Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 CURSO DIREITO Disciplina: DIREITO DO TRABALHO - 3ª Série Professor: FLAVIO ERVINO SCHMIDT APOSTILA: DIREITO COLETIVO DO TRABALHO DIREITO DO TRABALHO Sumário: 19 DIREITO COLETIVO DO TRABALHO 19.1 Histórico, denominação e definição 19.2 Princípios do direito coletivo do trabalho 19.2.1 Tipologia 19.2.1 Direito coletivo, autoritarismo e democracia 19.2.1.1 Princípios assecuratórios da existência do ser coletivo obreiro 19.2.1.2 Princípios regentes das relações entre os seres coletivos trabalhistas 19.2.1.3 Princípios regentes das relações entre normas coletivas negociadas e normas estatais 19.3 Direito Sindical e Organização Sindical 19.3.1 Organização sindical no Brasil 19.3.2 Entidades Sindicais 19.3.3 Prerrogativas dos Sindicatos 19.3.4 Contribuição Sindical 19.3.5 Divisão da Arrecadação 19.4. Instrumentos normativos. 19.4.1 Convenção coletiva de trabalho. 19.4.2 Acordo coletivo de trabalho. 19.4.3 Contrato coletivo de trabalho. 19.4.4 Natureza jurídica da convenção coletiva de trabalho. 19.4.5 Partes da convenção ou acordo coletivo de trabalho. 19.4.6 Conteúdo da convenção coletiva. 19.4.7 Flexibilização do direito do trabalho: 19.4.8 Forma, registro e publicidade 19.4.9 Eficácia da convenção coletiva no tempo e no espaço: 19.4.10 Duração e vigência - art. 614, § 3° CLT 20 GREVE 20.1 Direito de Greve 20.2 Legalidade da Greve 20.4 Abusos 2 19 DIREITO COLETIVO DO TRABALHO 19.1 Histórico, denominação e definição O Direito do Trabalho, fruto de conquistas sociais de trabalhadores reunidos nas incipientes fábricas européias da Revolução Industrial, tem claramente na ação coletiva seu gérmen. Cediço que a criação das primeiras regras limitadoras da exploração de trabalho não foi uma dádiva do Estado, mas, sim, resultado da luta dos trabalhadores. O Direito do Trabalho é fruto do capitalismo industrial europeu, pois seu núcleo básico, a relação subordinada, somente se tornou hegemônica a partir do século XVIII. O sofrimento coletivo dos trabalhadores, reunidos em grandes fábricas, incentivou a ação operária por direitos gerais, ainda que mínimos. A contratação de força produtiva, no início da revolução industrial, seguia inicialmente a visão liberal, contratual civil, em que as partes fixavam as regras da pactuação laborativa. Entretanto, tal liberdade, apenas formal, impunha aos trabalhadores severa exploração de sua mão-de-obra. Assim, o sentimento coletivo de pertencimento é fator preponderante para forçar o Estado à edição de regras gerais de limitação à exploração do trabalho. Neste primeiro momento, de organização incipiente, foi comum a criminalização do movimento operário, pois os governos temiam que a luta dos trabalhadores fugisse ao controle do Estado e acarretasse problemas mais sérios para a reprodução do capital nos moldes experimentados até então. No Brasil, ainda que em outro período histórico (força da tardia abolição da escravatura), tal realidade também é verificável. Maurício Godinho Delgado destaca o incipiente desenvolvimento da organização social (proletária) antes mesmo da década de 1930, que é o marco histórico da institucionalização do direito do trabalho no Brasil. Por aqui também o Estado cuidou de reprimir, pela força, diversos movimentos operários, tratando a questão social como caso de polícia. A fase de institucionalização do Direito do Trabalho também considera a relevância (e o temor estatal) da ação coletiva obreira. Nos países capitalistas centrais e no Brasil (década de 30 em diante) há regras que reconhecem a atuação sindical, embora no caso brasileiro tal se dê através de um claro contingenciamento de sua ação política e institucional. Certo é que o Direito do Trabalho reserva à sua esfera coletiva um amplo espaço a ser preenchido pelo movimento organizado dos trabalhadores. Nos países de capitalismo central a tendência é a da preponderância da ação coletiva na conquista de direitos que refletem diretamente nos contratos individuais de trabalho. Há um privilégio à autonomia privada coletiva, que bem exercida somente traz acréscimos ao patamar civilizatório mínimo consagrado no plano individual. O Brasil, entretanto, mesmo com a Constituição de 1988, não conseguiu se libertar integralmente das amarras corporativistas das décadas de 30 e 40 do século passado. Percebe-se hoje uma interpretação retrospectiva sobre direitos coletivos, que desconsidera os avanços constitucionais havidos e que continua reconhecendo a norma infraconstitucional em preponderância em relação aos princípios fundamentais consagrados na Constituição da República. É urgente uma mudança na análise jurídica sobre o sindicalismo brasileiro, que contemple a normatividade dos princípios constitucionais e trabalhistas sobre a matéria e que possibilite a atuação coletiva dos trabalhadores em uma perspectiva mais ampla, efetiva e democrática. Importante destacar a distinção essencial entre o Direito Individual do Trabalho e o Direito Coletivo do Trabalho. A função básica do Direito Individual do Trabalho é a melhoria das condições de pactuação da força produtiva, o que se dá através da intervenção do Estado para proteger a parte hipossuficiente da relação empregatícia. Tal intervenção estatal se dá, na prática, através da construção de um patamar civilizatório mínimo abaixo do qual não pode haver, validamente, contratação de emprego. No âmbito juscoletivo, ao contrário, o Estado não intervém para proteger uma das partes, pois ambas estão em patamar de igualdade no plano da relação coletiva. A função básica do Direito Coletivo, que pressupõe autonomia privada coletiva, é a produção da norma jurídica autônoma, que se revela na prática através do Acordo Coletivo de Trabalho ou da Convenção Coletiva de Trabalho. 3 A idéia básica, ao contrário do que ocorre na relação individual, em que se reconhece a desigualdade fática entre os entes pactuantes e a necessária tutela específica ao trabalhador, no âmbito juscoletivo é a autonomia privada coletiva. O empregador é naturalmente um ente coletivo “cuja vontade é hábil a detonar ações e repercussões de impacto social”1 quer seja no âmbito mais restrito da comunidade de trabalhadores, quer seja no mais amplo de uma localidade (bairro, cidade, região, estado) ou país. A relação coletiva pressupõe ação social dos trabalhadores como suficiente a se equiparar ao empregador no âmbito negocial, do que decorre ser a relação coletiva de trabalho a categoria básica do ramo especial juscoletivo. É possível inferir que, ao contrário do que ocorre no Direito Individual do Trabalho, em sua esfera coletiva este ramo jurídico contempla a noção básica de autonomia das vontades. Parte o sistema juscoletivo do suposto de que as partes pactuantes (sindicato de trabalhadores, empregadores e/ou sindicato patronal) se encontram em igualdade de condições no aspecto jurídico básico da negociação de normas coletivas, sendo, portanto, aptos à criação da norma jurídica autônoma. O Direito Coletivo do Trabalho tem destacadas funções, assim como ocorre no plano das relações individuais de emprego, obviamente com conteúdos diferentes umas das outras, ainda que, em certos casos, mantido o mesmo epíteto. A função de melhoria das condições de pactuação da força produtiva no Direito Coletivo do Trabalho difere daquela concebida no âmbito individual. Aqui se considera como função a melhoria das condições de trabalho da categoria profissional e não de trabalhadores individualmente considerados. Regra geral a negociação coletiva não pode romper o patamar civilizatório mínimo conquistado por normas heterônomas estatais, embora, pontualmente, em alguns momentos negociais específicos, a categoria, pretendendo o bem comum, possa reduzirpatamares de direitos alcançados anteriormente por trabalhadores individualmente considerados ou pela coletividade. Um exemplo clássico é o da negociação coletiva em que se “trocam” dispensas por redução de salários, com extensão de garantia de emprego a todos os empregados de determinada empresa ou categoria. Vale antecipar aqui que direitos referentes à segurança e saúde do trabalhador são inegociáveis. Há, também no plano juscoletivo, função modernizante e progressista. Deve o Direito do Trabalho, e também o Direito Coletivo do Trabalho, estender a todos os trabalhadores empregados as conquistas obtidas pelas categorias mais organizadas ou com maior poder de negociação. Devem as categorias menos organizadas ou com menor poder de negociação, também, se valer das ideias progressistas para buscar, dia a dia, sua implementação para suas bases. E ainda, sempre que possível (em condições históricas favoráveis), deve o legislador observar as conquistas sindicais para fazer delas leis para todos os trabalhadores empregados, independentemente de sua representação coletiva. O Direito do Trabalho tem por função trazer progresso à classe trabalhadora e modernizar o ordenamento jurídico protetivo. A função mais destacada do ramo juscoletivo é a de produção da norma jurídica autônoma. O Direito Coletivo do Trabalho tem por função criar normas jurídicas, entendidas como diferentes daquelas cláusulas meramente obrigacionais. As normas juscoletivas autônomas se inserem nos contratos individuais de trabalho das respectivas bases representadas na negociação coletiva (universo de trabalhadores geridos pelos instrumentos coletivos). Acordo Coletivo de Trabalho - ACT e Convenção Coletiva de Trabalho - CCT, quando firmados, trazem normas jurídicas (gerais, abstratas, erga omnes, pro futuro) e que incidem diretamente, no mesmo plano e com a mesma intensidade da norma heterônoma básica (CLT), nos contratos individuais de trabalho. Há, então, importante espaço de atuação social do ente coletivo obreiro (sindicato), pois pode, sem contar com a morosidade e insensibilidade do Congresso Nacional, produzir direito novo, além do patamar civilizatório mínimo já consolidado. É, portanto, instrumento extremamente relevante, e que deve ser bem compreendido e bem utilizado pelos sindicatos, para melhorar verdadeiramente as condições de trabalho e de vida de seus representados. 