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Um herói e sua cidade As relações entre o Gralha e a representação de símbolos curitibanos

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UM HERÓI E SUA CIDADE: 
A Relação entre o Gralha e a representação de símbolos 
curitibanos 
Leandro Cardoso da Cruz1 
Leandro_cruz93@hotmail.com 
 
 
O presente artigo tem como objetivo analisar como se dá a representação 
da cidade de Curitiba e de seus símbolos culturais através da história em 
quadrinhos (doravante chamadas de HQs) do Gralha, que foi escrita por diversos 
autores curitibanos que, desta forma, carregam certa bagagem cultural. Desta 
feita, o artigo se dividirá em 3 partes: em um primeiro momento serão 
apresentados conceitos acerca do tema identidade e representações culturais. 
A seguir será feita uma breve explanação do histórico do personagem, o Gralha, 
e seus autores. Por fim será feita a análise das representações presentes na HQ 
e como elas se relacionam com os conteúdos culturais da cidade de Curitiba. 
 
Identidade e Representações Culturais 
 
A necessidade de uma breve análise do que é identidade se faz 
necessária devido a importância que esse tópico terá neste trabalho. Deve se 
entender que o uso da HQ do Gralha foi o meio de se exemplificar esse conceito 
na história. Mas antes de visar o estudo do objeto, é necessária uma 
conceitualização do que é identidade. Em primeiro lugar, qual a importância do 
estudo da identidade para a história? Woodward apresenta um dos motivos: 
 
A identidade tem se destacado como uma questão central nas 
discussões contemporâneas, no contexto das reconstruções globais 
das identidades nacionais e étnicas e da emergência dos “novos 
movimentos sociais”, os quais estão preocupados com a reafirmação 
das identidades pessoais e culturais. (WOODWARD, 2000, p. 67) 
 
Dito isso, parte-se da explicação mais direta sobre a definição da palavra 
identidade em si: 
 
Em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir “identidade”. A 
identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou brasileiro”, “sou 
 
1 Pós-graduando em História da Arte pela Claretiano. 
negro”, “sou heterossexual”, “sou jovem”, “sou homem”. A identidade 
assim concebida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”), uma 
característica independente, um “fato” autônomo. Nessa perspectiva, a 
identidade só tem como referência a si própria: ela é auto-contida e 
auto-suficiente. (DA SILVA, 2000, p. 74) 
 
Porém identificar que a identidade está ligada ao “sou” não se mostra 
suficiente, uma vez que o “ser” implica as ideias de “não ser”. Com isso, ao se 
utilizar a ideia de identidade, é importante compreender como surge a 
necessidade de “ter” uma identidade, afora isso, como se “constrói” essa 
identidade. 
Uma das formas que a identidade de um grupo ou indivíduo pode ser 
construída é através de sua história, assim “as identidades estabelecem suas 
reinvindicações é por meio do apelo à antecedentes históricos” (WOODWARD, 
2000, p. 11). Isso demonstra que o embasamento é necessário para justificar 
suas afirmações sobre o “quem é”. Além disso “essas identidades adquirem 
sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são 
representadas” (WOODWARD, 2000, p. 8). Desta feita é possível compreender 
que a “construção” de uma identidade parte de uma base (histórica) e necessita 
de se mostrar existente (símbolos). 
Agora, para concluir essa análise sobre a identidade, é necessário 
compreender o tópico que será trabalhado à frente, isto é, a ideia de identidades 
regionais. Com isso Hall cita que as identidades locais “não são coisas com as 
quais nós nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da 
representação”. (HALL, 2005, apud PAZ; QUELUZ, 2013, p.9). E essa 
representação se dá, como foi visto anteriormente, através de símbolos. Mais do 
que o símbolo em si, mas sim à importância dada à eles, uma vez que “é por 
meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à 
nossa experiência e aquilo que somos” (WOODWARD, 2000, p. 17). 
Conclui-se então que a identidade é algo construído, que carece de 
representatividade para se fazer valer, além de um embasamento para se 
afirmar. É possível então concordar com Hall que diz que “é precisamente porque 
as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós 
precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e 
institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas 
especificas, por estratégias e iniciativas especificas”. (HALL, 2000, p. 109). 
Assim, na sequência do trabalho, será analisado não só a construção da 
identidade através da HQ, como também o discurso que esse trabalho quer ver 
representado através dos símbolos e embasamentos. 
 
