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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUAÇÃO E HUMANIDADES CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA LEANDRO CARDOSO DA CRUZ NACIONALISMO E FUTEBOL: O USO POLÍTICO DA COPA PELA DITADURA NA ARGENTINA (1976-1978) CURITIBA 2015 LEANDRO CARDOSO DA CRUZ NACIONALISMO E FUTEBOL: O USO POLÍTICO DA COPA PELA DITADURA NA ARGENTINA (1976-1978) CURITIBA 2015 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em História da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de licenciado em História Orientador: Prof. Ms. Fernando Cunha Orientador: Prof. Ms.: Fernando Cunha LEANDRO CARDOSO DA CRUZ NACIONALISMO E FUTEBOL: O USO POLÍTICO DA COPA PELA DITADURA NA ARGENTINA (1976-1978) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em História da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de licenciado em História COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________ Professor Ms. Fernando Cunha PUCPR _____________________________________ Avaliador 1 Cidade, ____ de ________ de 2015. Dedico este trabalho à um certo grupo de italianos que se não tivessem criado um certo time de São Paulo, eu provavelmente não teria aprendido a gostar de futebol. AGRADECIMENTOS Começo agradecendo é claro à minha mãe e ao meu pai, por me proporcionarem a possibilidade de cursar história e pelo apoio durante o curso, sem eles isso não teria sido possível. Agradeço também a todos os professores que passaram pelo curso, nas mais diversas matérias, sendo que cada um acrescentou algo importante para a minha formação. Em especial ao professor Fernando Cunha que me orientou neste trabalho, ao professor Wilson Maske que me proporcionou a oportunidade de realizar um ano de PIBIC, o que me ajudou no aprendizado quanto a pesquisas e ao professor Alex Neudorf, que ajudou a preparar as ideias para o meu futuro mestrado. Por fim, agradeço aos meus amigos e colegas de faculdade, que através do convívio e de conversas me ajudaram a delimitar o caminho que seguirei nos estudos que vieram e que virão. Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos... (Nelson Rodrigues) RESUMO O trabalho aborda a temática relacionada de futebol e política, mais precisamente o uso político da Copa do Mundo de 1978 pela ditadura argentina, abrangendo o período de 1976 a 1978, isso é, do momento em que se inicia o governo ditatorial até a realização do evento, em meados de junho. Primeiramente será realizada uma contextualização da pesquisa, abordando a importância do futebol e a tomada do poder pelos militares argentinos. A seguir será apresentado o que a ditadura chamou de Campanha Anti-Argentina e seus reflexos na preparação do evento. Por fim é apresentado como se deu o uso político da Copa pela ditadura e é feita uma análise do filme La Fiesta de Todos, principal exemplo do marketing sobre o mundial de futebol. Durante toda a pesquisa são apresentadas citações de jornais do período que também ajudam a exemplificar a importância da Copa do Mundo para a manutenção do regime na Argentina. Palavras-chave: Futebol. Ditadura. Argentina. Copa do Mundo. La Fiesta de Todos. RESUMEN El trabajo aborda el tema relacionado del fútbol y la política, específicamente el uso político de la Copa del Mundo de 1978 por la dictadura de Argentina, que abarca el período 1976-1978, este es el momento en que comienza el gobierno dictatorial hasta la finalización de la evento a mediados de junio. Primero una contextualización de la investigación se llevará a cabo, dirigiéndose a la importancia del fútbol y de la toma del poder por los militares argentinos. A continuación se presentará a la dictadura llamada campaña Anti-Argentina y su impacto en la preparación del evento. Por último aparece como lo hizo el uso político de la Copa por la dictadura y se realiza un análisis de la película La Fiesta de Todos, el primer ejemplo de la comercialización en la Copa del Mundo. A lo largo de la investigación se presentan periódico cita al periodo que también ayudan a ilustrar la importancia de la Copa del Mundo para el régimen de mantenimiento en Argentina. Palabras clave: Fútbol. Dictadura. Argentina. Copa Mundial. La Fiesta de Todos. 9 SÚMARIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 10 2 DITADURA ARGENTINA .......................................................................... 11 2.1 O CONTEXTO MUNDIAL ................................................................... 11 2.2 A ARGENTINA PRÉ-GOLPE .............................................................. 12 2.3 A JUNTA CHEGA AO PODER ............................................................ 14 2.4 O FUTEBOL NO CENÁRIO POLÍTICO MUNDIAL ............................. 17 2.5 A ARGENTINA VAI FAZER A COPA .................................................. 20 3 CAMPANHA ANTI-ARGENTINA .............................................................. 23 3.1 AS DENÚNCIAS ................................................................................. 23 3.2 O BOICOTE ........................................................................................ 27 3.3 O COBA .............................................................................................. 28 3.4 A RESPOSTA AO BOICOTE .............................................................. 35 4 USO POLÍTICO ......................................................................................... 40 4.1 NACIONALISMO ................................................................................. 41 4.2 IMPRENSA ......................................................................................... 45 4.4 LA FIESTA DE TODOS ....................................................................... 51 5 CONCLUSÃO ............................................................................................ 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 54 FONTES PRIMÁRIAS ................................................................................... 54 FONTES SECUNDÁRIAS ............................................................................. 54 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 5410 1 INTRODUÇÃO A Copa do Mundo de Futebol, organizada pela FIFA, é um evento esportivo que envolve muito mais do que apenas o componente esportivo. As questões políticas que o permeiam são importantes para compreender sua importância e seu envolvimento na história dos países que o sediam e participam deste. O objetivo deste trabalho é justamente apresentar a relação entre futebol e política, através do uso da Copa do Mundo como propaganda de um governo. Em um primeiro momento será apresento o contexto em que a Copa do Mundo de 1978 estava envolvida. Isto é, o regime ditatorial argentino, que se iniciou em 1976. Além disso será traçado um breve panorama da importância do futebol para a política. A seguir, já tratando do desenvolvimento da Copa pelo governo argentino, é apresentado o que os responsáveis pelo evento chamavam de Campanha Anti- Argentina, isto é, críticas e movimentos contrários a realização do campeonato em solo sul-americano. Essa ação contrária à realização do mundial se deve por uma série de fatores, os quais terão seu espaço no segundo capítulo. Por fim será apresentado como foi o uso político do evento por parte da ditadura militar argentina. Como base serão apresentadas situações em que esse uso se faz visível, como citações em jornais, além de uma breve análise do filme La Fiesta de Todos, que foi produzido pelo governo argentino após o mundial de futebol. 11 2 DITADURA ARGENTINA A Argentina viveu períodos conturbados na sua política por anos, “relembrando, os governos militares argentinos, que iniciaram em setembro de 1955, com a queda de Perón, percorreram todo um período até dezembro de 1983, porém sem continuidade” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 397). As experiências com governos militares se sucederam, em 1955 houve a Revolução Libertadora, onde os generais Eduardo Lonardi e Pedro Eugenio Aramburu passaram pelo poder. Já em 1966 a autodenominada Revolução Argentina trouxe ao poder os generais Juan Carlos Onganía, Marcelo Levingston e Alejandro Lanusse. O governo voltou a ser civil em 1973, com Juan Domingo Perón, seguido por sua esposa Maria Estela Matínez de Perón, após a morte deste. Porém, foi um curto período civil no governo argentino, pois em 1976, um golpe militar alçava ao poder na Argentina a Junta de Comandantes em Chefe, formada pelo general Jorge Rafael Videla, o almirante Emilio Eduardo Massera e o brigadeiro Orlando Ramón Agosti, instalando uma violenta ditadura, que se estenderia por sete anos. (AGOSTINO, 2002, p. 173) 2.1 O CONTEXTO MUNDIAL A Guerra Fria já se estendia desde o fim da Segunda Guerra Mundial, criando um mundo polarizado entre as esferas de influência dos Estados Unidos e da União Soviética. Nos anos setenta estava mais forte a corrida armamentista e o “aumento da tensão internacional” (COGGIOLA, 2001, p. 35), onde os acordos estratégicos mundiais estavam definindo os rumos da política. Já Hobsbawn aponta que a partir dos anos setenta o mundo entra na chamada “Segunda Guerra Fria”, marcada por uma “grande mudança na economia mundial” (HOBSBAWN, 1995, p. 241). No cenário das disputas é importante citar que esse período coincide com a derrota americana do Vietnã, em 1973, com a emergência das repúblicas socialistas na África (Angola, Bênin, Congo, Moçambique), além de “importantes greves e mobilizações na Europa, que culminariam na revolução portuguesa de abril de 1974” (COGGIOLA, 2001, p. 36). 