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SOCIOLOGIA APLICADA SOCIOLOGIA APLICADA Graduação SOCIOLOGIA APLICADA APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Os tempos atuais nos trazem mudanças que são cada vez mais aceleradas. Estas se refletem em nosso cotidiano exigindo-nos adaptações e assimilações constantes. O nosso jeito de falar, trabalhar, assim como de estudar são alterados. Não estudamos mais como antigamente. Hoje, temos um elemento-chave que faz parte, permanentemente, desta atividade - o ‘computador’. Os currículos escolares se modificam para acompanhar essas mudanças e como um dos frutos de todas essas transformações temos uma nova metodologia de ensino que é o Ensino a Distância – EaD. Dentro desse contexto descrito acima, a Sociologia, como outras disciplinas, inicia sua trajetória “on-line” ao seu lado. Tendo em vista essas novas necessidades, procuramos organizar uma disciplina que propicie a você – aluno – uma auto-suficiência, isto é, que você seja capaz de conduzir o seu processo de aprendizagem, fazendo a leitura do material, interagindo com o conteúdo e se auto-avaliando ao final de cada unidade de estudo. Se por um lado a Sociologia é considerada uma ciência nova, pois nasceu no século XIX, por outro lado, é considerada também uma ciência dinâmica que incorpora novas questões, constantemente, ao seu objeto de estudo e amplia suas relações com outras ciências. E é essa visão dinâmica que enfatizamos em nossos estudos, procurando não só transmitir conhecimentos, mas estimular a reflexão, contribuindo para fomentar a produção de conhecimentos através da pesquisa. Dessa forma, iremos introduzi-lo no estudo das principais problemáticas que fazem parte do arcabouço teórico desta disciplina, assim como não deixaremos de examinar seus principais pensadores que montaram os diferentes paradigmas no intuito de embasá-lo para a compreensão da realidade social aplicando a teoria à prática através de exemplos de sua vida real. As profundas mudanças que vivenciamos hoje conferem à Sociologia um especial papel analítico, daí a importância do seu ensino na formação profissional de diferentes áreas, contribuindo para que este profissional possa construir uma postura crítica e consciente deste quadro, assumindo um papel ativo na busca de uma sociedade mais justa e solidária. Estaremos presente para auxiliá-lo nesta tarefa quando for preciso, por isso vamos em frente, cumprindo passo a passo as atividades propostas, administrando bem o seu tempo e alcançando todos os prazos! SOCIOLOGIA APLICADA SOCIOLOGIA APLICADA Graduação SOCIOLOGIA APLICADA U N ID A D E 1 A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Prezado aluno iniciaremos os nossos estudos de Sociologia fazendo uma análise do contexto sócio-histórico que propiciou o seu surgimento e, a partir daí, poderemos entender melhor o seu conceito e o seu objeto de estudo. OBJETIVO DA UNIDADE: • Analisar as condições sócio-históricas que favoreceram o surgimento da Sociologia como ciência, identificando seu objeto de estudo e comparando as diferentes posturas paradigmáticas neste contexto, a fim de que possa participar do processo social conscientemente. PLANO DA UNIDADE: • O contexto sócio-histórico e intelectual do surgimento da Sociologia. • A crise do Feudalismo. • A formação dos Estados-Nacionais. • O Mercantilismo e a expansão comercial ultramarina. • A Sociologia se estabelece como Ciência. Bem-vindo à primeira unidade de estudo. Sucesso! UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E INTELECTUAL DO SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA O surgimento da Sociologia pode ser identificado no bojo de um amplo processo histórico que tem início na transição feudal-capitalista, quando se dá a desagregação da sociedade feudal no século XV e vai até o período das revoluções burguesas - revolução industrial inglesa e a revolução francesa no século XVIII, marcando a consolidação da sociedade capitalista. Respondendo a essas indagações, estaremos com os nossos estudos bem encaminhados... Sendo assim, vamos em frente! A CRISE DO FEUDALISMO Caminharemos juntos nesta etapa, visando entender que, para que a nova ordem pudesse ganhar espaço, o Feudalismo teria que extinguir todas as suas possibilidades de reprodução. A partir dos séculos XV e XVI podemos observar que grandes transformações ocorreram na Europa e, conseqüentemente, no mundo todo. Esses acontecimentos desestruturaram o sistema feudal existente e deram origem a um novo sistema – o capitalismo. A grande crise do feudalismo desenvolveu-se na Europa Ocidental no século XIV, atingindo indiscriminadamente campo e cidade, disseminando a fome, epidemias e as guerras, podendo ser explicada por um conjunto de fatores que trouxe, como conseqüência, a superação do sistema feudal. A economia medieval encontrava-se em crise face à baixa produtividade agrícola, ocasionada pelo esgotamento dos solos - utilização inadequada de técnicas agrícolas predatórias - o que projetava um declínio na produção de alimentos, gerando a fome e, conseqüentemente, as epidemias. Em meados do século XIV, os comerciantes genoveses trouxeram da região do Mar Negro uma epidemia que, no espaço de dois anos, espalhou a morte por toda a Europa, atingindo homens e mulheres adultos e crianças de todos os segmentos sociais, sendo conhecida como Peste Negra – um castigo de Deus. A crise se agravou na medida em que os senhores feudais viram seus rendimentos declinarem devido à falta de trabalhadores e ao despovoamento dos campos. Capitalismo: sistema social baseado no capital, no dinheiro. SOCIOLOGIA APLICADA A mortalidade trazida pela fome e a peste negra foi ainda ampliada pela longa Guerra dos Cem Anos (1337/1453), desencadeada pela disputa das regiões de Bordéus e Flandres, entre França e Inglaterra. A conjuntura de epidemias, de aumento brutal da mortalidade e de superexploração camponesa que caracterizou a Europa do século XIV trazendo a crise, foi sendo superada no decorrer do século XV, com a retomada do crescimento populacional, agrícola e comercial. FORMAÇÃO DOS ESTADOS-NACIONAIS Para acompanharmos as transformações em curso, é fundamental concentrarmos-nos na aliança entre a burguesia e o rei, que resulta na formação dos Estados-Nacionais, verificando-se a consolidação territorial a partir de práticas políticas absolutistas, com o fortalecimento do poder e autoridade dos reis. Essa nova forma de organização política atendia aos interesses tanto da nobreza quanto da burguesia. Os nobres, apesar de sua crescente dependência frente aos reis e da perda de autonomia, tiveram assegurados os seus privilégios feudais sobre os camponeses, mantendo suas terras e os seus títulos nobiliárquicos, além de cargos administrativos, pensões e chefias de regimentos militares. Os burgueses procuraram aliar-se aos reis, financiando-os com recursos para a manutenção de exércitos profissionais permanentes, necessários à manutenção da ordem e do poder. Além disso, a centralização política e administrativa trouxe a gradual unificação de impostos, leis, moedas, pesos, medidas e alfândegas em cada país, beneficiando o comércio e a burguesia. Os Estados-Nacionais, formados a partir de fins do século XIV em Portugal e durante o século XV na França, Espanha e Inglaterra, evoluíram no sentido do Absolutismo monárquico. Sistema político o qual o rei detém o poder total, cabendo-lhe o direito de impor leis e obediência aos súditos. Mesmo as regiões que permaneceram divididas em pequenos reinos e cidades, como a Itália e a Alemanha, a tendência foi para o fortalecimento do poder político dos governantes locais. MERCANTILISMO E A EXPANSÃO COMERCIAL ULTRAMARINA Veremosagora como os europeus – pioneiramente Espanha e Portugal - chegam a regiões nunca antes alcançadas e quais os seus verdadeiros interesses. A expansão territorial implementada pela política UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO mercantilista resultou na conquista e exploração de novos territórios denominados “colônias” e estas passando a cumprir o papel de complementaridade da economia da metrópole, constituindo-se em fontes geradoras de riquezas dos países europeus. Através do “Pacto Colonial”, ficava assegurada a exclusividade das transações mercantis estabelecidas entre as metrópoles e suas respectivas colônias, numa relação também conhecida como monopólio comercial. Dentre as características do Mercantilismo, podemos identificar: • expansão marítima comercial e a conquista de novos mercados fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra; • busca incessante do lucro, através da manutenção de uma balança comercial de superávit, ou seja, exportar sempre mais do que importar; • idéia metalista – nível de riqueza de um país medido pelo montante de ouro e prata acumulado em seu tesouro nacional; • absolutismo monárquico – poder político centralizado em torno do rei que constituía-se na autoridade maior do sistema, com o Estado controlando a política econômica em favor dos interesses burgueses. As práticas mercantilistas impulsionaram o crescimento do capitalismo comercial dando origem à acumulação primitiva de capitais, pré-condição necessária ao desenvolvimento do próprio capitalismo. Secularização É importante agora, percebermos as mudanças do