispersão do QT e alternância da onda T constituem-se em novos marcadores de doença cardíaca (figura 4). D C B A 5 Figura 4. ECG computadorizado PowerLab (ADinstruments) utilizado no Laboratório de Eletrocardiografia e Hemodinâmica – Depto. Biologia Estrutural e Funcional (DBEF) IB – Unicamp. A eletrocardiografia, entretanto, apresenta limitações, tais como dificuldade em reconhecer intervalos e voltagens de baixa amplitude, dependência da análise dedutiva, probabilidade de diagnósticos múltiplos e probabilidade de resultados falso-positivos em indivíduos sadios. Apesar disso, a eletrocardiografia pode diagnosticar alterações patogênicas antes que ocorram mudanças estruturais observadas por outros métodos diagnósticos, constituindo-se em importante passo inicial para o estabelecimento de condutas. De fato, o ECG é capaz de detectar alterações primárias ou secundárias aos processos do miocárdio, como nos casos de doenças das artérias coronárias, hipertensão arterial, cardiomiopatias, doenças metabólicas e alterações eletrolíticas, além dos efeitos tóxicos ou terapêuticos de drogas e próteses (figura 5). Figura 5. Aplicações da eletrocardiografia. 6 II. Equipamento O eletrocardiógrafo é um galvanômetro (aparelho que mede a diferença de potencial entre dois pontos) que mede pequenas intensidades de corrente que recolhe a partir de dois eletrodos (placas de metal conectadas a um fio condutor) dispostos em determinados pontos do corpo humano. O papel ou software de registro é quadriculado e dividido em quadrados pequenos de 1mm. Cada grupo de cinco quadradinhos na horizontal e na vertical compreende um quadrado maior (linha mais acentuada). No eixo horizontal, marca-se o tempo. O registro é realizado em uma velocidade de 25 mm/seg., com cada quadradinho equivalendo a 0,04seg. Portanto, cinco quadradinhos (um quadrado maior) equivalem a 0,2 seg. No eixo vertical, marca-se a voltagem. Cada quadradinho equivale a 0,1 mV, portanto 10 quadradinhos equivalem a 1mV (figura 6). Figura 6. Eletrocardiógrafo epapel de inscrição. III. Eletrofisiologia. III.1. Potencial de ação em células marcapasso. A célula miocárdica em repouso possui alta concentração de potássio e baixa concentração de sódio intracelular, apresentando-se negativa em relação ao meio externo. Na despolarização, ocorrem trocas iônicas tornando as células progressivamente positivas, enquanto que o meio extracelular ficará gradativamente negativo. A repolarização fará com que a célula volte às condições de repouso. Uma onda progressiva de despolarização pode ser considerada como um fluxo de cargas positivas, podendo ser captada por eletrodos posicionados na superfície corporal. Quando essa onda despolarizante move-se em direção a um eletrodo positivo, registra-se no ECG uma deflexão positiva, ou seja, acima da linha de base do registro eletrocardiográfico. Por outro lado, quando a onda tiver sentido 7 contrário, ou seja, quando a onda de despolarização afasta-se do eletrodo positivo, tem-se uma deflexão negativa no ECG. Quando não ocorre nenhuma atividade elétrica, a linha permanece isoelétrica, ou seja, inalterada (figura 7). Figura 7. Deflexão positiva e negativa, segundo convenção. A origem do estimulo de despolarização cardíaca inicia-se no nó (nodo) sinusal localizado no átrio direito. O entendimento dos mecanismos que geram a despolarização espontânea da membrana celular de células cardíacas, seja das células do nó sinusal, as células das fibras de Purkinje no feixe de His, é de fundamental importância, pois é a despolarização espontânea durante a fase 4 do potencial de ação que permite que essas células funcionem como um marcapasso natural do coração. É por essa via que o sistema nervoso autônomo atua na regulação da freqüência cardíaca. A despolarização celular do nó sinusal é voltagem dependente, acontecendo na fase I da despolarização da membrana, ao atingir o limiar de despolarização (- 60 mV) momento em que se abrem canais de cálcio. As fases II e III da repolarização são decorrentes da ativação de vários canais, basicamente com a saída de potássio para o meio extracelular, fazendo com que o potencial de membrana retorne ao seu gradiente eletroquímico de repouso (figura 8). Figura 8. Potencial de ação nó sinusal. A corrente de despolarização depende da entrada de cálcio. Na fase 4, há progressiva redução da ddp até atingir o limiar (-50 mV), quando ocorre a despolarização. If – fase 4 Ca fase 0 fase 3 8 Observa-se que na fase 4, ocorre um progressivo e lento aumento do valor do potencial de membrana da célula marcapasso. É a corrente funny (If) dependente de canais iônicos funny (não usuais), a qual se caracteriza pela entrada de íons Na+ e K+ durante o final hiperpolarização. Essa corrente iônica é responsável pelo evento espontâneo da instabilidade do potencial de membrana e sua periódica elevação até atingir o limiar de excitabilidade e a consequente ativação de canais de cálcio permitindo, assim, o influxo despolarizante desse íon (figura 8). Além disso, os canais funny, além da voltagem (-40/-50 mV), podem também ser ativados por nucleotídeos cíclicos. Assim, moléculas de monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) estão ligadas diretamente aos canais funny aumentando seu período de abertura. Essa dependência do AMPc implica em relevante propriedade fisiológica, uma vez que é dessa forma que ocorre a atuação da atividade autonômica simpática e parassimpática sobre os canais funny modulando, consequentemente, a frequência cardíaca. Dessa forma, a estimulação de receptores beta-1 aumenta a intensidade da corrente If enquanto a estimulação vasovagal, através dos terminais colinérgicos muscarínicos, a diminui (figura 9). Figura 9. Efeito da estimulação simpática (isoproterenol) e parassimpática (acetilcolina) sobre a corrente funny (If). Observe que o que muda é somente a fase IV da despolarização espontânea, sem que ocorra qualquer outra alteração na curva. IV 9 A figura 10 mostra as ondas, segmentos e intervalos do registro eletrocardiográfico. Figura 10. Medidas de parâmetros eletrocardiográficos. III.2. Excitação cardíaca e ECG. Assim, quando o impulso elétrico se difunde em ambos os átrios, de forma concêntrica, em todas as direções, produz a onda P no ECG e, à medida que essa onda de despolarização passa através dos átrios, promove a contração dos mesmos. A seguir, a onda de despolarização dirige-se ao nodo atrioventricular (AV), onde ocorre um retardo de 0,1 segundo, permitindo que se complete o enchimento ventricular. Este intervalo é representado pelo segmento P-R. Após, o nódulo AV retransmite o impulso para os ventrículos, através do “feixe de His” localizado no septo ventricular (ramos direito e esquerdo), e das “fibras de Purkinje” presentes no ápice e na base ventricular, tendo como conseqüência a contração dos ventrículos. A despolarização ventricular resulta, portanto, em três ondas denominadas de “complexo QRS”, decorrentes da despolarização do septo, do ápice e dá base ventricular, respectivamente. Existe uma pausa após o complexo QRS (segmento ST) durante o qual ocorre a sístole ventricular. Após essa pausa, ocorre a repolarização do ventrículo originando a onda T e, consequentemente, a diástole ventricular. A repolarização ventricular se dá do epicárdio para o endocárdio, contrariamente ao sentido da despolarização, gerando uma onda T assimétrica porque a região do ventrículo que está repolarizando inicialmente é o epicárdio que acabou de despolarizar. A onda T é sempre positiva, sendo que sua inversão 10 (negativa) é sinal de processo isquêmico cardíaco, devido à inversão do sentido da repolarização. A repolarização atrial não é registrada pelo ECG, pois acontece simultaneamente à despolarização ventricular, sendo mascarada por este evento elétrico de maior voltagem. Intervalo QT é o período que compreende toda a atividade elétrica ventricular (despolarização e repolarização), o qual pode ser corrigido pela frequência cardíaca, segundo a fórmula de Bazett (QTc = QT/√RR). A figura 11 relaciona os potenciais de ação verificados em diferentes regiões marca passo e musculares do coração com o registro dos eventos eletrocardiográficos. Figura 11. Eletrocardiograma e potenciais de ação em células marcapasso e musculares cardíacas. III.3. Potencial de ação em cardiomiócitos. A figura 12 apresenta os fluxos iônicos responsáveis pelo potencial de ação das células musculares cardíacas, observando-se o platô nos miócitos ventriculares (inexistente nas células marca passo). Diferentes potenciais de ação em diferentes regiões do coração refletem a expressão de diferentes canais iônicos, particularmente os de Na+, K+ e Ca++ proporcionando diferentes sensibilidades para substâncias antiarrítmicas. 