Quem é o Gralha? Do mito de Iwerten à Gustavo Gomes 
 
Curitiba e os Quadrinhos 
 
Para se compreender como surge a ideia do Gralha em Curitiba é 
necessário entender a relação da cidade com as HQs. Essa relação é muito rica 
em quantidade e em qualidade: 
 
A cidade de Curitiba possui certa tradição na produção de histórias em 
quadrinhos: da seção “A Gaveta do Diabo”, desenhada por Narciso 
Figueras, publicada em 1888 na revista Galeria Ilustrada, passando 
pelos personagens Minervino, Chico Fumaça e Dona Marcolina de 
Alceu Chichorro nas primeiras décadas do século XX, aos super heróis 
do período entre guerras e às experiências alternativas dos anos 1960. 
(PAZ; QUELUZ, 2013, p.2) 
 
Além disso essa relação é algo para o qual ainda se dá importância. Em 
uma exposição que aconteceu na cidade sob o nome de “Fabulosa Galeria dos 
Personagens de Quadrinhos de Curitiba”, o curador Fulvio Pacheco disse que "a 
tradição da cidade quanto aos quadrinhos é conhecida em todo país, com 
méritos como a Grafipar, editora responsável pela maior produção de quadrinhos 
vista fora do eixo Rio-São Paulo, a primeira Gibiteca do Brasil e a Gibicon” 
(2016). 
Um dos fatores que auxiliou esse desenvolvimento dos quadrinhos em 
Curitiba foi a editora Grafipar, que de 1978 a 1983, 
 
não parou de fornecer surpresas numa sequência de produção jamais 
vista fora do eixo São Paulo - Rio. Aliás, esse foi o ponto importante do 
fenômeno: tirar a primazia do tradicional domínio de concentração de 
feitos na história da história em quadrinhos do Brasil.” (DE MOYA, 
1997) 
 
Sobre a Gibiteca, ela foi criada em 1982, em uma sala da antiga galeria 
Schaffer. Posteriormente ela foi transferida para o complexo do Solar do Barão, 
com um espaço maior e mais adequado para suas finalidades. A Gibiteca 
oferece cursos que formam novos interessados na arte das HQs e foi de um 
grupo de lá que veio a ideia do Gralha: 
 
Um desses grupos de desenhistas, formados pela Gibiteca, viria a criar 
um personagem dentro dos padrões norte-americanos de super-herói, 
ou seja, com superpoderes e uma fantasia para esconder sua 
verdadeira identidade no combate “às forças do mal”. O personagem 
foi batizado de “O Gralha” e as histórias foram publicadas em uma 
edição comemorativa dos 15 anos da Gibiteca, financiada pela 
Fundação Cultural de Curitiba, em outubro de 1997. (AGUIAR, 2000b 
apud PAZ; QUELUZ, 2013, p.3) 
 