12 2.2 A ARGENTINA PRÉ-GOLPE Nas eleições de 1973, Juan Domingos Perón assume o poder, substituindo a ditadura militar existente, que havia lançado como candidato Héctor Campora. O golpe militar se explica ao se estudar como foi o terceiro governo de Perón (1973-1976): “desde finde de 1973, começaram a acumular-se os problemas, num círculo vicioso que atingiu a Argentina, ao longo de muitas décadas. Lembrando o ocorrido com outros planos inclusive no Brasil, o incremento do consumo deu lugar ao retorno da inflação, enquanto o aumento de preços do petróleo do mundo, anunciando o fim do ciclo de prosperidade do pós-guerra, encareceu as importações e começou a complicar as contas externas. ” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 412) Além de viver uma “crise permanente” (COGGIOLA, 2001, p. 46), o velho líder já estava com a saúde muito debilitada, o que ocasionou sua morte em julho de 1974. Porém, pode-se notar, mesmo nesse curto período, a diferença do primeiro governo para o novo, onde as repressões eram ainda mais fortes, e o próprio Perón já demonstrava sinais de mudança, como no discurso de 1º de maio de 1974: Para não afetar sua saúde debilitada, Perón falava afundado em um grosso sobretudo, e atrás de um vidro blindado para proteger-se das balas que mais de um franco atirador suicida poderia querer dirigir-lhe. Era para se pensar que o peronismo estava igual que seu criador, vivendo seus últimos dias. (DI TELLA, 2010, p. 276) De qualquer forma, “o governo peronista havia criado uma rede de intervenção social com forte participação do Estado, fazendo com que o plano econômico instituído pelos militares, com base no livre mercado, fosse interpretado pela população como uma “declaração de guerra à sociedade urbana” (WILLIAMSON, 2102, p. 491 apud DANTAS, 2014, p. 26). Essa toada de governo repressivo só aumentou com a chegada ao poder da mulher de Perón, Isabelita (Maria Estela Martinez) e com ela a ultradireita peronista que passa a dominar o governo. As ações de guerrilha ficam mais 13 fortes com a entrada dos Montoneros1 na clandestinidade e com a ERP2 em guerra com o exército. As políticas de Isabel contra a subversão a aproximou dos militares, que começaram a se ver cada vez mais próximos de uma volta ao governo, principalmente após a queda do alto comando do exército, ligado a Lopez Rega, secretário de Perón. “No lugar deles assumiram Videla-Agosti-Massera, chefes dos Exército, da Aviação e da Marinha, o ‘trio da morte’” (COGGIOLA, 2001, p. 49). O autor Di Tella nos traz o resultado do aumento de poder dado por Isabel aos militares: Isabelita passava por dificuldade, com várias críticas a seu governo, que levaram a seus assessores a propor até que ela renunciasse. Por fim era evidente que “o controle das Forças Armadas sobre o governo e sua ação praticamente autônoma na luta antiguerrilheira transformavam o governo constitucional cada vez mais em uma ficção. ” (2010, p. 276) Por fim “a Presidenta foi levada a um lugar de detenção e substituída por uma Junta Militar, formada pelos três comandantes, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Estes em seguida designaram Jorge Rafael Videla presidente de fato” (DI TELLA, 2010, p. 276). Fica também marcada aqui a curiosidade trazida por Coggiola: “ninguém saiu às ruas em defesa de governo de Perón” (2001, p. 49). Isso não pode ser de maneira nenhuma confundida com uma falta de resistência ao regime, que de fato ocorre na figura dos Montoneros e da ERP, mas deve-se entender que Coggiola deseja citar a falta de apoio do povo comum ao governo de Isabelita, o povo que elegeu seu marido e que não fazia parte de movimentos de guerrilha. 1 O movimento dos Montoneros, tal como se tornou conhecido, nasceu em 1973, com a junção das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e dos já existentes Montoneros. As FAR constituíam uma organização semelhante à Ação Libertadora Nacional (ALN) brasileira, nascendo de uma cisão no interior do PartidoComunista, sob o impacto da Revolução Cubana. Os “antigos” Montoneros originaram-se da direita nacionalista e de alguns grupos social-cristãos. Com características de movimento social em seu início, passaram a ser uma organização com enquadramento militar. Recrutados na classe média e em setores marginais, cultivados por sacerdotes terceiro-mundistas e por teóricos marxistas que procediam da elite intelectual da esquerda argentina, seus membros eram menos orientados em direção ao movimento operário do que outros grupos. Sobretudo souberam utilizar a figura de Perón no exílio, colocando-se como verdadeiros interpretes de seu pensamento. “(DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 445-446) 2 Exército Revolucionário do Povo 14 2.3 A JUNTA CHEGA AO PODER Com a chegada ao poder da Junta Militar, comandada pelo General Videla, a Argentina se junta as outras nações da América do Sul que estavam sob o controle militar: Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Peru, Brasil, Paraguai e Equador. Já de início é importante explicar que “o presidente militar tinha sua ação limitada pela Junta de Comandantes, integrada pelos comandantes das três armas, com predominância do Exército” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 397) Com isso inicia-se o período chamado de “Reorganização Nacional” que “entre outros pontos, diferencia-se do anterior pelo abandono total da legalidade no combate à guerrilha, que, de uma operação repressiva, se converte em uma “guerra de extermínio”, na qual se empenham as Forças Armadas em seu conjunto” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 397). Essa visão ajuda a compreender quão repressiva era a ditadura argentina, uma vez que “seus objetivos proclamados foram o restabelecimento da desaparecida ordem social, a reorganização das instituições e a criação de melhores condições para a volta de uma autêntica democracia3” (NOVARO; PALERMO, 2007, p. 20). Logo de início a ditadura tinha de lidar com problemas, entre eles, a herança deixada pelo governo de Perón: O começo de 1976 foi caótico devido a tremenda violência política utilizada pelas forças militares e paramilitares para combater os grupos da opositora guerrilha de esquerda, a crise institucional aberta traz a morte do presidente Perón e a degradação econômica que, entre outras coisas, provocou uma taxa de inflação anual de 566,3%. Em março desse ano a inflação alcançou uma máxima histórica: 56%, acompanhada por um assassinato político a cada cinco horas e a explosão de uma bomba a cada três horas. (ARCHETTI, 2004, p. 178)4 A crise deixada pelo governo anterior ajuda a entender o porquê o golpe militar “foi recebido com alivio pelos setores médios da sociedade. Nessa altura, 3 Tradução Livre do Autor: sus objetivos proclamados fueron el restablecimiento del desaparecido orden social, la reorganización de las institucioners y la creación de mejores condiciones para el regreso a uma auténtica democracia. 4 Tradução Livre do Autor: El comienzo de 1976 fue caótico debido a la tremenda violencia política utilizada por las fuerzas militares y paramilitares para combatir a los grupos de la opositora guerrilla de izquierdas, a la crisis institucional abierta tras la muerte del presidente Perón y la degradación económica que, entre otras cosas, provocó uma tasa de inflación anual del 566’3%. Em marzo de ese año la inflación alcanzó um máximo histórico: 56%, acompanãda por um asesinato político cada cinco horas y la explosión de uma bomba cada tres horas. 