11 . Figura 12. Potencial de ação no miócito ventricular, fluxos iônicos e locais de atuação de substâncias antiarrítmicas. IV. Função cardíaca. As arritmias podem ser resultantes de uma alteração na formação do impulso elétrico, ou na sua condução, ou ainda, uma combinação desses dois eventos. Tais fatos podem comprometer propriedades cardíacas fundamentais: a) Cronotropismo: frequência cardíaca (batimentos por minuto) b) Batmotropismo (excitabilidade): capacidade que tem o miocárdio dereagir quando estimulado, reação que se estende por todo o órgão; c) Dromotropismo (condutibilidade): condução da ativação elétrica por todo o miocárdio, numa sequência sistematicamente estabelecida; d) Inotropismo (contratilidade): é a propriedade que tem o coração de se contrair ativamente como um todo (sincício); e) Lusinotropismo (distensibilidade): capacidade de relaxamento global do coração, uma vez cessada sua contração. Corresponde à fase de relaxamento diastólico. Tais fatos podem prejudicar o sincronismo dos eventos do ciclo cardíaco alterando, assim, o débito cardíaco e, consequentemente, a pressão arterial. 12 IV.1. ECG e Ciclo Cardíaco Considerando o traçado do ECG do ciclo cardíaco (figura 13) acima se pode afirmar que: 1. Aproximadamente, 80% do enchimento ventricular ocorrem de forma passiva, ou seja, após a onda T e antes da onda P, período que, didaticamente, pode ser definido como segmento TP do ECG. 2. A sístole atrial ocorre durante o segmento PQ. 3. O primeiro ruído cardíaco (“tum”) ocorre durante o segmento ST, imediatamente após o complexo QRS do ECG. 4. A sístole ventricular ocorre durante o segmento ST do ECG. 5. O segundo ruído cardíaco (“tá”) ocorre durante o segmento TP, imediatamente após a onda T do ECG. 6. A sístole atrial ocorre imediatamente após a onda P do ECG. 7. A contração isovolumétrica dos ventrículos ocorre concomitante ao complexo QRS precedendo o segmento ST do ECG. 8. A abertura das valvas AV ocorre imediatamente após a onda T do ECG. 9. A despolarização e a repolarização ventricular ocorrem durante o intervalo QT do ECG. 10. O relaxamento isovolumétrico ocorre durante a metade final da onda T, concomitante ao 2⁰ ruído cardíaco. 13 IV.2. Débito cardíaco Débito cardíaco (DC) é o volume de sangue bombeado por cada ventrículo em um minuto, sendo diretamente relacionado à frequência cardíaca (FC) e ao volume sistólico (VS). Frequência cardíaca é o número de vezes que o coração bate em um minuto. O coração de um homem adulto em repouso tem uma frequência média de 75 batimentos por minuto (bpm). O volume sistólico (VS), ou volume de ejeção, é o volume de sangue bombeado por cada ventrículo em cada batimento cardíaco. Um homem adulto em repouso apresenta um volume sistólico médio de 70 mL. Observando-se a curva do volume ventricular da figura anterior (ciclo cardíaco), verifica-se que o volume sistólico é a diferença entre o volume diastólico final (VDF) e o volume sistólico final (VSF). Notar que são valores médios, podendo apresentar variações dependendo da referência consultada. Aplicando-se a fórmula para débito cardíaco: Portanto, em um minuto, o coração bombeou praticamente todo o volume sanguíneo de um homem adulto em repouso. A FC de repouso varia em média de 60 a 80 bpm sendo influenciada pela idade, condicionamento físico e condições ambientais. A FC de repouso sofre reduções com o avançar da idade, é menor em indivíduos melhor condicionados aerobiamente e é aumentada em ambientes com temperaturas e altitudes elevadas. Antes mesmo de iniciar uma sessão de exercícios físicos, a FC pré-exercício já se eleva para níveis mais altos do que os de repouso, devido à resposta antecipatória ou pré alimentação. Esta resposta é mediada pelo sistema nervoso simpático e por uma diminuição no tônus parassimpático. DC = FC x VS VS = VDF - VSF 70 mL = 120 mL - 50 mL DC = FC x VS DC = 75 x 70 DC = 5,25 L/min 14 A FC aumenta diretamente com o aumento da intensidade do esforço, até que o indivíduo esteja próximo dos limites da exaustão. À medida que esses limites se aproximam, a FC tende a estabilizar, indicando o valor para FC máxima. A FC máx permanece praticamente constante, variando ligeiramente a cada ano. A FC máx. pode ser estimada tendo-se como base a idade do indivíduo, uma vez que a mesma decresce de maneira estável (cerca de 1bpm a cada ano) a partir dos 10 ou15 anos de idade. A FC máx. pode ser estimada utilizando a seguinte equação: FC máx. = 220 – idade (em anos). O volume de ejeção (volume sistólico) também se modifica durante o exercício, de modo a permitir que o coração trabalhe de forma mais eficiente. O volume de ejeção é determinado por quatro fatores: o volume de sangue venoso que retorna ao coração, a distensibilidade ventricular, a contratilidade ventricular e a pressão nas artérias aorta ou pulmonar. Pode-se considerar que os dois primeiros fatores determinam a capacidade de enchimento do ventrículo, e os dois últimos fatores influenciam a capacidade de esvaziamento do ventrículo, determinando a força com a qual o sangue é ejetado e a pressão contra a qual este deve fluir nas artérias. Estes quatro fatores controlam diretamente a resposta do volume de ejeção à intensidade de esforço durante o exercício O volume de ejeção aumenta para valores superiores aos de repouso durante o exercício, proporcionalmente ao aumento da intensidade do exercício. Entretanto, quando a intensidade de esforço se encontra na faixa entre 40 a 60% da capacidade individual máxima, o volume de ejeção sistólico tende a se estabilizar. O volume de ejeção é controlado por dois mecanismos fisiológicos. O primeiro, intrínseco ao miocárdio, requer que haja um aumento no enchimento cardíaco, o que resultaria em uma maior força de contração. O segundo mecanismo está sob influência neurohormonal, envolvendo um enchimento ventricular normal, porém acompanhado por uma maior força de ejeção, gerando um maior esvaziamento cardíaco. Assim, durante a prática de atividade física atletas podem apresentar débito cardíaco de 20 a 30 L/min, por exemplo, graças ao aumento do volume sistólico e/ou da frequência cardíaca. 15 A prática frequente de atividade física pode levar a adaptações cardíacas, dependendo do tipo, intensidade, duração e frequência do exercício desenvolvido. Nos exercícios aeróbicos, como a corrida, por exemplo, a sobrecarga sobre o coração é predominantemente volumétrica. O débito cardíaco pode aumentar em até oito vezes no esforço máximo, com elevação modesta da pressão arterial sistólica. Como consequência, são registrados aumentos dos diâmetros do ventrículo esquerdo (VE), com pouco aumento da espessura das câmaras ventriculares. Nos exercícios isométricos, como no halterofilismo, a sobrecarga cardíaca é essencialmente pressórica. São observadas grandes elevações das pressões arteriais e a adaptação decorrente é um aumento significativo da espessura ventricular, com pouco ou nenhum incremento dos diâmetros das câmaras cardíacas (ver hipertrofia ventricular esquerda). Lei de Frank-Starling. Qualquer fator que aumente o retorno venoso ou que diminua a frequência cardíaca leva a um maior enchimento do ventrículo durante a fase diastólica do ciclo cardíaco. Este aumento no volume diastólico final distende as fibras do miocárdio, desencadeando uma ejeção mais potente durante a sístole ventricular. Desta maneira, o volume de ejeção normal é ejetado, juntamente com o volume adicional de sangue que entrou nos ventrículos e distendeu o miocárdio. Isto é explicado pela lei de Frank-Starling, a qual estabelece que o principal fator controlador do volume de ejeção é o nível de distensibilidade do ventrículo. Quanto maior for a distensão das fibras do ventrículo, maior será a força de contração do mesmo. Entretanto, se a contratilidade do ventrículofor maior, o volume de ejeção pode também aumentar sem que haja um aumento no volume diastólico final. Existem sugestões de que em intensidades mais baixas de exercício, o principal mecanismo de aumento do volume de ejeção seja o de Frank-Starling e, que em intensidades mais elevadas, este aumento ocorre fundamentalmente em função de uma maior contratilidade ventricular, a qual pode ser indicada por uma diminuição do volume sistólico final no ventrículo esquerdo, representando um maior esvaziamento cardíaco. 