entendimento do homem sobre si mesmo e o mundo. Na transição feudal-capitalista surge um novo homem, principalmente nos centros urbanos, mais crítico e sensível, representando um pensamento antropocêntrico – o homem como o centro de todas as coisas e racionalista – crença ilimitada na capacidade da razão em dar conta do mundo - movimento resgatado da antiguidade greco-romana, que chocava-se com a postura teocêntrica e dogmática, definida pelo poder clerical na Idade Média. Desenvolve-se, então, uma nova forma de entender a realidade, isto é, a razão passou a ser considerada o elemento principal de interpretação dos fatos. O homem constrói uma concepção anticlerical apoiada em bases de liberdade, que não precisava se submeter à autoridade divina imposta pela Igreja Católica. Renascimento O Renascimento foi um movimento intelectual que marcou a cultura européia entre os séculos XIV e XVI, originário da Itália e irradiado por toda a Europa. SOCIOLOGIA APLICADA Está associado ao humanismo e fudamentado nos conceitos da civilização da antiguidade clássica, numa demonstração de menosprezo pela Idade Média, considerada como “noite de mil anos” ou “escuridão”. O Renascimento representou uma nova visão de mundo que atendia plenamente aos interesses da burguesia em ascensão. Suas principais características eram o racionalismo, crença na razão como forma explicativa do mundo em oposição à fé; o antropocentrismo, colocando o homem no centro de todas as coisas, em oposição ao teocentrismo e o individualismo, em oposição ao coletivismo cristão. O Humanismo pregava a pesquisa, a crítica e a observação, em oposição ao princípio da autoridade. A explicação da origem italiana do Renascimento e do Humanismo, se dá em função da riqueza das cidades italianas, da presença de sábios bizantinos, da herança clássica da Antiga Roma e da difusão do mecenato. A invenção da Imprensa contribuiu muito para a divulgação das novas idéias. Fases do Renascimento O Renascimento pode ser dividido em três grandes fases, correspondentes aos séculos XIV, XV e o XVI. Trecento - século XIV - manifesta-se predominantemente na Itália, mais especificamente na cidade de Florença, pólo político, econômico e cultural da região. Giotto, Boccaccio e Petrarca estão entre seus representantes. Suas características gerais são o rompimento com o imobilismo e a hierarquia da pintura medieval - valorização do individualismo e dos detalhes humanos; Quatrocento - século XV - o Renascimento espalha-se pela península itálica, atingindo seu auge. Neste período atuam Botticelli, Leonardo da Vinci, Rafael e, no seu final, Michelangelo, considerados os três últimos o “trio sagrado” da Renascença. As características gerais do período são: inspiração greco-romana (paganismo e línguas clássicas), racionalismo e experimentalismo; Cinquecento – século XVI - o Renascimento torna-se neste século um movimento universal europeu, tendo, no entanto, iniciado sua decadência. Ocorrem as primeiras manifestações maneiristas e a Contra-reforma instaura o Barroco como estilo oficial da Igreja Católica. Na literatura atuaram Ludovico Ariosto, Torquato Tasso e Nicolau Maquiavel, já na pintura eram Rafael e Michelangelo. O Iluminismo O Iluminismo foi o movimento intelectual desenvolvido na França no século XVII e teve o seu apogeu durante o século XVIII - o chamado “Século das Luzes”, que enfatizava o domínio da razão e da ciência como formas de explicação para todas as coisas do universo, substituindo as crenças religiosas e o misticismo que bloqueavam a evolução do homem desde a Idade Média. UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Para os filósofos iluministas, o homem era naturalmente bom, porém era corrompido pela sociedade com o passar do tempo. Eles acreditavam que se todos fizessem parte de uma sociedade justa, com direitos iguais para todos, a felicidade comum seria alcançada. Por esta razão, eles eram contra as imposições de caráter religioso, contra as práticas mercantilistas, contrários ao absolutismo do rei, além dos privilégios dados à nobreza e ao clero. O Iluminismo foi mais intenso na França onde influenciou a Revolução Francesa, assim como na Inglaterra e em diversos países da Europa onde a força dos protestantes era maior, chegando a ter repercussões, mesmo em alguns países católicos. Podemos dizer que, de certo modo, este movimento é herdeiro da tradição do Renascimento e do Humanismo por defender a valorização do Homem e da Razão, contribuindo também para o avanço do capitalismo e da sociedade moderna na medida em que disseminava os ideais de uma sociedade “livre”, com possibilidades de transição de classes e mais oportunidades iguais para todos. Economicamente, o Iluminismo identificava que era da terra e da natureza que deveriam ser extraídas as riquezas dos países. Segundo Adam Smith, cada indivíduo deveria procurar lucro próprio sem escrúpulos o que, em sua visão, geraria um bem-estar geral na civilização. Os principais filósofos do Iluminismo foram: John Locke (1632-1704), ele acreditava que o homem adquiria conhecimento com o passar do tempo através do empirismo; Voltaire (1694-1778), ele defendia a liberdade de pensamento e não poupava crítica à intolerância religiosa; Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), ele defendia a idéia de um estado democrático que garantia igualdade para todos; Montesquieu (1689-1755), ele defendeu a divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783), juntos organizaram uma enciclopédia que reunia conhecimentos e pensamentos filosóficos da época. O outro lado da moeda Estas transformações foram acompanhadas, nos séculos XVII e XVIII, por mudanças políticas, tais como: a Revolução Inglesa, a Revolução SOCIOLOGIA APLICADA Americana e a Revolução Francesa, que introduziram grandes alterações nessas sociedades e influenciaram a mudança de outras no mundo a fora. Você pode observar que a sociedade que antes tinha suas bases na produção da terra passa a ter suas bases na produção industrial e trouxe consigo uma nova forma de trabalho, que é o trabalho assalariado. Estetambém trouxe novas formas de relações entre as pessoas e de representatividade nos governos. Tudo mudava. Aquela sociedade tradicional que antes existia estava completamente transformada precisando se organizar para atender às novas necessidades. Revolução Industrial Inglesa Agora, iremos pesquisar a revolução que alterou a relação entre os homens, configurando as formas do mundo contemporâneo. No decorrer do século XVIII, a Europa Ocidental passou por uma grande transformação no setor da produção, em decorrência dos avanços das técnicas de cultivo e da mecanização das fábricas, a qual se deu o nome de Revolução Industrial. A invenção e o aperfeiçoamento das máquinas permitiram o aumento vertiginoso da produtividade, resultando na diminuição dos preços dos produtos e o crescimento do consumo e dos lucros. Esse momento revolucionário de passagem da energia humana, hidráulica e animal para motriz, é o ponto culminante de uma revolução tecnológica, social e econômica, cujas origens podem ser encontradas nos séculos XVI e XVII, com a política de incentivo ao comércio, adotada pelos Estados-Nacionais e a adoção da política mercantilista. A acumulação de capitais nas mãos dos comerciantes burgueses e a abertura dos mercados proporcionada pela expansão marítima estimularam o crescimento da produção, exigindo mais mercadorias e preços menores. Gradualmente, passou-se do artesanato disperso para a produção em oficinas e destas para a produção mecanizada nas fábricas. Para Karl Marx, a Revolução Industrial integra o conjunto das chamadas “Revoluções Burguesas” do século XVIII, responsáveis pela crise do Antigo Regime na passagem do capitalismo comercial para o industrial. Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa que, sob influência dos princípios iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. A Inglaterra foi o país pioneiro da industrialização, sendo que alguns fatores contribuíram para isso: • o principal deles foi a aplicação de uma política econômica liberal em meados do século XVIII, liberalizando a indústria e o comércio o que acarretou um enorme progresso tecnológico e aumento da produtividade em um curto espaço de tempo; UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO • a Lei de Cercamento dos Campos, denominados “enclouseres” marcou o fim do uso comum das terras, expulsando o homem do campo e gerando o “trabalhador livre”. Na medida em que não tinham mais condições de vida no meio rural, partiam para as cidades, gerando forte concentração de mão-de-obra urbana, o que favorecia às indústrias; • a Inglaterra possuía grandes reservas de carvão mineral em seu subsolo, a principal fonte de energia para movimentar as máquinas e as locomotivas a vapor. Possuíam também consideráveis reservas de minério de ferro, principal matéria- prima utilizada neste período. • a burguesia inglesa tinha capital suficiente para financiar as fábricas, comprar matéria-prima, máquinas e contratar empregados por causa da grande taxa de poupança que existia na época; • a agricultura inglesa desenvolveu-se com a difusão de novas técnicas e instrumentos de cultivo. A mecanização da produção criou o proletariado rural e urbano, composto de homens, mulheres e