O Capitão Gralha de Francisco Iwerten 
 
A primeira aparição do Gralha foi na edição comemorativa da revista Metal 
Pesado, onde era comemorado o aniversário de 15 anos da Gibiteca de Curitiba. 
Nessa edição foram chamados diversos artistas curitibanos para criarem 
histórias de um herói tipicamente curitibano. Mas antes disso é preciso entender 
a figura de Francisco Iwerten. 
Gian Danton, pseudônimo de Ivan Carlo de Andrade Oliveira, é um 
roteirista de HQs brasileiro que escreveu o prefácio dessa edição da Metal 
Pesado, além de ajudar José Aguiar, um dos criadores do Gralha, com a 
concepçãodo personagem. Neste prefácio são feitas referências à um herói há 
muito esquecido em Curitiba, o Capitão Gralha, de autoria de Francisco Iwerten. 
Esse herói teria sido publicado nos anos 40, contando com poucas edições, além 
de servir de base para o novo Gralha. 
Danton escreve um texto apaixonante, com um academicismo que faz 
acreditar em suas palavras. Mas o problema está justamente na invenção do 
personagem. O Capitão Gralha surge como um estofo para o novo herói, porém 
o mesmo nunca teria existido. O fato é que o Gralha nasceu em 1997, fruto da 
imaginação de artistas curitibanos. E o Capitão Gralha acabou nascendo na 
mesma época. 
Neste texto a alusão a Francisco Iwerten, que “anteviu que os super-
heróis não eram um subgênero do policial ou da ficção - cientifica, e sim um 
gênero independente.” (DANTON, 1997), serve para criar um mito maior sobre 
o autor e sua obra, acrescentando possibilidades à história do Gralha. 
 
O Gralha 
 
Surgido a partir de um herói que nunca existiu, o Gralha debutou em 1997 
na revista Metal Pesado, em comemoração aos 15 anos da Gibiteca de Curitiba. 
Um dos fatores que lhe atribui um papel diferencial para uma HQ foi a variedade 
de artistas que fizeram parte desta primeira edição. 
 
Alessandro Dutra bolou o visual; Gian Danton e José Aguiar; a 
história; Antonio Eder, Luciano Lagares, Tako X, Edson 
Kohatsu e Augusto Freitas, bem como Dutra e Aguiar, encarregaram-
se da arte, enquanto Nilson Müller tratou de preparar a capa da edição. 
(AGUIAR, 2001) 
 
Isso será melhor explorado nas relação da HQ com os símbolos 
curitibanos, mas essa referência já ajuda a compreender o porquê de tantas 
alusões à cidade. Além disso, a diversidade proporciona situações diversas, uma 
vez que “alguns dos seus autores adoram super-heróis; outros detestam 
abertamente o gênero. Há quem o desenhe cartunizado, mas não faltam aqueles 
que o retratem realisticamente ou até mesmo com toques abstratos...E ainda 
assim, o Gralha é um só.” (AGUIAR, 2001) 
O herói tem como alter-ego o adolescente Eduardo Gomes, que ao 
encontrar as Gemas do Poder, se torna o Gralha. E é a partir deste ponto que a 
história passa a fazer alusão a cidade de Curitiba, assim como aos seus 
símbolos. 
 
Heróis, vilões, símbolos culturais e Curitiba 
 
O Paranismo 
 
A necessidade de explicar o Movimento Paranista antes de iniciar as 
relações do Gralha com Curitiba vem do uso que os autores fizeram de símbolos 
tipicamente paranistas, com isso compreender o contexto e o que é esse 
movimento torna-se vital para este trabalho. 
O Paranismo surge no início do século XX. Por volta dos anos 20 e 30, 
estando inserido então na formação da nova República brasileira. O contexto do 
período aponta a necessidade de se desvencilhar dos modos monárquicos e 
assim o reforço aos símbolos nacionais e regionais. Transformações como 
mudanças de nomes de ruas e praças eram comuns, como por exemplo “a Rua 
da Imperatriz virou rua XV de Novembro, a do Imperador passou a ser Marechal 
Deodoro e a praça D. Pedro II, praça Tiradentes.” (ANDRADE, 1997 apud 
PETERS, 2005, p. 264) 
Nesse contexto se forma o Movimento Paranista 
 
com a adesão de intelectuais, artistas e literatos que cultuaram e 
divulgaram a história e as tradições da terra, incentivando a construção 
de uma identidade regional, impregnada pela crença no progresso e 
no desenvolvimento social que foram característicos da Primeira 
República. (PETERS, 2005, p. 264-265) 
 