16 IV.2.1. Fatores que afetam o débito cardíaco continua………… 17 Figura 14. Fatores que afetam o débito cardíaco: mecanismos de autorregulação. IV.2.2. Pressão arterial É a pressão exercida pelo sangue contra a superfície interna das artérias. É diretamente proporcional ao débito cardíaco e à resistência periférica: Substituindo-se o débito cardíaco pelos fatores que o determinam tem- se: Assim, a pressão arterial é determinada pela frequência cardíaca multiplicada pelo volume sistólico e pela resistência periférica. A figura 15 apresenta os valores da pressão arterial nos diversos tipos de vasos que constituem o sistema circulatório. PA = DC x RP PA = FC x VS x RP 18 Figura 15. Valores da pressão arterial no sistema circulatório. Artérias: conduzem sangue sob alta pressão; paredes espessas ricas em elastina. Arteríolas: apresentam grande resistência ao fluxo; ricas em músculo liso intensamente inervado pelo sistema nervoso simpático. Capilares: maior área de secção; fluxo sanguíneo sob baixa pressão; paredes finas permite troca de gases e nutrientes. Vênulas: drenam o sangue dos capilares. Veias: Transportam sangue para o coração sob baixa pressão. O fluxo sanguíneo no interior dos vasos é do tipo laminar, ou seja, a velocidade do fluxo é máxima no centro do vaso e mínima junto à parede vascular. Velocidade (V = cm/seg) do fluxo é diretamente proporcional ao fluxo (Q = mL/min) e inversamente proporcional à área de secção (A = cm2) dos vasos. Fluxo sanguíneo (Q) é diretamente proporcional ao gradiente de pressão (Δ P = pressão arterial média – pressão átrio direito) e inversamente proporcional à resistência periférica (R = mmHg/mL). Resistência (R) é diretamente proporcional à viscosidade do sangue (ƞ) e ao comprimento do vaso (І) e inversamente proporcional ao raio do vaso (r): V = Q / A Q = Δ P / R R = 8 ƞ І / π r4 19 As pressões no sistema circulatório podem ser classificadas como: a) Sistólica: pressão arterial mais elevada durante o ciclo cardíaco; b) Diastólica: pressão arterial mais baixa durante o ciclo cardíaco; c) Pressão de Pulso: é a diferença entre pressão sistólica e diastólica; d) Pressão arterial média: pressão diastólica + 1/3 da pressão de pulso. Pressão arterial média é a média da pressão durante todo o ciclo cardíaco, sendo a mais importante em relação à perfusão tecidual. Ela é exatamente definida através da medida direta da pressão, sendo determinada pelo cálculo da área (que representa a integral matemática) sob a curva da pressão arterial. Pode ser calculada, grosseiramente, pela fórmula: Figura 16. Medida direta da pressão arterial média. IV.2.2.1. Controle da Pressão Arterial Figura 17. Fatores que elevam ou reduzem a pressão arterial. PAM = D + 1/3 (S-D) Valores normais = 70 à 105 mmHg 20 Figura 18. Participação temporal de fatores controladores da pressão arterial Figura 19. Controle integrado da pressão arterial e frequência respiratória. 21 Figura 20. Variações da pressão arterial (PA) e da frequência respiratória (FR) após os seguintes procedimentos experimentais: a) registro normal; b) administração de adrenalina (adr); c) administração de acetilcolina (ach); d) oclusão das carótidas; e) estimulação do nervo femoral com baixa (1) e alta (2) intensidade; f) secção dos nervos vagos; g) estímulo do segmento central do vago seccionado; h) estímulo do segmento distal do vago seccionado. Obs: seta indica momento do início dos procedimentos. Explicar os resultados integrados da pressão arterial e frequência respiratória, utilizando o mecanismo integrado de controle da pressão e respiração (figura 19). PA FR Explicação Adr Ach oclusão carótidas nervo femoral 1 nervo femoral 2 secção vagos vago central vago distal 22 V. Arritmias e função cardíaca. A geração anormal do impulso pode ocorrer no nó sinusal ou em focos ectópicos. Automaticidade se refere à despolarização anormal dos átrios ou ventrículos nos períodos em que o potencial de ação normalmente se encontra na repolarização (fases 2 ou 3) ou no repouso (fase 4). Alguns eventos constituem-se num gatilho para alterações no ritmo e na condução cardíaca, como, por exemplo, prolongamento do intervalo QT, hipopotassemia, mutações nos canais de K+ levando ao prolongamento do período de repolarização, aumento da atividade do sistema nervoso simpático, hipomagnesemia, catecolaminas, digoxina, hipoxemia e dilatação de átrios e ventrículos, tornam as células cardíacas mais sensíveis ao desenvolvimento de arritmias. Além da geração anormal dos impulsos, pode ocorrer a condução anormal (reentrada). Três condições devem estar presentes para que ocorra reentrada: 1) existência de duas vias de condução; 2) o bloqueio unidirecional de uma das vias impedindo a propagação do impulso, mas permitindo a condução retrógrada; 3) a redução da velocidade do impulso em uma das vias. A reentrada implica na existência de um movimento não fisiológico dos impulsos elétricos em torno de um loop funcional ou anatômico, que ocorre, por exemplo, na síndrome de síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW). Isquemia também predispõe à taquicardia por reentrada. V.1. Substâncias antiarrítmicas. Fármacos que impedem a reentrada o fazem por meio de dois mecanismos: a) supressão da corrente responsável pela fase zero do potencial de ação bloqueando a condução na via da reentrada; b) prolongamento do potencial de ação (bloqueio de canais de potássio), prolongando o período refratário nas células que apresentarem circuito de reentrada. A classificação de Singh-Vaughn Williams, quadro abaixo, considera como antiarrítmicas substâncias que alteram direta ou indiretamente o fluxo de um ou mais dos íons responsáveis pela função das células cardíacas excitáveis e musculares (Na+, K+ e Ca++ ). 23 Substâncias antiarritmicas (classificação de Singh-Vaughn Williams). A figura 21 apresenta as alterações na morfologia e na frequência dos potenciais de ação das células musculares ventriculares decorrentes da ação de algumas substâncias antiarrítmicas em canais de Na+, K+ e Ca++. Figura 21. Ação de substâncias antiarrítmicas em cardiomiócitos ventriculares.Classe Mecanismo de Ação Efeito iônico Efeitos principais I (a; b; c) bloqueadores gNa + quinidina; lidocaína ↓ componente rápido do PA prolonga a despolarização prolonga a repolarização II ß-bloqueadores propranolol ↓ função simpática (nor-adr) cronotropismo – inotropismo - III bloqueadores gK + amiodarona ↑ duração do PA cardíaco prolonga a repolarização IV bloqueadores gCa ++ verapamil ↓ componente lento do PA diminui condução AV aumenta intervalo PR relaxa músculo liso arteriolar inotropismo - V Digitálicos digoxina Inibe ATP-ase Na + /K + Aumenta influxo Ca ++ cronotropismo – inotropismo + 24 VI. Receptores cardiovasculares VI.1. Receptores adrenérgicos (sistema nervoso simpático). O sistema nervoso simpático desempenha um importante papel no controle da pressão arterial, especialmente em situações patológicas como na hipertensão arterial. O músculo liso vascular é inervado por fibras nervosas do sistema autônomo simpático e os