15 a intervenção das Forças Armadas foi encarada, em um primeiro momento, como a resposta adequada à desordem, à violência social e ao perigo revolucionário. ” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 429). Para uma nação que já havia passado por crises governamentais antes, a chegada de um pretenso salvador passa a ser vista com bons olhos, assim sendo, tinha-se a visão de que a sociedade argentina “se encontrava diante de tamanha desordem, que só a intervenção militar poderia recuperar” (ROMERO, 2006, p. 196). Essa ideia de que as Forças Armadas seriam as salvadoras era compartilhada pelos próprios militares, segundo O’Donnell, As Forças Armadas se enfrentaram com o que – não só para elas como também para outros atores, internos e externos, que se dedicaram eficazmente a reforçar essa percepção -, em particular durante a década de setenta, apareceu como uma característica que, já esboçada nos golpes da década de sessenta, se implantou em plenitude durante os da década de setenta: a ideia nas Forças Armadas de que, se a crise havia chegado a tal ponto, não podia tratar de extirpar algum ‘câncer’ localizado, além de submeter um severo tratamento ao conjunto do ‘corpo social’5. (2004, p. 101) As Forças Armadas buscavam “um extenso consenso social6” (ROLDAN, 2007, p. 131), isto é, uma aceitação do povo, que lhes daria condições de realizar os trabalhos aos quais tinham por meta: A Junta Militar que assumiu em finais de março de 1976 esboçou um projeto orientado a reprimir e disciplinar a sociedade argentina, condição inevitável para a transformação de um modelo de acumulação e para desenraizar a cultura política ao justicialismo e a esquerda7. (ROLDAN, 2007, p. 132) Os militares tinham por objetivo, resumidamente, livrar a sociedade argentina do mal que havia se instalado entre ela. Esse mal era a subversão. Dessa forma “já no primeiro dia, o Proceso de Reorganización Nacional, prendeu 5 Tradução Livre do Autor: Las fuerzas armadas se enfrentaron con lo que – no solo para ellas sino también para otros actores, internos y externos, quienes se dedicaron eficazmente a reforzar esa percepción -, en particular durante la década del setenta, aprecio como una característica que, ya esbozada en los golpes de la década del sesenta, se desplegó en plenitud durante los de la del setenta: la idea en las fuerzas armadas de que, si la crisis había llegado a tal punto, no podía tratarse de extirpar algún ‘cáncer’ localizado, sino de someter a severo tratamiento al conjunto del ‘cuerpo social’. 6 Tradução Livre do Autor: un extenso consenso social. 7 Tradução Livre do Autor: La Junta Militar que asumió a fines de marzo de 1976 pergeñó un proyecto orientado a reprimir y disciplinar a la sociedad argentina, condición ineludible para la transformación del modelo de acumulación y para desterrar de la cultura política al justicialismo y a la izquierda. 16 mais de uma centena de pessoas consideradas subversivas” (STEINKE, 2011). Nota-se a partir dessa afirmação que a ditadura não tinha medo de lançar mão da violência para atingir seus objetivos. Como diz Aguila: Assim como o uso da violência — ou a ameaça de seu uso — foi um elemento constitutivo do regime e adquiriu uma relevância fundamental em seus primeiros anos, não se deve perder de vista que também atravessou a esfera pública, tanto em seu exercício puro e simples como nos discursos — que defendiam e justificavam a adoção de soluções drásticas, frente à ação subversiva — e chegou à informação amplamente difundida pelos meios de comunicação nacionais e locais sobre procedimentos, detenções e descoberta de cadáveres, que incluía tanto comunicados oficiais das forças de segurança quanto uma certa cobertura jornalística. (2011, p. 600) A repressão militar empregada durante a ditadura tinha como alvo principal os grupos contrários ao regime, exemplificados pelos grupos de guerrilha, como os Montoneros e o ERP e essa atitude de buscar a derrubada das ações de seus inimigos logo no início do governo teve resultado: Os piores anos foram os do “triênio sombrio” ente 1976 e 1978, quandoo Exército Revolucionário do Povo (ERP), oriundo do trotskismo, foi praticamente liquidado, e os Montoneros se converteram em um grupo capaz de realizar apenas algumas ações terroristas isoladas (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 456) Essa luta contra as forças de guerrilha não eram uma novidade do período ditatorial, uma vez que o próprio “Perón era visto por muitos como o líder capaz de controlar e moderar essa força popular” (DI TELLA, 2010, p. 266). Porém o uso de força por parte dos militares era bem maior que o do antigo presidente, o que se explica com o “amplo acirramento dos embates sociais, a amplitude das ações de guerrilha urbana e a maior fragilidade institucional do regime militar argentino” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 399). Ao colocarmos a ERP e os Montoneros como principais forças contrárias ao regime, é necessário explicar o papel delas no âmbito popular, em primeiro lugar os Montoneros, segundo Devoto e Fausto: “Vanguarda revolucionaria por auto definição, os Montoneros expressaram melhor do que ninguém a perspectiva de uma revolução popular contra o imperialismo e seus agentes internos, pretendendo representar uma entidade totalizante – o povo argentino -, e afastaram- se, assim, de uma perspectiva classista. ” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 446) 17 Também segundo Devoto e Fausto, eles eram uma “vanguarda revolucionária por auto definição, os Montoneros expressaram melhor do que ninguém a perspectiva de uma revolução popular contra o imperialismo e seus agentes internos” (DEVOTO; FAUSTO, 2004, p. 446) Já o Exército Revolucionário do Povo era o braço armado do Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Eles foram derrotados logo no início da ditadura de Videla, em 1976. A forte repressão militar teve desdobramentos na política externa do país, um tópico que será melhor abordado a seguir, na preparação para o Mundial. Não se deve deixar de apontar a conclusão dessa forte perseguição aos inimigos do regime: “O resultado foi dramático: 30.000 pessoas foram assassinadas entre 1976 e o final da ditadura em 19838”. (ARCHETTI, 2004, p. 179). Aguila traz mais informações sobre a repressão da ditadura: Embora grande parte da repressão fosse clandestina e ocorresse longe dos olhos dos cidadãos, houve muitas operações feitas na presença de testemunhas. Essa dimensão social permaneceu velada — e escassamente analisada — por destacar uma perspectiva que priorizou o caráter fundamentalmente oculto e/ou secreto das ações repressivas e, portanto, mostrou uma sociedade que desconhecia o que se passava. (2011, p. 599) 2.4 O FUTEBOL NO CENÁRIO POLÍTICO MUNDIAL A realização da Copa do Mundo de 1978 possibilitou que o mundo virasse seus olhos para a Argentina e pudesse notar o que acontecia nesse país sul- americano. Porém a ditadura vigente era repressiva e totalmente autoritária, com o costume de perseguir aqueles que discordassem de seus métodos. Com isso, o que leva um país nessas condições a se abrir de tal forma? Nesse contexto é importante observar o papel do futebol no cenário político e qual a importância dele nessa situação. “O futebol é um jogo que emociona multidões, ocupando em nossa cultura a função de esporte nacional que nos levou já muitas vezes à consagração 8 Tradução Livre do Autor: El resultado fue dramático: 30.000 personas fueron asesinadas entre 1976 y el final de la dictadura em 1983. 18 internacional. ” (WITTER, 2003, p. 163). Essa afirmação já ajuda a notar a importância do futebol, importância que já havia sido notada antes, por exemplo: Ele já foi ritual de guerra e cerimonial na Antiga China (MURAD, 1996, apud DANTAS, 2014, p. 19). Também já foi símbolo de resistência na Segunda Guerra Mundial, em que um grupo de ex-jogadores do Dínamo de Kiev venceu um combinado de soldados alemães, reeditando, no campo de jogo, a heroica resistência do povo ucraniano ante o invasor nazista (DOUGAN, 2009 apud DANTAS, 2014, p. 19) Carvalho segue adiante e traz em números o tamanho do alcance que o futebol tem no mundo: Para termos uma ideia da sua popularidade, se o transformássemos em país, o futebol teria em seu território a maior concentração de etnias na história da humanidade, com 280 milhões de habitantes9 e estaria entre as quinze maiores economias do planeta, com possibilidade de figurar entre as dez maiores em 2020, com um PIB estimado em aproximadamente 600 bilhões de dólares. (CARVALHO, 2012 apud DANTAS, 2014, p. 18) Giulianotti afirma que “nenhuma outra forma de cultura popular engendra uma paixão ampla e participativa entre seus adeptos como a que se tem pelo futebol” (2002, p. 7 apud DANTAS, 2014, p. 19). E, como já visto, essa força da cultura popular não passou despercebido aos olhos dos governantes, como cita Guterman: Com a massificação, o futebol passou a ter também importância política, sua capacidade de mobilização logo se impôs como elemento muitas vezes decisivo para definir o humor de um eleitorado crescentemente menos controlável. O mundo do poder político e ideológico reproduziu dentro dos campos de futebol. (GUTERMAN, 2010, p. 10 apud DANTAS, 2014, p. 20) Dessa forma, é importante notar a força do futebol. Porém deve-se lembrar que o esporte em geral tem sua área de influência, por exemplo na imagem das Olímpiadas, onde os grandes países buscam a superioridade política por meio da classificação final dos jogos, onde quanto mais no topo, melhor era o país. Além disso o nacionalismo tinha grande importância nesse campo, “situando os esportes como uma espécie de “reduto” do nacionalismo moderno, particularmente através da possibilidade de reificação da nação em 9 Esse número se refere ao número de jogadores filiados, segundo o censo da FIFA em 2006. 