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VILLALTA, Luiz Carlos & BECHO, André Pedroso. Lugares, espaços e identidades coletivas na Inconfidência Mineira

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1 
Lugares, espaços e identidades coletivas na Inconfidência Mineira de 1788-9 
Luiz Carlos Villalta 
André Pedroso Becho 
 
 
Os Inconfidentes Mineiros de 1788-9 realizaram reuniões, muitas vezes com 
caráter literário, que se desdobraram em reflexões críticas a respeito da situação da 
capitania e da relação entre metrópole e colônia e, ainda, na elaboração de um plano de 
assalto ao poder. Neste capítulo, focalizaremos as discussões e os lugares em que se 
encontraram, os espaços que serviram para desenvolverem as reflexões e as estratégias 
de ação política, a geografia no interior da qual projetavam a nova ordem e, de modo 
específico, o vocabulário político que empregaram, marcadamente às idéias de pátria, 
país e nação e as respectivas delimitações territoriais que lhes atribuíram. 
 
Lugares de conspiração e espaços do sonho 
 
 As residências particulares foram os locais principais em que os Inconfidentes 
estabeleceram contatos e desenvolveram suas reflexões sobre a situação de Minas, as 
possibilidades e as estratégias de rebelião, enfim, suas ―práticas de liberdade‖1. A casa 
do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, na rua Direita, em Vila Rica, 
foi o local onde se deram as mais importantes reuniões dos Inconfidentes. Lá, muitos 
dos conjurados, destacando-se dentre eles o padre José de Oliveira Rolim, o alferes 
Joaquim José da Silva Xavier, o padre Carlos Correia de Toledo, o Dr. José Álvares 
Maciel e Tomás Antônio Gonzaga, emprestaram livros e debateram sobre o conteúdo 
dos mesmos, formularam estratégias para a rebelião e delinearam os contornos da nova 
ordem que surgiria após sua eclosão
2
. Alvarenga Peixoto fez idas e vindas à casa do 
tenente-coronel, tirando alguns livros da biblioteca, devolvendo outros; numa dessas 
 
1 JANCSÓ, 1997, p. 394. 
2 ADIM, 1980, vol. 5, p. 115, 172-173 e 223. 
 2 
visitas, ouviu o anfitrião perguntar-se se ―havia algumas novidades do Rio de Janeiro‖ 
sobre o levante
3
. Gonzaga, que nunca admitiu seu envolvimento na conjura, ao ser 
interrogado sobre o assunto, restringiu sua presença na casa do tenente-coronel a 
assuntos literários. Reconheceu, por exemplo, ter lá estado, em presença do proprietário, 
de Alvarenga Peixoto e do Padre Toledo, mas só para o fim de conversarem ―em 
humanidades‖. Assim, lá teria ouvido Alvarenga repetir um poema feito para o batizado 
do filho do governador Dom Rodrigo de Menezes: provavelmente o memorável ―Canto 
genetlíaco‖, em que se faz uma apologia das riquezas de Minas, do esforço 
empreendido pelos escravos ―Pardos e pretos, tintos e tostados‖, para produzi-las, 
indagando-se sobre a pobreza das gentes, o que deixava ao ouvinte de então (e ao leitor 
de hoje) a questão sobre a origem da miséria que então se observava
4
. Lá, ainda, teria 
examinado outros livros, dentre eles um que tinha Gonçalo Annes Bandarra – sapateiro 
nascido em Trancoso, em 1500, cujos escritos inspiraram os milenaristas-messiânicos, 
como os sebastianistas que esperavam a volta de El-Rei Dom Sebastião, morto em 1578 
em Alcácer-Quibir, para comandar o Quinto Império do Mundo de que fala a Bíblia
5
 – 
―entre os primeiros poetas portugueses‖6. 
 As conversas na casa de Freire efetivamente não se resumiram a amenidades 
literárias e ―humanidades‖. Nela, o anfitrião e Alvarenga Peixoto discutiram – ainda 
que, segundo o último, a conversa não fosse séria – a entrada de São Paulo e Rio de 
Janeiro no levante, os efeitos disso para o enfrentamento com as forças enviadas de 
Portugal. Freire afirmara que, com a união das três capitanias (Minas, São Paulo e Rio), 
―era a ação segura‖, tendo ele e Alvarenga falado sobre contatos que tinham em São 
 
3 ADIM, 1980, vol. 5, p. 114. 
4 PEIXOTO, 1996, p. 976-9 e MAXWELL, 1999, p. 162. 
5 HERMANN, 1998; PÉCORA, 1994, p. 213-258 e CIDADE, p. 24-26, 28-32 e 73-93. 
6 ADIM, 1980, vol. 5, p. 223. 
 3 
Paulo para tanto, ―tudo debaixo do mesmo tom de ironia‖7. Sobre essa questão, também 
em Vila Rica, ao que parece (mas sem que seja possível assegurar que tenha sido na 
casa de Freire de Andrade), e com a mesma idéia de união das capitanias do sudeste, 
Tiradentes, dirigindo-se a Amaral Gurgel, discorrera sobre a opressão de Minas pelos 
―reiterados tributos‖, sobre a derrama e sobre sua intenção de fazer um levante, ―porque 
queriam nestas Minas uma testa coroada; para cujo fim tanto a Capitania de São Paulo 
como esta, já as tinha fechadas nas mãos‖8. Com certeza, na residência em questão, 
Tiradentes, Alvarenga Peixoto, o padre Toledo e o padre Rolim debateram a Histoire 
philosophique et politique des etablissements et du commerce des européens dans les 
Deux Indes, do padre Raynal, obra publicada pela primeira vez em 1770 e que, dentre 
outras coisas, analisa a colonização portuguesa na América e, nas edições posteriores a 
1780, traz uma parte consagrada à Revolução Americana, saudada pelo autor como um 
modelo a ser seguido
9
. Os quatro Inconfidentes concluíram, então, que Raynal ―tinha 
sido um escritor de grandes vistas, porque prognosticou o levantamento da América 
Setentrional, e que a Capitania de Minas Gerais com o lançamento do tributo da 
derrama estaria nas mesmas circunstâncias‖10. 
Na mesma residência, conforme seu proprietário, houve uma discussão sobre o 
―modo por que se podia fazer a conjuração‖, da qual participaram Tiradentes, Alvarenga 
Peixoto, Álvares Maciel (o filho) e mais os padres Toledo e Silva Rolim. Inicialmente, 
decidiu-se que Tiradentes iria à Cachoeira do Campo, onde residia o governador, 
Visconde de Barbacena, para matá-lo ou prendê-lo, ação que o anfitrião dizia reprovar. 
Peixoto, então, insistira na proposta de cortar a ―cabecinha‖ do governador, havendo a 
idéia de que a mesma fosse exibida ao povo em Vila Rica por Freire de Andrade, que 
 
7 ADIM, 1980, vol. 5, p. 114-5. 
8 ADIM, 1980, vol. 1, p. 208. 
9 RAYNAL, 1820; RAYNAL, 1993 e RAYNAL, 1998. 
10 ADIM, 1980, vol 5, p. 173. 
 4 
deveria depois dizer ―‗Este era quem nos governava; de hoje em diante viva a 
República‘‖11. Com isso, em seguida, anunciaria ao povo ―a futura felicidade‖12. 
Andrade, porém, em seu depoimento, alegou não ter concordado com a morte do 
governador e que dissera, ao longo da discussão, ―que o mais que faria era ir, como 
acudir ao tumulto, e perguntar o que povo pretendia, e se lhe dissesse que pretendia a 
liberdade, então lhe diria que lhe parecia uma coisa justa‖13. A idéia de matar o Capitão 
General, de fato, não obteve o consenso, sendo abandonada, não sem oposição: optou-se 
por fazer Tiradentes levar o governador para fora da Capitania, falando-lhe ―que se 
fosse embora, e dissesse em Portugal, que já cá não se carecia de governadores; esta foi 
a última resolução, não obstante haver quem lembrasse, que não havia levante sem 
cabeça fora”14. Freire de Andrade contou também que enquanto isso se passasse em 
Vila Rica, o Padre Toledo, na Vila de São José, ―reduziria os povos daquela Vila, o 
Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto os da Campanha, o Padre José da Silva os de 
Minas Novas, José Álvares Maciel se incumbiria de algumas manufaturas‖ (ao que tudo 
indica, de pólvora) e, ainda, ―que com os quintos se podiam fazer algumas despesas, e 
pagar a tropa que fosse necessária‖15. 
Três questões importantes apareceram nos debates sobre estratégias para o 
levantamento do povo e o enfrentamento militar. Estando presentes Freire de Andrade, 
seu cunhado José Álvares Maciel, o padre Toledo, o padre Rolim e Tiradentes, 
Alvarenga Peixoto explicou que o levante poderia dar-se―em razão da derrama que 
vexava o povo e que por isso seria fácil em se mover a sacudir o jugo‖, ou seja, a 
opressão tributária representada pela derrama levaria o povo à rebelião. Maciel lembrou 
 