1 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. 4 O Direito Coletivo do Trabalho atua na pacificação de conflitos de natureza sociocoletiva. O Direito Coletivo do Trabalho oferece meios de solução dos conflitos sociais surgidos em torno da relação de emprego. O principal instrumento é a negociação coletiva (autocomposição), embora exista espaço para a arbitragem e para a mediação. Há, ainda, função social e política. Os trabalhadores, reunidos em sindicatos, democraticamente, podem influenciar politicamente a nação e produzir efeitos sociais positivos, embora em momentos históricos em que grassa o desemprego tal ação se mostre difícil. Em todo o mundo capitalista ocidental são importantes os partidos políticos de matriz trabalhista, que buscam o poder para representar a “classe-que-vive-do-trabalho”, no dizer sempre atual de Ricardo Antunes. De se ressaltar, ainda, uma função econômica. O Direito Coletivo do Trabalho possibilita a adequação de particularidades regionais e/ou históricas na produção de regras jurídicas negociadas, atendendo às especificidades de localidades e setores em cada momento histórico, melhorando a atuação econômica de empregadores e a vida de seus empregados. Ressaltado anteriormente que o Direito Coletivo do Trabalho fomenta o conflito (positivo, democrático, construtivo, necessário) trabalhista, ao prever negociações coletivas periódicas, que ensejarão a formação de instrumentos negociais que são fruto da vontade autônoma das partes pactuantes. Os conflitos coletivos de trabalho terão natureza jurídica ou econômica conforme os pontos divergentes postos na mesa de negociações e, se for o caso, excepcionalmente, no processo judicial. Conflitos de natureza jurídica dizem respeito à divergência de interpretação sobre regras ou princípios jurídicos já existentes. Conflitos de natureza econômica dizem respeito às condições de trabalho da categoria. São divergências sobre as normas coletivas que serão postas no instrumento coletivo negociado, e que refletirão diretamente no contrato de trabalho e na vida dos trabalhadores. Ao mesmo tempo em que fomenta e propicia o conflito (positivo, democrático, construtivo, necessário) o Direito Coletivo de Trabalho cuida de resolvê-lo. Os conflitos podem ser solucionados por autocomposição ou por heterocomposição. Autocomposição é a modalidade de solução de conflitos em que as partes ajustam suas divergências de modo autônomo, celebrando um diploma coletivo negociado (ACT, CCT), com maior (greve) ou menor pressão social. Heterocomposição, ao contrário e excepcionalmente, pressupõe a intervenção de um terceiro para solucionar o conflito, visto que as partes não conseguem ajustar as divergências e estabelecer, por si, um diploma coletivo negociado (ACT, CCT). O terceiro, regra geral o Estado, atua na heterocomposição através da arbitragem e do dissídio coletivo. 19.2 Princípios do direito coletivo do trabalho O Direito Coletivo, ao contrário, é ramo jurídico construído a partir de uma relação entre seres teoricamente equivalentes: seres coletivos ambos, o empregador de um lado e, de outro, o ser coletivo obreiro, mediante as organizações sindicais. Em correspondência a esse quadro fático distinto, emergem, obviamente, no Direito Coletivo, categorias teóricas, processos e princípios também distintos. No estudo global dos princípios justrabalhistas é importante respeitar-se a diferenciação entre Direito Individual e Direito Coletivo. Entretanto é também fundamental que na análise particularizada de qualquer um dos dois segmentos sempre se preserve a perspectiva referenciada ao outro segmento justrabalhista correlato. Direito Individual e Direito Coletivo são, afinal, partes integrantes de uma mesma realidade jurídica especializada, o Direito do Trabalho. O Direito Coletivo atua, porém, de maneira intensa sobre o Direito Individual do Trabalho uma vez que é cenário de produção de um destacado universo de regras jurídicas, consubstanciado no conjunto de diplomas autônomos que compõem sua estrutura normativa (notadamente, Convenção, Acordo e Contrato Coletivo de Trabalho). Desse modo, o Direito Coletivo pode alterar o conteúdo do Direito Individual do Trabalho, ao menos naqueles setores econômico-profissionais em que incidam seus específicos diplomas. Desde a Carta de 1988, a propósito, ampliou-se o potencial criativo do Direito Coletivo, lançando ao estudioso a necessidade de pesquisar os 5 critérios objetivos de convivência e assimilação entre as normas autônomas negociadas e as normas heterônomas tradicionais da ordem jurídica do país. 19.2.1 Tipologia O Direito Coletivo do Trabalho, enquanto segmento jurídico especializado, constitui um todo unitário, um sistema, composto de princípios, categorias e regras organicamente integradas entre si. Sua unidade – como em qualquer sistema sela-se em função de um elemento básico, sem o qual seria impensável a existência do próprio sistema. Neste ramo jurídico a categoria básica centra-se na noção de ser coletivo, presente em qualquer dos polos da relação jurídica nuclear deste direito. Ser coletivo empresarial (com ou sem representação pelo respectivo sindicato) e ser coletivo obreiro, mediante as organizações coletivas da classe trabalhadora – especialmente os sindicatos. Os princípios do Direito Coletivo do Trabalhoconstroem-se, desse modo, em torno da noção de ser coletivo e das prerrogativas e papéis assumidos por tais sujeitos no contexto de suas relações recíprocas e em face dos interesses que representam. 19.2.1 Direito coletivo, autoritarismo e democracia A tradição autoritária da história brasileira ao longo do século XX comprometeu, significativamente, o florescimento e maturação do Direito Coletivo no país. De fato, o modelo justrabalhista estruturado nas décadas de 1930 e 40 (e que permaneceu quase intocado nas fases históricas seguintes) não comportava a consagração de princípios essenciais à própria existência desse segmento jurídico. As noções jurídicas de liberdade de associação e sindical e de autonomia dos sindicatos obreiros foram cotidianamente constrangidas pela lei e pelas práticas jurídicas do Brasil durante quase todo esse extenso período histórico. Nesse quadro de eclipsamento de algumas das liberdades públicas mais essenciais falar-se em real Direito Coletivo do Trabalho era, efetivamente, quase um contrassenso. A particularidade da evolução histórica brasileira levou a que se chegasse a pensar (e até mesmo a teorizar) sobre a inexistência de princípios próprios ao Direito Coletivo. Esse viés teórico (compreensível em vista da longa cristalização autoritária no plano das relações coletivas no Brasil) não deve prejudicar, contudo, hoje, o desvelamento dos princípios informativos do ramo coletivo negociado, uma vez que, desde a Carta de 1988, essa pesquisa e revelação tornou-se crucial para o entendimento do novo Direito do Trabalho em construção no país. Mais: o desconhecimento sobre os princípios especiais do Direito Coletivo do Trabalho irá certamente comprometer o correto e democrático enfrentamento dos novos problemas propostos pela democratização do sistema trabalhista no Brasil. A não compreensão da essencialidade da noção de ser coletivo, da relevância de ser ele representativo e consistente para de fato assegurar condições de equivalência entre os sujeitos do ramo juscoletivo trabalhista, simplesmente dilapida toda a noção de Direito Coletivo do Trabalho e de agentes coletivos atuando em nome dos trabalhadores. Tipologia de princípios Os princípios do Direito Coletivo do Trabalho podem ser classificados em três grandes grupos, segundo a matéria e objetivos neles enfocados. Em primeiro lugar, o rol de princípios assecuratórios das condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro. Trata-se de princípios cuja observância viabiliza o florescimento das organizações coletivas dos trabalhadores, a partir das quais serão tecidas as relações grupais que caracterizam esse segmento jurídico específico. Neste rol estão os princípios da liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical. Logo a seguir destacam-se os princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva. São princípios que regem as relações grupais características do Direito Coletivo, iluminando o status, poderes e parâmetros de conduta dos seres coletivos trabalhistas. 