19 um competidor ou time, encurtando os caminhos para o processo de identificação. ” (GUEDES, 2002, p. 4) Se aproximando mais do caso argentino, pode-se ver o uso político no próprio continente no qual eles estão inseridos uma vez que “na América Latina encontramos diversos exemplos do uso político do futebol durante as ditaduras das décadas de 1960-1980, além da tradicional rivalidade regional entre clubes e seleções. ” (MAGALHÃES, 2013, p. 22). Além dessa proximidade geográfica existe a proximidade ideológica, no caso do Chile “o regime de Augusto Pinochet não pôde capitalizar uma conquista mundial de sua seleção, mas na Copa da Alemanha Ocidental de 1974, aproveitou a oportunidade do desfile de delegações para difundir sua visão política da cultura nacional. ” (LUCAI; JARA, 2010 apud MAGALHÃES, 2013, p. 22) De Vasconcellos conclui da seguinte forma: A paixão do povo pelos desportos de massa, como o futebol nos trópicos e o basquete no Hemisfério Norte do continente americano, permite ao analista social estimar o nível da cultura popular. Simultaneamente, sugere a estadistas e a educadores a via de acesso mais direto ao convívio do povo, de modo a reconhecer, reforçar e orientar o movimento da cultura de massas. Como alternativa de ocupação, participação e lazer, as competições e os espetáculos desportivos oferecem a motivação mais sensível aos progressos da cultura popular, quando os níveis da vida social e econômica não permitem eventualmente aos povos outras escalas e escaladas de valorização cultural. (DE VASCONCELLOS, 2011, p. 40) A maior competição no que se refere ao futebol era a Copa do Mundo da FIFA. Esse torneio era realizado a cada quatro anos, desde de 1930, tendo ficado sem ediçõesapenas em 1942 e 1946, devido à Segunda Guerra Mundial. E mesmo a Copa já havia sido usado para fins políticos: Ao longo da história das Copas, outros países sedes a utilizaram para fins políticos. Na Copa de 1982, a monarquia espanhola aproveitou os holofotes para legitimar sua condição numa Espanha ainda regida pelas lembranças do franquismo. Já na Copa de 2006, a Alemanha mostrava ao mundo um país sem divisões, já que foi a primeira participação desse país como nação unificada desde a Copa de 1938, na França. (DANTAS, 2014, p. 21) O primeiro mundial havia sido disputado em 1930 no Uruguai, tendo o país mandante como campeão. A partir daí foram realizadas edições na seguinte 20 ordem: Itália, França, Brasil, Suíça, Suécia, Chile, Inglaterra, México e Alemanha Ocidental, para então chegar a edição de 1978, realizada na Argentina. Durante essas várias edições, diversos foram as influências políticas vistas no Mundial. Como por exemplo a edição de 1934, onde os jogadores da campeã Itália haviam recebido uma carta do comandante fascista Benito Mussolini com os dizeres: “Vencer ou morrer”, horas antes do jogo decisivo. Outro exemplo foi a situação da seleção inglesa que, uma vez que se considerava superior aos outros países por se considerar a criadora do futebol, não participava dos mundiais tendo sua primeira participação foi em 1950, no Brasil, e seu primeiro título em 1966, em casa. 2.5 A ARGENTINA VAI FAZER A COPA No caso argentino, o futebol era algo que tinha grande força no cenário político, devido a sua importância no âmbito popular. E essa situação foi criada para ser utilizada, uma vez que “a popularização do futebol argentino não admite a casualidade midiática, uma vez que sua mercantilização seria impensável sem a sua mediação da massa, igual a qualquer produto cultural de massas do século XX. ” 10 (ALABARCES, 1998, p. 261 apud GUEDES, 2002, p. 5). Archetti complementa ainda dizendo que “o futebol na Argentina era uma velha paixão nacional, uma obsessão, o lugar do orgulho e do desencanto, da alegria e da tristeza, e um importante cenário para a obtenção da vitória e do reconhecimento global. ” 11 (ARCHETTI, 2004, p. 182) Para um país com tanto interesse no futebol, era de suma importância a realização de um mundial, além da conquista de um título, num cenário onde seus dois maiores rivais e vizinhos, Brasil e Uruguai, já possuíam dois. Assim sendo, “durante vários anos, o país platino tentou organizar o torneiro, mas só conquistou o direito de fazê-lo num dos períodos políticos mais conturbados de sua história. ” (DANTAS, 2014, p. 25) 10 Tradução Livre do Autor: la popularización del fútbol argentino no admite la causalidad mediática, aunque su mercantilización sea impensable sin su massmediación, al igual que cualquier producto cultural de masas em el siglo XX 11 Tradução Livre do Autor: El fútbol en Argentina es una vieja pasión nacional, una obsesión, el lugal del orgullo y el desencanto, de la alegría y la tristeza, y un importante escenario para la obtención de la victoria y del reconocimiento global. 21 Porém a Argentina já havia tentado realizar o mundial antes, como cita Ribas: A Argentina tentou organizar o mundial de 1938, apostando em um rodízio de continentes, mas sucumbiu diante do lobby francês. Pleiteou a copa de 1962, mas a FIFA escolheu o Chile. Por último, apresentou candidatura para a copa de 1970, mas o México foi o escolhido. (RIBAS, 2010 apod DANTAS, 2014, p. 25) A importância da política no cenário futebolístico toma forma mais uma vez na escolha da Argentina como sede do Mundial: A própria indicação da Argentina como sede do mundial já envolveria fatores extracampo. Apesar das denúncias de violação de direitos humanos e perseguições políticas, o recém-eleito presidente da FIFA, João Havelange, sustentou a permanência do torneio no país por dever à AFA o apoio que recebera à sua candidatura. (DANTAS, 2014, p. 25) Porém, não se pode pensar que a escolha para sede se deu após a instauração da ditadura de 1976. Uma vez que: Cerca de dez anos antes, no entanto, a FIFA já havia decidido que a Argentina sediaria o Mundial de 1978, com a alegação de que o mundo do futebol nutria grande admiração pelo estilo de jogo argentino, fator que se somava às questões de natureza técnica, como as excelentes instalações hoteleiras e os inúmeros estádios existentes em diversos pontos turísticos do país. (AGOSTINO, 2002, p. 174) Fica claro então que o uso político do futebol não se inicia com a Junta Militar comandada por Videla, uma vez que na escolha do mundial o país vivia a ditadura de Onganía. Perón também tinha sua posição quanto ao futebol, ele “compreendia bem que nos esportes com crescente profissionalização e alta competência era impossível conformar-se com uma ‘participação digna’ ou ‘meritória’, a vitória era necessária. ” 12 (RÓDAN, 2007, p. 131) Uma vez definida a ascensão da ditadura ao poder na Argentina em 1976, tinha de se acertar ou não a realização do mundial. Assim haviam diversas preocupações por parte tanto da FIFA, na figura de seu presidente, quanto na figura dos militares argentinos: o Mundial era um teste decisivo tanto no plano interno como externo, e podia transformar-se num desastre ou dar motivos aos chefes 12 Tradução Livre do Autor: Pero Perón comprendía bien que en los deportes de creciente profesionalización y alta competencia era imposible conformarse con una “participación digna” o “meritoria”; la victoria era necesaria. 22 processistas para seguir adiante. O temor era justificado: os militares haviam optado por um caminho repressivo inédito em seu alcance e nas formas empregadas; embora houvessem feito um cálculo dos riscos que corriam, não podiam estar seguros de qual seria o resultado. (NOVARO; PALERMO, 2007, p. 207) Porém, vence o que já havia sido acertado em 1966, com a organização do mundial, uma vez que “os governantes se deram conta da visibilidade que esta modalidade esportiva pode proporcionar a um regime e, consequentemente, do potencial que o mesmo possui como instrumento de mediação entre os interesses do regime (privado) e do povo (público) ”. (DANTAS, 2014, p. 19). Berns (2007) afirma ainda: além de perseguir opositores políticos e civis e limitar ao máximo a atuação da imprensa, o governo militar contratou os serviços da Burson Masteller. A agência de Relações Públicas especializada em propa- ganda para governos ditatoriais desenvolveu uma extensa campanha internacional que visava difundir a ideia de uma “Argentina em paz”. (apud DANTAS, 2014, p. 27) Apenas tem de ficar claro que “a Junta herdou um campeonato outorgado a Argentina em 1968; ela não pediu por ele. ” 13 (ARCHETTI, 2004, p. 180) Fica então decidida a realização do torneio e com isso a Argentina precisava, no período de dois anos, preparar o evento, além de melhorar a imagem do país e vencer as organizações contrárias a realização do mundial em solo ditatorial. Com isso, “o ano de 1978 foi marcado por duas situações muito distintas envolvendo a República Argentina: o terror e a repressão do regime militar argentino e o êxtase popular por sediar uma Copa do Mundo. ” (DANTAS, 2014, p. 24-25). 13 Tradução livre do autor: “la Junta heredó um campeonato otorgado a Argentina em 1968; ella no lo pidió.” 23 3 CAMPANHA ANTI-ARGENTINA No dia 1ºde junho de 1978 começou a Copa do Mundo de Futebol, realizada na Argentina. No capítulo anterior foi estudado os momentos que antecederam a preparação para a Copa com a tomada de poder que a Junta Militar encabeçada pelo General Videla realizou no país. Além disso foi preciso compreender a importância do futebol no cenário mundial e nacional, para ser possível a seguir dar continuidade nos estudos referentes ao uso político do Mundial pela ditadura argentina. Esse estudo se faz possível devido a “um fator essencial que é a importância do futebol na cultura popular moderna e, em particular, as paixões que isso mobiliza quando se trata de encontros internacionais como os Mundiais”. (FRANCO, 2005, p. 17)14 Além das questões referentes a realização do Mundial propriamente ditas (estádios, hotéis, transportes, etc.) havia também um novo problema a ser enfrentado pela ditadura, a chamada “campanha anti-argentina”, nome dado pelos militares à série de denúncias contra os abusos cometidos pelo governo argentino. “O eixo da campanha era a negativa que o Mundial aconteceria em um país onde os direitos humanos eram violados sistematicamente sob uma repressão feroz e onde o evento era utilizado como uma operação política de propaganda.” 