crianças, submetido a jornadas de trabalho diárias, extensivas e intensivas, de mais de 16 horas no campo ou nas fábricas. Com a Revolução Industrial, consolida-se o sistema capitalista baseado em duas classes fundamentais: a burguesia detentora do capital e o proletariado, que nada possuíam a não ser a sua força de trabalho, que vendiam aos capitalistas em troca de um salário. O capital apresenta-se sob a forma de terras, dinheiro, lojas, máquinas ou crédito. O agricultor, o comerciante, o industrial e o banqueiro, donos do capital, controlam o processo de produção, contratam ou demitem os trabalhadores, conforme seus interesses. As formas de transformação de matérias-primas em produtos são: trabalho artesanal – é a forma mais primitiva de trabalho, dominada pelo homem há milhares de anos. O trabalho era manual, sem a utilização de máquinas e o artesão realizava sozinho todas as etapas da produção, desde o preparo da matéria-prima até o acabamento final dos produtos, não havendo divisão do trabalho. O artesão era dono dos meios de produção - oficina e ferramentas simples - possuindo também o produto final de seu trabalho. trabalho manufaturado – estágio intermediário entre o artesanato e a indústria. Neste processo, podemos observar o uso de máquinas simples e a divisão social do trabalho (especialização do trabalhador) com cada trabalhador ou grupo de trabalhadores, realizando uma etapa para a obtenção do produto final. Na manufatura, já encontramos a figura do capitalista com interferência direta no processo produtivo, passando a comprar a matéria- prima e a determinar o ritmo de produção. indústria moderna – com a mecanização da produção introduzida pela Revolução Industrial, os trabalhadores perdem o controle do processo SOCIOLOGIA APLICADA produtivo, passando a trabalhar para um patrão – burguês - na condição de operários – empregados assalariados. Esses trabalhadores passam a manejar máquinas que pertencem agora ao empresário, dono dos meios de produção e para o qual se destina o lucro, sendo que a matéria-prima e o produto final não mais lhes pertencem. Temos como etapas da industrialização, os seguintes períodos: Primeira Revolução Industrial – desenvolvida entre meados do século XVIII até as últimas décadas do século XIX, com a predominância do trabalho intensivo com jornadas de trabalho de até 16 horas por dia, com baixa remuneração do operariado. Utilização de máquinas à vapor nas indústrias têxteis, sendo que a grande fonte de energia era o carvão mineral. Segunda Revolução Industrial – compreendida entre as últimas décadas do século XIX até o final da década de 1970 – século XX. A jornada de trabalho cai para 8 horas diárias e passa a ser regulamentada por leis trabalhistas, a partir dos avanços sociais relativos ao processo histórico de cada país. O petróleo vai substituindo o carvão até se constituir na principal fonte de energia e a indústria automobilística como maior atividade produtiva. Terceira Revolução Industrial – conhecida também como Revolução Técnico-Científica, tem início a apartir da segunda metade da década de 1970, sendo caracterizada pelo avanço do conhecimento e tecnologia avançada. As jornadas de trabalho são mantidas em 8 horas diárias. Os setores de ponta são a informática, a robótica, as telecomunicações, a química fina e a biotecnologia. Neste período, temos uma diversificação quanto às fontes de energia – hidrogênio, energia solar, etc. A Revolução Industrial favoreceu também o desenvolvimento dos transportes. Logo vieram a locomotiva e a navegação a vapor, o que fez com que houvesse uma redução nos custos dos fretes, baixando os preços dos produtos e aumentando o consumo. Com a Revolução Industrial, a Inglaterra se transformou no maior produtor e exportador de produtos manufaturados e a população dos centros urbanos cresceu assustadoramente. Não podemos esquecer de que havia nesse país matérias-primas indispensáveis para o funcionamento e a construção dessas máquinas – carvão e ferro. E, então, você já pode imaginar o que foi acontecendo: a burguesia investiu na inovação tecnológica e as máquinas foram cada vez mais se aprimorando e aumentando a produção que se expandia por todo o mundo, estabelecendo laços de dependência entre as nações. O trabalho assalariado que substitui o trabalho artesanal ganha força utilizando-se fortemente da mão-de-obra femininae infantil e a energia a vapor cresce em lugar da energia humana. Revolução Francesa A Revolução Francesa é um importante marco histórico da transição do feudalismo para o capitalismo, inaugurando um novo modelo de sociedade baseada na economia de mercado. UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO A Revolução Francesa significou o colapso das instituições feudais do Antigo Regime e o fim da monarquia absoluta na França. Ao mesmo tempo, propiciou a ascensão da burguesia ao poder político, fortalecendo as condições essenciais para a consolidação do capitalismo. Movimento político de extrema relevância para o continente europeu e para o Ocidente, a Revolução Francesa teve início em 1789 e se prolongou até 1815. Sofreu grande influência dos ideais do Iluminismo, baseando-se no direito à liberdade, à igualdade e à fraternidade e nos princípios democráticos e liberais da Independência Americana(1776). O êxito do processo revolucionário francês, encerrando os privilégios da nobreza e do clero, serviu de motivação para novos movimentos em direção ao igualitarismo em outras partes da Europa. A Revolução Francesa pode ser subdividida em quatro grandes períodos: a Assembléia Constituinte, a Assembléia Legislativa, a Convenção e o Directório. Causas da Revolução A Revolução Francesa foi resultado de uma conjugação de fatores sociais, econômicos, políticos e, pelo menos um desses fatores, é apontado, pela maioria dos historiadores, como determinante para o desencadeamento do processo revolucionário. Trata-se do descontentamento do povo com os abusos e privilégios do regime absolutista. A composição social da sociedade francesa, na segunda metade do século XVIII, é marcada por uma rígida hierarquia e estratificação social. A hierarquia social francesa propiciava honras e privilégios em função do nascimento e dividia a população de maneira discriminatória segundo ordens ou estados. De um lado, duas classes – o clero e a nobreza, que juntas usufruíam dos privilégios e da riqueza produzida pela sociedade francesa. O Clero ou 1º Estado composto por importantes membros da Igreja Católica, originário da nobreza, que em 1789 representava 2% da população francesa. A Nobreza ou 2º Estado formado pelo rei e sua família, bem como outros nobres como: condes, duques, marqueses, aproximava-se de 1,5% dos habitantes. Controlava a maior parte das terras, concentrando em suas mãos boa parte de tudo que produziam os camponeses; gozava de inúmeros privilégios e não pagava impostos. Do outro lado, o povo – base da sociedade francesa, que sustentava pelo peso de impostos que pagava, a vida de riqueza e muito luxo dos nobres e do clero. O Povo ou 3º Estado era formado pela burguesia, pelos trabalhadores urbanos (a maioria deles desempregados), artesãos e camponeses - sans cullotes. SOCIOLOGIA APLICADA O desenvolvimento do comércio e da indústria, assim como a conquista de novos mercados na Europa e fora dela, fizeram a burguesia acumular riquezas muito rapidamente. A confortável posição que desfrutava no campo dos negócios, contrastava com a desfavorável condição que a burguesia ocupava na vida política do regime absolutista. Apesar de rica, a estrutura social francesa barrava a ascensão da burguesia, uma vez que os privilégios, honras e títulos estavam reservados somente à nobreza e ao alto clero. Além disso, a má administração das finanças, a cobrança excessiva de impostos e os gastos descontrolados da nobreza eram considerados obstáculos aos interesses burgueses. Os camponeses e os trabalhadores urbanos que representavam a esmagadora maioria da população francesa viviam em precárias condições de vida e de existência, ou seja, em quase absoluta miséria. No campo, embora grande parte dos camponeses fosse livre, somente uma pequena parcela podia manter-se com a produção da terra. A elevada carga de impostos relegou boa parte dos pequenos proprietários a subsistir trabalhando nas propriedades dos grandes senhores ou dedicar-se a produção artesanal. Por outro lado, o progresso industrial não representou para a classe trabalhadora operária uma melhoria das condições de vida e de trabalho. A classe operária convivia com salários muito baixos e com altos níveis de desemprego. O quadro de desigualdade social da sociedade francesa, alimentado pela crise econômico-financeira do Antigo Regime, tornou ainda mais precárias as condições em que viviam os trabalhadores do campo e da cidade. Relegados a condições miseráveis de existência, camponeses e trabalhadores urbanos desejavam novas formas de vida e de trabalho. As origens do processo revolucionário francês de 1789 devem ser buscadas nas contradições dos interesses estabelecidos pelo regime absolutista e as novas forças sociais que estavam em ascensão. Ou seja, os interesses econômicos e políticos da nova e poderosa classe burguesa sufocada por uma organização social aristocrática e decadente fizeram despertar o povo (o terceiro