neurotransmissores liberados desses terminais nervosos (noradrenalina) podem afetar as funções do músculo liso vascular. A principal classificação farmacológica subdivide os receptores adrenérgicos nos subtipos α e ß, baseados originalmente na ordem de potência dos agonistas e posteriormente, em antagonistas seletivos. Existem dois subtipos principais de receptores α-adrenérgicos (α1, α2) e três subtipos de receptores ß-adrenérgicos (ß1, ß2, ß3). Todos pertencem à superfamília dos receptores acoplados a proteína G. Os receptores α1 ativam a fosfolipase C e assim, produzem trifosfato de inositol (IP3) e diacilglicerol (DAG) como segundos mensageiros. Os receptores α2 inibem a adenilciclase e assim, diminuem a formação de AMPc. Todos os tipos de receptores ß estimulam a adenilciclase. Os principais efeitos da ativação de receptores são: Receptores α1: vasoconstrição, relaxamento da musculatura lisa gastrointestinal, secreção salivar e glicogenólise hepática. Receptores α2 – inibição da liberação dos neurotransmissores (inclusive liberação de noradrenalina e de acetilcolina) dos nervos autônomos, agregação plaquetária, contração da musculatura lisa vascular (vasoconstrição). Receptores ß1 – aumento da frequência e da força de contração cardíacas, relaxamento da musculatura lisa gastrointestinal. Receptores ß2 – broncodilatação, vasodilatação, relaxamento da musculatura lisa visceral, glicogenólise hepática e tremor muscular. Receptores ß3 – lipólise. Via de transdução intracelular acoplada aos receptores ß Os receptores ß são ligados à proteína Gs e apresentam sete domínios transmembranicos. Este modelo assume que cada um dos sete resíduos hidrofóbicos de aminoácidos atravessa a membrana e que a porção N-terminal 25 do receptor encontra-se exposta na porção extracelular, enquanto a porção C- terminal é interna à membrana plasmática (figura 22) Figura 22. Modelo de receptor ß-adrenérgico. A ativação de receptores adrenérgicos está ligada a diferentes vias de transdução de sinal e produção de segundos mensageiros, que podem levar a uma interação intracelular destas substâncias produzindo alterações na resposta celular. Isto ocorre principalmente com agonistas não-seletivos α e ß- adrenérgicos ou hormônios que se ligam a diferentes receptores. A ativação de ß-adrenoceptores com agonistas produz diferentes concentrações de AMPc devido à expressão de diferentes isoformas da adenilciclase (AC) em diferentes tipos de células endoteliais. A duração e magnitude dos níveis de AMPc é regulada pela ação da enzima fosfodiesteras que hidrolisam o AMPc a 5´-adenosina monofosfato. O principal mecanismo de ação do AMPc é via ativação da PKA, capaz de fosforilar inúmeros substratos. A PKA fosforila proteínas regulatórias que inibem o influxo de Ca++ através da membrana, aumentando o armazenamento de Ca++no retículo sarcoplasmático via Ca-ATPase reduzindo a sensibilidade do sistema contrátil ao Ca++. Figura 23. Ativação receptor ß: mecanismos intracelulares 26 A adrenalina e a noradrenalina ligam-se aos receptores α1, α2 e β. Receptores α1 associado a proteína GQ, resulta num aumento intracelular de Ca++ levando à contração do músculo liso. Receptores α2, por outro lado, associados a proteína Gi, provoca uma diminuição da atividade AMPc, por exemplo, resultando no relaxamento do músculo liso. Os β receptores, associados a proteína Gs, leva a um aumento da atividade de AMPc intracelular, resultando por exemplo, na contração do músculo cardíaco, relaxamento do músculo liso e glicogenólise A adrenalina se liga em ambos receptores, α e β, causando vasoconstrição e vasodilatação, respectivamente. Embora os receptores α sejam menos sensíveis adrenalina, quando ativados, irão compensar a vasodilatação relativa aos receptores β. O resultado é que altos níveis circulantes de adrenalina causam vasoconstrição. Em baixos níveis circulantes de adrenalina, a estimulação dos receptores β predomina, resultando em vasodilatação. Os receptores β1 apresentam ações específicas, tais como: aumento do débito cardíaco, através do aumento da freqüência cardíaca e do volume sistólico liberação de renina pelas células justaglomerulares renais lipólise do tecido adiposo[ O receptor β2 é um receptor polimórfico e é o receptor adrenérgico predominante nos músculos lisos que causam o relaxamento visceral. A ativação desses receptores causa: relaxamento da musculatura lisa, por exemplo, nos brôquios promovendo vasodilatação lipólise do tecido adiposo. relaxamento dos esfíncteres urinário e gastrointestinais e do útero grávido; relaxamento da parede da bexiga urinária; dilatação das artérias do músculo esquelético; glicogenólise e gliconeogênese aumento da secreção das glândulas salivares inibição da liberação de histamina dos mastócitos; aumento da secreção de renina pelos rins. 27 A ativação dos receptores β3 adrenérgicos causa, predominantemente, efeitos metabólicos como, por exemplo, a estimulação da lipólise do tecido adiposo. Figura 24. Funções dos receptores beta adrenérgicos. Os receptores alfa possuem várias funções comuns aos seus diferentes subtipos, mas, também, produzem efeitos individuais. Entre os efeitos comuns, ou de forma inespecífica, incluem: Vasoconstrição das artérias coronárias Vasoconstrição das veias Dimiuição da motilidade do músculo liso no trato gastrointestinal O receptores α1 são membros da superfamília de receptores associados à proteína G. Ao serem ativados por seu ligante, uma proteína heterodimérica G, chamada Gq, ativa a fosfolipase C, que quebra o fosfatidilinositol 4,5- bifosfato (PIP2) em inositol trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG). O IP3 interage com os canais de cálcio do retículo sarcoplasmático, liberando cálcio para o citoplasma, o qual, por sua vez, promove efeitos intracelulares como, por exemplo, contração do músculo liso arteriolar e, consequentemente, vasoconstrição na pele, no trato gastrointestinal, nos rins (artéria renal) e no cérebro. Além disso, observa-se contração do músculo liso da uretra, ducto deferente, pelos (músculo eretor de pelo), útero, bronquíolos (embora possua efeito menor do que o efeito relaxante do receptor β2). 28 Outros efeitos daestimulação dos α1 incluem a glicogenólise, a gliconeogênese, a sudorese e a reabsorção renal de Na+. Antagonistas dos receptores α1 são usados na hipertensão arterial. Os receptores α2 apresentam três subtipos: α2A, α2Β e α2C. As ações específicas do receptor α2 incluem: inibição da secreção de insulina e glucagon pelo pâncreas contração dos esfíncteres do trato gastrointestinal. aumento da recaptação de noradrenalina Figura 25. Funções dos receptores alfa adrenérgicos. Figura 26. Agonistas e antagonistas dos receptores adrenérgicos. PA agonista principal. 29 As enzimas Monoamina oxidase (MAO), e, a Catecol-O- metiltransferase (COMT) inativam a noradrenalina. A MAO é uma enzima desaminadora que retira grupamento NH2 de diversos compostos, como noradrenalina, adrenalina, dopamina, serotonina. A MAO localiza-se nas mitocôndrias dos neurônios e em tecidos não neurais, como o intestinal e o hepático, oxidando a noradrenalina em ácido vanilmandélico. A COMT, abundante no fígado, transforma a noradrenalina em compostos metametilados, metanefrina e normetanefrina. A COMT regula principalmente as catecolaminas circulantes. VI.2. Receptores colinérgicos (sistema nervoso parassimpático). O sistema parassimpático é formado por algumas fibras que estão contidas nos pares cranianos III, VII, IX e X, e, por outras fibras que emergem da região sacra da medula espinhal. Esses nervos podem correr separadamente ou junto com alguns nervos espinhais. O mais importante nervo parassimpático é o vago (pneumogástrico), de ampla distribuição, que transporta as fibras parassimpáticas a praticamente todas as regiões do corpo com exceção da cabeça e das extremidades. A acetilcolina, neurotransmissor parassimpático, é um composto de amônio quaternário, sintetizada no citosol do neurônio a partir da acetil coenzima-A e da colina, é inativada pela enzima colnesterase. No sistema cardiovascular, doses pequenas de acetilcolina provocam vasodilatação nas redes vasculares mais importantes do organismo, entretanto, esta vasodilatação depende de um intermediário denominado óxido nítrico. A acetilcolina, assim, produz diminuição das pressões sistólica e diastólica, além de reduzir a frequência cardíaca, produzindo a bradicardia. No sistema respiratório, a acetilcolina, em doses pequenas produz broncoconstrição e aumento da secreção, o que pode desencadear crises asmáticas. No sistema urinário, a acetilcolina provoca contração e redução da capacidade da bexiga, enquanto no trato gastrintestinal provoca o aumento da motilidade e do tônus da musculatura lisa, podendo provocar náuseas e vômitos. 