15 (FRANCO, 2005, p. 3) 3.1 AS DENÚNCIAS Uma situação comum em governos ditatoriais repressivos, como de Pinochet no Chile e a ditadura militar brasileira, ambas no mesmo período, e como era a ditadura argentina, são as constantes denúncias do uso de violência por parte dos agentes do governo e na Argentina isso não foi diferente. Tem que se analisar, porém que a chamada “campanha anti-argentina”, combatida pelos militares, tem seu nascimento em denúncias vindas da Europa. Um dos fatores que pode ter relevância nesse ponto é o controle que o governo argentino tinha 14 Tradução Livre do Autor: hay un factor esencial que es la importancia del fútbol en la cultura popular moderna y, en particular, las pasiones que eso moviliza cuando se trata de encuentros internacionales como los Mundiales. 15 Tradução Livre do Autor: El eje de la campaña era la negativa a que el Mundial se desarrollara en un país donde los derechos humanos eran violados sistemáticamente bajo una represión feroz y donde el evento era utilizado como una operación política de propaganda. 24 sobre os meios de comunicação no país. Outro fator é o trazido pela autora Magalhães: Como ocorreu em outras experiências autoritárias de países do Cone Sul, os militares argentinos eram historicamente vistos pela sociedade civil, e por si próprios, como moderadores dos conflitos sociais. A situação prévia à ditadura militar de 1976 levou parcelas significativas da sociedade a apoiar uma nova intervenção civil-militar no regime constitucional instaurado há apenas três anos. (2012, p. 3) De qualquer forma haviam as denúncias, uma vez que “o evento também foi um espaço e um momento para ação dos que criticavam e acusavam o regime argentino. ” (MAGALHÃES, 2012, p. 2). O medo do governo era totalmente fundado, afinal, “o que poderia acontecer com as pessoas no momento em que algumas centenas de jogadores de futebol, uns poucos milhares de torcedores e, sobretudo, alguns milhares de jornalistas de toda a mídia mundial convertessem o país numa delicada vitrine? ” (NOVARO; PALERMO, 2007, p. 207) Como já apresentado antes, as denúncias em grande parte provem da Europa, porém não era uma situação amplamente trabalhada nas diversas camadas sociais, Franco (2005, p. 3) nos apresenta que “em 1978, na Europa o conhecimento do tema estava bastante limitado aos grupos políticos ou intelectuais mais sensíveis a política internacional. ” 16 Era lugar comum que os europeus se colocassem contrários aos governos ditatoriais sul-americanos, porém por que o caso argentino merecia menos visibilidade? Novamente é Franco quem aponta os motivos: Contudo, o caso argentino era menos conhecido e as características especificas do conflito político que levou ao Golpe de Estado –em particular o peronismo e as organizações revolucionarias, especialmente as de origem peronista- dificultavam os apoios espontâneos no quadro da política europeia.17 (FRANCO, 2005, p. 3) Porém, com a proximidade do campeonato era natural que os olhos do mundo passassem a se interessar cada vez mais pela situação argentina. Esse 16 Tradução Livre do Autor: En 1978, en Europa el conocimiento del tema estaba bastante limitado a los grupos políticos o intelectuales más sensibles a la política internacional. 17 Tradução Livre do Autor: Sin embargo, el caso argentino era menos conocido y las características específicas de la conflictividad política que llevó al golpe de Estado –en particular el peronismo y las organizaciones revolucionarias, especialmente las de origen peronista– dificultaban los apoyos espontáneos en el cuadro de la política europea. 25 é um ponto a ser apenas relembrado, uma vez que já foi trabalhada a importância do futebol no cenário mundial. Essa relação entre a chegada do mundial e o aumento das denúncias é trazido por Novaro e Palermo: À medida que a data do campeonato se aproximava, as críticas e denúncias das violações dos direitos humanos vindas do exterior foram aumentando, em parte em virtude da passagem do tempo, do amadurecimento da ação contestadora e das transformações na política exterior norte-americana, e em parte devido à própria proximidade do Mundial. (2007, p. 207) A posição das principais potências mundiais sobre a repressão argentina era diversificada: Havia conflito em relação aos diferentes posicionamentos internacionais em relação às ditaduras latino-americanas. Enquanto as principais potências mundiais (incluindo a União Soviética) condenaram imediatamente o golpe chileno, a reação ao caso argentino foi lenta. No caso dos Estados Unidos, foi somente com a chegada e James Carter ao poder (1977-1981), que as denúncias sobre a situação da Argentina passaram a ser tema na agenda do governo. (MAGALHÃES, 2012, p.11) O posicionamento europeu contrário a situação política argentina tinha uma explicação para existir: Estas denúncias eram originárias principalmente da Europa, onde as principais manifestações eram de grupos e partidos de esquerda. O caso de maior destaque é o da França, onde foi criado o Comitê de Boicote à Copa o Mundo na Argentina (COBA). Neste sentido, cabe destacar que foi só a partir do golpe chileno de 11 de setembro de 1973 e a consequente repressão instalada naquele país que a América Latina entrou na pauta de Direitos Humanos das principais organizações e partidos políticos de esquerda internacionais. Foi também um momento de mudança na política da ONU, que passou a olhar mais para os casos da América Latina além dos africanos e asiáticos. (MAGALHÃES, 2012, p. 2) Já a principal fonte difusora das denúncias contra a situação argentina era a França, isso pode parecer estranho, porém é explicável: Contudo, os alcances da repressão –e em particular a prática do desaparecimento forçado de pessoas e a tortura- facilitaram a difusão do caso. A isto se somou à existência de numerosos desaparecidos e prisioneiros políticos franceses (ou binacionais), que deu a campanha um protesto mais eficaz. 18 (FRANCO, 2005, p. 4) 18 Tradução Livre do Autor: No obstante, los alcances de la represión –y en particular la práctica de la desaparición forzada de personas y la tortura– facilitaron la difusión del caso. A esto se26 Outro ponto a ser discutido antes de nos aprofundarmos nas medidas mais práticas da “campanha anti-argentina” é o apoio nacional que esse movimento possuía. Dentro do país havia também uma divisão no quesito apoio ao mundial: Populistas, ultra-esquerdistas, ativistas de direitos humanos, antropólogos e semiólogos uniram-se em favor do proveito da festa, na recuperação da identidade nacional expressa por suas equipes futebolísticas e ocupação de espaços públicos (rua, palco). Contudo souberam unir esta manifestação às críticas, como insulto estridente e militante, ao regime de Videla e Martinez de Hoz. (Bernetti y Giardinelli, 2003, p.139.) (FRANCO, 2005, p. 6) 19 Já o lado contrário ao mundial era encabeçado por aqueles que lutavam contra o governo, apoiadores do governo de Perón: Montoneros –organização a qual pertencia com vários graus de adesão uma boa parte dos exilados na França- propôs uma “trégua” ao governo argentino duranto o Mundial e considerava a realização do evento na Argentina como uma forma de mostra a “verdadeira situação” e de reforçar a “ofensiva” contra a ditadura. (FRANCO, 2005, p. 7)20 Pode-se notar que mesmo entre os que apoiavam o mundial também havia um desejo de lutar contra o regime. Esse é um ponto importante, onde pode-se observar que a realização de um evento esportivo por um governo criticado pode ser aproveitada pela população e também utilizado como vitrine para as críticas. “Certamente, muitos dos que repudiavam o regime esperavam que ocorresse durante a Copa do Mundo exatamente aquilo que os militares temiam. ” (NOVARO; PALERMO, 2007, p. 207). Isso pode ser melhor evidenciado a seguir: sumó la existencia de numerosos desaparecidos y prisioneros políticos franceses (o binacionales), lo cual dio a la campaña de denuncia una mayor efectividad. 19 Tradução Livre do Autor: Populistas, ultraizquierdistas, activistas de los derechos humanos, semiólogos y antropólogos se unieron en el gusto por el disfrute de la fiesta, en la recuperación de la identidad nacional expresada por sus equipos futboleros y en la ocupación de espacios públicos (la calle, el estadio). En todo supieron unir esta manifestación a la crítica, en forma de insulto estentóreo y militante, al régimen de Videla y de Martínez de Hoz. 20 Tradução Livre do Autor: Montoneros –organización a la cual pertenecía con mayor o menor grado de adhesión una buena parte de los exiliados en Francia– propuso una “tregua” al gobierno argentino durante el Mundial y a la vez consideraba la realización del evento en la Argentina como una forma de mostrar la “verdadera situación” y de reforzar la “ofensiva” contra la dictadura. 