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Tema III Orçamentos e Sistemas de Informação sobre a Administração Financeira Pública A Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público: os parâmetros, desafios e benefícios de sua implementação no Brasil Orçamentos e Sistemas de Informação sobre a Administração Financeira Pública – Terceiro Lugar Leonardo Silveira do Nascimento* * Especialista em Gestão Orçamentária e Financeira do Setor Público pelo Instituto de Cooperação e Assistência Técnica do Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF); mestrando em Contabilidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Agradecimentos À minha amada esposa que me ajudou a conquistar mais esta vitória. Resumo O presente trabalho tem como objetivo subsidiar o processo de harmonização contábil deflagrado no Brasil, com a adoção das Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NICSP). Estas trazem, para o âmbito do setor público, os princípios contábeis e as práticas geralmente aceitas, consubstanciadas na denominada Contabilidade Patrimonial Integral (em inglês, full accrual accounting). Para alcançar esse objetivo, primeiramente, há a análise dos parâmetros que devem ser observados, representados por normas e demandas de informações de usuários da informação contábil. Em seguida, há o levantamento dos problemas a serem enfrentados no processo de adoção da Contabilidade Patrimonial Integral, bem como as respectivas propostas de soluções. E, finalmente, são expostos os benefícios da adoção das novas regras, comparando- se as informações contábeis fornecidas pelos demonstrativos confeccionados nos moldes atuais e os que deveriam ser divulgados com a adoção do regime. Palavras-chave: Conceito de receita e despesa pública. Contabilidade governamental. Princípios contábeis. Regime de competência. Normas Internacionais de Contabilidade do Setor Público. Sumário 1 Introdução, 7 2 ConCeItuação e ImplICações da ContabIlIdade patrImonIal Integral, 8 2.1 Os princípios contábeis da competência e da oportunidade, 8 2.2 Os outros regimes contábeis existentes, 10 2.3 A Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público, 11 2.4 Registro das receitas públicas segundo o regime de competência, 12 2.5 Registro das despesas públicas segundo o regime de competência, 16 2.6 Registro do patrimônio público na Contabilidade Patrimonial Integral, 17 3 as prátICas ContábeIs vIgentes e os desafIos da Implementação da ContabIlIdade patrImonIal Integral no brasIl, 28 3.1 Visão geral das práticas contábeis vigentes, 28 3.2 Estudo comparativo, ajustes e correção de distorções nas informações geradas, 31 3.2.1 Reflexos na apuração do resultado do exercício, 31 3.2.1.1 Receitas públicas, 32 3.2.1.2 Despesas públicas, 36 3.2.1.3 Resultado do exercício segundo a Contabilidade Patrimonial Integral, 38 3.2.1.4 Reflexos no patrimônio, 39 3.2.1.4.1 Ativo circulante e passivo circulante, 40 3.2.1.4.2 Ativo não circulante e passivo não circulante, 42 3.2.1.4.3 Patrimônio líquido, 45 3.2.1.4.4 Balanço patrimonial segundo a Contabilidade Patrimonial Integral, 45 3.3 Possíveis obstáculos, condições e procedimentos necessários para a transição, 46 3.3.1 Mudanças na Gestão (MG), 47 3.3.2 Suporte Político e Burocrático (SPB), 48 3.3.3 Suporte Acadêmico e Profissional (SAP), 48 3.3.4 Estratégias de Comunicação (EC), 48 3.3.5 Condições para a Mudança (CM), 49 3.3.6 Consulta e Coordenação (CC), 49 3.3.7 Levantamento dos Custos de Implementação (LCI), 49 3.3.8 Normas Contábeis Específicas (NCE), 50 3.3.9 Capacitação em Tecnologia da Informação (CTI), 50 4 ConsIderações fInaIs, 51 referênCIas, 54 Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 7 1 Introdução O setor público em todo o mundo está passando por significativas mudanças em anos recentes. As demandas dos cidadãos por uma melhor prestação dos servi- ços públicos por parte dos governos, associados à diminuição da carga tributária, têm elevado a atenção dos gestores públicos à atividade financeira do Estado, sob o ponto de vista da transparência, da economicidade, da eficiência e da eficácia. Como resultado das mudanças, os governos estão cada vez mais voltados aos modelos de gestão do setor privado, em vez de insistir nas tradicionais, e muitas vezes ultrapassadas, abordagens da Administração Pública. As mudanças observadas na gestão pública fazem parte de um processo de- nominado Nova Gestão Pública ou Nova Administração Pública que, em inglês, é conhecida como New Public Management (NPM). A abordagem do NPM, no que se refere à gestão financeira pública tem como diretrizes: a) foco nos rendimentos e resultados e não nos insumos; b) fixação de parâmetros de desempenho em uma espécie de acordo entre os dife- rentes níveis da gestão pública; c) aumento da responsabilidade atribuída aos gestores no que se refere ao desem- penho do setor público; d) mudança para a Contabilidade Patrimonial Integral (full accrual accounting), com