6 Citam-se neste segmento o princípio da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos e, finalmente, o da lealdade e transparência nas negociações coletivas. Há, por fim, o conjunto de princípios que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos. Este grupo de princípios ilumina, em síntese, as relações e efeitos entre as normas produzidas pelo Direito Coletivo, através da negociação coletiva, e as normas heterônomas tradicionais do próprio Direito Individual do Trabalho. Neste rol encontram-se princípios como da criatividade jurídica da negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada. 19.2.1.1 Princípios assecuratórios da existência do ser coletivo obreiro O primeiro grupo, como visto, diz respeito aos princípios que visam a assegurar a existência de condições objetivas e subjetivas de surgimento e afirmação da figura do ser coletivo. O enfoque aqui se centra no ser coletivo obreiro, isto é, na criação e fortalecimento de organizações de trabalhadores que possam exprimir uma real vontade coletiva desse segmento social. Trata-se, pois, do surgimento e afirmação de entidades associativas obreiras que se demarquem por efetivo potencial de atuação e representação dos trabalhadores, globalmente considerados. Tais princípios não se formulam, portanto, direcionados à criação e fortalecimento do ser coletivo empresarial. Este já existe necessariamente desde que haja a simples figura da empresa. Este não depende de indução ou garantias externas especiais, provindas de norma jurídica; ele já existe automaticamente, desde que exista organização empresarial no mercado econômico. É que o empregador, como se sabe, é, por definição, necessariamente um ser coletivo (excetuado o doméstico, é claro). É inevitável ser coletivo por consistir em um agregador e direcionador dos instrumentos de produção, distribuição, consumo e de serviços, sendo, por isso mesmo, tendencialmente uma organização. Além dessa sua fundamental característica, o empregador também regularmente produz, com o simples exercício de sua vontade particular, atos de repercussão comunitária ou social. Em contraponto a isso, os trabalhadores somente se tornam uma organização caso se estruturem, grupalmente, nesse sentido. E somente serão capazes de produzir, com regularidade, atos de repercussão comunitária ou social caso se organizem de modo racional e coletivo para tais fins. Por todas essas razões os princípios do Direito Coletivo do Trabalho que visam assegurar o surgimento e afirmação social do ser coletivo trabalhista enfocam seu comando normativo em direção às entidades organizativas e representativas dos trabalhadores. O presente grupo de princípios engloba, portanto, diretrizes que têm na liberdade e autonomia associativas sua proposição essencial. Abrangem, principalmente, os princípios da liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical. a) Princípio da liberdade associativa e sindical O primeiro desses princípios postula pela ampla prerrogativa obreira de associação e, por consequência, sindicalização. O princípio pode ser desdobrado em dois: liberdade de associação, mais abrangente; e liberdade sindical. O princípio da liberdade de associação assegura consequência jurídico-institucional a qualquer iniciativa de agregação estável e pacífica entre pessoas, independentemente de seu segmento social ou dos temas causadores da aproximação. Não se restringe, portanto, à área e temáticas econômico-profissionais (onde se situa a ideia de liberdade sindical). O princípio associativo envolve as noções conexas de reunião e associação. Por reunião entende-se a agregação episódica de pessoas em face de problemas e objetivos comuns; por associação, a agregação permanente (ou, pelo menos, de largo prazo) de pessoas em face de problemas e objetivos comuns. 7 Noções interligadas, a liberdade de reunião sempre foi pressuposto importante à consecução da liberdade de associação trata-se daquilo que José Afonso da Silva2 chama de “liberdade-condição, porque, sendo um direito em si, constitui também condição para o exercício de outras liberdades. As duas ideias e dinâmicas têm lastro na própria matriz social do ser humano, sendo também fundamentais à estruturação e desenvolvimento da democracia. São, ao mesmo tempo, uma afirmação da essência humana dos indivíduos e uma seiva oxigenadora da convivência democrática no plano social. O direito de reunião pacífica e de associação sem caráter paramilitar está assegurado na Carta Magna (art. 5º, XVI e XVII), estando, de certo modo, referenciado nas constituiçõesbrasileiras desde o primeiro texto republicano (art. 72, §8º, CR/1891). A liberdade associativista tem uma dimensão positiva (prerrogativa de livre criação e/ou vinculação a uma entidade associativa) ao lado de uma dimensão negativa (prerrogativa de livre desfiliação da mesma entidade). Ambas estão mencionadas no texto magno (“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado art. 5º, XX, CF/88). Tal liberdade, é claro, envolve outras garantias da ordem jurídica: livre estrutura ção interna, livre atuação externa, auto-sustentação, direito à auto-extinção (ou garantia de extinção por causas ou agentes externos somente após regular processo judicial). Direcionado ao universo do sindicalismo, o princípio mais amplo especifica-se na diretriz princípio da liberdade sindical (ou da liberdade associativa e sindical). Tal princípio engloba as mesmas dimensões positivas e negativas já referidas, concentradas no universo da realidade do sindicalismo. Abrange, desse modo, a liberdade de criação de sindicatos e de sua auto-extinção (com a garantia de extinção externa somente através de sentença judicial regularmente formulada). Abrange, ainda, a prerrogativa de livre vinculação a um sindicato assim como a livre desfiliação de seus quadros (o art. 8º, V, da Constituição especifica o comando já lançado genericamente em seu art. 5º, XX: “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato). Registre-se que matérias relativas à estruturação interna dos sindicatos e suas relações com o Estado e, também, de certo modo, com os empregadores, têm sido englobadas em um princípio afim, o da autonomia sindical. a.1) Cláusulas de sindicalização forçada Há sistemáticas de incentivos à sindicalização (apelidadas de cláusulas de segurança sindical ou de sindicalização forçada) que são controvertidas no que tange à sua compatibilidade com o princípio da liberdade sindical. Trata-se, por exemplo, das cláusulas negociais coletivas denominadas closed shop, union shop, preferencial shop e, por fim, maintenance of membership. Pela closed shop (empresa fechada), o empregador se obriga perante o sindicato obreiro a somente contratar trabalhadores a este filiados. Nos EUA, tal dispositivo foi considerado ilegal pela Lei Taft-Hartley, de 1947.6 Pela union shop (empresa sindicalizada), o empregador se compromete a manter apenas empregados que, após prazo razoável de sua admissão, filiem-se ao respectivo sindicato operário. Não se obstrui o ingresso de trabalhador não sindicalizado,mas inviabiliza-se sua continuidade no emprego caso não proceda, em certo período, à sua filiação sindical.3 Próxima a esta, há a cláusula preferencial shop (empresa preferencial), que favorece a contratação de obreiros filiados ao respectivo sindicato. 2 A respeito, José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 18. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 268., p. 269- 271. Também Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988, 2º v., São Paulo: Saraiva, 1989, p. 90-109. 3 Segundo Orlando Gomes e Elson Gottschalk, a cláusula union shop seria compatível com a Lei Taft-Hartley (In Curso de Direito do Trabalho, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 481). 