O ideal era a criação do paranaense através da adoção de símbolos. 
Assim o residente no Paraná se sentiria ligado à sua terra e veria sua identidade 
apresentada nos mais diversos momentos. Romário Martins aponta que o 
paranista é todo aquele que tem pelo Paraná uma afeição sincera, e que 
notavelmente demonstra em qualquer manifestação de atividade digna, útil à 
coletividade paranaense. (1946, p. 91). 
O Movimento Paranista tinha de dar forma e sentimento a “um estado que 
não passava até então de uma parcela de terra sem fronteiras bem definidas e 
com uma população heterogênea e sem quaisquer características em comum” 
(PETERS, 2005, p. 267). O alvo principal acaba sendo a capital do estado, 
Curitiba. Com isso se cria um perfil curitibano que acentua a separação de sua 
capital com o resto do estado. Porém é necessário deixar claro que não existia 
o interesse na exclusão, “a intenção não era de aculturação, mas de um 
semeador do Paraná do futuro, pretendendo engajar todos na construção do 
novo estado” (PETERS, 2005, p.269). 
Entre os símbolos escolhidos estão bandeiras, hinos e brasões para o 
estado. O primeiro símbolo paranista foi a bandeira, onde já nesta existe a 
referência à araucária e à erva mate. Assim já é possível notar a importância que 
se daria à natureza, com a representação recorrente de pinhões, pinheiros, mate, 
araucária e paisagens. 
Além disso existia a necessidade da criação de uma base no movimento, 
com a criação de mitos. Diversas lendas e mitos indígenas foram resgatados 
através da revista Ilustração Paranaense, que contava inclusive com a arte de 
João Turim na representação de um pinheiro. 
O pinheiro teve grande destaque sendo “inclusive, responsável pela 
integração da diversidade étnica presente no Estado, marcando o caráter de 
progresso e desenvolvimento do Paraná” (PETERS, 2005, 273). 
O movimento perdeu força nos anos 40, onde o regionalismo não era bem 
visto frente ao governo de Getúlio Vargas, onde predominou a centralização e a 
nacionalização. 
 
Os símbolos curitibanos na HQ do Gralha 
 
Por fim, chegamos ao objetivo primário deste trabalho. As deliberações e 
os apontamentos anteriores foram necessários para criar uma base e uma 
ligação com o objeto e sua proximidade com o movimento paranista. Não que as 
HQs do Gralha sejam apontadas como símbolos do movimento, porém se valem 
de símbolos curitibanos em suas histórias para criar um personagem tipicamente 
regional, assim “todos as personagens nasceram da ideia de aproveitar os 
ícones da cidade de Curitiba” (ASSIS, 2001). Assim, como foi apontado, esse 
ideal da criação de símbolos foi um dos pontos do Paranismo, podendo então 
ser estabelecida essa relação. “Apesar disso, muitas histórias e cenas do Gralha 
dialogam com o regionalismo e com os ícones consagrados do Paranismo” (PAZ; 
QUELUZ, 2013, p.9). 
Antes da demonstração dos símbolos e suas relações, é importante 
notar o papel do herói e da representatividade, uma vez que “compreender as 
construções de identidade constituídas nos e pelos quadrinhos implica discutir a 
materialidade das significações simbólicas e as relações sociais que as tecem” 
(PAZ; QUELUZ, 2013, p.1). Isso que torna possível a visualização da cidade 
através de um meio como as HQs. E por que o herói? Por que não uma HQ com 
outra temática? Curitiba é um celeiro de ideias e de autores de quadrinhos, assim 
os outros estilos gráficos vem sendo atingidos, porém a importância do herói se 
faz presente através da possibilidade ideológica que ele carrega, afinal 
 