11 ADIM, 1980, vol 5, p. 181. 
12 ADIM, 1980, vol 5, p. 181. 
13 ADIM, 1980, vol 5, p. 181. 
14 ADIM, 1980, vol. 5, p. 36. Sobre o modo como a historiografia abordou essa questão, veja: 
FURTADO, 2002, p. 47-50. 
15 ADIM, 1980, vol 5, p. 181. 
 5 
que os negros eram mais numerosos que os brancos e que poderiam, para obter a 
liberdade, tomar o partido contrário da sedição, ao que Alvarenga retrucou, dizendo que 
se poderia dar-lhes a liberdade, com o que Maciel não concordou pelo prejuízo que isso 
traria ―ao serviço das Minas‖. Alvarenga, porém, saiu-se com esta solução, endossada 
pelo padre Toledo: dar alforria aos crioulos (isto é, os escravos nascidos no Brasil) e aos 
mulatos. A discussão, todavia, tocou num terceiro tema espinhoso: o que fazer com os 
―europeus‖, posto que muitos não tinham ―ânimo de residir‖ em Minas. O padre Toledo 
apoiou a idéia de cortar-lhes a cabeça, contra o que se colocou Alvarenga, por achá-la 
uma impiedade. Maciel endossou esta posição, pois ―sendo a maior parte dos pais de 
família europeus, não haviam os filhos de consentir na morte deles‖16. Em resumo, a 
decretação da derrama descontentaria o povo e, em meio a isso, Tiradentes prenderia o 
governador e o expulsaria, enquanto, em Vila Rica, Freire de Andrade faria uma fala ao 
povo em nome da liberdade e da ―república‖ e, em diferentes regiões da capitania, 
outros conjurados tomariam providências militares, cabendo a Maciel os cuidados com 
a fabricação de pólvora, usando-se os recursos dos quintos e também se alforriando os 
crioulos e os mulatos. Os conjurados, portanto, misturavam a discussão sobre 
humanidades a uma reflexão sobre a situação da capitania, sobre as possibilidades de 
empreender um levante e também sobre as ações concretas necessárias para tanto, 
inspirando-se nas recém-independentes colônias da América Inglesa. Assim, 
demarcavam, ao lado desses lugares de referência, o sonho e sua geografia, os espaços 
nos quais projetavam uma nova ordem: Minas Gerais, com ramificações possíveis em 
São Paulo e no Rio de Janeiro. 
 De casa em casa, os Inconfidentes deslocavam-se para ouvir um ao outro, 
repetindo muitas vezes, ainda que parcialmente, o percurso intelectual e político seguido 
na casa de Freire de Andrade, às vezes mesmo numa continuidade. Assim, quando 
 
16 ADIM, 1980, vol. 5, p. 328-330. 
 6 
Alvarenga Peixoto fazia uma devolução de livros na casa do último, foi informado pelo 
mesmo sobre o modo com que Tiradentes defendia seu propósito de estabelecer uma 
―nova República de Minas‖ e, ainda lá, convidaram-no a ir à casa do ―Intendente 
Francisco Gregório Pires Monteiro Bandeira como costumavam‖, onde estariam, mais à 
noite, o padre Toledo e o Desembargador Gonzaga, para ouvirem a exposição de 
Joaquim José da Silva Xavier
17
. A suntuosa residência de João Rodrigues de Macedo, a 
atual Casa dos Contos, também em Vila Rica, constituía outro ponto de encontro: era o 
local onde se hospedava o cônego Luís Vieira da Silva, vindo de Mariana; onde 
Alvarenga Peixoto ―estava sempre todo o dia e noite‖ e jogava cartas, tendo numa 
dessas ocasiões dialogado com um ―um oficial feio, e espantado‖, Tiradentes e, noutra, 
conversado com o latifundiário Aires Gomes sobre o levante
18
. 
Os conjurados, na verdade, em maior ou menor número, encontraram-se em 
várias outras residências, em Vila Rica e nas vilas e arraiais da Comarca do Rio das 
Mortes. Na capital da capitania, Tiradentes manteve conversas com o padre Rolim, na 
casa de Domingos Vieira, sem a presença desse, e com Vicente Vieira da Mota, na casa 
do mesmo
19
. Na morada de Gonzaga, trocaram idéias, numa oportunidade, além do 
próprio, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto e, noutro momento, o cônego 
Luís Vieira da Silva e Cláudio
20
. Na casa de Gonzaga, além disso, ficaram hospedados 
Alvarenga Peixoto e o Padre Toledo, sendo freqüente a visita de Cláudio, aí 
conversando sobre a conspiração. Contudo, segundo o desembargador, ele não 
participou das discussões, embora os encontros se realizassem na mesma sala onde ele 
estava, isso porque estava ―entretido a bordar um vestido para o seu casamento, do qual 
 
17 ADIM, 1980, vol. 5, p. 119. 
18 ADIM, 1980, vol. 5, p. 112 e 117. 
19 ADIM, 1980, vol. 5, p. 39 e vol. 1, p. 157. 
20 ADIM, 1980, vol. 5, p. 117 e 251. 
 7 
entretenimento nunca se levantava senão para a mesa‖21. Depois que o governador 
Barbacena suspendera a derrama, o cônego Vieira da Silva encontrou Alvarenga e 
Gonzaga, na casa deste último, perguntando ao anfitrião sobre o levante. Gonzaga teria, 
então, dito ―estas formais palavras — a ocasião para isso perdeu-se‖; na ocasião, Vieira 
destacou a necessidade, para o êxito do movimento, de união com a ―Capitania do Rio 
de Janeiro, e apreenderem-se os Reais Quintos‖, com o que não concordou Alvarenga, 
para quem isso ―não era necessário; pois bastava meter-se em Minas sal e ferro, e 
pólvora para dois anos‖22. Gonzaga apresentou outra versão para a conversa, 
salientando, porém, suas dificuldades de lembrar-se. Reconheceu que poderia ter dito 
sobre o ―se poderem levantar os povos do Brasil‖ e que, com a suspensão da derrama, a 
ocasião para tanto se ―perdera‖, mas que tal afirmação era hipotética (―em hipótese de 
potência e não de ato‖, distinção escolástica entre a possibilidade e sua concretização), o 
que se confirmaria pelo fato de que ele tinha influenciado na citada suspensão
23
. 
Gonzaga admitiu também que em sua casa se falou sobre as vantagens da América, sem 
que, porém, aceitasse que tivesse ofendido Sua Majestade
24
. 
Cláudio e Gonzaga ―sempre estavam familiarmente um em casa do outro, 
comunicando-se com a lição dos versos e do mais que ocorria‖25; além disso, na 
varanda da casa de Cláudio, o desembargador Gonzaga, o cônego Luís Vieira, 
Alvarenga Peixoto e mais um clérigo conversaram sobre o levante. Gonzaga alegou não 
ter acompanhado as discussões, por estar adoentado, mas Vieira da Silva e Alvarenga 
Peixoto confirmaram a participação daquele, afirmando que o mesmo estava, devido à 
doença, ―embrulhado em um capote de baeta cor de vinho, e que pediu uma esteira ao 
Doutor Cláudio Manuel da Costa, sobre a qual se deitou no primeiro assento da 
 