27 Em 1978 a ditadura de Videla pretende maquiar com a Copa do Mundo de Futebol a tragédia argentina... O MPM (Movimento Peronista Montonero) sabe que este propósito está condenado ao fracasso e essa é uma das razões pelas quais desejam que o Mundial aconteça. (...) ...permitirá que o mundo espie o país e observe a realidade que ferve atrás das atrações turísticas: uma realidade cheia de dominação econômica e repressão sangrenta mas lavada também pela luta do povo e a esperança de um futuro de paz e liberdade. (MPM, Argentina 78, s/f.) (FRANCO, 2005, p. 7)21 Como já dito antes, a “campanha anti-argentina” teve seu maior foco de luta na França, fato que será melhor analisado no próximo tópico. 3.2 O BOICOTE A campanha realizada contra a realização da Copa do Mundo de 1978 na Argentina era embasada nas críticas e denúncias ao governo ditatorial e repressivo argentino, que chegavam ao exterior através de exilados e por órgãos internacionais. Porém, com a proximidade do evento medidas mais efetivas tinham de ser tomadas e, se tratando de um evento esportivo com participação de diversos países do mundo, a opção que chegou em voga era o boicote dos envolvidos. Porém era uma questão muito delicada: Por outro lado, os que estavam fora do país também viveram de forma intensa a Copa de 78. A questão de boicotar ou não a Copa foi discutida em diversas partes do mundo, principalmente em lugares com grande número de exilados, como México, Brasil, Espanha e França. No México, por exemplo, os membros Montoneros trabalhavam também na Contra-Ofensiva (que ocorreu em 1979), e aproveitaram a atenção internacional para realizar diversos trabalhos de denúncia da situação argentina. Para muitos exilados a Copa era também um momento de esperança, tanto de alguma possível ação contra o governo como de encontrar nas transmissões algum companheiro desaparecido nas plateias dos estádios. (MAGALHÃES, 2012, p. 9) Esse ponto da utilização do mundial como vitrine para mostrar ao mundo já foi apresentada, porém o que tem que se observar é como os países classificados levariam em conta essa medida de boicotar o evento. Temos de lembrar que a preparação para uma Copa do Mundo não é algo imediato, o 21 En 1978 la dictadura de Videla pretende maquillar con el Campeonato Mundial de Fútbol la tragedia argentina… El MPM [Movimiento Peronista Montonero] sabe que este propósito está condenado al fracaso. Y esa es una de las razones por las cuales desea que el Mundial se lleve a cabo. (…) …permitirá que el mundo se asome al país y observe la realidad que bulle tras los afiches turísticos: una realidad hecha de dominación económica y represión sangrienta pero labrada también por la lucha del pueblo y la esperanza en un futuro de paz y libertad. 28 trabalho eliminatório entre os países é longo, então abandonar um campeonato o qual a vaga foi conquistada no campo era sempre difícil. Entre os ex-jogadores também existiu apoio ao boicote, “duas importantes personalidades do esporte – o alemão Breitner e o holandês Cruyiff – resolveram aderir ao movimento de boicote aos jogos e se negaram a acompanhar suas seleções. ” (DANTAS, 2014, p. 25). Enquanto o boicote foi discutido de maneira generalizada, sem um órgão que o apoiasse, não houve grande adesão e efetividade: A questão de boicotar ou não a Copa foi colocada nos diversos exílios, e de maneira geral os argentinos eram contra tal atitude. Finalmente, o Boicote acabou tendo um efeito inverso, pelo menos em um primeiro momento. As manifestações fizeram com que muitos jornalistas fossem cobrir a Copa, também pendentes de conferirem a situação do país e as denúncias. (MAGALHÃES, 2012, p. 9) Porém não terminou aí. Como dito anteriormente, a França foi o principal foco de resistência a realização do mundial na Argentina e acabou sendo inevitável que o movimento pelo boicote tomasse forma nesse país com a fundação do COBA22 no final de 1977. Sua fundação adivinha de duas vertentes na “campanha anti-argentina”: O COBA era resultado da associação entre dois distintos grupos políticos de esquerda francesa. Por um lado estavam militantes mobilizados pela questão dos exilados argentinos e da crise política que vivia o país, que participavam do Comité de soutien aux luttes du peuple argentin (CSPLA), desde de 1975. Ou seja, que já participavam de ações de solidariedade antes do golpe de 24 de março de 1976. O outro grupo estava formado principalmente por indivíduos focados na crítica histórica do uso do esporte, baseados principalmente nos casos de Berlim 1936 e Itália 1934. Além da Copa do Mundo de 1978, os Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 também eram alvo de críticas e boicote. (MAGALHÃES, 2012, p. 11) A seguir vamos apresentar mais fatores da fundação do COBA, antes de nos aprofundarmos nos seus trabalhos efetivos. 3.3 O COBA Paraorganizar as tratativas visando o boicote à Copa do Mundo de 1978 na Argentina foi criado o COBA, “o comitê surgiu no final de 1977 por iniciativa de um grupo de militantes da “extrema esquerda” francesa que já não pertenciam 22 Comité de Boycott du Mondial de Football em Argentine 29 a um partido e que provinham dos de vertentes bem diferenciadas. ” 23 (FRANCO, 2005, p.2). Esse comitê logo assumiu grande importância na luta contra a ditadura argentina. “O COBA (Comité de Boycott du Mundial de Football en Argentine) foi um dos movimentos mais conhecidos na oposição perpetrada internacionalmente contra o Processo de Reorganização Nacional durante este período. ” (GILBERT, VITAGLIANO, 1998, p. 50) A partir da união de vertentes que criaram o COBA podemos analisar melhor o posicionamento da entidade. Mas primeiro tem que observar o posicionamento desses grupos individualmente. Assim sendo, “a primeira era um grupo de militantes já muito mobilizados pela situação argentina, que integravam um comitê francês de “solidariedade”: o Comitê de Apoio às lutas do povo argentino (CSPLA), desde o final de 1975. ”24 (FRANCO, 2005, p.2). Entende-se que esse grupo tinha uma posição voltada à situação argentina antes de pensar no quesito futebol. Já o segundo grupo: Um segundo ramo do COBA estava integrado por diversos militantes políticos, também de extrema esquerda, centralizados em uma crítica teórica e política do esporte. Neste conjunto convergiam linhas diferenciadas: um setor de professores teóricos da educação física com forte atividade e filiação sindical na esfera educativa francesa, vinculados na tendência Escola Emancipada e outro coletivo político e editorial de posições mais extremas, Quel Corps?25 (FRANCO, 2005, p.2) Como pode-se notar, esse segundo grupo tinha seu posicionamento voltado à situação que envolvia o esporte além da política. Esses dois grupos se uniram no final de 1977 devido ao único elo em comum entre eles: a militância de extrema esquerda. Outro ponto importante a ser levantado é a participação ou não de argentinos no COBA. Uma vez que era um movimento criado na França, mas 23 Tradução livre do autor: El comité surgió a fines de 1977 por iniciativa de un grupo de militantes de la “extrema izquierda” francesa que ya no tenían pertenencia partidaria y que provenían de dos vertientes bien diferenciadas. 24 Tradução livre do autor: La primera era un grupo de militantes ya muy movilizados por la situación argentina, que integraban un comité francés de “solidaridad”: el Comité de soutien aux luttes du peuple argentin (CSPLA), desde fines de 1975. 25 Tradução livre do autor: Una segunda rama del COBA estaba integrada por diversos militantes políticos, también de extrema izquierda, centrados en una crítica teórica y política del deporte. En este conjunto convergían líneas diferenciadas: un sector de profesores o teóricos de la educación física con fuerte actividad y filiación sindical en la esfera educativa francesa, vinculados a la tendencia Ecole Emancipée y otro colectivo político y editorial de posiciones más extremas, Quel corps?. 30 que visava uma situação política vivida na Argentina, era de se esperar uma participação dos principais envolvidos, porém não foi o que aconteceu, segundo Franco: Curiosamente, a maioria dos participantes ativos no boicote foram franceses e seus organizadores lembram uma escassa presença argentina comprometida com o tema. Este dado é chamativo se se consideram que Paris era um destino significativo –mas não massivo- de muitos emigrados políticos argentinos dos (anos) 70, um ponto de difusão importante da denúncia humanitária e havia ali uma certa presença de imigrantes argentinos chegado nas décadas passadas. 