estado), que passou a rejeitar as ordens, as diferenças sociais e as restrições. Diante das promessas igualdade e fraternidade, o povo foi atraído para a causa revolucionária. A SOCIOLOGIA SE ESTABELECE COMO CIÊNCIA Tendo em vista todos estes acontecimentos, Augusto Comte (1798- 1857) defende uma proposta para resolver os problemas da sociedade de sua época que viria através da reforma intelectual do homem alcançando a reforma das instituições. Liberalismo: corrente política de pensamento que defende a liberdade do indi- víduo frente ao intervencionismo do Estado. UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO Estas reformas estavam embasadas no Liberalismo que triunfara no século XIX e pregava a liberdade e a igualdade inata entre os homens. Porém, suas reformas estabeleciam a autoridade e a ordem pública contra os abusos do individualismo da Escola Liberal (RIBEIRO JR. 1988:15). A Sociologia nasce como resposta a esse individualismo pregado pela sociedade capitalista e vai assim enfatizar as ações altruístas entre os homens. O positivismo de Comte comparava a sociedade à vida orgânica, cujas partes que a constituem desempenham funções que se orientam para a preservação do todo. Sendo assim, a sociedade não poderia sofrer revoluções violentas e sim se desenvolver harmoniosamente. Repudia o laissez-faire do Liberalismo, pregando o planejamento social. Comte defendia a idéia de que as ciências deveriam atingir a máxima objetividade possível. A influência de Comte foi além da escola francesa, atingindo também os republicanos no Brasil, como podemos observar, o lema na bandeira nacional “Ordem e Progresso”. A especificidade do conhecimento sociológico As ciências se distinguem pelos seus objetos de estudo e pelos seus métodos. E com a Sociologia não vai ser diferente. Se observarmos uma sociedade, veremos que os homens praticam atos que podemos chamar de individuais, tais como: dormir, respirar, caminhar, como também, praticam atos considerados sociais – casar, fazer reuniões, pedir demissão – são situações que só podem ser entendidas através das relações que se estabelecem entre indivíduos ou grupos de indivíduos e que não podem ser entendidas isoladamente. São estes fatos coletivos que interessam à Sociologia, pois suas causas são encontradas não no individual, mas sim na sociedade. É HORA DE SE AVALIAR! Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá- lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem(AVA). Interaja conosco! Nesta primeira unidade estudamos a formação da Sociologia como conhecimento científico. Na próxima unidade, estudaremos a Sociologia Clássica. Espero você na próxima unidade. Temos muito que estudar! Positivismo: corrente fi- losófica cujo iniciador foi Augusto Comte. Defendia a ciência acima de tudo. Laissez-faire: expressão francesa que transmite uma das essências do Liberalismo que dizia: deixai - fazer, ou seja, o homem era livre para fazer o que quisesse. Objeto de estudo: aquilo que vai ser estudado pelo ci- entista. 1 SOCIOLOGIA APLICADA SOCIOLOGIA APLICADA Graduação EXERCÍCIOS 9 SOCIOLOGIA APLICADA U N ID A D E 1 A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO EXERCÍCIOS DE AUTO-AVALIAÇÃO 1. A partir da transição feudal-capitalista, surge uma nova postura intelectual do homem, nova forma de ver a realidade e uma nova maneira de interpretar as coisas sagradas, que o colocava numa condição de liberdade, rompendo com a submissão diante da autoridade divina: a) existencialismo; b) positivismo; c) marxismo; d) racionalismo; e) tomismo. 2. A Sociologia é a ciência que estuda as ações humanas sob qual perspectiva? a) As ações humanas fora do contexto histórico-social; b) As ações humanas comparativamente às demais espécies animais; c) As ações humanas tomadas isoladamente; d) As ações humanas tomadas em coletividade; e) As ações humanas tomadas em estado de natureza. 3. Dentre os pensadores iluministas, destacamos Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que defendia a idéia de: a) procura do lucro individual sem escrúpulos; b) centralização política em torno de um Estado forte; c) intolerância religiosa; d) um estado democrático que garanta igualdade para todos; e) divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário. 4. A Crise Geral do Feudalismo do século XIV, só foi superada em função da: a) retomada do crescimento populacional, agrícola e comercial; b) linha de crédito bancária obtida junto aos reis; c) Revolução Industrial Inglesa; d) fatores naturais dada a fé religiosa do povo; e) união entre todos os segmentos sociais em torno do Pacto de Moncloa. 5. A produção industrial trouxe consigo uma nova forma de expressão do trabalho: a) servil; b) escravo; c) voluntário; d) assalariado; e) terceirizado. 10 UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 6. A Revolução Industrial inglesa, utiliza em seus momentos iniciais, que tipos de energia? a) Energia humana e energia eólica; b) Energia humana e energia a vapor; c) Energia humana e energia nuclear; d) Energia humana e energia elétrica; e) Energia humana e energia solar. 7. Que tipo de motivação, inserida na lógica do capitalismo, levou a classe burguesa a investir em “inventos”? a) Acompanhar o ritmo de produção da classe trabalhadora; b) Retração da produção para atendimento do mercado interno; c) Atender as exigências dos reis; d) Renovação do parque industrial; e) Racionalização e aumento da produção. 8. Com a Revolução Industrial, que tipo de fenômeno populacional se deu na Inglaterra? a) Aumento vertiginoso das populações urbanas; b) Envelhecimento assustador da população adulta; c) Aumento da população feminina, uma vez que o número de óbito en- tre os homens aumentou em face da exploração desumana do traba- lhador; d) Alta na taxa de mortalidade infantil, num processo de contaminação produzida pelas máquinas; e) Aumento da taxa de mortalidade, tanto dos homens quanto das mu- lheres, em razão de que, as condições de trabalho no sistema capita- lista, se apresentavam mais hostis do que as verificadas no sistema feudal. EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM E FIXAÇÃO 1. O que foi o Renascimento e quais as suas principais características? ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ 2. O que foi o “Pacto Colonial” e quais as partes envolvidas neste acordo? ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ 1 SOCIOLOGIA APLICADA SOCIOLOGIA APLICADA Graduação SOCIOLOGIA APLICADA 25 U N ID A D E 2 A SOCIOLOGIA CLÁSSICA Como vimos na Unidade 1, a Sociologia enquanto ciência surgiu como resposta intelectual para as “crises” decorrentes da implantação e da consolidação das sociedades capitalistas modernas. Nesta segunda unidade de estudo, vamos a Sociologia Clássica. OBJETIVOS DA UNIDADE: Compreender o pensamento de três autores considerados clássicos na Sociologia do século XIX e no início do século XX. São eles Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. PLANO DA UNIDADE: • Uma nova ciência: a Sociologia. • A Sociologia de Émile Durkheim. • A Sociologia de Karl Marx. • A Sociologia compreensiva de Max Weber. Bons estudos! UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 26 UMA NOVA CIÊNCIA: A SOCIOLOGIA As transformações sociais, econômicas e políticas desencadeadas pelo duplo processo revolucionário - a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, no século XVIII - fizeram emergir um novo gênero de “questões sociais” que despertou o interesse de filósofos e intelectuais em investigar a sociedade. A sociedade passava assim a se constituir em objeto de estudo de uma nova ciência – a Sociologia. Observadores da nascente sociedade industrial, cada um deles procurou em estudos que realizaram, interpretar as questões sociais fundamentais da sociedade de seu tempo. Todos três, de maneira diversa, estavam comprometidos com o propósito de apresentar respostas para a crise da sociedade moderna. Suas obras apresentam distintas interpretações das crises sociais de uma nova sociedade que nasce mergulhada em contradições profundas. Para Durkheim(1858-1917), a crise da sociedade industrial moderna estava associada à fragilidade moral da época em orientar com eficácia a conduta dos indivíduos. A sociedade só poderia manter sua estrutura e equilíbrio se reconstituísse uma nova moral comum que pudesse reunir os membros da coletividade. Para ele, a Sociologia deveria servir para resgatar o bom funcionamento da sociedade, reconstruindo novos hábitos e valores, instituindo, enfim, uma nova moral capaz de recuperar a “normalidade social” e preservando, assim, a ordem social. Para Karl Marx (1818-1883), a questão fundamental da sociedade do seu tempo eram as contradições insolúveis engendradas pela sociedade capitalista. O antagonismo entre as classes sociais constituía a realidade concreta do capitalismo. Para ele, a divisão do trabalho entre os homens era uma fonte inesgotável de exploração e alienação. A ciência, em sua tarefa de conhecer a realidade, deveria converter-se em um instrumento político para a transformação social. A contribuição dos trabalhos realizados por Weber(1864-1920) tornou- se referência para o desenvolvimento da Sociologia. Polêmico pelas críticas ao positivismo de Durkheim e ao Materialismo Histórico de Marx, Weber foi capaz de compreender