21 ADIM, 1980, vol. 5, p. 221. 
22 ADIM, 1980, vol. 5, p. 251. 
23 ADIM, 1980, vol. 5, p. 223. 
24 ADIM, 1980, vol. 5, p. 224. 
25 ADIM, 1980, vol. 2, p. 128. 
 8 
varanda‖26. Nessa ocasião, segundo Peixoto, os presentes falaram sobre as Américas 
inglesas, “paixão dominante do dito Cônego‖. A partir disso, porém, houve 
pronunciamentos sobre ―a riqueza, e felicidade, que resultariam a estes países‖ – as 
comarcas de Minas Gerais ou esta última e mais o Rio de Janeiro, conclui-se do 
conjunto da conversa – ―se conseguissem a sua liberdade, e independência‖, 
comentando-se também as notícias sobre o Rio espalhadas por Tiradentes. Mas a 
conversa foi logo interrompida, por causa da presença do Tenente Pires Bandeira, que 
ali estava e nada podia saber sobre o assunto
27
. 
Nessa sucessão de conversas, percebem-se laços de sociabilidade a nutrirem-se, 
discussões literárias e reflexões políticas sobre acontecimentos de então, incluindo a 
Independência da América Inglesa, e sobre a situação de Minas. Vêem-se debates de 
teor claramente conspiratórios, coma abordagem das possibilidades materiais e das 
estratégias para um levante na áurea capitania: a derrama como o estopim, os quintos 
apreendidos, o sal e a pólvora como os recursos materiais necessários para um 
enfrentamento, assim como a união com o Rio de Janeiro, aliança estratégica para 
garantir a defesa e o sucesso dos sediciosos. 
De Vila Rica, ecoavam e desdobravam-se conversas, rebatendo sobre encontros 
mantidos nos caminhos. Assim, na capital de Minas, Basílio de Brito Malheiros, um dos 
denunciantes da Inconfidência, disse a Vicente Vieira da Mota que encontrara com o 
inglês Nicolau Jorge quando vinha do Serro. O interlocutor, então, lhe confidenciara 
que o mesmo andara falando que o Brasil poderia ―fazer como a América Inglesa‖ e 
indagara-lhe sobre qual lado tomaria neste caso, o da ―república‖ ou o dos defensores da 
rainha
28
. Vicente Vieira da Mota, ao descrever a conversa com Nicolau Jorge, 
acrescentou outros elementos importantes. Confessou que perguntara sobre os motivos 
 
26 ADIM, 1980, vol. 5, p. 236-237. 
27ADIM, 1980, vol. 5, p. 124. 
28 ADIM, 1980, vol. 1, 104. 
 9 
pelos quais a América inglesa havia se rebelado, tendo o inglês apontado algo mais ou 
menos como ―tributos, vexações, desordens de generais, e tirarem-lhes ou diminuir-lhes 
a regalia do seu Parlamento‖, ao que teria voltado à carga, perguntando: ―´visto isso, por 
qualquer coisa se pode revoltar uma conquista?‘‖29 Novamente, percebe-se como os 
acontecimentos da América inglesa eram lidos a partir de Minas e incidiam sobre elas, 
tomando-se a revolução norte-americana como algo causado por razões tributárias, 
militares e políticas e, ainda que nas entrelinhas, deduzindo-se que tais razões, sendo tão 
genéricas, poderiam levar qualquer colônia a revoltar-se. A revolta, portanto, 
configurava-se não só como uma possibilidade, mas poderia ter como origem ―qualquer 
coisa‖. Isso nos leva a suspeitar que a vontade dos povos constituía essa coisa 
onipresente e onipotente, o que introduzia o consentimento como elemento basilar das 
instituições políticas. 
 Nas vilas da comarca do Rio das Mortes, deram-se vários encontros. Em São 
José del Rei, muitos dos futuros Inconfidentes foram ao batizado de dois filhos de 
Alvarenga Peixoto, realizado pelo vigário Carlos Correia de Toledo em outubro de 1788 
e tido como o marco inicial da conspiração. Na ocasião, estando presentes Correia de 
Toledo, Luís Ferreira de Araújo e Azevedo (o desembargador da Comarca), Tomás 
Antônio Gonzaga, Luiz Vaz de Toledo Piza (irmão de Toledo), Luís Antônio (o 
tesoureiro dos ausentes) e, é claro, Alvarenga Peixoto, um dos convivas proferiu ―que 
esta Capitania era um formidável Império, ao que saiu aquele Vigário dizendo: ‗Eu sou 
o Pontífice‘, ou ‗o Bispo‘‖. A isso, Alvarenga Peixoto acrescentara: ―‗Pois eu serei o 
Rei e Dona Bárbara a Rainha‘‖30. 
 Naquelas paragens, outros encontros sucederam-se, como, por exemplo, o 
ocorrido na casa de Resende Costa, onde Joaquim Silvério dos Reis, diante apenas do 
 
29 ADIM, 1980, vol. 1, p. 159. 
30 ADIM, 1980, vol. 1, p. 199. 
 10 
anfitrião, discorreu sobre a riqueza da América e suas potencialidades se não fosse 
Colônia
31
. No Rio das Mortes, o padre Toledo e seu irmão convidaram os Resende 
Costa, Faustino Soares de Araújo e Francisco Antônio de Oliveira Lopes, coronel das 
tropas auxiliares, para participar da conspiração, tendo o último feito o mesmo com 
Domingos Vidal Barbosa
32
, um entusiástico propagandista das idéias da obra do padre 
Raynal, recitando de cor algumas passagens
33
. O Alferes Joaquim José discorreu sobre o 
assunto no sítio das Cebolas e também diante do padre Manuel Rodrigues da Costa, 
tendo este, por sua vez, narrado o sucedido a José Aires Gomes
34
. Na estalagem de João 
da Costa Rodrigues, em Varginha, Tiradentes falou-lhe e a Antônio de Oliveira Lopes 
sobre a sedição, tendo o proprietário repetido as palavras do Alferes com o Padre 
Manoel Rodrigues da Costa, o capitão João Dias da Mota e Basílio de Brito 
Malheiros
35
. Na casa de Francisco Antônio de Oliveira Lopes, na Borda do Campo 
(Barbacena), seu primo, o médico Domingos Vidal Barbosa, ouviu-o dizer que Minas 
era um lugar ―muito feliz por ter todas as comodidades para a vida‖ e que ―seria 
delicioso se fosse livre‖, sendo então interrogado sobre os nomes dos que ―tinham feito 
a revolução na América Inglesa‖, ao que respondera que fora Benjamin Franklin. 
Barbosa, nessa oportunidade, revelou ao primo que, quando estudava em Montpellier, 
na França, José Joaquim da Maia, seu colega, natural do Rio de Janeiro, pusera na 
cabeça que ―havia de ser o libertador da sua terra‖ e fizera passar-se por ―enviado de sua 
nação‖ diante de Thomas Jefferson, o qual o desprezara, ―observando a sua proposição 
e ridícula figura‖36. No caminho para o arraial dos Prados, o mesmo Vidal Barbosa, em 
conversa com o amigo José Resende Costa Filho, que como ele fora aluno do poeta 
 
31 ADIM, 1980, vol. 5, p. 125. 
32 ENNES, 1952, p. 28-39. 
33 MAXWELL, 1999, p. 158. 
34 ADIM, 1980, vol. 5, p. 39 e vol. 1, p. 200-201 e 251. 
35 ADIM, 1980, p. 428-429. 
36 ADIM, 1980, vol. 1, p. 213. 
 11 
Manuel Inácio da Silva Alvarenga, no Rio, ouvira-o dizer que não iria mais para 
Coimbra estudar, porque em breve o Brasil se tornaria uma ―república‖. No Rio das 
Mortes, portanto, houve manifestações menos literárias, claramente anti-colonialistas e 
pró-ruptura dos laços com a metrópole. A América Inglesa constituiu o exemplo a ser 
imitado, tendo sido evocado até mesmo encontro anterior, ocorrido na França e 
protagonizado por uma personagem não envolvida na Inconfidência, por meio do qual 
essa ―ridícula figura‖ queria obter o apoio americano para libertar sua terra. O alvo 
dessas manifestações era proporcionar felicidade e liberdade para as Minas Gerais, 
associando-se com o tornar-se uma ―república‖. Em todo esse itinerário, além disso, a 
comunicação oral desempenhou um papel fundamental para a disseminação das idéias 
sediciosas. 
 O Padre José Lopes Oliveira contou que, na casa de seu irmão Francisco 
Oliveira Lopes, o padre Toledo afirmara-lhe que a denúncia de Silvério dos Reis 
arruinara os planos de ―erigir-se uma república‖. O padre José Lopes, então, censurara-
o, dizendo que isso ―não se poderia conseguir porque não havia gente, armas, 
mantimentos, e outros gêneros indispensáveis‖. Com isso, porém, não concordou o 
padre Toledo, que achava que a união de São Paulo, Rio e Minas garantiria o sucesso, 
tal como sucedera na América inglesa
37
. Essa conversa é um indicativo sobre o impacto 
da denúncia de Joaquim Silvério sobre os planos dos conjurados e, mais uma vez, sobre 
a circunscrição geográfica do projeto dos Inconfidentes: Minas, juntando-se São Paulo e 
Rio de Janeiro, ainda que as ramificações nestas capitanias, a julgar pelos indícios 
documentais, pareçam muito tênues. Mostra também a preocupação dos conjurados com 
os elementos materiais necessários para o êxito de um levante, sobretudo depois de ter 
sido desvelado. Sobre tais elementos propriamente militares, uma reflexão foi 
desenvolvida pelo cônego Vieira da Silva diante de seus inquiridores, quando já se 
 