8 Neste rol destaca-se ainda a cláusula maintenance of membership (manutenção de filiação), pela qual o empregado inscrito em certo sindicato deve preservar sua filiação durante o prazo de vigência da respectiva convenção coletiva, sob pena de perda do emprego.4 Tais dispositivos de sindicalização forçada colocam em confronto, inegavelmente, liberdade individual obreira de filiação e/ou desfiliação e reforço da organização coletiva dos próprios trabalhadores em suma, liberdade individual versus fortalecimento sindical. Neste embate há sistemas jurídico-políticos de tradição democrática (como os anglo-americanos) que se mostraram mais tolerantes com a prevalência da “liberdade do grupo profissional” sobre a liberdade individual. Contudo, na tradição juspolítica latina, a começar pela França, a concepção dominante volta-se à direção de negar validade a tais cláusulas. No Brasil, tem prevalecido o entendimento denegatório de validade às citadas cláusulas de sindicalização forçada. a.2) Práticas anti-sindicais Há, por outro lado, sistemáticas de desestímulo à sindicalização e desgaste à atuação dos sindicatos (denominadas de práticas anti-sindicais) que entram em claro choque com o princípio da liberdade sindical. Trata-se, por exemplo, dos chamados yellow dog contracts, das company unions e, ainda, da prática mise à l’index. No primeiro caso (contratos de cães amarelos) o trabalhador firma com seu empregador compromisso de não filiação a seu sindicato como critério de admissão e manutenção do emprego. A expressão inglesa, entretanto (yellow dog contracts), sugere uma crítica ao trabalhador que subscreve essa cláusula de não filiação sindical. Na experiência histórica de outros países, contudo (inclusive o Brasil), sabe-se que os fatos tendem a se passar de maneira diversa: é comum ouvir-se falar em práticas meramente informais, inviabilizando, pela pressão surda no ambiente laborativo, a efetiva possibilidade de adesão de empregados a seu respectivo sindicato. No segundo caso (sindicatos de empresa no Brasil, sindicatos amarelos), o próprio empregador estimula e controla (mesmo que indiretamente) a organização e ações do respectivo sindicato obreiro. No terceiro caso (colocar no índex no Brasil, lista negra), as empresas divulgariam entre si os nomes dos trabalhadores com significativa atuação sindical, de modo a praticamente excluí-los do respectivo mercado de trabalho.5 Tais cláusulas ou práticas (e outras congêneres) são, sem dúvida, inválidas, por agredirem o princípio da liberdade sindical, constitucionalmente assegurado. a.3) Garantias à atuação sindical O princípio da liberdade associativa e sindical propugna pela franca prerrogativa de criação e desenvolvimento das entidades sindicais, para que se tornem efetivos sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho. Como qualquer princípio, enquanto comando jurídico instigador, a presente diretriz também determina ao ordenamento jurídico que confira consistência ao conteúdo e objetivo normativos que enuncia. Ou seja, que estipule garantias mínimas à estruturação e atuação dos sindicatos, sob pena de não poderem cumprir seu papel de real expressão da vontade coletiva dos respectivos trabalhadores. Algumas dessas garantias já estão normatizadas no Brasil. A principal delas é a vedação à dispensa sem justa causa do dirigente sindical, desde a data de sua inscrição eleitoral até um ano após o término do correspondente mandato (art. 8º, VIII, CF/88). 4 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Compêndio de Direito Sindical. 2. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 146. 5 Gomes e Gottschalk informam que na França a prática mise à l’index também tornou-se conhecida como instrumento utilizado pelo próprio sindicalismo para desgaste ou pressão sobre trabalhadores não filiados: o sindicato apela para os associados a fim e que não mantenham relações sociais, camaradagem, confraternização, com o empregado indigitado...(visando)... constranger o não sindicalizado à sindicalização[...]”. In ob. cit., p. 481-482. 9 Esta garantia conta, inclusive, com medida judicial eficaz do Juiz do Trabalho, mediante a qual se pode determinar, liminarmente, a reintegração obreira em contextos de afastamento, suspensão ou dispensa pelo empregador (art. 659, X, CLT, conforme Lei nº 9.270/1996). Conexa à presente garantia existe a intransferibilidade do dirigente sindical para fora da base territorialde seu sindicato (art. 543, CLT). Diversas dessas relevantes garantias essenciais estão expressamente consignadas em textos normativos construídos ao longo de décadas pela Organização Internacional do Trabalho (Convenções nº 11, 87, 98, 135, 141 e 151, por exemplo). Além disso, têm sido inseridas, classicamente, em experiências democráticas consolidadas no mundo ocidental (ilustrativamente, Estatuto dos Trabalhadores da Itália Lei nº 300, de 1970). A Convenção 98, OIT, por exemplo (que trata do “direito de sindicalização e de negociação coletiva”), vigorante no Brasil desde a década de 1950, estipula critérios para tais garantias sindicais: Art. 2 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores deverão gozar de proteção adequada contra quaisquer atos de ingerência de umas e outras, quer diretamente quer por meio de seus agentes ou membros, em sua formação, funcionamento e administração. 2. Serão particularmente identificados a atos de ingerência, nos termos do presente artigo, medidas destinadas a provocar a criação de organizações de trabalhadores dominadas por um empregador ou uma organização de empregadores, ou a manter organizações de trabalhadores por outros meios financeiros, com o fim de colocar essas organizações sob o controle de um empregador ou de uma organização de empregadores. O mesmo texto convencional reprime eventuais restrições empresariais a obreiros em face da participação ou não participação em tal ou qual sindicato (art. 1, 2, a, Convenção 98, OIT) ou em atividades sindicais (art. 1,2, “b” da Convenção).A Convenção 135, por sua vez (vigência no país desde 18.03.1991), que trata da “proteção de representantes de trabalhadores”, estipula a seguinte garantia: Art. 1º – Os representantes dos trabalhadores na empresa devem ser beneficiados com uma proteção eficiente contra quaisquer medidas que poderiam vir a prejudicá-los, inclusive o licenciamento (na verdade, despedida, isto é, “licenciement”), e que seriam motivadas por sua qualidade ou suas atividades como representantes dos trabalhadores sua filiação sindical, ou participação em atividades sindicais, conquanto ajam de acordo com as leis, convenções coletivas ou outros arranjos convencionais vigorando.615 O princípio da liberdade associativa e sindical determina, portanto, coerentemente, o implemento de regras jurídicas assecuratórias da plena existência e potencialidade do ser coletivo obreiro. Registre-se, a propósito, que não há qualquer antinomia entre a fixação de plena liberdade e autonomia ao sindicalismo com o implemento de garantias legais assecuratórias da mais larga e transparente representatividade sindical e o mais eficaz dinamismo reivindicativo das entidades sindicais obreiras. Ao contrário, o implemento dessas garantias normativas corresponde à exata observância do comando jurídico instigador contido no princípio especial do Direito Coletivo do Trabalho. b. Princípio da autonomia sindical O segundo dos princípios especiais do Direito Coletivo do Trabalho que cumpre o papel de assegurar condições à própria existência do ser coletivo obreiro é o da autonomia sindical. Tal princípio sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas e sindicais dos trabalhadores, sem interferências empresariais ou do Estado. Trata ele, portanto, da livre estruturação interna do sindicato, sua livre atuação externa, sua sustentação econômico-financeira e sua desvinculação de controles administrativos estatais ou em face do empregador. 6 A observação em parênteses, referindo-se à equivocada tradução feita pelo legislador pátrio do texto da Convenção 135, OIT (licenciement como licenciamento e não despedida). 10 É verdade que quando se fala no princípio genérico da liberdade de associação nele se englobam, naturalmente, as matérias relativas à estruturação interna das entidades associativas e suas relações com o Estado. Entretanto, na história do Direito do Trabalho desdobrou-se o princípio geral em dois, conforme já sugerido: o da liberdade sindical e o da autonomia dos sindicatos. Reconheça-se que tal segmentação resulta de particularidades importantes da história do sindicalismo, que não se destacaram com tanta ênfase na história das demais associações civis, culturais, políticas, religiosas ou de outra natureza. É que além do problema da liberdade sindical no sentido estrito (isto é, liberdade de criação de entidades sindicais com a consequente dinâmica de filiação e desfiliação de trabalhadores a tais entidades) sempre foi crucial à sorte do sindicalismo no Ocidente as lutas pela autonomia dos sindicatos perante o Estado (e, em certo grau, também perante os empregadores). O dilema da autonomia versus controle político administrativo dos sindicatos sempre foi um dos problemas centrais da história do sindicalismo nos países ocidentais (no Brasil, inclusive, acentuadamente como se sabe), razão por que o princípio maior da liberdade sindical se desdobrou em duas diretrizes correlatas: a da própria liberdade e a especificamente relacionada às questões da autonomia das entidades sindicais operárias. O princípio da autonomia sindical sempre sofreu graves restrições na história jurídica e política brasileira. Antes de 1930 o princípio padecia em meio às próprias debilidades de todo o Direito do Trabalho, que sequer se estruturava como um ramo jurídico próprio e complexo. Em sua fase inicial de manifestações incipientes e esparsas, o futuro ramo justrabalhista ainda não possuía um conjunto sistemático de regras, princípios e institutos que assegurassem plena cidadania à atuação coletiva dos trabalhadores no país. Dominava a política institucional da República Velha, como se sabe, certa concepção liberal individualista que não encontrava justificativa