26 (2005, p. 1) É claro que havia a participação de outros países no ideal de boicote: O boicote também teve representantes em outros países europeus como Holanda, Dinamarca, Alemanha, Suíça e Espanha. Em outubro de 1977, um artigo chamado ‘O Mundial tem problemas sob as asas’ apareceu no Le Monde). Neste artigo se apontavam ‘falhas de organização e se denunciavam os crimes da ditadura. Se difundiram folhetos sobre a repressão na Argentina e se reproduziram pôsteres alusivos ao Mundial27. (SEBRELI, 2002, p. 191 apud DOWDLE, 2011, p. 27) Porém a não participação de argentinos segue sendo uma questão que gera dúvidas na fundamentação do boicote, como afinal uma organização que preza pela luta pelos direitos humanos dos argentinos não conta com os mesmos em sua organização? Os motivos estavam na própria luta argentina: Para explicar a não-participação argentina, os organizadores franceses do COBA indicam as “diferenças ideológicas”, entre as quais incluem o interesse francês pelo problema dos direitos humanos desde uma postura anti-imperialista –causa que os argentinos “não entendiam” e estavam a “mil léguas disso”, diziam-; a impossibilidade de criticar o peronismo e a importância exagerada pelos argentinos ao futebol como “esporte popular”. (FRANCO, 2005, p. 9)28 26 Tradução livre do autor: Curiosamente, la mayoría de los participantes activos en el boicot fueron franceses y sus organizadores recuerdan una escasa presencia argentina comprometida en el tema. Este dato es llamativo si se considera que París era un destino significativo –pero no masivo– de muchos emigrados políticos argentinos de los 70, un punto de difusión importante de la denuncia humanitaria y había allí una cierta presencia de inmigrantes argentinos llegados en las dos décadas previas. 27 Tradução livre do autor: El boicot también tuvo representantes en otros países europeos como Holanda, Dinamarca, Alemania, Suiza y España. En octubre de 1977, un artículo llamado “El Mundial tiene plomo bajo las alas” apareció en Le Monde (Sebreli 191). En este artículo se señalaban “fallas de organización y se denunciaban los crímenes de la dictadura. Se difundieron folletos sobre la represión en la Argentina y se reprodujeron afiches alusivos al Mundial” (Sebreli 191) 28 Tradução Livre do Autor: Para explicar la no participación argentina, los organizadores franceses del COBA indican las “diferencias ideológicas”, entre las cuales incluyen el interés francés por el problema de los derechos humanos desde una postura antiimperialista –causa que los argentinos “no entendían” y estaban a “mil leguas de eso”, señalan–; la imposibilidad de 31 Além disso existia uma cerca discordância entre os próprios argentinos: No entanto, a questão específica sobre as dificuldades de participação Argentina refere-se a vários níveis de respostas. Por um lado, há um primeiro fator político importante e é a relutância – ou aberta oposição- das organizações político-partidárias argentinas para se definir a favor do boicote. Entre eles, o mais importante -PRT e Montoneros- claramente expressa oposição, enquanto alguns grupos menores, como Política Obrera declarou em seu favor. (FRANCO, 2005, p. 7)29 Explicada a ausência argentina, a próxima analise a ser feita é sobre os trabalhos realizados pelo COBA. De que forma era a luta em prol do boicote ao Mundial? “A partir de informações compiladas pela Anistia Internacional, um documento redigido pelos dirigentes do Comitê foi distribuído à imprensa, alinhando algumas razões a favor do boicote” (DOWDLE, 2011, p. 174). A partir disso o COBA começa a difundir seus ideai sobre o Mundial: Então, o COBA estendeu suas atividades através de campanhas e conferencias de imprensa,reuniões informativas em bairros e empresas e a publicação de uma série de materiais de difusão (pôsteres, folhetos, ilustrações, gravações, musicais e documentários) denunciando a situação argentino sob o lema: “A Copa do Mundo de Futebol prevista para junho de 1978 na Argentina será feita nos campos de concentração? ”30 (FRANCO, 2005, p. 3) Essa afirmação referente aos campos de concentração tinha fundamentos: Nada pode negar que só a umas centenas de metros do estádio do River Plate, onde a equipe argentina jogou a primeira fase e a final, estava situada a ESMA (Escola Mecânica da Armada). Este foi o maior centro de internamento e tortura da ditadura militar. Tal era o horror que os prisioneiros podiam escutar as celebrações e a alegria que criticar al peronismo y la importancia adjudicada por los argentinos al fútbol como “deporte popular”. 29 Tradução Livre do Autor: Ahora bien, la pregunta concreta sobre las dificultades de participación argentina remite a varios niveles de respuestas. Por un lado, hay un primer factor político fundamental y es la reticencia –u abierta oposición– de las organizaciones político- partidarias argentinas para definirse en favor del boicot. Entre ellas, las organizaciones más importantes –PRT y Montoneros– se expresaron claramente en contra, mientras que algunos grupos más pequeños como Política Obrera se declararon en su favor. 30 Tradução Livre do Autor: Muy pronto, el COBA extendió sus actividades a través de campañas y conferencias de prensa, reuniones informativas en barrios y empresas y la publicación de una serie de materiales de difusión (afiches, folletos, ilustraciones, grabaciones musicales y documentos fílmicos) denunciando la situación argentina bajo la consigna: “¿La Copa mundial de fútbol prevista para junio de 1978 en Argentina se hará entre los campos de concentración?”. 32 chegava do campo de jogo ao mesmo tempo que escutavam os gritos de seus companheiros torturados. (ARCHETTI, 2004, p. 177)31 Temos também a citação trazida por Agostino: A equipe da França, qualificada no dia 16 de novembro último, jogará a 800 metros do mais terrível centro de tortura do país? Esta é, de fato, a distancia que separa o estádio do River Plate, onde devem se realizar as principais partidas da Copa do Mundo, da Escuela da Mecanica de La Armada, sede do sinistro ‘Grupo de Tareas 33’, verdadeira Gestapo argentina, composto por 314 oficiais e soldados da Marinha. Há dois anos esse grupamento vem servindo às torturas perpetradas contra os prisioneiros políticos. É também da Escuela de Mecanica de onde decolam os helicópteros que vão lançar os corpos mutilados das vitimas nas águas do Rio da Prata ou do Atlântico. (2002, p. 181) Essas informações eram fortemente difundidas pelo COBA, relacionando assim o futebol, o evento esportivo em si, com a situação política vivida pelo país sede. Já foi abordado nesse trabalho a importância do esporte no campo político e essa era também uma preocupação do COBA: A produção do COBA estava centrada em dois eixos: a denúncia contra a repressão no país e a utilização política do esporte em geral, mostrando sempre a constituição binaria do grupo e os objetivos diferenciados que estavam na base do projeto. Entre esses materiais o mais conhecido foi o periódio L’Epique, criado em alusão ao L’Equipe –a publicação esportiva mais popular da França e que aprovava por “razões esportivas” a realização do Mundial [L’Equipe, 13/12/77]. O periódico alcançou a venda de 120 mil exemplares entre janeiro e junho de 1978. 32 (FRANCO, 2005, p.3) Pode-se questionar a posição do L’Equipe ao apoiar o Mundial, mesmo sob razões esportivas. Até que ponto o esporte pode se desvincular da política, levando a bandeira apenas do entretenimento e da educação física que 31 Tradução Livre do Autor: Nadie puede negar que sólo a unos cientos de metros del estadio del River Plate, donde el equipo argentino jugó la primera fase y la final, estaba situada la ESMA (Escyela Mecánica de la Armada). Éste fue el mayor centro de internamiento y tortura de la dictadura militar. Tal era el horror que los prisioneros podían escuchar las celebraciones y la alegría que llegaba del campo de juego al mismo tiempo que escuchaban los gritos de sus compañeros toturados. 32 Tradução Livre do Autor: La producción del COBA estaba centrada en dos ejes: la denuncia contra la represión en el país y la utilización política del deporte en general, mostrando siempre la constitución binaria del grupo y los dos objetivos diferenciados que estaban en la base del proyecto. Entre esos teriales el más conocido fue el periódico L’Epique, creado en alusión a L’Equipe –la publicación deportiva más popular de Francia y que apoyaba por “razones deportivas” la realización del Mundial[L’Equipe, 13/12/77. ]. El periódico alcanzó a vender 120 mil ejemplares entre enero y junio de 1978. 33 proporciona? A interferência do governo militar sobre os meios de comunicação era notória em seu país, porém também existem aqueles que apoiam e incentivam o esporte apenas pelo prazer de entretenimento que este lhes proporciona, como pode ser o caso desse jornal francês. Com suas posições bem claras o COBA conseguiu um de seus objetivos que era criar o debate e voltar os olhos do mundo para as denúncias do que acontecia na Argentina: A campanha do COBA foi lançada em janeiro de 1978 e alcançou rápida difusão e eco nos meios de comunicação de massa. A imprensa se transformou em um espaço de tomada de posição e debate permanente entre janeiro e junho desse ano. As posições se refletiam em reportagens, entrevistas e artigos de opinião de intelectuais, políticos e figuras públicas francesas, que não sendo membros do COBA se manifestavam a favor ou contra o boicote. (FRANCO, 2005, p. 12)33 Com a proximidade do Mundial o COBA passa a exigir atitudes mais firmes, deixando de lado um pouco o campo das denúncias para se voltar ao que podia ser atendido efetivamente: O COBA exigia a mudança da sede do Mundial ou, na falta disso, que a equipe francesa não participaria a menos que “A Junta liberasse os prisioneiros políticos, incluindo os desaparecidos e restabelecesse de maneira integral e definitiva as liberdades políticas, sindicais e democráticas”. 