as particularidades das ciências humanas realçando o caráter particular de cada formação social e histórica, realçando aquilo que ela apresenta de específico. Caro aluno, saiba que quando buscamos empreender uma análise da vida social, nos deparamos com um conjunto significativo de pressupostos teóricos, que nos levam a diferentes abordagens e concepções metodológicas tambémvariada. A marca principal da análise sociológica do fenômeno social é a pluralidade de abordagens e contribuições teóricas que nos informam como a realidade e a vida social foram analisadas e interpretadas. Essa diversidade teórica nos permite construir diferentes imagens do fenômeno estudado e apontam para diferentes direções. SOCIOLOGIA APLICADA 27 A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM Embora, Auguste Comte seja reconhecidamente apresentado como fundador da Sociologia pela sua preocupação de dotar a Sociologia de bases científicas, Durkheim é apontado como um dos primeiros grandes teóricos desta ciência. Representante do Positivismo, uma das preocupações centrais de Durkheim foi estabelecer a Sociologia como uma disciplina rigorosamente científica. De acordo com Durkheim, a Sociologia deveria assentar-se em uma base sólida afastando-se de todas as orientações que transformavam a investigação social numa dedução de fatos particulares, mergulhada em generalidades abstratas, interpretando a realidade social sem critérios e limites impostos pela ciência. Autor de obras essenciais para o pensamento sociológico, como: A Divisão de Trabalho Social (1893), As Regras do Método Sociológico (1895), O Suicídio (1897) e As Formas Elementares da Vida Religiosa (1909). Em sua visão, a Sociologia deveria delimitar com rigor o objeto de estudo de seu interesse; definir um objeto de investigação próprio, específico, distinto do objeto analisado por outras ciências. Em sua obra – “As Regras do Método Sociológico (1895)”, Durkheim afirmava que a Sociologia deveria estudar fatos essencialmente sociais e procurar interpretá-los sociologicamente. O Fato Social como objeto de investigação da Sociologia Para Durkheim, o objeto de estudo da Sociologia é o fato social. Mas, o que são fatos sociais? Afirma Durkheim (1970, p.87-88): “Antes de procurar saber qual é o método que convém ao estudo dos fatos sociais, importa dar a conhecer os fatos que assim designamos. A questão é tanto mais necessária quanto as pessoas se servem desta qualificação sem grande precisão. Empregam-na correntemente para designar, mais ou menos, todos os fenômenos que ocorrem na sociedade, mesmo que apresentem, apesar de certas generalidades, pouco interesse social. Mas, partindo desta acepção, não há, por assim dizer, acontecimentos humanos que não possam ser apelidados de sociais. Cada indiví-duo bebe, dorme, come, raciocina, e a sociedade tem todo o interesse em que estas fun-ções se exerçam regularmente. Assim, se estes fatos fossem sociais, a sociologia não teria um objeto que lhe fosse próprio e o seu domínio confundir-se-ia com os da biologia e da psicologia. Mas, na realidade, há em todas as sociedades um grupo determinado de fenômenos que se distinguem por características distintas dos estudados pelas outras ciências da natureza. Quando desempenho a minha obrigação de irmão, esposo ou cidadão, quando satis-faço os compromissos que contraí, cumpro UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 28 deveres que estão definidos, para além de mim e dos meus atos, no direito e nos costumes. Mesmo quando eles estão de acordo com os meus próprios sentimentos e lhes sinto interiormente a realidade, esta não deixa de ser objetiva, pois não foram estabelecidos por mim, mas sim recebidos através da educação. Quantas vezes acontece ignorarmos os pormenores das obrigações que nos incumbem e, para os conhecer, termos de recorrer ao Código e aos seus intérpretes autorizados! Do mesmo modo, os fiéis, quando nascem, encontram já feitas as crenças e práticas da sua vida religiosa; se elas existiam antes deles, é porque existiam fora deles. O sistema de sinais de que me sirvo para exprimir o pensamento, o sistema monetário que emprego para pagar as dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas minhas relações comerciais, as práticas seguidas na minha profissão, etc. funcionam independentemente do uso que deles faço. Tomando um após outro todos os membros de que a sociedade se compõe, pode repetir-se tudo o que foi dito, a propósito de cada um deles. Estamos, pois, em presença de modos de agir, de pensar e de sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das consciências individuais. Não somente estes tipos de conduta ou de pensamento são exteriores ao indivíduo, como são dotados dum poder imperativo e coercivo em virtude do qual se lhe impõem, quer ele queira quer não. Sem dúvida, quando me conformo de boa vontade, esta coerção não se faz sentir ou faz-se sentir muito pouco, uma vez que é inútil. Mas não é por esse motivo uma característica menos intrínseca de tais fatos, e a prova é que ela se afirma desde o momento em que eu tente resistir. Se tento violar as regras do direito, elas rea-gem contra mim de modo a impedir o meu ato, se ainda for possível, ou a anulá- lo e a restabelecê-lo sob a sua forma normal, caso já tenha sido executado e seja reparável, ou a fazer-me expiá-lo, se não houver outra forma de reparação. Tratar-se-á de máximas puramente morais? A consciência pública reprime todos os atos que as ofendam, através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e das penas especiais de que dis-põe. Noutros casos, a coação é menos violenta, mas não deixa de existir. Se não me submeto às convenções do mundo, se, ao vestir-me, não levo em conta os usos seguidos no meu país e na minha classe, o riso que provoco e o afastamento a que me submeto produ-zem, ainda que duma maneira mais atenuada, os mesmos efeitos de uma pena propria-mente dita. Aliás, a coação não é menos eficaz por ser indireta. Não sou obrigado a falar francês com os meus compatriotas, nem a usar as moedas legais, mas é impossível fazê-lo de outro modo. Se tentasse escapar a esta necessidade, a minha tentativa falharia miseravelmente. Se for industrial, nada me proíbe de trabalhar com processos e métodos do século passado, mas, se o fizer, arruíno-me pela certa. Mesmo quando posso libertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, nunca é sem ser obrigado a lutar SOCIOLOGIA APLICADA 29 contra elas. Mesmo quando são finalmente vencidas, ainda fazem sentir suficientemente a sua força constrangedora, pela resistência que opõem. Não há inovador, mesmo bem sucedido, cujos empreendimentos não acabem por chocar com oposições deste tipo. Aqui está, portanto, um tipo de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo, e dotadas de um poder coercivo em virtude do qual se lhe impõem. Por conseguinte, não poderiam ser confundidos com os fenômenos orgânicos, visto consistirem em representações e ações; nem com os fenômenos psíquicos, por estes só existirem na consciência dos indiví-duos, e devido a ela. Constituem, pois, uma espécie nova de fatos, aos quais deve atribuir-se e reservar-se a qualificação de sociais. Tal qualificação convém-lhes, pois, não tendo o indivíduo por substrato, não dispõem de outro para além da sociedade, quer se trate da sociedade política na sua íntegra ou de um dos grupos parciais que engloba: or-dens religiosas, escolas políticas, literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, a designação convém unicamente a estes fatos, visto a palavra “social” só ter um sentido definido na condição de designar apenas os fenômenos que não se enquadrem em nenhuma das categorias de fatos já constituídas e classificadas. Eles são, portanto, o domínio próprio da sociologia.” A partir dessa definição, podemos, então, afirmar que são três as características básicas que permitem reconhecer os fatos sociais. A primeira característica dos fatos sociais é a exterioridade. Segundo Durkheim, o indivíduo ao nascerjá encontra regras sociais, morais, legais, religiosas, etc., que foram sedimentadas pelas gerações anteriores que deverão ser internalizadas a sua existência para que ela possa viver em sociedade. São maneiras de ser e de agir consolidadas pelo grupo, que existem independente de sua vontade individual, ou seja, são fatos sociais exteriores ao indivíduo. Ele não é consultado para decidir se agirá ou não em concordância com esse conjunto de regras. O fato do indivíduo pertencer a uma determinada sociedade ou grupo social implica na adesão obrigatória de regras que servirão para orientar sua conduta e comportamento. Portanto, além de exteriores, os fatos sociais são coercitivos, ou seja, dotados de um poder imperativo que se impõem ao indivíduo pela força. Essa é, pois, a segunda característica dos fatos sociais - exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior. Todo conjunto de regras: jurídicas, morais, religiosas, financeiras, lingüísticas, etc., constituídas pela sociedade é imposto coercitivamente ao indivíduo. Cabe a ele conformar-se às regras socialmente instituídas e orientar-se de acordo com elas, independente de sua vontade particular. Segundo Durkheim, um fato social é reconhecido pelo poder de coação externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder é reconhecida, por sua vez, pela existência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que tende a violentá-lo. UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 30 Uma pessoa pode não querer usar o idioma falado em sua sociedade, pode não querer usar a moeda corrente em seu país ou pode não querer se subordinar aos códigos legais vigentes em seu meio, mas certamente, suas atitudes serão severamente tolhidas pela força que a sociedade exercerá sobre seu comportamento. Além da exterioridade e coercitividade dos fatos sociais, uma terceira característica deve ser considerada – a generalidade. Será considerado social o fato que é geral, ou seja, o fato que se manifesta pela sua natureza coletiva, difusa - formas de viver consolidadas socialmente, como os hábitos, as crenças e os valores, e também, as formas de habitação, as vias de comunicação que definem o fluxo das correntes migratórias e de escoamento da produção. Portanto, o domínio da Sociologia compreende um determinado grupo de fenômenos – fatos sociais – que são reconhecidos pelo seu poder de coerção externa que exerce ou é suscetível de exercer sobre os indivíduos; e se manifestam pela sua generalidade, pela difusão que têm no interior de uma determinada sociedade. O Método Sociológico Para Durkheim, o conhecimento e a explicação da vida social impõem ao pesquisador a escolha de um método que permita investigar de maneira cientifica os fatos sociais. Para observar e interpretar a realidade social, o pesquisador deveria assumir posição semelhante a do estudioso das ciências naturais, considerando, entretanto, que a Sociologia examina fatos que pertencem ao reino social, com especificidades próprias que os distinguem dos fenômenos da natureza. Segundo Durkheim, a explicação científica dos fatos sociais exigiria do pesquisador um compromisso com a objetividade e a neutralidade em relação aos fenômenos observados. A regra fundamental para observação dos fatos sociais era considerá-los como coisa, isto é, como realidades exteriores ao indivíduo. O distanciamento do pesquisador em relação ao objeto investigado é condição essencial para garantir a cientificidade de seu estudo. O sociólogo deve ser capaz de observar a realidade dos fatos sem “contaminar” a interpretação com suas prenoções, seus preconceitos, sentimentos e concepções de mundo pessoais, o que certamente, dificultaria conhecer verdadeiramente o objeto em questão. O sociólogo deve procurar interpretar a realidade tal como ela é, e não como ele gostaria que ela fosse, fazendo prevalecer visões permeadas de valores e preconceitos. A Sociedade Precursor da corrente positivista e inspirado nas análises das ciências naturais, Durkheim compara a sociedade a um corpo vivo, em que cada “órgão”, ou seja, cada uma das partes que compõem a sociedade, SOCIOLOGIA APLICADA 31 desempenha uma função específica para a preservação e a coesão do todo. Ao comparar a sociedade a um organismo vivo, Durkheim identifica dois estados em que a sociedade pode se encontrar: o normal e o patológico. Para ele, os fenômenos que apresentam uma regularidade no meio social e que estão previstos em sua estrutura e organização deverão ser interpretados como normais. De outra forma, a sociedade poderá apresentar comportamentos que podem ameaçar a integridade e a harmonia sociais, colocando em risco o consenso que deverá prevalecer. Tais situações são consideradas “patológicas”, anormais. Considerava Durkheim que a sociedade poderia apresentar, como um “corpo vivo” que é, alguma disfunção. Depois de instalada, a “doença” deveria ser tratada para não provocar prejuízos maiores e comprometer a integridade e “bom” funcionamento da ordem social. Os fenômenos sociais “patológicos” deveriam ser tratados para restabelecer a “saúde” e o equilíbrio da sociedade. Para Durkheim, a sociedade industrial se encontrava em um estado patológico porque as crises geradas por ela colocavam em risco o seu pleno funcionamento. A crise que se encontrava a sociedade capitalista, não era de natureza econômica, como defendiam os socialistas, mas sim uma certa fragilidade moral e a ausência de regras de conduta e comportamento que correspondessem à nova realidade, capazes de frear o ímpeto de destruição e de desordem sociais e guiar com eficácia a vida dos indivíduos. A Sociologia de Karl Marx Ao lado de Émile Durkheim e Max Weber, Karl Marx faz parte do grupo seleto de intelectuais que integram o pensamento teórico da Sociologia Clássica. Autor de obras fundamentais para a teoria sociológica, como o Manifesto do Partido Comunista(1848), Contribuição à Crítica da Economia Política (1859) e, sem dúvida, a mais importante obra dedicada a interpretar o funcionamento do sistema capitalista – O Capital (1867). A questão central que orientou os trabalhos de Marx foi analisar o funcionamento do capitalismo, o processo histórico que o gerou e a sua evolução. Em sua trajetória intelectual, contou com a colaboração de outro importante intelectual alemão – Friederich Engels(1820-1903). Comprometidos com a não-preservação da ordem socioeconômica do sistema capitalista, Marx e Engels não estavam interessados em dotar a Sociologia de um caráter científico, institucionalizá-la como disciplina acadêmica, como, aliás, fizeram Durkheim e Weber, mas sim torná-la instrumento político de reflexão e crítica da sociedade capitalista, denunciando as contradições e os antagonismos entre as classes sociais, com o objetivo extremo de proporcionar os fundamentos teóricos para a transformação revolucionária desse modelo de sociedade. Embalados por um ideal revolucionário, defendiam a adesão da ciência a uma proposta de ação política prática. Para Marx, a ciência deveria converter-se em um instrumento de transformação radical da sociedade. UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 32 A análise socioeconômica do capitalismo Enquanto para análise positivista, as crises sociais e os conflitos entre trabalhadores e empresários na sociedade capitalista eram interpretados como fenômenos passageiros, passíveis de serem superados pela inclusão de um sistema de regras para orientar a conduta dos indivíduos. A análise marxista procurou realizar uma crítica radical a esse modelo histórico de sociedade, apontando suas contradições e antagonismos. Comprometidos com ideal revolucionário de transformação social, Marx e Engelsidentificavam a luta de classes como a principal característica da sociedade capitalista. Concordavam que a crescente divisão de trabalho na sociedade moderna era a principal fonte de exploração, opressão e alienação. Afirmava Marx, em O Manifesto do Partido Comunista: A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta. Nas primeiras épocas históricas, verificamos, quase por toda parte, uma completa divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores vassalos, mestres, companheiros, servos; e, em cada uma destas classes, gradações especiais. A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado. Entretanto, a nossa época, a época da burguesia caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado. (Marx, Karl. Manifesto do Partido Comunista. In: FERNANDES, Florestan. Marx e Engels – História. São Paulo: Editora Ática, p.365-366) Dois conceitos essenciais para o pensamento de Marx podem ser analisados a partir deste trecho do Manifesto do Partido Comunista: classe social e alienação. Marx partiu da idéia de que a sociedade estava dividida em classes, cada uma com regras e condutas apropriadas, mas que estão inseridas em um único sistema que é o modo de produção capitalista. SOCIOLOGIA APLICADA 33 Para Marx, na sociedade capitalista as relações sociais de produção definem duas classes principais: a burguesia – classe dominante detentora dos meios de produção (propriedades, máquinas, ferramentas, capital, etc.), e o proletariado que destituído dos meios de produção, oferece a sua força de trabalho em troca de salário. Marx tentou demonstrar que no capitalismo sempre haveria desigualdade social, uma vez que a concentração de riquezas se daria pela exploração dos trabalhadores. O capitalismo se revelaria, portanto, em um sistema “selvagem”, pois o trabalhador produziria mais para o seu empresário do que o seu próprio custo para a sociedade. O capitalismo se apresentaria necessariamente como um regime econômico de exploração, sendo a mais- valia a lei fundamental do sistema. O capitalismo tornou o trabalhador alienado, isto é, separou-o de seus meios de produção (suas terras, ferramentas, máquinas, etc.), provocando um “estranhamento” entre o trabalhador e seu trabalho. O homem aliena- se de sua própria essência que é o trabalho. A divisão social do trabalho no capitalismo promove, então, a alienação, uma vez que o trabalhador deixa de ter o domínio do processo de trabalho e dele não se beneficia. As crises e conflitos em que se envolviam a burguesia e o proletariado decorriam, em grande medida, da oposição de interesses entre as classes sociais. No capitalismo, os trabalhadores estão submetidos à dominação econômica, uma vez que se encontram destituídos da propriedade dos meios de trabalho. A enorme capacidade de produzir do regime capitalista não foi capaz de reduzir a miséria da grande massa da população. Os trabalhadores, no entanto, não