para a regulação normativa do mercado de trabalho, nem espaço político para a absorção institucional dos movimentos sociais produzidos pelos trabalhadores dos incipientes segmentos industriais da época e de certos setores de serviços (ferroviário e portuário, principalmente). A inegável existência de sindicatos livres, no período, não chegou a formar uma tradição sólida de autonomia, seja pela incipiência do sistema industrial e do mercado de trabalho correspondente, seja pelo fato de que a autonomia fazia-se fora do direito, não se institucionalizando em um modelo jurídico bem definido e estruturado. A década de 1930 vê instaurar-se no Brasil, como se conhece, um sistema justrabalhista de estrutura e dinâmica autoritárias, sob direto e minucioso controle político e administrativo do Estado, nos moldes corporativistas, embebido do modelo fascista importado da Itália da época. Neste sistema, falar-se em princípio de autonomia sindical é simplesmente um contra-senso, uma vez que o caráter publicista dos sindicatos colocava-os sob a égide do Ministério do Trabalho, com poderes incontrastáveis de criação, extinção e intervenção cotidiana na vida de tais entidades. Mesmo após o fim da ditadura Vargas (1930-1945), o princípio da autonomia sindical não chegou a ser efetivamente incorporado na ordem jurídica brasileira (aliás, esta foi uma das singularidades da democracia brasileira pós-1945: mecanismos democráticos formais no plano político-institucional e estrutura corporativista centralizadora e autoritária no plano do mercado de trabalho). Assim, não obstante o princípio formalmente constasse do texto da Constituição subsequente à instauração do sistema trabalhista brasileiro tradicional (Carta de 1946) ele era inteiramente vazio de conteúdo já que esdruxulamente compatibilizado com as regras do corporativismo autoritário estabelecido. Com o advento do regime militar a estrutura corporativista sindical ajustou-se como luva às pretensões antidemocráticas do novo regime, preservando-seintocado nas duas Cartas Constitucionais então editadas (1967 e 1969 – EC nº 1). Somente a partir da Carta Magna de 1988 é que teria sentido sustentar-se que o princípio autonomista ganhou corpo na ordem jurídica do país. De fato, a nova Constituição eliminou o controle político-administrativo do Estado sobre a estrutura dos sindicatos, quer quanto à sua criação, quer quanto à sua gestão (art. 8º, I). Além disso, alargou as prerrogativas de atuação dessas entidades, seja em questões judiciais e administrativas (art. 8º, III), seja na negociação coletiva (art. 8º, VI, e 7º, XXVI), seja pela amplitude assegurada ao direito de greve (art. 9º). Entretanto, curiosamente, a mesma Constituição manteve traços relevantes do velho sistema corporativista do país. É o que se passa com a unicidade sindical (art. 8º, II), com o sistema de financiamento 11 compulsório e genérico de toda a estrutura, inclusive sua cúpula (art. 8º, IV), com o poder normativo dos tribunais trabalhistas e, finalmente, com os mecanismos de representação corporativa no seio do aparelho de Estado – no caso, através da chamada representação classista na Justiça do Trabalho. São estruturas e instrumentos que se chocam, afinal, de modo patente, segundo as experiências históricas vivenciadas por algumas das mais sedimentadas democracias ocidentais (como Itália e Alemanha, por exemplo), com o princípio da autonomia sindical. Embora um dos mais perversos desses traços tenha sido extirpado onze anos após a vigência da Carta Magna (a Emenda Constitucional nº 24, de dezembro de 1999, suprimiu a representação classista no corpo do Judiciário Trabalhista), as demais contradições permanecem, colocando em questão, mais uma vez, a plenitude do princípio da autonomia dos sindicatos na ordem jurídica e política do Brasil. 19.2.1.2 Princípios regentes das relações entre os seres coletivos trabalhistas O segundo grupo de princípios do Direito Coletivo do Trabalho reporta-se às próprias relações entre os sujeitos coletivos e aos processos consubstanciadores dessas relações. À medida que essas relações e processos se passam no cenário da negociação entre sindicatos obreiros e empregadores ou sindicatos representativos destes, tais princípios resultam em conformar, direta ou indiretamente, os próprios parâmetros da negociação coletiva trabalhista. Esse rol engloba, como visto, os princípios da interveniência sindical na normatização coletiva, da equivalência dos contratantes coletivos e, finalmente, da lealdade e transparência nas negociações coletivas. a. Princípio da interveniência sindical na normatização coletiva O princípio da interveniência sindical na normatização coletiva propõe que a validade do processo negocial coletivo submeta-se à necessária intervenção do ser coletivo institucionalizado obreiro – no caso brasileiro, o sindicato. Assumido pela Carta Constitucional de 1988 (art. 8º, III e VI, CF/88), o princípio visa assegurar a existência de efetiva equivalência entre os sujeitos contrapostos, evitando a negociação informal do empregador com grupos coletivos obreiros estruturados apenas de modo episódico, eventual, sem a força de uma institucionalização democrática como a propiciada pelo sindicato (com garantias especiais de emprego, transparência negocial, etc.). Em face de tal princípio não constitui, para o direito, negociação coletiva trabalhista qualquer fórmula de tratamento direto entre o empregador e seus empregados, ainda que se trate de fórmula formalmente democrática (um plebiscito intra-empresarial, por exemplo). Os poderes da autonomia privada coletiva, no direito brasileiro, passam necessariamente pelas entidades sindicais obreiras. Neste quadro, qualquer ajuste feito informalmente entre empregador e empregado terá caráter de mera cláusula contratual, sem o condão de instituir norma jurídica coletiva negociada. Na qualidade jurídica de mera cláusula contratual, este ajuste informal submete-se a todas as restrições postas pelo ramo justrabalhista às alterações do contrato de trabalho, inclusive o rigoroso princípio da inalterabilidade contratual lesiva. Apresente diretriz atua, pois, como verdadeiro princípio de resistência trabalhista. E corretamente, pois não pode a ordem jurídica conferir a particulares o poderoso veículo de criação de normas jurídicas (e não simples cláusulas contratuais) sem uma consistente garantia de que os interesses sociais mais amplos não estejam sendo adequadamente resguardados. E a presença e a atuação dos sindicatos têm sido consideradas na história do Direito do Trabalho uma das mais significativas garantias alcançadas pelos trabalhadores em suas relações com o poder empresarial. b. Princípio da equivalência dos contratantes coletivos O princípio da equivalência dos contratantes coletivos postula pelo reconhecimento de um estatuto sócio-jurídico semelhante a ambos os contratantes coletivos (o obreiro e o empresarial). Tal equivalência resulta de dois aspectos fundamentais: a natureza e os processos característicos aos seres coletivos trabalhistas. 12 Em primeiro lugar, de fato, os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho têm a mesma natureza, são todos seres coletivos. Há, como visto, o empregador que, isoladamente, já é um ser coletivo, por seu próprio caráter, independentemente de se agrupar em alguma associação sindical. É claro que pode também atuar através de sua entidade representativa; contudo, mesmo atuando de forma isolada, terá natureza e agirá como ser coletivo. No que tange aos trabalhadores sua face coletiva institucionalizada surge através de seus entes associativos; no caso brasileiro, os sindicatos. Os seres coletivos obreiros e empresariais têm, pois, a mesma natureza. O segundo aspecto essencial a fundamentar o presente princípio é a circunstância de contarem os dois seres contrapostos (até mesmo o ser coletivo obreiro) com instrumentos eficazes de atuação e pressão (e, portanto, negociação). Os instrumentos colocados à disposição do sujeito coletivo dos trabalhadores (garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidades de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, etc.) reduziriam, no plano juscoletivo, a disparidade lancinante que separa o trabalhador, como indivíduo, do empresário. Isso possibilitaria ao Direito Coletivo conferir tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas. Nessa linha, perderia sentido no Direito Coletivo do Trabalho a acentuada diretriz protecionista e intervencionista que tanto caracteriza o Direito Individual do Trabalho. É bem verdade que, no caso brasileiro, mais de dez anos após a Carta de 1988 ainda não se completou a transição para um Direito Coletivo pleno, equânime e eficaz – assecuratório de real equivalência entre os contratantes coletivos trabalhistas. É que, embora tenha a Constituição afirmado, pela primeira vez desde a década de 1930, de modo transparente, alguns dos princípios fundamentais do Direito Coletivo no país, não foi seguida, ainda, de uma Carta de Direitos Sindicais, que adequasse a velha legislação heterônoma às necessidades da real democratização