30 Os receptores colinérgicos são classificados em dois grupos: nicotínicos muscarínicos. Os receptores nicotínicos (estão diretamente acoplados aos canais iônicos) são classificados em dois grupos: musculares e neuronais. Os receptores muscarínicos (estão acoplados a proteína G) são classificados em: M1 ou neural, M2 ou cardíacos e M3 ou glandular. Os receptores M1 ou neurais produzem excitação (lenta) dos gânglios (entéricos e autônomos), das células parietais (estômago) e do SNC (córtex e hipocampo). O receptores M2 ou cardíacos são encontrados nos átrios e provocam redução da frequência cardíaca e força de contração dos átrios. Os receptores M3 ou glandulares causam a secreção, contração da musculatura lisa vascular e relaxamento vascular (agindo no endotélio vascular). VII. Sistema nervoso autônomo O sistema nervoso autônomo é também chamado de visceral, vegetativo ou involuntário porque se encontra, em grande parte, fora da influência do controle voluntário, e, regula importantes processos do organismo humano como todas as secreções exócrinas e algumas endócrinas; a contração e o relaxamento da musculatura lisa; os batimentos cardíacos, e, certas etapas do metabolismo intermediário, como a utilização da glicose. Pode-se afirmar que, a função do Sistema Nervoso Autônomo, é a regulação do sistema cardiovascular, digestão, respiração, temperatura corporal, metabolismo, secreção de glândulas exócrinas, e, portanto, manter constante o ambiente interno (homeostase). Os sistemas parassimpático e simpático exercem ações opostas em algumas situações, por exemplo, no controle da frequência cardíaca, na musculatura gastrointestinal, mas, não exercem ações opostas em outras situações como em relação às glândulas salivares e o músculo ciliar. Enquanto a atividade simpática aumenta no estresse, a atividade parassimpática predomina durante o repouso e a saciedade. Embora os músculos ventriculares não sejam inervados pelo sistema parassimpático, este sistema tem significativo controle no nodo sinoatrial e no nodo atrioventricular. Assim, ambos os sistemas, em condições normais, exercem o controle fisiológico contínuo de órgãos específicos (figura 27). 31 Figura 27. Ações autonômicas simpáticas e parassimpáticas. VIII. Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) Como visto anteriormente, o controle do sistema cardiovascular é realizado, em parte, pelo sistema nervoso autônomo (SNA), através de terminações simpáticas por todo o miocárdio e parassimpáticas para os nódulos sinusal e atrioventricular. A influência do SNA sobre o coração está associada às informações dos baroceptores, quimioceptores, mecanoceptores atriais e ventriculares, frequênca respiratória, neurônios vasomotores do bulbo, sistema renina-angiotensina-aldosterona e sistema termorregulador hipotalâmico. Este controle autonômico está intimamente associado à frequência cardíaca (FC), adaptando-a às variações das condições orgânicas a cada momento. O aumento da FC é decorrente da maior atividade simpática e/ou da menor atividade parassimpática, enquanto que a predominância da atividade parassimpática constitui-se no fator fundamental para a sua redução. Alterações na FC, definidas como Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC), são absolutamente normais e indica a capacidade do coração em se adaptar aos diversos estímulos endógenos e ambientais, tais como, respiração, 32 exercício físico, estresse mental, alterações hemodinâmicas e metabólicas, sono e alterações orgânicas induzidas por estados mórbidos. Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) é a variação temporal entre batimentos cardíacos consecutivos sequenciais (intervalos R-R, caso a frequência cardíaca seja determinada pelo registro eletrocardiográfico), sujeitos às influências do SNA sobre o nódulo sinusal. Num eletrocardiograma (ECG) a maior deflexão de um complexo QRS normal é o pico da onda R, e a duração entre os picos de duas ondas R adjacentes é denominada intervalo R-R (figura 28). Figura 28. Intervalos R-R de um eletrocardiograma. Dessa forma, VFC é o resultado do equilíbrio entre a ação de mediadores simpáticos (adrenalina e noradrenalina) e parassimpáticos (acetilcolina) sobre a frequênca cardíaca. Os mediadores simpáticos atuam sobre os nodos sino atrial e atrioventricular aumentando, além da frequência cardíaca, a força de contração e a velocidade de condução do impulso para o nodo atrioventricular, enquanto a acetilcolina, neurotransmissor parassimpático, reduz a frequência cardíaca e a velocidade de condução do impulso para o nodo atrioventricular. Trata-se de um método não-invasivo,que pode ser utilizado para identificar fenômenos relacionados ao SNA em indivíduos saudáveis, atletas e portadores de doenças, tendo sido demonstrado a correlação entre redução na VFC e maior risco de mortalidade após infarto agudo do miocárdio. Assim, alterações nos padrões da VFC constituem-se num indicador sensível e antecipado de problemas na saúde. Alta VFC é sinal de boa adaptação, caracterizando um indivíduo saudável com mecanismos autonômicos eficientes. Por outro lado, baixa VFC é um indicador de um processo anormal e insuficiente de adaptação do SNA, o que pode indicar 33 alterações anormais nos processos fisiológicos do organismo, necessitando de investigações adicionais para se encontrar um diagnóstico final. A VFC pode ser avaliada por dois métodos: pelo cálculo de índices baseado em operações estatísticas dos intervalos R-R(domínio do tempo) e pela análise espectral de intervalos R-R ordenados (domínio da frequência). As análises podem ser realizadas em segmentos curtos (0,5 a 5 minutos) ou em registros eletrocardiográficos de 24 horas. As medidas do domínio da frequência são derivadas da análise do espectro de potência que apresenta a distribuição da densidade em função da frequência. Esta análise decompõe a FC em seus componentes causadores, apresentando-os de acordo com a frequência com que alteram a FC. Para o cálculo da densidade espectral podem ser utilizados os métodos de transformação rápida de Fourrier (figura 29). Figura 29. Análise da VFC no domínio da frequência após representação gráfica dos intervalos RR em relação ao tempo (tacograma). O sinal do ECG é decomposto em seus diferentes componentes de frequência por meio de algorítimos matemáticos (transformação rápida de Fourier). Ambos delimitam 4 faixas de frequência distintas (figura 30): 1) alta frequência (0,15 a 0,40 Hz), modulada pelo Sistema Nervoso Parassimpático (SNP) e gerada pela respiração; 2) baixa frequência (0,04 a 0,15 Hz) modulada pelo SNP e Sistema Nervoso Simpático (SNP). Esta frequência tem sido relacionada ao sistema barorreceptor e termorregulador, à atividade vasomotora e ao sistema renina- angiotensina; 3) muito baixa frequência (0,01 a 0,04 Hz), considerada um marcador da atividade simpática; 34 4) ultra baixa frequência (10-5 a10-2 Hz), que não apresenta uma correspondência fisiológica definida. Figura 30. Análise espectral. Os componentes de alta e baixa frequência são assim chamados devido ao fato do nervo vago e o sistema simpático enviarem, respectivamente, uma maior ou menor frequência de impulsos sobre o nodo sinusal. Os componentes de baixa (LF) e alta frequência (HF) são mensurados em unidades