37 ADIM, 1980, vol. 1, p. 204. 
 12 
encontrava preso no Rio de Janeiro, procurando provar que uma rebelião podia ser uma 
causa justa, mas, para se pensar em realizá-la, era preciso reunir condições objetivas 
(generais, armas, alianças, soldados), alegando o mesmo que tudo isso não existia emMinas e, portanto, que ele não poderia envolver-se numa conspiração
38
. Nas entrelinhas 
desse sinuoso mas lógico raciocínio, por meio do qual o cônego queria mostrar-se 
inocente diante da repressão, vê-se que a questão militar era presente entre suas 
preocupações (e, pode-se dizer, de outros Inconfidentes) e que, de fato, ele dela estava 
inteirado. 
Francisco de Oliveira Lopes, nas conversas com o irmão, parecia sintetizar os 
planos sediciosos dos Inconfidentes, contando-lhe as providências que tomavam e 
evidenciando como se passava da avaliação das potencialidades da capitania à rebelião. 
Segundo Lopes, José Álvares Maciel não apenas defendia ser possível como se 
empenhara em produzir pólvora ―para que o Brasil fosse independente‖, dizendo que cá 
havia ferro; Cláudio, Gonzaga e o Cônego Vieira fizeram as leis para o governo, as 
quais estabeleciam que todo ―o homem plebeu poderia vestir cetins‖ (o que se opunha 
às determinações legais que cruzavam vestes e hierarquia social), que a extração dos 
diamantes seria livre (o que punha fim ao monopólio da Coroa sobre os diamantes), que 
os vigários receberiam os dízimos em contrapartida à obrigação de manterem mestres, 
hospitais e ―outros estabelecimentos pios‖ (o que punha em xeque o direito da Coroa de 
recolher os dízimos, obtido pelo padroado); o Cônego Luís Vieira teria feito um plano 
para a segurança das Minas, defensável pela própria natureza, seja pela forma de 
entrada da baía de Guanabara, seja pelas dificuldades que a serra impunha a um 
presumível invasor. Lopes confidenciara, ainda, que para que os planos vingassem era 
preciso buscar ―a ocasião em que todo o povo estivesse descontente‖, o que se daria 
com a decretação da derrama pelo governador; que outras nações queriam que o Brasil 
 
38 ADIM, 1980, vol. 5, p. 246-248. 
 13 
fosse independente ―para virem negociar‖, que Tiradentes iria matar o governador 
Barbacena – isso, como se disse, foi descartado pelos Inconfidentes numa discussão – e, 
por fim, que no Rio de Janeiro, havia quatro ou cinco negociantes que ―queriam que a 
revolução principiasse por lá‖39. Oliveira Lopes também relatou uma conversa que 
manteve com Alvarenga Peixoto, em casa deste, na Vila de São João Del Rey. Lopes 
advertiu-lhe sobre a falta de gente e pólvora, munições, acrescentando e que, se viesse 
um exército de dez mil homens tudo estaria perdido. Peixoto, no entanto, desconsiderou 
essas ponderações, respondendo-lhe que a terra defendia-se por si e que, ―pelo Rio de 
Janeiro, nada podia entrar; por São Paulo, que levava meses‖, havendo, portanto, 
condições de enfrentar os invasores. A isso Lopes retrucou, com base nas informações 
da Gazeta, provavelmente de Lisboa, que a Rainha tinha recursos para custear a 
repressão ao levante, uma vez que fizera empréstimos a imperatriz da Rússia
40
. Peixoto, 
contudo, pôs em descrédito a notícia e suas possíveis conseqüências para os planos 
sediciosos, ao recomendar-lhe ―‗Ora, não creia nisso! Primeiro que lá vá e venha, em 
que termos estamos nós?‘‖ 41 O mesmo Peixoto contou a Lopes que havia encontrado o 
Visconde de Barbacena, governador da capitania, em Vila Rica, com o qual conversou 
sobre o fato do herdeiro do trono português ter ficado na Espanha, dizendo-lhe: ―— 
‗Quem o desse cá, que o haviam de criar muito bem!‘ Ao que respondeu aquele Senhor: 
— ‗Isto era o que Vms. queriam, mas não o hão de apanhar!‘‖42. 
Toda essa conversa confirma que, por meio da comunicação oral, difundia-se o 
conteúdo de uma conversa travada com outras pessoas e em outro lugar (no caso, 
Alvarenga Peixoto e o governador da capitania, em seu Palácio, em Cachoeira), em São 
João. Sugere, igualmente, que havia alguma intenção presumível dos Inconfidentes em 
 
39 ADIM, 1980, vol. 1, p. 214-215. 
40 ADIM, 1980, vol. 2, p. 52. 
41 ADIM, 1980, vol. 2, p. 52. 
42 ADIM, 1980, vol. 2, p. 51. 
 14 
relação ao Infante (matá-lo? Aclamá-lo? Persuadi-lo em favor da causa?) se ele cá 
estivesse. Revela também que acontecimentos contemporâneos, ocorridos na Europa (a 
retenção do infante na Espanha e o suposto empréstimo feito pela rainha de Portugal à 
czarina, por exemplo, noticiados pela Gazeta), eram lidos e tornavam-se objetos de 
conjecturas. Leitura e reflexões, ademais, tinham como referências básicas as próprias 
condições e os interesses dos Inconfidentes, em Minas, dentro dos quais se havia espaço 
para o aspecto estratégico-militar. A conversa compromete, ainda, de algum modo, o 
governador, que talvez tenha sido cooptado para a rebelião após receber a denúncia feita 
por Joaquim Silvério dos Reis
43
. Sugere, por fim, que, se entre os Inconfidentes havia 
referência ao Brasil, esse era quase uma abstração: o movimento tinha caráter regional, 
circunscrevendo-se às Minas Gerais, com ramificações no Rio de Janeiro e, talvez, em 
São Paulo. 
 No Rio de Janeiro, os conjurados trataram do levante. Álvares Maciel, o filho, 
teria ouvido falar a primeira vez no assunto na capital do Vice-Reino do Brasil, em 
agosto de 1788, da boca do Tiradentes, logo ao chegar da Europa, não lhe dando muito 
crédito
44
. Tiradentes teria ido ao Rio de Janeiro, segundo Alvarenga Peixoto, tratar da 
construção de um aqueduto necessário para instalar moinhos (―meter umas águas, e 
fazer uns moinhos‖), ver como estavam os aguardados ―socorros de França, que 
esperavam para se fazer da República do Rio de Janeiro, depois a de Minas‖, explicando 
que, ―com o exemplo da do Rio era muito fácil; que os povos de Minas eram uns 
bacamartes falsos de espírito, e de dinheiro; e que tendo falado a muita gente, todos 
queriam mas nenhum se queria resolver a pôr em campo‖45. Aqui, novos elementos são 
vistos: ao lado da menção aos projetos pessoais de Tiradentes, que evidenciam seu 
espírito empreendedor e ousado, nota-se que havia o sonho com um apoio da França e 
 