do sistema trabalhista e da negociação coletiva. Veja-se, ilustrativamente, a esse respeito, o debate sobre a extensão da garantia de emprego de dirigentes sindicais. A superação, pelo art. 8º, CF/88, do velho critério do art. 522, CLT (que confere garantia apenas ao máximo de 7 diretores e três conselheiros fiscais eleitos, e respectivos suplentes) ainda não permitiu vislumbrar- se qual é, afinal, o novo critério protetivo surgido. É gritante a inadequação da tímida garantia do art. 522 ao largo espectro constitucional (e à sociedade complexa hoje existente no Brasil). Contudo, a ausência de um parâmetro alternativo claro (que evite também, ao reverso, o abuso do direito), tem inclinadoos tribunais à acomodação com o velho texto da CLT – o que frustra, obviamente, o princípio da efetiva equivalência entre os seres coletivos trabalhistas. Note-se, por outro lado, que ainda não se criaram fórmulas eficazes de representação obreira nas empresas, nem se estendeu, regra geral, a tais representantes ou delegados obreiros o manto protetivo da “estabilidade provisória”. Observe-se, por fim, a resistência do legislador executivo (através de medidas provisórias) em permitir o prevalecimento temporário das normas coletivas negociadas enquanto não celebrado novo acordo coletivo, convenção ou contrato coletivo do trabalho no contexto da respectiva categoria ou empresa. Todas essas (e outras) situações de lacunas ou imprecisões da legislação heterônoma trabalhista comprometem a real observância do princípio da equivalência dos contratantes coletivos trabalhistas. Contudo, é evidente que, tendo os princípios natureza de norma (ao menos, comando jurídico instigador concorrente), hão de ter também eficácia jurídica, isto é, aptidão para incidir, regendo, relações da vida humana – o que deverá ser apreendido pela evolução jurisprudencial ao longo do tempo7. c. Princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva O princípio da lealdade e transparência nas negociações coletivas vincula-se ao anteriormente examinado. Visa ele assegurar, inclusive, condições efetivas de concretização prática da equivalência teoricamente assumida entre os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho. 7 A concepção normativista concorrente dos princípios, que se tem tornado dominante nos mais modernos Direito Constitucional e Filosofia do Direito, por obra de autores célebres como Norberto Bobbio, Vezio Crisafulli, Jean Boulanger, Robert Alexy, Gomes Canotilho, Ronald Dworkin, Paulo Bonavides, e outros, está estudada no capítulo I da obra de Godinho, Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, São Paulo: LTr, 2001. 13 Há duas faces no princípio: lealdade e transparência. Ambas são premissas essenciais ao desenvolvimento democrático e eficaz do próprio processo negocial coletivo. Afinal, o Direito Coletivo objetiva formular normas jurídicas – e não apenas cláusulas contratuais –, razão por que a lealdade e o acesso a informações inscrevem-se no núcleo de sua dinâmica de evolução. A lisura na conduta negocial atinge qualquer das duas partes coletivas envolvidas. Não se pode aqui, regra geral, invocar o princípio tutelar (próprio ao Direito Individual) para negar validade a certo dispositivo ou diploma anteriormente celebrado na negociação coletiva – as partes são teoricamente equivalentes (ao contrário do que ocorre no ramo justrabalhista individual). Em derivação ao princípio da lealdade e boa fé na negociação coletiva (outra denominação do princípio) não seria válida a greve em período de vigência de diploma coletivo negociado, em vista da pacificação traduzida por esse próprio diploma. É claro que uma mudança substantiva nas condições fáticas vivenciadas pela categoria poderia trazer a seu alcance a exceção da cláusula rebus sic stantibus. Porém o simples inadimplemento pelo empregador no tocante ao conteúdo do diploma coletivo negociado não justifica greve, por existir no ordenamento jurídico a correspondente ação judicial de cumprimento8. A noção de transparência é também de grande importância no conteúdo desse princípio (podendo, inclusive, ser inferida da simples ideia de lealdade e boa fé). É evidente que a responsabilidade social de se produzirem normas (e não meras cláusulas) conduz à necessidade de clareza quanto às condições subjetivas e objetivas envolvidas na negociação. Não se trata aqui de singela pactuação de negócio jurídico entre indivíduos, onde a privacidade prepondera; trata-se de negócio jurídico coletivo, no exercício da chamada autonomia privada coletiva, dirigida a produzir universos normativos regentes de importantes comunidades humanas. A transparência aqui pertinente é, sem dúvida, maior do que a que cerca negócios jurídicos estritamente individuais. Por isso, aqui é mais largo o acesso a informações adequadas à formulação de normas compatíveis ao segmento social envolvido. 19.2.1.3 Princípios regentes das relações entre normas coletivas negociadas e normas estatais O terceiro grupo de princípios do Direito Coletivo dirige-se às relações e efeitos das normas coletivas negociadas perante a comunidade e universo jurídicos em que atuam. Ou seja, o potencial criativo das normas provindas da negociação coletiva e seu relacionamento hierárquico com o estuário heterônomo do Direito do Trabalho. São princípios que informam, portanto, os resultados normativos do processo negocial coletivo, fixando diretrizes quanto à sua validade e extensão. Em síntese, tratam das relações e efeitos entre as normas produzidas pelo Direito Coletivo – através da negociação coletiva – e as normas heterônomas tradicionais do próprio Direito Individual do Trabalho. Este conjunto reúne princípios como o da criatividade jurídica da negociação coletiva e o princípio da adequação setorial negociada. a. Princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva O princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva traduz a noção de que os processos negociais coletivos e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal. Tal princípio, na verdade, consubstancia a própria justificativa de existência do Direito Coletivo do Trabalho. A criação de normas jurídicas pelos atores coletivos componentes de uma dada comunidade econômico- profissional realiza o princípio democrático de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades localizadas. A antítese ao Direito Coletivo é a inibição absoluta ao processo negocial coletivo e à 8 Lei 8.984, de 07.02.1995. Nesta linha Orientação Jurisprudencial nº 01 da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho. 14 autonormatização social, conforme foi tão característico ao modelo de normatização subordinada estatal que prevaleceu nas experiências corporativistas e fascistas europeias da primeira metade do século XX.22 No Brasil, a tradição justrabalhista sempre tendeu a mitigar o papel do Direito Coletivo do Trabalho, denegando, inclusive, as prerrogativas mínimas de liberdade associativa e sindical e de autonomia sindical aos trabalhadores e suas organizações. Com a Carta de 1988 é que esse processo começou a se inverter, conforme se observam de distintos dispositivos da Constituição (ilustrativamente, art. 7º, VI e XIII; art. 8º, I, III, VI; art. 9º). Na análise desse princípio é pertinente retomar-se importante diferenciação – às vezes não suficientemente ponderada na doutrina: a que separa norma jurídica de cláusula contratual. Na obra Introdução ao Direito do Trabalho9 de Godinho está ressaltado não ser meramente acadêmica a distinção, mas fundamental: [...] é que o direito confere efeitos distintos às normas (componentes das fontes jurídicas formais) e às cláusulas (componentes dos contratos). Basta indicar que as normas não aderem permanentemente à relação jurídica pactuada entre as partes (podendo, pois, ser revogadas – extirpando-se, a contar de então, do mundo jurídico). Em contraponto a isso, as cláusulas contratuais sujeitam-se a um efeito adesivo permanente nos contratos, não podendo, pois, ser suprimidas pela vontade que as instituiu. A ordem jurídica confere poder revocatório essencialmente às normas jurídicas e não às cláusulas contratuais. Trata-se,afinal, de poder político-jurídico de notável relevância, já que as normas podem suprimir do mundo fático- jurídico até as cláusulas (além das próprias normas precedentes, é claro), ao passo que o inverso não ocorre (excetuada a prevalência de vantagem trabalhista superior criada pela vontade privada no contrato). No mesmo texto, acerca do contrato (assim como figuras a ele equiparadas pela jurisprudência trabalhista, a saber, o regulamento empresarial): o contrato de fato [...] não se qualifica como diploma instituidor de atos-regra, de comandos abstratos, gerais, impessoais; ao contrário, compõe-se de cláusulas concretas, específicas e pessoais, envolvendo apenas as partes contratantes. Não se configura, assim, como fonte de normas jurídicas, mas como fonte de obrigações e direitos específicos, concretos e pessoais, com abrangência a seus contratantes. Desse modo, a negociação coletiva trabalhista, processada com a participação do sindicato de trabalhadores, tem esse singular poder de produzir normas jurídicas, e não simples cláusulas contratuais (ao contrário do que, em geral, o direito autoriza a agentes particulares). Evidentemente que cabe se debater sobre a harmonização de tais normas coletivas negociadas ao conjunto da normatividade estatal trabalhista – o que será tratado pelo princípio a seguir disposto, da adequação setorial negociada. b. Princípio da adequação setorial negociada Este princípio trata das possibilidades e limites jurídicos da negociação coletiva. Ou seja, os critérios de harmonização entre as normas jurídicas oriundas da negociação coletiva (através da consumação do princípio de sua criatividade jurídica) e as normas jurídicas provenientes da legislação heterônoma estatal. É princípio novo na história justrabalhista do país exatamente porque apenas nos últimos anos (a contar da Carta de 1988) é que surgiu a possibilidade de ocorrência dos problemas por ele enfrentados. Embora ainda não universalizado na doutrina, deriva ele do critério geral interpretativo que se tem percebido na prática dos tribunais do país quando enfrentando o dilema das relações entre normas trabalhistas negociadas e a normatividade heterônoma do Estado. 