absolutas de potência (ms2), sendo que a relação entre a potência de baixa para a de alta frequência (LF/HF) pode ser considerada uma medida de equilíbrio simpatovagal (figura 31). Figura 31. Análise espectral da variabilidade do intervalo RR em indivíduos saudáveis em repouso (rest) e com inclinação da cabeça (tilt) em 90°. A VFC no domínio do tempo pode ser calculada pela plotagem de Poincaré, que é um método não linear de análise da VFC baseado no registro das durações de uma série de batimentos cardíacos sucessivos, medidas pelos 35 intervalos R-R. A partir desse registro, associam-se graficamente cada intervalo R-R com o intervalo anterior. Em indivíduos saudáveis, em repouso, esses intervalos são bastante irregulares, sobretudo pela predominância vagal na modulação cardíaca, fazendo com que se visualize uma nuvem de pontos com a forma aproximada de uma elipse (figura 32). O eixo longitudinal da elipse – desvio padrão a (SD2) - expressa a tendência do conjunto de intervalos R-R analisados em médio e longo prazo. O eixo transverso da elipse – desvio padrão b (SD1) - representa a variabilidade instantânea dos intervalos R-R. Figura 32. Plotagem de Poincaré. A análise do plot de Poincaré pode ser feita de forma qualitativa (visual), por meio da avaliação da figura formada pelo seu atrator, a qual é útil para mostrar o grau de complexidade dos intervalos RR, ou quantitativa, por meio do ajuste da elipse da figura formada pelo atrator, de onde se obtém três índices: SD1, SD2 e a razão SD1/SD2. Os índices estatísticos, no domínio do tempo, obtidos pela determinação de intervalos RR correspondentes em qualquer ponto no tempo, são: a) SDNN - Desvio padrão de todos os intervalos RR normais gravados em um intervalo de tempo, expresso em ms (figura 33); b) SDANN - Representa o desvio padrão das médias dos intervalos RR normais, a cada 5 minutos, em um intervalo de tempo, em ms (figura 34); 36 c) SDNNi - É a média do desvio padrão dos intervalos RR normais a cada 5 minutos, expresso em ms (figura 35); d) rMSSD - raiz quadrada da média do quadrado das diferenças entre intervalos RR normais adjacentes, em um intervalo de tempo (ms); (figura 36); e) pNN50 - Representa a porcentagem dos intervalos RR adjacentes com diferença de duração maior que 50 ms (figura 37); Figura 33. SDNN = desvio-padrão da média de todos os intervalos RR normais, em gravação de 24 horas, expresso em ms. Neste exemplo, a média é 846 ms e o desvio-padrão (ou SDNN) é 107 ms. Em termos simples, desvio-padrão é um modo de representar a dispersão dos valores ao redor da média. Figura 34. SDANN = desvio-padrão das médias dos intervalos RR normais a cada 5 minutos, em gravação de 24 horas, expresso em ms. Neste exemplo, a média dos 6 segmentos de 5 minutos cada equivale a 846 ms e o desvio-padrão destas médias (ou SDANN) a 103 ms. Por se tratar de desvio-padrão de um valor médio obtido a partir de outras médias, seu valor é sempre inferior ao do SDNN. 37 Figura 35. SDNN index = média dos desvios-padrão dos intervalos RR normais a cada 5 minutos, expresso em ms. Neste exemplo equivale a 47 ms. Seu valor geralmente é inferior ao do SDNN e SDANN. . Figura 36. rMSSD = raiz quadrada da média do quadrado das diferenças entre intervalos RR normais adjacentes, expressa em ms. Neste exemplo simplificado é calculado por meio de fórmula: Figura 37. pNN50 = percentagem de intervalos RR adjacentes com diferença de duração maior que 50 ms. Neste exemplo equivale a 30%, ou seja, dos 10 intervalos RR adjacentes, apenas três (o 2º, o 8º e o 10º) apresentam diferença de duração superior a 50 ms. Os índices SDNN, SDANN e SDNNi são obtidos a partir de registros de longa duração e representam as atividades simpática e parassimpática, porém não permitem distinguir quando as alterações da VFC são devidas ao aumento do tônus simpático ou à retirada do tônus vagal. Já os índices rMSSD e pNN50 representam a atividade parassimpática, pois são encontrados a partir da análise de intervalos RR adjacentes. 38 IX. ECG Normal Figura 38. ECG: ondas, segmentos e intervalos. ONDA P Onda de ativação atrial. Arredondada, pequena amplitude e precede imediatamente os complexos QRS. Amplitude: 0,25 a 0,30 mV. Polaridade: (+) em D1, D2, D3, aVF (98%), aVL, V2 a V6. (-) em aVR. SEGMENTO PR É o segmento da linha de base ou isoelétrica, que conecta o final da onda P ao início docomplexo QRS. Corresponde ao intervalo de tempo em que o estímulo leva para alcançar os ventrículos após a despolarização atrial. INTERVALO PR É o intervalo de tempo medido entre o início da onda P e o início do QRS. Corresponde ao tempo que o impulso cardíaco leva para despolarizar os átrios, percorrer as vias de condução internodais, o nódulo AV, o feixe de His e ramos até alcançar os ventrículos. Varia de um mínimo de 0,12s a 0,20 s. É menor na taquicardias e maior na bradicardias. COMPLEXO QRS Corresponde à despolarização ventricular. É uma deflexão de morfologia espiculada e de inscrição contínua. Discretos espessamentos no ramo inicial ou final, não tem significado patológico. Duração normal: até 0,12 s. Eixo elétrico no plano frontal: de -30º a 120º 39 ONDA Q Pode ser vista nas derivações da esquerda, D1, aVL, V5 e V6, onde a onda Q representa o vetor de ativação septal normal (vetor 1), que ocorre da esquerda para a direita. Ondas Q fisiológica devem ter duração de até 0,03s. Ondas Q patológicas têm duração maior que 0,04s e/ou com amplitude superior a um terço do complexo QRS. PONTO J É o ponto que marca a junção entre o final da deflexão QRS e o início do segmento ST. O ponto J deve estar ao nível da linha isoelétrica de base do traçado. SEGMENTO ST Em geral é isoelétrico, mas pode apresentar pequena elevação (supradesnivelamento) menor que 1mm nas derivações do plano frontal. O segmento ST não deve seguir uma linha horizontal, deve descrever uma curva sigmóide até a onda T. Em pessoas normais é incomum haver infradesnivelamento superior a 0,5mm. A princípio, qualquer desnível do segmento ST, seja para baixo ou para cima da linha de base, deve ser cuidadosamente avaliado, pois pode corresponder ao infarto agudo do miocárdio (IAM). ONDA T Representa a repolarização ventricular. Geralmente é positiva onde o QRS é positivo, exceto em V1 e V2. Amplitude normal: Até 5mm nas derivações do plano frontal ou 10mm nas derivações precordiais (V1 a V6). Forma normal: arredondada, com fase ascendente mais lenta que a descendente. INTERVALOS QT e QTc Medido do início do complexo QRS até o final da onda T. É a medida do tempo total da sístole e diástole elétrica do coração. Varia com a FC, sexo e idade. Como varia com a FC, calcula-se o QT corrigido (QT c= QT/raiz quadrada de RR). QTc tem valor mínimo de 0,3s e valor máx. de 0,40s em homens e 0,44s nas mulheres. Aumento de QTc: vagotomia, idade avançada, infarto, hipocalcemia, hipopotassemia e risco de morte súbita Diminuição do QTc: hipercalcemia, hiperpotassemia, uso de digitálicos (digoxina). ONDA U Corresponde à repolarização tardia das fibras de Purkinje. Mais evidente em V3 e V4. Tem a forma arredondada, a duração é curta e a amplitude pequena. 40 É necessária a análise cuidadosa de cada evento elétrico em todas as derivações, sem exceção, para que se possa concluir pela normalidade do ECG (figura 39). Figura 49. Registro de ECG normal. X. Derivações Eletrocardiográficas (ECG padrão). A idéia básica é observar o coração em diferentes ângulos, ou seja, cada derivação, representada por um par de eletrodos (um positivo e um negativo), que registra num plano diferente a mesma atividade cardíaca. As derivações podem ser definidas de acordo com a posição dos eletrodos no plano frontal formando as derivações bipolares ou unipolares e no plano horizontal formando as precordiais. Derivações no Plano Frontal (periféricas). Medem a diferença de potencial entre os membros (bipolares) ou entre certas partes do corpo e o coração (unipolares). Coloca-se um eletrodo em cada braço (direito/esquerdo) e um na perna esquerda, formando um triangulo (triângulo de Einthoven). Na perna direita coloca-se o fio terra, para estabilizar o traçado. Observar que os eletrodos apresentam, por convenção, cores padronizadas para facilitar o posicionamento dos mesmos nos membros (figura 40). 