34 (FRANCO, 2005, p. 3) Essa ideia de mudar a sede do Mundial era bem recebida por alguns países que tinham interesse no potencial do evento, “pretendentes não faltavam, despontando como candidatos a Bélgica, a Holanda e o Brasil, onde os generais de plantão não perderiam a oportunidade de fazer o mesmo que os congêneres argentinos estavam fazendo. ” (AGOSTINO, 2002, p. 175). No caso brasileiro, era evidente o interesse, visto como a ditadura brasileira havia conseguido se 33 Tradução Livre do Autor: La campaña del COBA se lanzó en enero de 1978 y alcanzó rápida difusión y eco en los medios de comunicación masivos. La prensa se transformó en un espacio de toma de posición y debate permanente entre enero y junio de ese año. Las posiciones se reflejaban en solicitadas, entrevistas y artículos de opinión de intelectuales, políticos y figuras públicas francesas, que no siendo miembros del COBA se manifestaban en favor o contra el boicot. 34 Tradução Livre do Autor: En consecuencia, el COBA exigía el cambio de sede del Mundial o, en su defecto, que el equipo francés no participara a menos que “la Junta liberara a los prisioneros políticos, incluyendo los desaparecidos y restableciera de manera integral y definitiva las libertadespolíticas, sindicales y democráticas” 34 utilizar da propaganda gerada com a copa de 1970 no México. O potencial a ser atingido com o evento em solo nacional podia ser gigantesco. Como se sabe, o Mundial aconteceu e foi na Argentina. A luta do COBA também não obteve êxito no que se refere ao boicote, uma vez que as delegações que haviam se classificado se apresentaram em solo sul-americano, inclusive os franceses, uma vez que “Michael Hidalgo, treinador da equipe francesa, alegou que os bleus não iriam à Argentina ao encontro de um regime, mas de um povo. ” (AGOSTINO, 2002, p. 175). Houve, porém, algumas exceções: Por exemplo, o capitão do selecionado holandês, que por sua vez era secretário da Associação de Jogadores Profissionais de seu país, Wim van Hannegen, convocou uma assembleia com os membros de sua equipe e lhes disse que nenhum jogador estava obrigado a competir em um país onde se violavam os direitos humanos e que ele apesar de ser capitão da equipe não competiria’.35 (SEBRELI, 2002, p. 191 apud DOWDLE, 2011, p. 27) Mesmo com o boicote não acontecendo, “o COBA não foi desmobilizado, continuando ativo por algum tempo, inclusive durante toda a competição através da divulgação de relatos das arbitrariedades cometidas no país. ” (AGOSTINO, 2002, p. 175). E essas denúncias conseguiram alguns de seus objetivos: Tão logo o Mundial iniciou, o COBA começou a fazer balanços públicos, nos quais destacava que se o evento não havia sido impedido nem mudado de sede, se haviam formado 200 comitês; a petição para sua suspensão havia reunido 150.000 assinaturas; havia se juntado uma soma importante de dinheiro para ajudar as vítimas da repressão e a pressão francesa sobre o governo argentino –empurrada pelo efeito do COBA- havia permitido a liberação de 4 cidadãos franceses. (FRANCO, 2005, p. 16)36 35 Tradução livre do autor: Aún con los esfuerzos del COBA, el boicot europeo fracasó. Sin embargo hubo algunas excepciones. Por ejemplo, el capitán del seleccionado holandés, que a su vez era secretario de la Asociación de Jugadores Profesionales de su país, Wim van Hanneggen, convocó una asamblea con los miembros de su equipo y les dijo que “ningún jugador estaba obligado a concurrir a un país donde se violaban los derechos humanos y que él a pesar de ser capitán del equipo no concurriría” (Sebreli 192) 36 Tradução Livre do Autor: Tan pronto como el Mundial se inició, el COBA comenzó a hacer balances públicos, en los cuales se destacaba que si bien el evento no se había impedido ni cambiado de sede, se habían formado 200 comités; la petición para su suspensión había reunido 150.000 firmas; se había juntado una suma importante de dinero para ayudar a las víctimas de la represión y la presión francesa sobre el gobierno argentino –empujada por el efecto del COBA– había permitido la liberación de 4 ciudadanos franceses. 35 3.4 A RESPOSTA AO BOICOTE Contrariando as expectativas do COBA e seguindo o esperado pela FIFA “o Mundial se realizou tal como estava previsto, na Argentina, sem incidentes importantes e com uma normal presença francesa. ” (FRANCO, 2005, p. 16)37. Porém, engana-se quem pensa que o governo argentino não se preocupou com a chamada “campanha anti-argentina”, como disse o ex-presidente e militar Viola, que teve seu mandato de 29 de março à 11 de dezembro de 1981, disse ao diário francês Le Monde: “Essa campanha de difamação realmente nos afeta” (04.04.1978). Além disso, a situação no governo não era a ideal: “os militares começavam a experimentar uma irritada frustração pelo fracasso das tentativas de Martínez de Hoz de reduzir a inflação. ” (NOVARO; PALERMO, 2007, p. 208). Archetti explica essa situação na seguinte frase: “Essa era, em definitivo, a tragédia argentina: um país partido pela metade, uma nação cortada em dois por uma dicotomia tragicômica em que o futebol e a morte expressavam a mais absurda contenda da história”. (ARCHETTI, 2004, p. 177)38 Para lidar com as denúncias vindas do exterior o governo tomou providencias através do Ente Autárquico Mundial, o órgão responsável pela organização do evento, que “pagou meio milhão de dólares a uma empresa norte-americana para criar um plano que corrigisse a imagem ruim do país e de seu governo perante o mundo. ” (NOVARO; PALERMO, 2007, p. 207). Foi estabelecida realmente uma “contra campanha”: Frente a essa conjuntura, a política do governo militar foi renovar a denúncia contra essa campanha montando, por sua vez, uma campanha contra a “campanha antiargentina” a partir de permanentes intervenções públicas de denúncias, declarações no âmbito nacional, viagem ao exterior de altas autoridades do governo e intervenções em organismos internacionais como a OEA. (FRANCO, 2002, p. 8)39 37 Tradução Livre do Autor: A pesar de la movilización producida, el Mundial se realizó tal como estaba previsto, en la Argentina, sin incidentes importantes y con una normal presencia francesa. 38 Tradução Livre do Autor: Esa era, en definitiva, la tragedia argentina: un país partdio por la mitad, uma nación cortada em dos por una dicotomia tradicómica em la que el fútbol y la muerte dirimían la más absurda contienda de la historia. 39 Tradução Livre do Autor: Frente a esta coyuntura, la política del gobierno militar fue renovar la denuncia contra esa campaña montando, a su vez, una campaña contra la “campaña antiargentina” a partir de permanentes intervenciones públicas de denuncia, declaraciones en el ámbito nacional, giras al exterior de altas autoridades del gobierno e intervenciones en organismos internacionales como la OEA 36 Novaro e Palermo explicam também o que motivou a busca por uma resposta às denúncias: Não se trata tanto de que as “acusações” provenientes do exterior houvessem tido um efeito aglutinador. O que houve foi uma propensão bastante ampla a acreditar que essas acusações constituíam uma campanha contra a imagem do país e sua dignidade. (NOVARO; PALERMO, 2007, p. 212) Essa “contra campanha” serviu para unir o país na “luta contra a difamação”. Havia todo um caráter nacionalista envolvido, uma vez que essas denúncias atacavam a honra argentina: Esse discurso de denúncias do governo, que começara ao largo de todo ano de 1978, se articulou como uma autentica campanha, caracterizada pelo uso de argumentos nacionalista e uma leitura em tom conspirativo, onde o ameaçado pelas denúncias internacionais era a Nação mesmo frente a “ameaça subversiva externa” –de acordo com os conteúdos próprios da ideologia da Doutrina da Segurança Nacional (DSN) e com certos tópicos discursivos próprios da extrema direita autoritária-. (FRANCO, 2002, p. 8)40 Havia também a questão de que os argentinos discordavam de que o Mundial deveria ser transferido de sede devido às denúncias contra a ditadura. Isso devia-se a um pensamento presente em muitos governos do mundo, segundo a qual “a ideologia dominante apontava que o futebol e o esporte formavam parte da sociedade civil e como tais, eram independentes das políticas de Estado partidárias. Se assumia que o futebol não era política e nunca seria.” (ARCHETTI, 2004, p. 179)41. Porém, a forte pressão internacional sobre as violações de direitos humanos vividas na Argentina teve sim de ser tratadas pela ditadura: 1978 está centralmente marcado pelo aumento dessa pressão internacional pelos direitos humanos, que obrigou, por exemplo, que o governo militar começasse a publicar listas de detidos legais, e nos meses de maio e junho a partir
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