43 JARDIM, 1989, p. 224-5. 
44 ADIM, 1980, vol. 5, p. 328. 
45 ADIM, 1980, vol. 5. p. 122-3. Veja, sobre este assunto, Oiliam José (1974, p. 53-54). 
 15 
que a aliança com o Rio de Janeiro era vista como estratégica, até mesmo para se 
resolver problemas como a falta de sustentação do movimento em Minas, seja em 
termos de adesão, seja de recursos financeiros. 
 Tiradentes, além de ultrapassar os limites da Capitania de Minas Gerais, 
discutira o levante fora do espaço propriamente doméstico, difundindo a idéia de 
sedição em locais como os caminhos; a estalagem de João da Costa, na comarca do Rio 
da Mortes; e as casas de meretrizes de Vila Rica – segundo o cônego Vieira da Silva, o 
desembargador Bandeira tinha ouvido dizer que Tiradentes andara ―por casa de várias 
meretrizes, a prometer prêmios para o futuro, quando se formasse nesta terra uma 
república‖46. O proselitismo do Alferes, por fim, tinha como alvos privilegiados os seus 
colegas de farda, certamente porque seu objetivo era conquistar apoio militar (e o 
sucesso de uma rebelião, é óbvio, requer um suporte desse tipo): conversou, no 
regimento da cavalaria auxiliar de São José, com o sargento-mor Antônio de Afonseca 
Pestana
47
, o sargento-mor José de Vasconcelos Parada e Sousa
48
, o tenente José Antônio 
de Melo e o sargento-mor Pedro Afonso Galvão de São Marinho
49
. Ao porta-estandarte 
da cavalaria paga da Capitania Francisco Xavier de Machado, em casa do mesmo, ao 
que tudo indica no Rio de Janeiro, pedira para traduzir parte de ―um livro em francês A 
Coleção das Leis Constitutivas dos Estados Unidos da América‖ – Recueil des Loix 
Constitutives des États-Unis de l´Amérique, publicadana Filadélfia em 1778 e que 
trazia os artigos da Confederação e as Constituições de Pensilvânia, Nova Jersey, 
Delaware, Maryland, Carolinas e Massachusetts
50
 –, o capítulo oitavo, que tratava da 
forma da eleição do conselho privado
51
. Em outra ocasião, no Rio de Janeiro, Tiradentes 
 
46ADIM, 1980,, vol. 5, p. 39 e vol. 2, p. 147. 
47 ADIM, 1980, vol. 1, p. 168. 
48 ADIM, 1980, vol. 1, p. 173. 
49 ADIM, 1980, vol. 1, p. 183. 
50 MAXWELL, 1999, p. 163. 
51 ADIM, 1980, vol. 1, p. 189. 
 16 
fizera comentários sobre a ―fertilidade e riqueza do país de Minas Gerais, e que por 
estes motivos podia bem ficar independente assim como fez a América Inglesa‖, com o 
que não concordou o interlocutor, não só pelo princípio de ―honra e fidelidade‖ devidas 
à monarquia portuguesa, mas pela falta de força e de marinha, sem com isso demover o 
alferes, para quem ―Minas tinha muito povo‖ e por si só se defendia52. A América 
Inglesa, mais uma vez, comparece como referência fundamental, servindo de exemplo a 
ser imitado; a questão militar igualmente faz-se presente – e Minas é o país de 
referência, visto por Tiradentes, tal como por Alvarenga Peixoto, como auto-suficiente 
em termos militares. 
De Minas ao Rio, nas casas, nos caminhos, estalagens, sítios, residências de 
meretrizes, laços de sociabilidade e clientela (assim como refrações) constituíam-se. 
Nesses espaços, ao mesmo tempo, debatiam-se questões literárias e/ ou atualidades 
históricas (a revolução norte-americana, a retenção do infante na Espanha, o 
empréstimo da rainha à czarina etc.), formulavam-se e difundiam-se as idéias e planos 
de rebelião, demarcando o espaço por ela abarcado: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São 
Paulo e, de modo muito vago, impreciso e contraditório com o conjunto das referências 
geográficas, o Brasil. Os Inconfidentes, ao entremearem uma discussão literária e/ ou as 
avaliações sobre a situação mais imediata da capitania com o planejamento de uma 
conspiração, apropriaram-se de um universo diversificado de livros e idéias, sob o 
império da proibição dos prelos na Colônia e dos limites impostos pelos órgãos 
censórios, atuantes, mas freqüentemente driblados. Depreende-se que, em função da 
censura, da dificuldade de ler (sobretudo em língua estrangeira), do caráter 
conspiratório dos encontros e da tradição cultural luso-brasileira, a comunicação oral 
imperou, ainda que livros e escritos fossem discutidos. Nas discussões e escritos, vê-se 
o interesse dos Inconfidentes pela Independência dos Estados Unidos (de que tiveram 
 
52 ADIM, 1980, vol. 1, p. 189. 
 17 
notícia pelas Gazetas, pela obra de Raynal, pelo Recueil), pelos acontecimentos 
contemporâneos no Reino (ao que parece, em boa parte acompanhados pelas Gazetas, 
cujas informações nem sempre vistas como dignas de crédito, provavelmente por se 
saber serem submetidas à censura), pela própria produção poética de que eram autores e 
por letrados lusitanos. Pelas restrições à liberdade sob as quais viviam, não produziram, 
porém, escritos revolucionários, panfletos, pasquins, sermões, tratados ou coisas 
similares que visassem à difusão de suas idéias, como se deu na América Inglesa. As 
idéias ganharam o público graças à oralidade, da qual foi maestro Joaquim José da Silva 
Xavier. Examinemos, então, as identidades coletivas manipuladas pelos Inconfidentes 
em sua ação subversiva. 
 
Identidades coletivas, territórios de referência e espaços do devir 
 
Nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, diferentes conceitos são 
utilizados na representação de identidades coletivas: ―mazombos‖, ―filhos de Minas‖, 
―filhos da América‖, ―filhos de Portugal‖, ―filhos do Reino‖, ―americanos‖, 
―americanos ingleses‖, ―americanos portugueses‖, ―nacionais‖, ―nacionais da América‖, 
―nacionais das Minas‖, ―nacionais do Brasil‖, ―pátria‖, ―povos das Minas‖ e ―povos do 
Brasil‖. A partir dessas noções, os réus, testemunhas e desembargadores presentes nas 
Devassas definiam a sua naturalidade e expressavam a identidade coletiva a que se 
julgavam pertencentes. Na mesma documentação, vêem-se diferentes termos para a 
definição de territorialidade: ―América‖, ―América portuguesa‖, ―América inglesa‖, 
―Brasil‖, ―Reino‖, ―Portugal‖, ―país das Minas‖, ―país‖ e ―nação‖. 
 A partir do levantamento sistemático da ocorrência desses termos, queremos 
analisar esta diversidade de identidades, em suas contradições. Para alcançar este 
 18 
objetivo, analisaremos, em primeiro lugar, os três primeiros volumes dos Autos de 
Devassa da Inconfidência Mineira, que contêm a documentação da devassa feita em 
Minas, por ordem do Visconde de Barbacena. Em seguida, examinaremos a devassa 
tirada no Rio de Janeiro pelo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Sousa , incluindo as 
inquirições feitas aos réus pela Alçada enviada pelo ministro Martinho de Melo e 
Castro. Deixaremos de lado o exame do sexto volume dos Autos, que também é parte da 
Devassa, por conter apenas documentos relativos ao seqüestro de bens dos 
Inconfidentes. Antes de examinarmos a disseminação diferenciada desses termos nos 
Autos de Devassa, porém, é imprescindível investigar o significado de três deles à 
época: ―nação‖, ―nacional‖ e ―pátria‖. 
 No senso comum hoje, nação é ―um grupo de pessoas unidas por laços naturais e 
eternos‖ ou imemoráveis; a nação, ―por causa destes laços, se torna a base necessária 
para a organização do poder sob a forma do Estado nacional‖53. Examinando-se as 
histórias das nações, constata-se, primeiramente, que os elementos vistos como as bases 
das nacionalidades são variáveis (―raça‖‖? ―Pessoa coletiva‖ composta por grupos 
possuidores de características comuns, como língua, costumes, religião, etc. ou mesmo 
definido em função de uma ―vontade de viver juntos‖?). Em segundo lugar, observa-se 
que as nações são construções ideológicas, produzidas nas mentes dos indivíduos em 
meio a uma situação de poder e que servem para legitimar os Estados. Os Estados, por 
sua vez, tiveram um papel importante na história de constituição das nações
54
. Nação, 
enfim, como nos ensina Benedict Anderson, é uma comunidade imaginada (porque seus 
membros, não travando contatos diretos, pensam-se como nela integrados), que se vê 
como soberana e limitada (territorialmente)
55
. 
 