41 Assim, temos: braço esquerdo – eletrodo amarelo perna esquerda – eletrodo verde braço direito – eletrodo vermelho perna direita – eletrodo preto (terra) Figura 40. Posicionamento dos eletrodos Deslocando-se as três linhas de referência e cruzando-as com precisão no tórax (coração) obtém-se uma intersecção, formando as derivações bipolares D1, D2 e D3. Em seguida, acrescentando-se outras três linhas de referência nesta intersecção, com ângulos de 30 graus entre si, obtêm-se as derivações unipolares dos membros aVR (braço direito), aVL (braço esquerdo) e aVF (perna esquerda). Nas derivações aVR, aVL e aVF os eletrodos negativos são todos os outros exploradores, que se dirigem para um fio terra comum (figura 41). 42 Derivação I – Braço direito (negativo)-braço esquerdo (positivo) Derivação II – Braço direito (negativo)-perna esquerda (positivo) Derivação III – Braço esquerdo (negativo)-perna esquerda (positivo) Derivação aVR – Braço direito positivo Derivação aVL – Braço esquerdo positivo Derivação aVF – Pé esquerdo positivo Figura 41. Derivações no plano frontal: posição dos eletrodos. Derivações no Plano Horizontal (pré cordiais). São as derivações V1,V2,V3,V4,V5 e V6. Medem a diferença de potencial entre o tórax e o centro elétrico do coração (nódulo AV), e vão desde V1, (4º espaço intercostal, na linha paraesternal direita) a V6, no 5º espaço intercostal, na linha axilar média esquerda. Em todas essas derivações, considera-se positivo o eletrodo explorador colocado nas seis posições diferentes sobre o tórax (figura 42). Figura 42. Derivações unipolares pré cordiais e respectivas voltagens de QRS. Por estarem mais próximas ao coração a voltagem dos registros pré- cordiais será sempre maior do que as do plano frontal e o QRS terá uma evolução padrão de V1 a V6 aonde veremos o crescimento do R e a diminuição da S (figura 19). Sendo que as derivações direitas (V1,V2,V3) “verão” a ativação septal (1o vetor) vindo em direção a elas (positivo) e o vetor de parede livre (ápice) do VE (2o vetor) se afastando. O oposto ocorrera com as orientadas para a esquerda (V4, V5 , V6). A figura 43 apresenta as derivações eletrocardiográficas nos planos frontal e horizontal tendo o coração como referência espacial. Essas derivações possibilitam registrar a atividade elétrica cardíaca em doze diferentes planos de observação, sendo que cada um desses planos encontra- se relacionado com uma determinada região anatômica do coração. 43 Figura 43. Derivações nos planos frontal e horizontal relacionadas com a posição anatômica do coração na cavidade torácica. XI. Determinação matemática das derivações eletrocardiográficas. O raciocínio matemático é muito útil na eletrocardiografia, bem como alguns princípios da física básica. Equações derivadas da trigonometria podem ser aplicadas para estabelecer relações entre as medidas das ondas e a projeção dos vetores dos eixos elétricos. Mesmo que o profissional da área da saúde (biólogo, educador físico, enfermeiro, médico e outros) não necessite aplicar essas fórmulas, é importante saber que, frequentemente, as mesmassão usadas em programas que fazem os cálculos de forma automáticas dos eixos, por exemplo. Existem relações matemáticas entre as derivações. Nos eletrocardiógrafos modernos a aquisição das derivações I e II e as demais derivações periféricas são obtidas por equações matemáticas. A figura abaixo mostra o triângulo de Einthoven, onde os sinais (+) e (−) indicam onde são colocados, respectivamente, os terminais positivo e negativo do medidor de voltagem. Figura 44. Triângulo de Einthoven, onde os pontos A, B e C ficam, respectivamente, no braço direito, braço esquerdo e perna esquerda. 44 De acordo com o triângulo de Einthoven (figura 44), podem-se encontrar as derivações I, II e III em função dos potenciais elétricos nos pontos A, B e C: VI = VB − VA (1) VII = VC − VA (2) VIII = VC − VB (3) Basta somar as equações (1) e (3) para se obter: VII = VI + VIII (4) As derivações unipolares periféricas aumentadas aVR (braço direito), aVL (braço esquerdo) e aVF (perna esquerda), podem ser encontradas em função das derivações bipolares. Por exemplo, para aVL, a disposição dos eletrodos está mostrada na figura 23(a). Já a figura 23(b) mostra o circuito equivalente ao compreendido entre os terminais C e A. Figura 45(a) Eletrodos na derivação aVL; (b) Circuito simplificado, sentido de corrente arbitrário. Da figura 45(a), tem-se que: aVL = VB (5) Da figura 45(b), utilizando-se da Primeira Lei de Ohm, obtêm-se: 0 – VA VC – 0 i = ____________ = _______ VC = − VA (6) R R 45 Fazendo VI − VIII e utilizando as equações (1), (3), (5) e (6), tem-se: VI − VIII = (VB − VA) − (VC − VB) = 2VB = 2aV L (7) Portanto, aVL = (VI − VIII) (8) 2 De modo análogo, pode-se encontrar aVR e aVF: aVR = (VI + VII) (9) 2 aVF = (VII + VIII) (10) 2 Convencionalmente, orienta-se o vetor momento de dipolo da carga negativa para a carga positiva. O potencial elétrico é uma grandeza escalar (um número), mas pode-se usar a mesma convenção do dipolo e simbolizá-lo como um vetor. A figura 46 resulta da união do triângulo de Einthoven com as equações (8), (9) e (10). Figura 46. Sistema vetorial: intersecção das derivações do plano frontal. Vetorcardiograma Quando o coração se despolariza ou repolariza, o meio externo próximo ao coração fica parcialmente carregado com cargas negativas e positivas. 46 Logo, pode-se afirmar que o coração se comporta como um dipolo. O potencial elétrico gerado por um dipolo é: ~P(t) • ~r V (t) = k · (11) r3 onde k = 8, 99 × 109C2/(N.m2); ~P(t) é o vetor momento de dipolo; ~r é o vetor que vai do centro do dipolo ao ponto onde o potencial está sendo medido e • denota o produto escalar usual. Vamos supor que se faça a medida do potencial elétrico em três pontos diferentes do corpo (P,Q e R), a cada intervalo de tempo Δ t. Assim, são obtidas três equações: VP = k · (Px(t).xP + Py(t).yP + Pz(t).zP ) (12) r2P VQ = k · (Px(t).xQ + Py(t).yQ + Pz(t).zQ) (13) r2Q VR = k· (Px(t).xR + Py(t).yR + Pz(t).zR), (14) r2R onde ~rP = xPˆi + yPˆj + zP ˆk é o vetor posição do ponto P. A mesma notação vale para os pontos Q e R. Como são conhecidos os valores de ~rP , ~rQ e ~rR, além das voltagens VP , VQ e VR, tem-se um sistema linear de três equações, com três incógnitas (Px, Py e Pz). Esse sistema pode ser resolvido numericamente, ou seja, é possível obter em cada instante de medida o vetor ~P. XII. O sistema Hexaxial. O sistema de referência hexaxial é um diagrama construído a partir das seis derivações do plano frontal do eletrocardiograma, constituindo-se num importante recurso auxiliar na determinação do eixo elétrico do coração. A determinação do eixo elétrico ventricular, por sua vez, é uma maneira rápida e de baixo custo de se avaliar hipertrofias cardíacas. Como visto anteriormente, os eletrodos posicionados nos membros do indivíduo permite que o eletrocardiógrafo construa, por convenção, um triângulo eqüilátero na superfície anterior do tórax, sendo que o coração 47 encontra-se, também por convenção, no centro dessa figura geométrica formada pelas derivações DI, DII e DIII, as quais apresentam um segmento positivo e outro negativo em cada derivação (figura 47). Figura 47. A disposição dos eletrodos no plano frontal forma o triângulo eqüilátero de Einthoven. Como se trata de um triângulo equilátero é possível realizar a interseção de DI, DII e DIII, fazendo com que esses planos passem pelo centro do triângulo. Tal fato mantém a proporcionalidade geométrica e elétrica dessas derivações uma com as outras (figura 48-A). Figura 48. Intersecção das derivações DI, DII e DIII, tendo-se como referência o triângulo de Einthoven. As derivações amplificadas (aVR, aVL e AVF) podem ser adicionadas a figura triaxial acima descrita, uma vez que naturalmente cruzam o centro do triângulo de