Heróis são símbolos poderosos, dos cidadão a serviço da legitimação 
de regimes políticos. (...) Herói que se preze tem que ter, de algum 
modo, a cara da nação. Tem que responder a alguma necessidade ou 
aspiração coletiva, refletir algum tipo de personalidade ou de 
comportamento que corresponda a um modelo coletivamente 
valorizado de encarnações de ideias e aspirações, pontos de 
referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumento 
eficazes para atingir a cabeça e coração. (CARVALHO, 1990, p. 55) 
 
Assim a representatividade que o Gralha busca também tem esse teor 
social que o herói carrega. Alémdisso ao se pensar em HQs o gênero de super-
heróis é sempre o que vem à mente, sendo assim, mais fácil atingir um público 
mais amplo. 
De qualquer forma de nada valeria a utilização de um herói ou de 
símbolos curitibanos se estes não gerassem uma empatia e/ou tivessem 
significados para com seus leitores, uma vez que 
 
Os processos de interpretação e de construção de significados 
produzem posições de sujeitos com as quais as pessoas se identificam 
ou não, dependendo das experiências de vida e daquilo que se quer 
ser. A representação, pensada como um processo cultural, estabelece 
identidades individuais e coletivas. (PAZ; QUELUZ, 2013, p.2) 
 
A união então de significados, representações e um símbolo heroico cria 
essa relação entre os leitores e as HQs do Gralha, que permitem a tradução de 
alguns pontos culturais curitibanos através de sua leitura. Entre os símbolos 
apresentados estão locais da cidade, como o Passeio Público (figura 01) e a 
escultura da Praça 19 de Maio (figura 02), popularmente conhecida como a 
Praça do Homem Nu. 
 
 
Figura 01 
 
Figura 02 
 
Aguiar explica também o por que essa relação “herói-cidade” funciona 
bem com Curitiba: 
 
Talvez Curitiba seja o único município do país, onde um super-herói 
não aparenta estar (muito) deslocado. Afinal, ela mesma faz questão 
de, provincianamente, vender a imagem de cidade de primeiro 
mundo. E nada mais globalizadamente provinciano do que um 
vigilante de colante. (AGUIAR, 2001) 
 
Esse ideal de que Curitiba visa ser uma cidade de primeiro mundo em 
meio ao Brasil é uma marca característica de sua cultura. Deve-se lembrar 
porém que Curitiba é, antes de tudo, uma comunidade de pessoas que é 
representada por suas experiências e modelos sociais. Desta forma, “não é 
apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos – um sistema de 
representação cultural” (HALL, 2005, p.49). 
Além disso também não se pode esquecer que o Gralha surge também 
como uma sátira do modelo de histórias de herói norte-americanas, era “um 
herói-template: uma personagem que não sirva como figura principal das 
histórias, mas mais como um fundo, uma cobertura, para (...) explorarem o 
universo de clichês e da linguagem dos quadrinhos norte-americanos” (ASSIS, 
2001). 
Entre esses modelos norte-americanos utilizados, estão o conceito de 
“ajudante” ou sidekick2. Na HQ esse papel é representado pela Gralhete, que 
não torna-se uma auxiliar do gralha, mas sim que busca a fama. Outro, ainda 
mais gritante, é o quadro final da edição de 2014 do Gralha, onde existe uma 
 
2 Tradução Livre do Autor: Parceiro 
clara referência à uma cena idêntica de um herói americano de muito apelo, o 
Homem-Aranha (Figura 03 e 04). 
 
 
Figura 03 Figura 04 
Nessa mescla de representações os principais alvos para isso foram os 
vilões do Gralha. Sempre sendo relacionados com símbolos culturais ou 
históricos da cidade de Curitiba. Aguiar cita alguns dos personagens, que em 
seguida serão escolhidos alguns para servirem de exemplo para essa narrativa: 
 
Em seus recônditos, os supervilões estão à solta: Araucária, Café 
Expresso, Biscuí3 do Mato, Pivete4 Cybertécnico, Homem 
Lambrequim, Dr. Botânico, Polaquinha e Bagre Humano são apenas 
alguns dos elementos extravagantes que o Gralha invariavelmente 
envia para ilha-prisão do AHU5. Isso sem falar do misterioso gênio 
conhecido como O Craniano, cuja cabeça gigantesca é tatuada como 
uma pêssanka (aqueles ovos pintados pelos ucranianos na Páscoa) 
(AGUIAR, 2001) 
 