53 ROSSOLILLO, 1997, p. 795. 
54 ROSSOLILLO, 1997, p. 796-799. 
55 ANDERSON, 2005, p. 25. Para Anderson, a idéia de nação é uma abstração, um construto da 
imaginação, vindo a ser consagrado durante o século XIX. 
 19 
 À época da Inconfidência Mineira, o processo de construção das nações ainda 
não havia se dado e o próprio termo possuía um significado diferente do que se vê hoje, 
quer no senso comum, que entre os letrados. É importante, antes de se analisar o uso do 
termo nos Autos de Devassa, considerar o que ele então significava. Segundo o 
Vocabulário Portuguez & Latino, áulico, anatômico, architetonico (1716), de Raphael 
Bluteau, ―nação‖ seria o: 
 
―Nome collectivo, que se diz da Gente, que vive em alguma grande região, 
ou Reyno, debaixo do mesmo Senhorio. Nisto se differença nação de povo, 
porque nação comprehende muitos povos, & assim Beirões, Minhotos, 
Alentejoens, &c. compoem a nação Portugueza; Bávaros, Saxões, Suábos, 
Amburguezes, Brandeburguezes, &c. compoem a nação Alemãa; 
Castelhanos, Aragonozes, Andaluzes, &c. compoem a nação 
Hespanhola‖56. 
 
Vê-se, portanto, que nação correspondia ao agrupamento humano que vivia sob um 
mesmo soberano, compreendendo diferentes povos. ―Nacional‖, por sua vez, no mesmo 
Vocabulário Portuguez& Latino, é assim referido: 
 
―De alguã nação, ou concernente a alguã nação [...]. Nacional. Aquelle que 
he da mesma nação [...]. Nacional nos usos. O que segue os costumes de 
huã nação [...]. (Se o Príncipe se não mostrar nacional nos usos, motivara 
desagrados, como estranho) [...] Os da mesma nação, pátria, terra &c‖57. 
 
Deste verbete, entende-se que ―nacional‖ significa o pertencimento a uma nação e três 
elementos aparecem associados a esta última: a existência de laços entre indivíduos, a 
referência a usos e costumes como a base de tais laços (e, de resto, da própria nação) e a 
figura do Príncipe, que, por sua vez, não deve distanciar-se dos mesmos usos e 
costumes. Logo, à presença do soberano, parecia acrescer-se a idéia de laços de natureza 
cultural. O próprio verbete também indica que ―pátria‖ e ―terra‖ são associadas ao 
―nacional‖ e tomadas como sinônimo de ―nação‖. O mesmo Vocabulário Portuguez & 
 
56 BLUTEAU, 1716, vol. 3, p. 658. 
57 BLUTEAU, 1716, p. 664. 
 20 
Latino, todavia, revela que ―pátria‖ possui um significado que não a restringe a ser o 
sinônimo de ―nação‖: 
 
―A terra, Villa, Cidade, ou Reyno, em que se nasceu. Ama cada hu a sua 
pátria, como origem do teu ser, o centro do seu descanço. Raras vezes 
sahem as aves do bosque, em que tiverão seu ninho. Tem a pátria 
qualidades relectivas para os que nascem nella, & attractivas para os que 
della se apartão [...] A Patria de Ulysses, não era a Roma [...], nem era a sua 
pátria Athenas [...] era Ithaca [... de onde ele] sahio [...] para a Guerra de 
Troya [...]. O Adágio Portuguez diz: Ao bom varão terras alheas, Pátria 
são‖58. 
 
Logo, ―pátria‖ é, fundamentalmente, o local de nascimento, a terra de origem, cuja 
amplitude ia da Vila ao Reino de onde se era natural. Em torno dessa terra de origem, as 
pessoas desenvolveriam afetos, frise-se. Curiosamente, um adágio português implica 
uma idéia que se choca com esse laço calcado na origem, pois toma a ―pátria‖ como a 
terra alheia onde se vive, o que pode relacionar-se com o caráter amplo da 
territorialidade portuguesa, que envolvia o controle de porções da Europa, América, 
África e Ásia. 
 Vejamos, agora, como esses termos e as demais referências identitárias e 
territoriais aparecem nos Autos de Devassa, analisando os dados das Tabelas I e II e 
atentando para o fato de que a última coluna da Tabela II traz a soma dos dados de 
ambas as tabelas. A primeira evidência é o pouco uso do termo ―nação‖, feito apenas 
por 3 vezes: na Tabela I, referente à devassa de Minas Gerais, 2 menções, e, na Tabela 
II, referente à devassa do Rio de Janeiro, 1 referência. Nos dois usos registrados na 
Tabela I, conforme se depreende dos autos, ―nação‖ representa, em termos territoriais, 
o todo da ―América portuguesa‖, e em ambos, o termo está associado a palavras de 
Tiradentes citadas por testemunhas. 
 
58 BLUTEAU, 1716, p. 321. 
 21 
Tabela I – Vocabulário utilizado para representação de identidades coletivas na Devassa-MG 
Termos Utilizados 
(I) 
Auto de Corpo de 
Delito 
Formação de Culpa I e 
II 
Apensos 
(IV) 
Total 
―filho de Minas‖ - 3 1 4 
―filho da América‖ 1 3 1 5 
―filhos de Portugal‖ 1 1 2 4 
―filhos do Reino‖ - - 1(III) 1 
―mazombos‖ 2 1 1 4 
―pátria‖ (Minas) 1 3 4 8 
―pátria‖ (Portugal) 1 - - 1 
―nacionais‖ (Minas) 2 3 - 5 
―nacionais‖ 
(América) 
4 3 - 7 
―nacionais‖ (Brasil) 1 1 - 2 
―País‖ 5 12 11 28 
―América‖ (Minas) - 3 - 3 
―América‖ 3 3 5 11 
―Brasil‖ 3 5 6 14 
―Nação‖ (II) 1 - 1 2 
(I) – Entre parênteses está presente a localidade a que o uso do termo se refere. 
(II) – Somente contabilizadas as ocorrências em que o termo é utilizado para tratar do todo da colônia. 
(III) – Termo utilizado pelo Inquiridor. 
(VI) – Não contabilizamos o Apenso XXVIII (por reproduzir o Recueil Des Loix Constitutives). 
Fonte: ADIM, vol. I, II e III. 
Tabela II – Vocabulário utilizado para representação de identidades coletivas na Devassa-RJ 
Termos 
Utilizados (I) 
Corpo de 
Delito 
Formação de 
Culpa RJ 
Formação de 
Culpa MG 
Apensos Total 
da 
Devassa 
do RJ 
Total 
das 2 
devassas 
―filho de Minas‖ 1 - - 2 3 7 
―filho da América‖ 1 3 2 5 11 16 
―filhos de 
Portugal‖ 
1 1 2 2 6 10 
―filhos do Reino‖ - - - 1 (III) 1 2 
―mazombos‖ - - - - - 4 
―pátria‖ (Minas) - - - 3 3 11 
―pátria‖ (Portugal) - - - - - 1 
―nacionais‖ 
(Minas) 
- 2 3 7 12 17 
―nacionais 
(América) 
- 2 2 2 6 13 
―nacionais‖ 
(Brasil) 
- 1 1 - 2 4 
―País‖ (Minas) 1 1 4 17 23 53 
―América‖ (Minas) - - 1 33 34 37 
―América‖ e 
―América 
Portuguesa‖ 
- 4 5 9 18 29 
―Brasil‖ 1 3 1 2 5 19 
―Nação‖ (II) - 1 - - 1 3 
I – Entre parênteses está presente a territorialidade a que o termo se refere. 
II – Somente contabilizadas as vezes em que é utilizada para tratar do todo da colônia. 
III – Utilizado por Gonzaga. Com exceção dos Desembargadores, ele é o único réu que utiliza tal termo. 
Fonte: ADIM, vol. IV e V. 
 22 
É difícil precisar se ele realmente utilizava o termo nação, já que suas palavras foram 
reproduzidas indiretamente, via depoentes. Na ocorrência verificada na Tabela II, 
conforme se vê nos documentos, tem-se o uso feito por Domingos Vidal Barbosa ao 
narrar o contato que José Joaquim Maia teve com Thomas Jefferson na França, em que 
Maia se anunciou como representante da sua ―nação‖, para tratar de sua independência. 
Inserindo-se o termo no contexto geral do discurso, percebemos que os limites 
territoriais de que tratava confundiam-se com os da capitania do Rio de Janeiro. Nas 
outras vezes em que foi citado na devassa o caso José Joaquim da Maia, seja por 
Domingos Vidal Barbosa, seja por Francisco Antônio Lopes, todavia, ao invés de 
―nação‖ emprega-se ―América portuguesa‖, o que demarca um domínio territorial maior 
do que o Rio de Janeiro. 
 Saindo dos volumes dos autos que serviram para montar as Tabelas e 
examinando a carta que o próprio José Joaquim da Maia, sob o pseudônimo de Vendek, 
enviou, em 1786, para comunicar-se com Thomas Jefferson, contudo, vê-se que o uso 
do termo ―nação‖ possuía outras conotações territoriais e identitárias. Vendeck-Maia, 
primeiramente, declara-se ―brasileiro‖ e explica que sua ―pátria geme em atroz 
escravidão‖, sob o domínio de ―bárbaros portugueses‖ que não cuidam senão de oprimir 
e cujo domínio baseia-se unicamente no direito da ―força‖. Vendek acrescenta, ainda 
que a ―nação‖ de Jefferson seria a mais apropriada para dar apoio à sua causa, pois 
constituiria um exemplo a ser seguido e a ―natureza‖ fizera os brasileiros ―habitantes do 
mesmo continente‖ que os norte-americanos ―e, por conseguinte, de alguma sorte [seus] 
compatriotas‖59. Essa reflexão de Maia, feita na França em 1786, evidentemente, não 
pode ser anexada às feitas pelos Inconfidentes, em Minas e no Rio, nos idos de 1788-9, 
como se eles estivessem participando de um único movimento sedicioso ou mesmo de 
uma simples intenção de iniciar sua articulação. Para melhor compreender as 
 