Einthoven em ângulos equidistantes entre si (figura 48-B). A B 48 A intersecção dessas seis derivações, tendo o centro do triângulo de Einthoven como referência, encontra-se representada na figura 49 na forma de um sistema hexaxial. Figura 49. Intersecção das seis derivações do plano frontal do eletrocardiograma. A figura 50 apresenta o sistema hexaxial dividido em graus com início (0º), por convenção, em DI deslocando-se no sentido horário. As linhas contínuas representam o segmento positivo das derivações, enquanto que as linhas descontínuas referem-se ao segmento negativo das mesmas. Figura 50. Sistema hexaxial resultante das intersecções das derivações DI, DII, DII, aVR, aVL e aVF. -90° -60° -30° 0° + 30° + 60° + 90° + 120° + 150° ±180° -150° -120° D1 aVF aVR D2 D3 aVL aVR + - - aVL + aVF + 49 A posição do sistema hexaxial na superfície anterior do tórax encontra- se representada na figura 51, sendo que o coração ocupa o centro desse sistema. Figura 51. Sistema hexaxial em relação à superfície anterior do tórax. Rotina para interpretação do ECG ● identificar as derivações ● verificar a frequência cardíaca ● analisar a onda P ● analisar o intervalo PR ● analisar o complexo QRS ● analisar o segmento ST ●analisar a onda T ● analisar o intervalo QT e QTc ● determinar o eixo elétrico ventricular XIII. Determinação do eixo elétrico ventricular A determinação do eixo elétrico médio ventricular permite avaliar o sentido e a direção da propagação do impulso nos ventrículo. Assim, alterações na espessura das câmaras ventriculares (hipertrofia), por exemplo, podem desviar o eixo para a direita ou para a esquerda do sistema hexaxial, dependendo do ventrículo comprometido, em função da maior massa muscular ventricular gerar maior atividade elétrica do lado hipertrofiado. A ativação ventricular pode ser representada pela onda R por apresentar a maior amplitude do complexo QRS, com orientação da direita para esquerda podendo, então, ser utilizada para o cálculo do eixo ventricular no plano frontal. 50 O plano horizontal pode, também, servir ao cálculo do eixo mas na prática não é utilizado. O eixo normal situa-se entre –30O e +90O, de acordo com a idade, sexo, peso, altura e a prática ou não de atividade física, dentre outros aspectos. Método do quadrante Para este cálculo utiliza-se do registro da onda R observando sua amplitude (tamanho) e seu sentido (positiva ou negativa) nas derivações do plano frontal que formam o sistema hexaxial. A onda R será representada por um vetor, o qual terá sua origem (cauda) no centro da intersecção dos planos (derivações) do sistema hexaxial, devendo sua ponta ser projetada de forma perpendicular sobre esses planos, formando com os mesmos um ângulo de 90º. Assim, quanto mais “paralelo” o vetor (onda R) se encontrar em relação a um plano maior será a sua projeção sobre esse plano e, consequentemente, maior será a amplitude da onda R. Por outro lado, quanto mais “perpendicular” o vetor se encontrar em relação a um plano menor será a sua projeção sobre esse plano e, consequentemente, menor será a amplitude da onda R, podendo chegar a ser isodifásica (isoelétrica) apresentando-se como um ponto na derivação considerada (figura 52). Figura 52. Projeção do vetor (A) em DI (B), DII (C) e DIII (D). Observar que o vetor apresenta projeções de tamanhos (amplitudes) diferentes nas derivações consideradas. . Sequência para se determinar o eixo elétrico ventricular (figura53): a) determinar o quadrante do sistema hexaxial que se encontra o eixo elétrico ventricular: observar se a onda R é (+) ou (-) nas derivações DI e aVF; b) verificar a amplitude (tamanho) da onda R: 51 b.1. quanto mais próxima (“paralela”) a uma derivação se encontrar a onda R maior será sua projeção sobre esse plano e maior será sua amplitude b.2. quanto mais afastada (“perpendicular”) a uma derivação se encontrar a onda R menor será sua projeção e menor será sua amplitude (tamanho). c) verificar a existência de derivação isodifásica (isoelétrica). Se isto ocorrer, o eixo estará sobre a derivação de maior amplitude. d) confirmar a posição do eixo, analisando as demais derivações. Figura 53. Divisão do sistema hexaxial em quatro quadrantes delimitados por DI e aVF; linha contínua: pólo positivo; linha tracejada: pólo negativo. Como já mencionado, para se calcular o eixo elétrico ventricular deve-se usar, como referência, o sentido (+ ou -) e a amplitude (tamanho) da onda R. Como exercício, pode-se utilizar o raciocínio contrário ao proposto no parágrafo anterior, ou seja: dado um vetor, determinar o sentido e a amplitude da onda R, em cada derivação, que originou o referido vetor (figura 54). Lembrar que linha contínua pólo (+) e tracejada (-). Completar as representações esquemáticas de R, segundo exemplo em DI, traçando perpendiculares da ponta do vetor às demais derivações. Compare-as entre si segundo o tamanho e sentido: -90° -60° -30° 0° + 30° + 60° + 90° + 120° + 150° ±180° -150° -120° D1 aVF aVR D2 D3 aVL 1° (-90° a 0°) DI (+); aVF (-) 2° (0° a 90°) DI (+); aVF (-) 3° (+90° à±180°) DI (+); aVF (-) 4° (0° a 90°) DI (+); aVF (-) 52 Figura 54. Determinar os vetores referentes às ondas R. XII.2. Exercícios e Exemplos. Figura 55. Eixo elétrico = 0º. Observar: a) maior amplitude de R em DI; b) menor amplitude de R em aVF (quase isoelétrico). Figura 56. Eixo elétrico = 45º. Observar: a) maior amplitude de R em DII; b) menor amplitude de R em DIII. -90° -60° -30° 0° + 30° + 60° + 90° + 120° + 150° ±180° -150° -120° D1 aVF aVR D2 D3 aVL DI DII DIII aVR aVL aVF 53 ● Calcule o eixo elétrico ventricular dos registros eletrocardiográficos seguintes: Figura 57. Resposta: eixo encontra-se no 2º quadrante (DI+; aVF+) e mede, aproximadamente, +60º. Eixo normal considerando-se somente sua posição. Figura 58. Resposta: o eixo encontra-se no 1º quadrante (DI+; aVF -) e mede, aproximadamente, +30º. Registro indicativo de hipertrofia ventricular esquerda (desvio do eixo para a esquerda). Pode ser conseqüente à hipertensão arterial, por exemplo. Figura 59. Hipertrofia ventricular esquerda: desvio do eixo elétrico para a esquerda. 54 Figura 60. Resposta: O eixo encontra-se no 3º quadrante (DI-; aVF+) e mede, aproximadamente, +120º. Registro indicativo de hipertrofia ventricular direita (desvio do eixo para a direita). Pode ser conseqüência de hipertensão arterial pulmonar, por exemplo. Figura 61. Hipertrofia ventricular direita: desvio do eixo elétrico para a direita. 55 XV. Hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Em um indivíduo adulto o coração mede cerca de 12 cm de comprimento por 8 a 9 cm de largura e 6 de espessura. Seu peso no homem varia de 280 a 340 gramas. Já na mulher este valor é um pouco menor, de 230 a 280 gramas. A Organização Mundial de Saúde destacou que as doenças cardiovasculares lideram as causas de morte no mundo. Dentre essas doenças, a hipertrofia ventricular esquerda (HVE) constitui um indicador de grande relevância no risco de morbidade e mortalidade cardiovascular, podendo ser diagnosticada por alterações eletrocardiográficas tais como, desvio do eixo elétrico ventricular para a esquerda e prolongamento do intervalo QT, por exemplo. A hipertrofia ventricular é caracterizada por aumento no tamanho dos cardiomiócitos sem que ocorra, necessariamente, divisão celular, além da proliferação do tecido conjuntivo intersticial e da rarefação da microcirculação coronariana. Esse padrão de desenvolvimento hipertrófico pode ser desencadeado em resposta a alterações hemodinâmicas e/ou neuro- hormonais. O crescimento dos cardiomiócitos na HVE pode ocorrer pela adição de sarcômeros em série (sobrecarga de volume), em decorrência de atividade física aeróbia (natação, por exemplo), ou em paralelo (sobrecarga de pressão), consequente à atividade física anaeróbia (levantamento de peso, por exemplo) ou hipertensão arterial, permitindo que a célula aumente em comprimento (hipertrofia excêntrica) ou em diâmetro (hipertrofia concêntrica), figura 46. O
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