Antes mesmo da apresentação de imagens para o complemento, é 
possível notar pelos nomes referências culturais tipicamente curitibanas. O 
objetivo dos autores era, desta forma, dar vida à símbolos da cidade, de forma 
que se tornasse personagens vivos em meio à Curitiba criada para a HQ. De 
 
3 Tradução Dicionário Michaelis: Porcelana Branca; Fina; 
4 Tradução Dicionário Michaelis: Menino larápio, companheiro de ladrões; criança esperta. 
5 Na HQ, Curitiba cresceu em medidas gigantescas, tornando-se uma megalópole. Com isso o 
antigo bairro do Ahú, que possui nos dias de hoje um presidio desativado, torna-se uma Ilha-
Prisão, nos melhores moldes norte-americanos. 
certa forma esses símbolos são atuantes na cidade hoje em dia, como 
localizações ou citações, porém da forma como foi feita na história do Gralha, 
elas ganham ainda mais vida. Como Paz e Queluz explicam: 
 
Na composição das histórias de O Gralha, a criação e a representação 
da identidade através de narrativas gráficas e sequências visuais, 
pontuaram e mesclaram trajetórias urbanas, produções literárias e 
artísticas, tradições imigrantes, elementos folclóricos, referências 
arquitetônicas, relendo a história e a cultura pelo seu avesso, 
invertendo e questionando valores arraigados ao cotidiano da cidade. 
(PAZ; QUELUZ, 2013, p.15) 
 
Após estas explanações, serão apresentados a seguir alguns exemplos 
que buscam demonstrar como funciona essa representação através de 
personagens na HQ. 
 
a) O Homem-Lambrequim (Figura 05) 
 
Figura 05 
 
O lambrequim é uma peça de arquitetura trazida ao Brasil por imigrantes 
alemães, italianos, poloneses, ucranianos e holandeses. É um adorno feito de 
madeira ou metal utilizado na beirada do telhado. Tem a função de escoar a água 
da chuva, uma vez que seu formato ajuda a acumular e gotejar. Não é 
exatamente uma peça vista somente em Curitiba, mas as origens da cidade 
através de diversas culturas acaba tornando essa uma peça comum nas casas 
mais antigas de Curitiba. 
Na HQ o personagem era um lenhador que foi atingido por um raio que 
ricocheteou em um lambrequim. Tentou a vida no crime, se valendo de suas 
habilidades sob a madeira. 
 
b) O Craniano 
 
Figura 06 
 
Entre os povos que formaram Curitiba tem destaque os ucranianos. 
Dentre as mais diversas culturas absorvidas estão a tradição da pêssanka ou 
pysanka. Esses ovos coloridos e enfeitados com desenhos e padrões pintados 
à mão ainda hoje são utilizados como presentes pelos descendentes de 
ucranianos na Páscoa. É um objeto que simboliza a vida, a saúde e a 
prosperidade. 
Na HQ, o Craniano é um vilão do mais típico norte-americano, onde seu 
objeto é atingir riquezas. Na segunda edição, em 2014, é explicado que ele não 
pertence à esse mundo, tendo sido até mesmo cultuado pelos astecas como um 
deus, devido às formas em sua cabeça. 
 
c) A Polaquinha 
 
Figura 07 
 
Como já exposto, a formação multicultural curitibana foi agraciada com 
vários povos chamados “polacos6” e com isso uma das vilãs do Gralha é a 
Polaquinha, Paz e Queluz explicam bem a relação da personagem com um 
símbolo curitibano, Dalton Trevisan: 
 