59 ADIM, 1980, vol. 8, p. 21-22 e MAXWELL, 1999, p. 157-158. 
 23 
proposições dos Inconfidentes, cumpre, pois, sublinhar o que há de comum e o que há 
de distinto entre ambas as manifestações de inquietação. Vendeck manipula a noção de 
―nação‖ de sorte a identificá-la com o território da América portuguesa, toma a ―pátria‖ 
como o Brasil, mas, talvez para sensibilizar o interlocutor, estende-a a todo o continente 
americano, juntando os brasileiros e os rebeldes americanos ingleses; as identidades―portuguesa‖ e ―brasileira‖, por sua vez, são por ele concebidas como antagônicas. 
Logo, ao mesmo tempo em que ele se calcava numa identidade que apontava para todo 
o Brasil, ele a diluía num proto-panamericanismo. 
 Nos documentos referentes às conversas e reflexões protagonizadas pelos 
Inconfidentes de Minas Gerais, os usos dos termos e identidades, quantificados nas 
Tabelas, são diferentes dos registrados por Maia anos antes na França. Primeiramente, 
os Estados Unidos nunca são mencionados como uma nação, mas sempre nomeados 
como ―América inglesa‖. Não se encontra em nenhuma vez o uso do termo ―brasileiro‖. 
Tudo indica que, para a maior parte da população das Minas, as identidades coletivas 
não ultrapassavam o nível regional. Não há, ademais, a oposição tão clara entre 
―portugueses‖ e – já que não se vê o termo ―brasileiros‖ – os ―naturais da América 
portuguesa‖, os chamados mazombos, (isto é, natural da colônia), expressão cujo 
emprego deu-se unicamente por Tiradentes, conforme seus acusadores, e sempre da 
mesma forma, dizendo ele que os ―mazombos também tinham valimento e sabiam 
governar‖60. Há também uma interessante citação de João da Costa Rodrigues, em que 
ele diz que ―o levante era coisa de crioulos da terra‖61. Tiradentes, se expressava o 
anseio de que os mazombos participassem do governo, não os opunha aos 
―portugueses‖. Entre os Inconfidentes, além disso, quando se discutiram as formas de 
fazer a sedição e de torná-la vitoriosa, como se viu páginas atrás, cogitou-se em eliminar 
 
60 ADIM, vol. 1, p.124, 144; vol. 2, p.20 (2 ocorrências do termo). 
61 ADIM, vol. 5, p.430. 
 24 
os ―europeus‖ – veja-se bem, ―europeus‖ e não, ―portugueses‖ –, o que se descartou. 
Logo, aos olhos dos conjurados de 1788-9, não havia um antagonismo insuperável entre 
os nascidos na América portuguesa ou ―mazombos‖ e os nascidos em Portugal. 
 ―Nacionais‖, como se constata examinando as Tabelas I e II, aparece com 
conotações territoriais – e elas remetem a espaços distintos, sendo tanto Minas, América 
e Brasil, acepções que totalizam, somados os números das duas tabelas, respectivamente 
17, 13 e 4 menções. Fala-se em ―nacionais das Minas‖, ―nacionais da América‖ e 
―nacionais do Brasil. O termo, portanto, parece estar associado a uma das acepções 
definidas por Bluteau: ―pátria‖ e ―terra‖. Com efeito, o termo pode ser substituído por 
―naturalidade‖, lugar de nascimento, significado então dicionarizado para ―pátria‖. 
 ―Pátria‖, por sua vez, associada a Minas Gerais, aparece 8 vezes na Devassa de 
Minas Gerais, conforme se constata na Tabela I e 3 vezes, na Devassa do Rio, como se 
vê na Tabela II, e, referida a Portugal, apenas 1 vez, na Devassa de Minas (Tabela I), 
estando ausente na Devassa do Rio. O termo apresenta o simples significado de 
naturalidade, sendo usado, na maioria das vezes, tanto para indicar a Capitania de Minas 
Gerais, como também Portugal e a Comarca do Serro Frio
62
 – emprega-se o termo 
também em referência à Irlanda, com este sentido de naturalidade, informação essa que 
não consta nas tabelas
63
. 
 O termo ―país‖ é outro que merece nossa consideração. Segundo o Vocabulário 
Portuguez & Latino, de Bluteau, significava ―Terra, Região‖64. Nos autos, em 
consonância com este verbete, o termo refere-se unicamente a uma identidade regional. 
 
62 ADIM, vol. 3, p. 464. 
63 ADIM, vol. 3, p. 327-332. 
64 BLUTEAU, 1716, vol. 3, p. 187. Em 1801, o promotor da Inquisição de Coimbra, referindo-se à ação 
herética e subversiva de Dom André de Morais Sarmento, em Vinhais, em Portugal, dizia que, ―naquele 
País‖ (isto é, Vinhais), o mesmo semeava ―principios desorganizadores de todos os Estabelecimtos. 
Sociaes‖ (IANTT- IC-CP, Nº 124-125, 1798-1802, Livros 416 e 417, p. 179v). 
 25 
É utilizado pelos inconfidentes para se referir à capitania de Minas Gerais, aparecendo 
também uma ou outra ocorrência referente à capitania do Rio de Janeiro. 
 Com maior ocorrência nas duas Devassas, como referência territorial, aparece 
―América‖, termo muito mais utilizado para se referir à colônia do que ―Brasil‖. Na 
Tabela I, somando-se ―América‖ (Minas) com ―América‖, chega-se a 14 citações, 
enquanto na Tabela II, usando-se o mesmo procedimento, atinge-se 52 referências. A 
soma final de menções dá a cifra de 66. Mesmo assim, em mais da metade (37) deste 
total, vê-se que o território demarcado corresponde à Capitania de Minas Gerais. Logo, 
no uso de ―América‖ esta palavra designava parte do território luso-americano; 
simultaneamente, a identidade regional da Capitania de Minas era conferida pela mesma 
palavra, o que sugere uma fluidez semântica e identitária. As ocorrências deste termo 
nesse sentido mais regional, na maioria das vezes, estão relacionadas à figura de 
Tiradentes, constando em depoimentos de testemunhas e réus que narram o que ouviram 
este dizer. Extrapolando os dados das tabelas e restringindo-se à devassa mineira como 
exemplo, pode-se afirmar que, em nenhuma das seis cartas-denúncia e em nenhum dos 
77 testemunhos, há a ocorrência da palavra ―América‖ por parte dos denunciantes ou 
testemunhas, seja para designar o todo da colônia ou a Capitania de Minas: em todas as 
situações, o termo é atribuído aos denunciados, inserindo-se seu uso em conversas e 
discursos que esses últimos teriam feito. 
 ―Brasil‖, somados os números das Tabelas I e II, chega à cifra muito mais 
modesta: 19 menções. Em boa parte das ocorrências, significativamente, a palavra 
―Brasil‖ está nos documentos oficiais, como portarias, correspondências entre as 
autoridades portuguesas, como o Visconde de Barbacena, o Vice-Rei Luís Vasconcelos 
e Sousa, e os juízes e escrivões das duas Devassas, além de conclusões, juntadas e 
despachos. Aparece sempre remetendo à colônia e, na maior parte das vezes, sob a 
 26 
forma de ―Estado do Brasil‖. As outras ocorrências deste termo estão relacionadas às 
testemunhas e réus envolvidos com o aparato administrativo na colônia e bacharéis em 
leis. Este é o caso, por exemplo, do desembargador Tomás Antônio Gonzaga. A idéia de 
Brasil, portanto, era algo oficial, da administração régia: não constituía a base territorial 
com a qual se identificassem os protagonistas da Inconfidência, marco espacial que 
fundava suas identidades coletivas de referência. 
 A este respeito, é interessante analisar o que faz Basílio de Brito Malheiros, 
português de nascimento, um dos denunciantes da Inconfidência, em sua carta 
apresentada ao Visconde de Barbacena em 15 de abril de 1789
65
. Ele utiliza o termo 
―Brasil‖ por quatro vezes. Em todas as vezes em que cita uma ou outra conversação 
sediciosa dos homens que acusa, curiosamente, nunca faz referência ao uso por parte 
destes do termo ―Brasil‖, preferindo sempre as expressões ―América‖ e ―país das 
Minas‖. Além disso, ele apresenta a convicção de que somente os ―nacionais desta 
terra‖ (portanto, os nascidos cá) seriam capazes de fazer uma ―rebelião‖ contra o 
―Estado e a mesma Soberana‖; segundo ele, os aqui nascidos sempre mostraram 
―interno desejo de se sacudirem fora da obediência que devem prestar a seus legítimos 
soberanos‖. Ao afirmar que a eles se uniram alguns ―filhos de Portugal‖, define-os 
como aqueles ―que não têm modo de vida‖. Fica implícita em sua denúncia a 
constatação de uma alteridade entre os ―filhos da América‖ e os ―filhos de Portugal‖. 
Essa alteridade se mostra evidente também nos depoimentos de Tomás Antônio 
Gonzaga, nos quais o mesmo diz ser ―filho de Portugal‖, procurando com isso 
comprovar que não poderia ter participação no projeto sedicioso, uma vez que sua 
condiçãode reinol a tornava inconveniente aos inconfidentes. Este é um ponto 
essencial: os Inconfidentes de Minas Gerais de 1788-9 expressavam insatisfação com a 
 