9 DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 2. ed., São Paulo: LTr, 1999. p. 131-132. 15 De fato, um dos pontos centrais de inter-relação entre o Direito Coletivo e o Direito Individual do Trabalho reside na fórmula de penetração e harmonização das normas juscoletivas negociadas perante o estuário normativo heterônomo clássico ao Direito Individual do Trabalho. Reside, em síntese, na pesquisa e aferição sobre os critérios de validade jurídica e extensão de eficácia das normas oriundas de convenção, acordo ou contrato coletivo do trabalho em face da legislação estatal imperativa que tanto demarca o ramo justrabalhista individual especializado. Em que medida as normas juscoletivas podem se contrapor às normas jusindividuais imperativas estatais existentes? Desse dilema é que trata o que denominamos princípio da adequação setorial negociada – configurado, por essa razão, como o princípio de Direito Coletivo que mais de perto atua e influencia a dinâmica específica ao Direito Individual do Trabalho. Pelo princípio da adequação setorial negociada as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). No primeiro caso especificado (quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável), as normas autônomas elevam o patamar setorial de direitos trabalhistas, em comparação com o padrão geral imperativo existente. Assim o fazendo, não afrontam sequer o princípio da indisponibilidade de direitos que é inerente ao Direito Individual do Trabalho. Já no segundo caso (quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa – e não de indisponibilidade absoluta) o princípio da indisponibilidade de direitos é realmente afrontado, mas de modo a atingir somente parcelas de indisponibilidade relativa. Estas assim se qualificam quer pela natureza própria à parcela mesma (ilustrativamente, modalidade de pagamento salarial, tipo de jornada pactuada, fornecimento ou não de utilidades e suas repercussões no contrato, etc.), quer pela existência de expresso permissivo jurídico heterônomo a seu respeito (por exemplo, montante salarial: art. 7º, VI, CF/88; ou montante de jornada: art. 7º, XIII e XIV, CF/88). São amplas, portanto, as possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, à luz do princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, está também claro que essas possibilidades não são plenas e irrefreáveis. Há limites objetivos à adequação setorial negociada; limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista. Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negocial coletivo falece poderes de renúncia sobre direitos de terceiros (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas. Também não prevalece a adequação setorial negociada se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico- profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III, e 170, caput, CF/88). Expressam, ilustrativamente, essas parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação de CTPS, o pagamento do salário mínimo, as normas de medicina e segurança do trabalho. No caso brasileiro, esse patamar civilizatório mínimo está dado, essencialmente, por três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, §2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais 16 infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.). 19.3 Direito Sindical e Organização Sindical As crises que levaram ao desaparecimento das corporações de ofício, que eram uma forma de reunião dos trabalhadores objetivando melhores condições da vida, acabaram por propiciaro surgimento dos sindicatos, que nasceram como um órgão de luta de classes. É o direito dos trabalhadores e empregadores de se organizarem e constituírem agremiações, sem que sofram qualquer interferência ou intervenção do Estado, visando a promoção de seus interesses ou dos grupos que irão representar. Essa liberdade compreende também o direito de ingressar e de se retirar dos sindicatos. 19.3.1 Organização sindical no Brasil O Decreto nº 19.770/31, baixado durante a revolução de 1930, estabeleceu a distinção entre sindicato de empregados e de empregadores. Foi instituído o sindicato único para cada profissão numa mesma região, e deveria ser reconhecido pelo Ministério do Trabalho. A CF/88, dispõe no seu artigo 8° que: "É livre a associação profissional ou sindical; estabelece também que é proibida a criação de mais de um sindicato de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que não pode ser inferior à área de um município. O Poder Público não poderá intervir ou interferir na organização sindical”. 19.3.2 Entidades Sindicais Sindicatos - são associações de pessoas físicas ou jurídicas instituídas para protegerem os interesses profissionais dos que as integram. O sindicato é uma pessoa jurídica, sujeito de direitos e deveres. Federações - são entidades sindicais de grau superior organizadas nos Estados. Poderão ser constituídas desde que congreguem número não inferior a cinco sindicatos, representando a maioria de um grupo de atividades ou profissões agrupadas. Confederações são entidades sindicais de âmbito nacional. São constituídas de no mínimo três federações, tendo sede em Brasília. São formadas por ramos de atividades, como por exemplo: Confederação Nacional da Indústria, Confederação Nacional do Comércio, etc ... 19.3.3 Prerrogativas dos Sindicatos O sindicato exerce função de representação negocial, econômica e assistencial, além de ter receitas financeiras. a) representar, perante autoridades administrativas e judiciárias, os interesses gerais, coletivos ou individuais, da categoria. b) Celebrar convenções coletivas de trabalho. c) Eleger ou designar os representantes de sua categoria, sempre que necessário. d) Atuar como órgão técnico ou consultivo, colaborando com o Estado no estudo ou solução dos problemas da categoria que representa. e) Impor contribuição a todos os participantes da categoria que representa. f) Fundar e manter agências de colocação, como forma de colaborar com os problemas dos desempregados. 17 19.3.4 Contribuição Sindical Uma das fontes de receita dos sindicatos é a contribuição sindical, que corresponde ao valor pago, obrigatório por lei, por todos aqueles ligados a determinada categoria profissional ou econômica, independentemente de ser associado ou não ao sindicato que o representa. Conta ainda com a contribuição confederativa ( para financiar os sindicatos e as confederações), tem percentual descontado sobre o salário e periodicidade fixados em assembléia da categoria. Contribuição assistencial ( criada para custear as despesas do sindicato com assistência social ao associado), pode ser imposta por acordo coletivo de trabalho. O sindicato possui, ainda, outras receitas, como: bens e valores adquiridos, doações e legados e as multas. 19.3.5 Divisão da Arrecadação Do valor arrecadado com a contribuição sindical: 5% para a confederação correspondente 15% para a federação 60% para o sindicato respectivo 20% para a "conta especial emprego e salário" Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical ou profissional, até um ano após o final de seu mandato, (inclusive como suplente). 19.4. Instrumentos normativos. 19.4.1 Convenção coletiva de trabalho. Conceito: "Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representantes de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho." Art. 611 CLT Recomendação 91 da OIT. Todo acordo escrito relativo às condições de trabalho e de emprego, celebrado entre um empregador, um grupo de empregadores, de um lado, e, de outro, uma ou várias organizações representativas de trabalhadores, ou, na falta dessas organizações, representantes dos trabalhadores interessados por eles devidamente eleitos e credenciados, de acordo com a legislação nacional. É um acordo de caráter normativo e obrigacional. Normativo porque as estipulações pactuadas têm natureza jurídica de norma, refletindo sobre os contratos individuais de trabalho; e obrigacional porque também contém cláusulas meramente obrigacionais, criando direitos e deveres para os signatários do instrumento normativo. 