estavam submetidos somente a dominação econômica. A dominação estendia-se ao campo político, ideológico e jurídico da sociedade. Para Marx, o instrumento de que dispõe a burguesia para fazer prevalecer seus interesses e privilégios é o Estado. Através do Estado e dos seus aparatos repressivos (exércitos, polícias), a classe dominante impõe seus interesses ao conjunto da sociedade, fazendo-a submeter-se às regras políticas. Além do aparato repressivo, a classe dominante dispõe do aparato jurídico – o Direito – para garantir, através do estabelecimento de leis que sua vontade prevaleça. Materialismo Histórico Para interpretar o capitalismo e compreender a história das sociedades humanas, Marx desenvolveu uma teoria – o Materialismo Histórico, que procurava explicar qualquer tipo de sociedade, em todas as épocas, através de fatos materiais, essencialmente econômicos. Na Contribuição à Critica a Economia Política, afirmava Marx (1957, 4-5): “O resultado geral ao qual cheguei, e que, uma vez adquirido, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado brevemente assim: na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independente de suas vontades, UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 34 relações de produção que correspondem a um grau de desenvolvimento determinado de suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, base concreta sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas de consciências sociais determinadas. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é inversamente seu ser social que determina sua consciência. A um certo estágio de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações existentes, ou, o que não é senão a expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se moviam até então. De formas de desenvolvimento de forças produtivas que eram, essas relações tornaram-se obstáculos. Abre- se, então, uma época de revolução social. A mudança na base econômica transtorna mais ou menos rapidamente toda a enorme superestrutura. Considerando-se estes transtornos, torna-se necessário sempre distinguir entre a desordem material – que pode -constatar de forma cientificamente rigorosa - das condições de produção econômica e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência desse conflito, levando-o às últimas conseqüências. Da mesma forma que não se pode julgar um indivíduo pela idéia que faz de si mesmo, não se poderia julgar uma época de transtornos pela consciência que ela tem em si mesma; é necessário, ao contrário explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social nunca desaparece antes que sejam desenvolvidas todas as forças produtivas que ela possa conter, e nunca relações de produção novas e superiores tomam seu lugar antes que as condições de existência materiais destas relações surjam no seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade só se coloca problemas que possa resolver; pois, olhando isso de mais perto, poder-se-á observar sempre que o problema só surge onde as condições materiais para resolvê-lo já existem ou estão pelo menos em vias de existir. Em geral, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados de épocas progressivas da formação social-econômica. As relações de produção burguesas são a última formação contraditória do processo de produção social, contraditória, não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradiçãoque nasce das condições de existência social dos indivíduos; entretanto, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa, criam ao mesmo tempo as condições materiais para resolver esta contradição. Com esta formação social termina então a pré-história da sociedade humana.” Nessa passagem destacamos algumas questões centrais que serviram de suporte teórico ao materialismo histórico: SOCIOLOGIA APLICADA 35 1) os homens constroem a sua vida (social) e a sua história, porém não as constroem em condições por eles escolhidas, determinadas pela sua vontade. A vida em sociedade estabelece relações sociais que não foram geradas pela vontade individual. A ação do indivíduo no mundo que o envolve obriga-o a contrair relações, as relações sociais. Elas determinam o ser social, ou seja, o indivíduo é o resultado das forças econômicas e das relações sociais que atuam sobre ele. Para viver, os homens têm de inicialmente transformar a natureza, arrancando dela tudo o que necessita para subsistir e para ultrapassar a vida simplesmente natural. É pelo trabalho que os homens transformam e dominam a si próprios e a natureza. Assim, é pelo trabalho, através dos instrumentos que ele gerou, como as ferramentas ou máquinas, as técnicas empregadas para produzir e a divisão do trabalho, que os homens produzem a sua existência. Portanto, as relações fundamentais de qualquer sociedade são as relações de produção. As relações de produção são as formas pelas quais os homens se organizam para executar a atividade produtiva. São as relações fundamentais dos homens com a natureza e dos homens entre si na sua atividade produtiva. As relações de produção articulam-se a três elementos: as condições naturais (clima, solo, fauna, flora, etc.) determinada pela própria natureza, as tecnologias e a divisão do trabalho. Esses três elementos constituem as forças produtivas. No curso da história, cada um desses elementos pode sofrer modificações e aperfeiçoamentos. Por exemplo, a exploração e o uso de novos recursos naturais exigem o aperfeiçoamento tecnológico e a invenção de novas técnicas para atingir o máximo de produção. Por outro lado, além da incorporação de novos instrumentais e tecnologias, uma nova organização da divisão do trabalho também será exigida, determinando novos padrões de formação e aperfeiçoamento da capacidade técnica da força de trabalho. Portanto, as forças produtivas e as relações de produção são fatores essenciais para organização de toda atividade produtiva realizada em sociedade. A forma como cada uma existe e se desenvolve vai determinar o que Marx chamou de modo de produção. 2) Defendendo rigoroso determinismo econômico em todas as sociedades humanas, Marx distingue as etapas da história humana a partir dos modos de produção. São quatro os modos de produção: o asiático, o antigo, o feudal e o capitalista. Segundo Aron (1987), esses quatro modos de produção podem ser reunidos em dois grupos. Os modos de produção antigo, feudal e capitalista são representantes da história do Ocidente. Enquanto o modo de produção asiático caracteriza uma civilização distinta da do Ocidente. O modo de produção antigo é caracterizado pela escravidão; o modo de produção feudal pela servidão e o modo de produção capitalista pelo trabalho assalariado. Eles correspondem a três modos distintos de exploração do homem pelo UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 36 homem. O modo de produção capitalista seria a última etapa de uma formação social baseada na exploração do homem pelo homem, na medida em que o modo de produção que o substituiria, seria o modo de produção socialista, não submeteria a massa de trabalhadores à exploração e à opressão. 3) Estabelece uma distinção entre a infra-estrutura e a superestrutura. Compara a sociedade a um edifício, cuja base, a infra-estrutura, seria representada pelas forças econômicas - forças produtivas e relações de produção, enquanto a superestrutura representaria as idéias, costumes e instituições jurídicas e políticas, as ideologias e as filosofias. É sobre essa base econômica que se ergue a superestrutura da sociedade moderna. O campo político, jurídico e ideológico por sua vez representa a forma como os homens estão organizados no processo produtivo. Para Marx, a esfera econômica determina e condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. A Sociologia compreensiva de Max Weber Pretendendo distanciar-se do Positivismo de Durkheim – que pretendia estabelecer “leis universais” comuns a várias ou a todas as configurações históricas, e do Materialismo Histórico de Marx – que pressupõe um determinismo econômico na análise dos processos históricos, Max Weber parte da idéia de que cada formação histórica carrega especificidade e importância próprias. Sendo tarefa do sociólogo trazer à tona o que há de peculiar, de particular em cada uma delas. Para Weber, os fenômenos sociais que interessam a Sociologia não devem ser tratados como “coisa”, ou seja, fatos exteriores que devem ser analisados à distância pelo pesquisador. “O domínio do trabalho científico não tem por base as conexões ‘objetivas’ entre as ‘coisas’ mas as conexões conceituais entre os problemas. Só quando se estuda um novo problema com auxílio de um método novo e descobrem verdades que abre novas e importantes perspectivas é que nasce uma nova ciência”. (WEBER, M. A “Objetividade” do Conhecimento nas Ciências Sociais. In: COHN, G. Weber – Sociologia. São Paulo: Editora Ática, p.84) Nem tampouco devem tentar interpretá-los sempre tomando como única explicação causal a esfera econômica. “Em nenhum domínio dos fenômenos culturais pode a redução unicamente a causas econômicas ser exaustiva, mesmo no caso específico dos fenômenos ‘econômicos’”. (WEBER,Op.Cit,86) Sua obra é marcada pela análise teórica e empírica dos fatos econômicos, históricos e culturais. Weber partia do pressuposto que a realidade social era infinita e inesgotável, portanto, o conhecimento e os fundamentos gerados pelas ciências sociais não deveriam se limitar a determinar “leis” gerais que explicassem a totalidade da vida social. SOCIOLOGIA APLICADA 37 “A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da realidade. Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e na qual nos encontramos situados naquilo que tem de específico; por um lado, as conexões e a significação cultural das suas diversas manifestações na sua configuração atual e, por outro, as causas pelas quais se desenvolveu historicamente assim e não de outro modo. Ocorre que, tão logo tentamos tomar consciência do modo como se nos apresenta imediatamente a vida, verificamos que se nos mani-festa, “dentro” e “fora” de nós, sob uma quase infinita diversidade de eventos que aparecem e desaparecem sucessiva e simultaneamente. E a absoluta infinidade dessa diversidade subsiste, sem qualquer atenuante do seu caráter intensivo, mesmo quando prestamos a nossa atenção, isoladamente, a um único “objeto” - por exemplo, uma transação concreta -; e isso tão logo tentamos sequer descrever de forma exaus-tiva essa “singularidade” em todos os seus componentes individuais, e muito mais ainda quando tentamos captá-la naquilo que tem de causal-mente determinado. Assim, todo o conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado pelo espírito humano finito baseia-se na premissa tácita de que apenas um fragmento limitado dessa realidade poderá constituir de cada vez o objeto da compreensão científica, e de que só ele será “essencial” no sentido de “digno de ser conhecido”. (WEBER, In: COHN, 1979, p.88) Segundo Weber, o propósito da ciência não é dar conta da infinita e exaustivatotalidade da vida social, reduzindo-a às leis gerais “vazias de conteúdo”. “Isto porque quanto mais vasto é o campo abrangido pela validade de um conceito genérico – isto é quanto maior a sua extensão -, tanto mais nos afasta da riqueza da realidade, posto que para poder abranger o que existe de comum no maior número possível de fenômenos, forçosamente deverá ser mais abstrato e pobre de conteúdo.” (Ibid., p.96) Na perspectiva de Weber, a ciência pode e deve produzir uma análise objetiva das diversas dimensões (econômica, política, cultural, religiosa, etc.) da realidade, sem a intenção de reduzir e aprisionar toda a riqueza dos fatos a leis gerais. O que importa é compreender a significação que a realidade da vida possui para os indivíduos em diferentes contextos e em diferentes épocas. O método sociológico interpretativo Para Weber, todo o conhecimento da realidade social é parcial, limitado e subordinado a pontos de vista particulares. O cientista social fará sempre uma seleção, consciente ou inconscientemente, dos elementos da realidade que pretende analisar a partir do seu ponto de vista particular, destacando UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 38 “conexões” que, para ele, possui significado. O fenômeno social que o pesquisador escolhe, assim como a delimitação do problema que orientará a sua investigação serão determinados pelas suas escolhas, orientado pelas suas idéias de valor, ou seja, o pesquisador é orientado pela sua convicção pessoal e subjetiva, que é ele que confere ao seu estudo uma direção e exprime uma determinada interpretação do fato estudado. Afirmava Weber que apenas as idéias de valor que dominam o investigador e uma época podem determinar o objeto de estudo e os limites desse estudo. Mas, no que refere a validade científica, uma questão emerge: como conferir ao conhecimento produzido a partir das idéias e dos valores subjetivos do pesquisador, a validade e o rigor de uma obra científica? Como alcançar a objetividade científica? No que se refere ao método de investigação, defendia Weber que para alcançar maior objetividade científica seria fundamental o pesquisador construir sua interpretação baseada nas normas e preceitos válidos e determinados pela ciência de seu tempo “só será considerada uma verdade científica aquilo que se pretende válido para todos os que querem a verdade.”(WEBER,idem,p.100) Segundo Aron (1987), a ciência, na perspectiva weberiana, apresenta dois pressupostos fundamentais para o alcance de sua validade científica. O primeiro significa que a ciência moderna se caracteriza pelo não- acabamento, isto, porque o conhecimento científico é um processo que jamais se esgotará. Weber não acreditava que o conhecimento gerado na atividade científica representava um retrato fiel e acabado da realidade, já que esta é ampla e inesgotável, impossível de ser encerrada em sua totalidade. O conhecimento será sempre parcial, fragmentado e inacabado. O que o pesquisador consegue alcançar em sua tarefa investigativa é apenas uma comparação aproximada da realidade. O segundo diz respeito à objetividade do conhecimento como requisito indispensável para qualquer cientista que procure construir um conhecimento verdadeiro e válido. Ação Social: objeto da ciência Segundo Weber, a Sociologia é uma ciência voltada para a compreensão interpretativa da ação social, conduta humana dotada de sentido e subjetivamente elaborada. À Sociologia caberia buscar compreender o sentido que os indivíduos atribuem a sua conduta. Segundo Cohn (1979) é tarefa da Sociologia desvendar o sentido que manifesta em ações concretas e que envolve um motivo sustentado pelo indivíduo como fundamento da sua ação. Tanto o indivíduo como as suas ações são considerados pontos-chave da investigação científica, evidenciando o que SOCIOLOGIA APLICADA 39 para Weber era o ponto de partida para a Sociologia: a compreensão e a percepção do sentido que cada indivíduo atribui à sua conduta. Portanto, é tarefa do cientista social reconstruir o motivo que fundamenta a ação, porque ela figura como causa e efeitos da conduta dos indivíduos. Na concepção weberiana, o indivíduo age orientado por motivações informadas pelos valores, por interesses racionais ou pela emoção. Existirá uma ação social toda vez que um indivíduo estabelecer com outro algum tipo de comunicação, a partir da sua conduta com os demais indivíduos. Para Cohn (1979) a ação social é a conduta à qual o indivíduo associa um sentido subjetivo. É a ação orientada significativamente pelo indivíduo conforme a conduta de outros indivíduos e que transcorrem consonância com isso. Weber elabora uma distinção entre quatro tipos de ação social: a ação racional com relação a fins, a ação racional com relação a valores, a ação tradicional e a ação afetiva. 1) A ação racional com relação a fins: é uma ação concreta em que o agente concebe claramente objetivos específicos a serem alcançados. Exemplo: o atleta que se prepara para realizar uma competição; a ação do cientista. 2) A ação racional com relação a um valor: é a ação definida pela crença consciente no valor - moral, ético, religioso, estético, etc. – que justifica determinada conduta. O indivíduo age motivado pela “força” dos valores sobre a sua conduta. Aceita todos os riscos para manter-se fiel a sua honra ou causa que acredita. Por exemplo: o “homem-bomba”, que mesmo consciente do fim trágico de sua ação, age em conformidade com a sua crença religiosa. 3) A ação afetiva: é a ação que corresponde ao “estado de espírito” do agente que a pratica. É definida por uma reação emocional dos indivíduos em determinadas circunstâncias, que necessariamente não foi orientada por um planejamento prévio ou motivada por valores. Exemplo: a explosão de raiva do motorista quando leva uma “fechada” no trânsito. 4) A ação tradicional: é a ação ditada pelos hábitos, costumes e crenças arraigadas. O indivíduo age obedecendo a reflexos adquiridos pela prática. Para agir conforme a tradição, o indivíduo não precisa orientar-se por um objetivo ou valor, nem tragado por uma emoção, obedece simplesmente a hábitos enraizados por longa prática. Exemplo:o batismo dos filhos realizados por pais pouco comprometidos com a religião. Segundo Quintaneiro (1999), o sociólogo pode usar essas categorias para analisar o sentido de quase todas as condutas que o indivíduo pode ou não praticar: estudar, dar esmolas, comprar, casar, participar de uma associação, fumar, presentear, socorrer, castigar, comer certos alimentos, assistir à televisão, ir à missa, à guerra, etc. É tarefa do sociólogo, portanto, compreender o sentido que o sujeito atribui à sua ação e seu significado social. UNIDADE 2 - A SOCIOLOGIA CLÁSSICA 40 Os “tipos ideais” Para tornar possível a investigação e a compreensão de categorias e conceitos empregados na análise sociológica, Weber recorreu a certos instrumentos metodológicos que permitiriam ao cientista uma investigação dos fenômenos particulares. A este recurso metodológico Weber chamou de tipo ideal, o qual cumpriria duas funções principais: primeiro a de selecionar explicitamente a dimensão do objeto que virá a ser analisado e, posteriormente, apresentar essa dimensão de uma maneira pura, sem suas sutilezas concretas. Para Weber(Falta o ano e a página), o tipo ideal é construído: “mediante a acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de grande quan-tidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentua-dos a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Torna-se
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