 
6 Deriva do Polonês 
A obra e a própria figura do escritor Dalton Trevisan tem importância 
na construção da identidade simbólica da cidade, ao adquirir 
reconhecimento e valorização no quadro literário nacional. A 
“Polaquinha” (a personagem das histórias em quadrinhos) traz 
elementos reconhecíveis no trabalho de Trevisan, como a 
sexualização intrínseca a essa imagem estereotipada da menina 
colona, cuja simplicidade e sensualidade bruta são representadas nas 
características da ingênua inimiga do Gralha. (PAZ; QUELUZ, 2013, 
p.12) 
 
 
d) Dr. Botânico 
 
 
Figura 08 
 
O último exemplo será o Dr. Botânico. Um dos maiores símbolos da 
cidade de Curitiba é o Jardim Botânico, inaugurado em 1991. Sendo uma 
referência turística e tido como uma das principais imagens da cidade, não 
poderia ficar semuma representação. 
Novamente, seguindo um estereótipo norte-americano de doutor-gênio 
do mal, o Dr. Botânico é um vilão que tem por interesse demonstrar a força da 
natureza frente à tecnologia do homem. 
 
CONCLUSÃO 
 
A pretensão inicial do artigo era a demonstração de como era possível 
representar símbolos curitibanos em uma HQ. Mais do que isso, a história do 
Gralha demonstra não só a imagem gráfica como um pouco da ideologia por trás 
do símbolo. 
A importância das HQs como meio de lazer foi consolidado com o passar 
dos anos. No meio acadêmico ainda existe uma barreira para sua utilização, 
porém este trabalho demonstra que é uma fonte com grande possiblidade de 
estudo. A HQ por si só não é um material histórico válido, mas quando se inicia 
a análise sobre questões referentes à ela é possível ver sua importância. 
A questão de identidade e ideologias é um tópico sempre presente nas 
questões históricas, desta forma, valendo-se de uma HQ, foi possível 
compreender um pouco mais da participação humana na criação de uma 
identidade cultural. 
Reforça-se aqui que as HQs do Gralha não são por si só um símbolo do 
Paranismo, porém elas funcionam como demonstrações dos objetivos atingidos 
pelo movimento em sua busca pela construção de um paranaense e de uma 
cultura para Curitiba. 
Para concluir, será citado um autor de quadrinhos que fez uma síntese, 
em poucas linhas, do por que deve-se dar a devida importância às HQs e 
também ao gênero de super-herói: 
 
Histórias de super-heróis – sejam em quadrinhos ou qualquer outra 
mídia – são hoje a manifestação mais coerente do inconsciente 
popular, São histórias não sobre deuses, mas sobre como os humanos 
desejam ser. De fato, sobre como eles deveriam ser. São sucessoras 
das histórias que chegaram até nós pelo folclore, pelas fogueiras de 
acampamento e pelos bardos itinerantes. (MAGGIN, 2013, p. 9) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
AGUIAR, José. Gibiteca: a maioridade dos quadrinhos. Omelete – Quadrinhos, 
2000a. Disponível em: <http://www.omelete.com.br/quadrinhos/gibiteca-a-
maioridade-dosquadrinhos/>. Acesso em 24 de maio de 2016. 
 
AGUIAR, José. O Gralha. Omelete – Quadrinhos, 2000b. Disponível em: 
<http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/o-gralha/>. Acesso em 24 de maio de 
2016. 
 
AGUIAR, José. Sobre Pinheiros, Pinhões e Passarinhos Locais, In: O Gralha: 
Primeiras Histórias. 1ª ed. São Paulo: Via Lettera, 2001. 
 
ASSIS, Érico. Sete perguntas para três gralhas. Omelete – Quadrinhos, 2001. 
Disponível em: <http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/sete-perguntas-para-tres-
gralhas/>. Acesso em 24 de maio de 2016. 
 
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República 
do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1990. 
 
CURITIBA, Agência de Notícias. Exposição conta história dos quadrinhos 
curitibanos através de seus personagens. Disponível em: 
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