65 ADIM, vol. I, p. 95-105. 
 27 
sujeição à Rainha Dona Maria I e, por conseguinte, com o vínculo com a ―nação 
portuguesa‖ (aqui compreendida nos termos da época), a qual englobava, dentre outros, 
os ―filhos da América‖ e os ―filhos da Europa‖. Essa insatisfação, no entanto, envolvia 
apenas um incipiente desconforto entre ―americanos‖ e ―europeus‖; aliás, os 
Inconfidentes não queriam eliminar os últimos, visto que a naturalidade européia era a 
de boa parte de seus progenitores: os maiores incomodados, isto sim, pareciam ser os 
―europeus‖ que estavam a serviço e ao lado da administração régia. 
 Nas Tabelas, não consta uma informação relevante: não há nenhuma citação ou 
uso do termo ―mineiro‖ para designar uma identidade regional para as Minas. Os 
naturais da áurea capitania, nas devassas, eram os ―filhos de Minas‖, ―nacionais‖ dela e 
os ―filhos da América‖, designações essas contabilizadas nas Tabelas I e II. A sua terra 
era o ―país de Minas‖, ou ―América‖. Eram também os ―americanos portugueses‖, ou 
―nacionais‖ ou ―filhos‖ desta. Estas últimas denominações tinham a ver com uma 
relação de alteridade que se estabelecia com os ―filhos de Portugal‖ ou ―filhos do 
Reino‖, dentro do mundo luso-brasileiro. No entanto, nas Devassas, podem ser vistas 
referências às identidades ―pernambucanos‖ e ―cariocas‖. O Cônego Luís Vieira, como 
se verá no capítulo seguinte, falava sobre os ―pernambucanos‖ e sua luta para a 
expulsão dos holandeses, sendo esse feito um dos por ele rememorados para justificar 
sua tese de que um príncipe europeu não teria direito sobre a América. ―Carioca‖, por 
sua vez, apareceu, por exemplo, numa fala de Jerônimo de Souza Castro, alferes do 
regimento de cavalaria auxiliar do Rio de Janeiro. Em seu depoimento, referindo-se a 
uma manifestação de ira do Tiradentes, contou que o mesmo disse: ―pois que os 
cariocas e americanos eram fracos, vis, patifes, pusilânimes e de baixos espíritos, 
podendo passar sem o jugo que sofriam e viverem independente do Reino, o 
 28 
toleravam‖66. Ao final do século XVIII, na verdade, eram perceptíveis, no interior da 
colônia, de um lado, diversas identidades coletivas de caráter estritamente regional e, de 
outro, o fato de que os ―filhos da América‖ também se viam, por prolongamento, como 
portugueses, como membros da ―nação portuguesa‖, estando sujeitos, ainda que a 
contragosto, à Dona Maria I, soberana da casa de Bragança. Nessa época, os colonos 
reconheciam-se como paulistas, baianos, pernambucanos e entendiam, ao mesmo 
tempo, que ―ser paulista, pernambucano ou bahiense significava ser português, ainda 
que se tratasse de uma forma diferenciada de sê-lo‖, isto é, ser português da América67. 
A partir do exame das identidades coletivas e dos marcos territoriais em que as 
mesmas se baseavam, tal como se encontram nas devassas da Inconfidência de Minas 
Gerais, pode-se, em suma, retirar algumas conclusões. A participação das Capitanias do 
Rio de Janeiro e de São Paulo no levante, aventada pelos Inconfidentes e analisada 
anteriormente, não implicava o compartilhamento de uma identidade coletiva comum às 
três capitanias: acima de cada uma delas isoladamente, o que havia era uma fugidia 
identidade americana e, mais forte, a identidade portuguesa, no interior da qual a 
primeira encontrava-se subsumida, sem que se demarcasse uma tensão clara entre 
―portugueses‖ e ―filhos da América‖. Disso pode-se conjecturar que as referências às 
articulações das três capitanias do sudeste em torno de um projeto de sedição 
relacionavam-se mais às preocupações defensivas, aos interesses econômicos comuns, 
às estratégias militares e políticas e, ainda, à necessidade de uma saída para o mar para 
contato com nações estrangeiras. Ao mesmo tempo, os Inconfidentes de Minas tinham 
em vista o conjunto da América portuguesa apenas de modo fugidio, quase como 
abstração, não o levando, de modo nenhum, como o espaço da instalação, com certo 
exagero nosso, de sua utopia. A geografia dos sonhos que construíram, insistamos, 
 
66 ADIM, 1980, vol. 4, p. 56. 
67 JANCSÓ & PIMENTA, 2000, p. 136-7. 
 29 
resumia-se às capitanias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro (de modo efetivo, 
mais à primeira) e, ainda assim, marcadamente por motivos estratégicos, econômicos e 
políticos, sem que houvesse uma identidade coletiva a englobá-las (as três capitanias) e 
a separá-las (em termos identitários) da América portuguesa. Distantes de nossa 
concepção contemporânea de nação e, mais ainda, de uma idéia de ―nação brasileira‖ 
(como não poderia deixar de ser), os Inconfidentes, por fim, lidavam de forma ambígua 
com a ―nação portuguesa‖. Entendendo-a como à época se concebia nação, isto é, como 
aglomerado humano submetido a um mesmo soberano, é verdade, os Inconfidentes 
propunham uma ruptura, brandindo uma idéia de república e subtraindo-se da tutela da 
Rainha Dona Maria I. Todavia, como será mostrado no capítulo seguinte, entre os 
Inconfidentes, se houve os que abraçaram a idéia de instalação de uma república, 
imitando em alguma medida a América Inglesa, outros defenderam não apenas a 
aclamação aqui de um Infante da casa de Bragança, mas a coroação da rainha e/ ou a 
vinda para cá da família real. 
Referências: 
 
Documentos manuscritos: 
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Coimbra, Cadernos do Promotor Nº 124 e 125 (1798-1802) – Livro 416 e 417, p. 91-
180. 
 
Documentos impressos: 
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AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira: complementação documental. Ouro 
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BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez & Latino, áulico, anatômico, 
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Arquivo Nacional: Brasília: Editora UnB, 1998. 
 30 
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