19.4.2 Acordo coletivo de trabalho Conceito: ”É facultado aos Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho". Art. 611, § 1º, CLT. O acordo coletivo de trabalho difere da convenção apenas no concernente as partes celebrantes, enquanto nesta os dois pólos são ocupados por organizações sindicais, naquele um dos lados é freqüentado por uma 18 empresa ou grupo de empresas. Sendo assim, a referência alusiva à convenção também servirá para o acordo coletivo de trabalho. 19.4.3 Contrato coletivo de trabalho Existe em outros ordenamentos jurídicos e geralmente envolve diferentes categorias profissionais e econômicas, fruto de um triálogo, tendo como interlocutores as centrais sindicais de patrões, empregados e o governo. O art. 1º da revogada Lei n° 8.542, de 23 de dezembro de 1992, previa os contratos coletivos de trabalho como fonte formal de direito do trabalho, juntamente com as convenções e acordos coletivos, porém não especificava os detalhes que distinguiria essa espécie de instrumento normativo daqueles outros já conhecidos no nosso meio. 19.4.4 Natureza jurídica da convenção coletiva de trabalho. Teorias contratualistas ou civilistas. a) teoria do mandato. b) teoria da estipulação em favor de terceiros. c) teoria da gestão de negócios. d) teoria da personalidade moral fictícia. Teorias normativas, regulamentares ou publicistas. a) teoria institucional. b) teoria do ato-união. c) teoria normativista. d) teoria da instituição corporativa. e) teoria da lei delegada. Teoria mistas, híbrida ou de transição. a) teoria da representação legal. b) teoria do pacto social. c) teoria da solidariedade necessária. d) teoria do uso ou costume industrial. A doutrina prevalecente é no sentido de ter a convenção coletiva de trabalho uma natureza dual: é contrato e lei. 19.4.5 Partes da convenção ou acordo coletivo de trabalho. Regra geral as convenções e acordos coletivos não podem ser celebrados sem a participação do sindicato profissional, que representará a categoria profissional - Art. 8°, VI, da C.F. Têm legitimidade para celebração do instrumento coletivo de trabalho: a)sindicatos de empregados; b)sindicatos de empregadores; 19 c)empresas d) comissão de trabalhadores – art. 617 CLT As Federações e, na falta destas, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de suas representações. Os empregadosde uma ou mais empresas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas empresas darão ciência de sua resolução, por escrito ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas empresas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica. Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado esse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final. Para o fim de deliberar sobre o Acordo, a entidade sindical convocará Assembleia Geral dos diretamente interessados, sindicalizados ou não, nos termos do Art. 612. Reputo importante frisar que a recusa motivada do sindicato em aceitar os termos do acordo pretendido pelos empregados e respectivo empregador não equivale a não assunção do encargo de defender a categoria autorizadora da negociação direta entre os trabalhadores e a empresa. No caso de recusa motivada do sindicato, não haverá acordo coletivo, uma vez que a Constituição Federal exige a participação obrigatória do sindicato na negociação coletiva, artigo 8°, VI. Todavia, se após a livre manifestação de vontade dos interessados, colhida em assembleia válida, a diretoria do sindicato, sem justo motivo, recusar-se a celebrar o acordo nos termos definidos pela assembleia, os trabalhadores poderão celebrar o acordo diretamente com o empregador e ajuizar dissídio coletivo de natureza jurídica pedindo a declaração de legalidade do acordo. Outra solução seria o dissídio coletivo de natureza jurídica pedindo ao juiz para autorizar o acordo independentemente da vontade do sindicato, pois o sindicato estaria atuando com abuso de direito, o que é repelido por nosso sistema jurídico. 19.4.6 Conteúdo da convenção coletiva. Segundo o artigo 613 da CLT, as Convenções e os Acordos deverão conter obrigatoriamente: I - designação dos Sindicatos convenentes ou dos Sindicatos e empresas acordantes; II - prazo de vigência; III - categorias ou classes de trabalhadores abrangidas pelos respectivos dispositivos; IV - condições ajustadas para reger as relações individuais de trabalho durante sua vigência; V - normas para a conciliação das divergências surgidas entre os convenentes por motivos da aplicação de seus dispositivos; VI - disposições sobre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de seus dispositivos; VII - direitos e deveres dos empregados e empresas; VIII - penalidades para os Sindicatos convenentes, os empregados e as empresas em caso de violação de seus dispositivos. Nos termos do artigo 623, da CLT, será nula de pleno direito disposição de Convenção ou Acordo que, direta ou indiretamente, contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômico-financeira do Governo ou concernente à política salarial vigente, não produzindo quaisquer efeitos perante autoridades e repartições públicas, inclusive para fins de revisão de preços e tarifas de mercadorias e serviços. A nulidade será declarada, de ofício ou mediante representação, pela Justiça do Trabalho, em processo submetido ao seu julgamento. Vide artigo 83, da LC nº 73/95. 20 19.4.6.1 - Flexibilização do direito do trabalho: Relativamente ao Direito Coletivo do Trabalho, um dos mais importantes permissivos inseridos no texto da CF/88, foi o reconhecimento da convenção e do acordo coletivo como fontes de direitos trabalhistas e como instrumento de flexibilização da legislação respectiva, adequando-a às peculiaridades das condições de trabalho das partes envolvidas na negociação coletiva ou às situações conjunturais do momento econômico vivido. Ver artigo 7º, VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção; XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva. XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. Partindo do princípio de quem pode o mais pode o menos e que o artigo 7º, inciso VI, da Carta da República, admite a redução de salários mediante convenção ou acordo coletivo e também que os incisos XIII e XIV desse mesmo dispositivo constitucional permite a flexibilização da jornada de trabalho via negociação coletiva, tenho os sindicatos profissionais podem negociar todos benefícios dos trabalhadores de caráter pecuniário, mesmo que previsto em lei. Não se incluem nos limites do poder negocial dos sindicatos a flexibilização para pior as normas de medicina e segurança do trabalho, pois a vida e a saúde do trabalhador são direitos indisponíveis, bem como a sua dignidade. Portanto, o conteúdo de convenção ou acordo coletivo flexibilizando normas de medicina e segurança do trabalho para pior ou que atente contra a dignidade dos trabalhadores, como por exemplo a permissão para revista íntima, será nulo de pleno direito, mesmo que expresse a real vontade dos trabalhadores, porque a lei os protege contra a sua ganância ou necessidades. Em definitivo: a saúde, a vida e a dignidade dos trabalhadores não estão na esfera de disponibilidade deles, logo também não estarão dentro do limite negocial dos sindicatos. Registro que o Colendo Tribunal do Trabalho tem posição até mais rigorosa que a minha, não admitindo a prevalência de acordo sobre legislação vigente, quando ele é menos benéfico do que a própria lei, porquanto o caráter imperativo dessa última restringe o campo de atuação da vontade das partes. Vide OJ/SDC nº 30 e nº 31. 19.4.7 Forma, registro e publicidade As Convenções e os Acordos serão celebrados por escrito, sem emendas nem rasuras, em tantas vias quantos forem os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes, além de uma destinada a registro. Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho, nos demais casos. As Convenções e os Acordos entrarão em vigor 3 dias após a data da entrega dos mesmos no órgão competente para o registro. Cópias autênticas das Convenções e dos Acordos deverão ser afixadas de modo visível, pelos Sindicatos convenentes, nas respectivas sedes e nos estabelecimentos das empresas compreendidas no seu campo de aplicação, dentro de 5 (cinco) dias da data do depósito no órgão competente. Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo superior a 2 anos. 19.4.8 Eficácia da convenção coletiva no tempo e no espaço: Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito. As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo. Os empregados e as empresas que celebrarem contratos individuais de trabalho, estabelecendo condições contrárias ao que tiver sido ajustado em Convenção ou Acordo que lhes for aplicável, serão passíveis da multa neles fixada. SDI I nº 55. NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA. Inserido em 25/11/1996 Empregado
Compartilhar