vistas a obter uma informação financeira mais abrangente e confiável do patrimônio público, em que as receitas e as despesas são alocadas segundo as metas de desempe- nho governamental e não somente segundo os orçamentos previamente aprovados e no qual há o registro de todos os itens que compõem o patrimônio público. O objetivo principal deste trabalho é o estudo da Contabilidade Patrimonial Integral aplicada ao Setor Público, com a exposição dos parâmetros que devem ser seguidos em sua implementação, a demonstração dos desafios a serem enfrentados, bem como os benefícios gerados na incipiente transição da Administração Pública brasileira aos preceitos do NPM. Os parâmetros a serem seguidos na implementação da Contabilidade Patri- monial Integral encontram-se, basicamente, nas Normas Internacionais de Conta- bilidade do Setor Público (NICSP), emitidas pelo órgão normatizador internacional denominado International Federation of Accountants (Ifac). Além disso, os postu- lados, as convenções e os princípios contábeis devem ser levados em consideração, assim como a experiência de outros países que migraram para este modelo. A Federação Internacional dos Contadores ou Ifac foi criada em 1977. Em 2000, com a criação do Comitê do Setor Público em sua estrutura, começaram a ser editadas as NICSP com base nas normas de contabilidade para o setor priva- Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 20088 do emitidas por outro órgão normatizador: o International Accounting Standards Board (Iasb). As NICSP são as únicas normas internacionais voltadas especifica- mente para a contabilidade do setor público ou contabilidade governamental. Além das NICSP, devem ser levados em consideração os parâmetros do Manual de Estatísticas de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional (MEFP) 2001 (em inglês: Government Finance Statistics Manual ou GFSM 2001), cujo objetivo é semelhante: padronizar as informações visando à comparação das finanças dos países. No entanto, as diretrizes do MEFP 2001 estão voltadas para as estatísticas de finanças públicas e não especificamente para a contabilidade do setor público, embora exerçam certa influência sobre as informações contábeis. O presente trabalho ganhou ainda mais importância com a edição da Portaria no184, de 25 de agosto de 2008, editada pelo Ministério da Fazenda (MF), que dispõe sobre as diretrizes a serem observadas no setor público quanto aos procedimentos, práti- cas, elaboração e divulgação das demonstrações contábeis, para torná-los convergentes com as Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público. Nareferida portaria, há uma determinação à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão central de Contabilidade da União, de que identifique as necessidades de convergência às NICSP e adote as ações necessárias para a adaptação dos pre- ceitos da Contabilidade Pública brasileira às normas. No escopo deste trabalho, para o levantamento dos desafios a serem enfren- tados na transição para a Contabilidade Patrimonial Integral, são feitos estudos comparativos das práticas vigentes no Brasil com as de outros países, associados à discussão de outras questões, tais como: as barreiras legais, operacionais e técnicas. Para cada um dos desafios, são propostas soluções pautadas na experiência interna- cional na adoção do regime, devidamente adaptadas à realidade brasileira. E, por fim, o trabalho apresenta os benefícios a serem gerados, oriundos da adoção da Contabilidade Patrimonial Integral, para a gestão governamental brasi- leira à luz das diretrizes do NPM. 2 Conceituação e implicações da Contabilidade Patrimonial Integral 2.1 Os princípios contábeis da competência e da oportunidade Os princípios são os elementos basilares de qualquer ciência, pois representam um núcleo central, do qual derivam as regras básicas e os pressupostos que devem ser seguidos por qualquer nova teoria ou aplicação prática relacionadas à própria ciência. A ciência contábil, apesar de apresentar diversas subdivisões para atender demandas de informações específicas (contabilidade financeira, pública, previdenciária, tributária etc.), deve ser considerada como uma só e seus princípios devem ser sempre observados em qualquer uma dessas subdivisões, o que nem sempre ocorre na prática. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 9 Dentre os princípios fundamentais de contabilidade, há o chamado “princípio da realização da receita e da confrontação das despesas” (em inglês, matching prin- ciple) ou, simplesmente, “princípio da competência”. A Resolução no 750/1993, emitida pelo Conselho Federal de Contabilidade – a qual incorporou conceitos mundialmente difundidos, define o princípio da com- petência, como sendo aquele em que as receitas e as despesas devem ser incluídas na apuração do resultado de uma entidade no período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento. Segundo o apêndice I da Resolução CFC nº750/1993, “a competência é o Prin- cípio que estabelece quando um componente deixa de integrar o patrimônio, para transformar-se em elemento modificador do Patrimônio Líquido”. Depreende-se des- sa afirmação que o princípio da competência está relacionado aos critérios de reco- nhecimento das receitas e das despesas, que ocasionam as variações patrimoniais. O reconhecimento das receitas e das despesas deve observar, necessariamen- te, determinado critério. De acordo com o critério adotado, o resultado (confronto entre as receitas e despesas) de um exercício poderá apresentar valores diferentes. O princípio da competência define que o regime de competência é o critério que irá refletir, de maneira mais adequada, o reflexo econômico de uma transação no resultado do exercício, pois é o regime que reconhece as receitas e despesas independentemente da entrada ou da saída de recursos financeiros no caixa de uma determinada entidade. Corroborando esse entendimento, nota-se que o princípio da competên- cia decorre de um outro princípio, que também foi definido pela Resolução CFC no 750/93: o princípio da oportunidade. O princípio da oportunidade refere-se à tempestividade e à integridade do registro do patrimônio e suas mutações, determinando que este seja feito de ime- diato e com a extensão correta, independentemente das causas que as originaram. Como consequência deste princípio tem-se que, desde que tecnicamente estimável, o registro das variações patrimoniais deve ser feito mesmo na hipótese de somente existir razoável certeza de sua ocorrência. A razoável certeza da ocorrência de uma variação patrimonial já deve ensejar o reconhecimento de uma receita ou despesa, independente de movimentação no fluxo de caixa da entidade. Por exemplo, uma entidade está consumindo energia elétrica durante um de- terminado mês. Isto, por si só, pelo princípio da oportunidade, já deve originar um registro contábil de uma despesa, uma vez que há o consumo do serviço, e o desem- bolso futuro é quase certo, pois a fruição do serviço gera uma obrigação inescusável à entidade. Nesse contexto, o apêndice I da Resolução CFC no 750/93 muito bem assevera que: Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200810 Observa-se que o Princípio da Competência não está relacionado com recebimentos ou pagamentos, mas com o reconhecimento de receitas geradas e das despesas incorridas no período. Mesmo com desvinculação temporal das receitas e das despesas, respectivamente do recebimento e do desembolso a longo prazo, ocorre a equalização entre os valores do resultado contábil, e o fluxo de caixa derivado das receitas e despesas, em razão dos princípios referentes à avaliação dos componentes patrimoniais. Portanto, vê-se que o princípio da competência afirma a adoção do critério do regime de competência para a apuração do resultado econômico de determinado período. O princípio determina que o momento de reconhecimento das alterações no ativo ou no passivo, das quais resultam em aumento ou diminuição no patrimô- nio líquido, coincide com a ocorrência do fato gerador e não quando há entrada ou saída nas disponibilidades da entidade. Na Contabilidade Patrimonial Integral, nos moldes estabelecidos pela doutri- na e pelas NICSP, há a total observância dos princípios contábeis da competência e da oportunidade. 2.2 Os outros regimes contábeis existentes Além do regime de competência, adotado pela Contabilidade Patrimonial In- tegral no Setor Público, existem outros regimes de apuração do resultado consagra- dos pela doutrina estrangeira (VAN DER HOECK, 2005): o regime de caixa (cash basis), o regime de caixa modificado (modified cash basis) e o regime de competên- cia modificado (modified accrual basis). Segundo o regime de caixa, as receitas são reconhecidas, única e exclusivamen- te, quando da entrada em caixa do recurso recebido em contrapartida à troca de um elemento patrimonial. As despesas, por sua vez, são reconhecidas somente quando há um desembolso em contrapartida à ocorrência do fato gerador da despesa. O regime de caixa está totalmente relacionado ao fluxo de caixa da entidade, de modo que o resultado do exercício reflete o acréscimo ou decréscimo nas dispo- nibilidades durante certo período de tempo. Uma das limitações do regime de caixa é justamente a de não antever uma futura receita a auferir ou uma despesa que a entidade deverá incorrer. A entidade só registrará o fato contábil no momento em que ocorrer o efetivo recebimento ou o desembolso, estando sujeita a surpresas no gerenciamento dos recursos e dificultando projeções. Além disso, na maioria dos sistemas de informações que utilizam o regime de caixa, não há o registro de fluxos de recursos não monetários (patrimoniais). O regime de caixa modificado reconhece as transações segundo as regras do regime de caixa durante o exercício e, somente no final do exercício, reconhece as contas a pagar e a receber. O regime de competência modificado registra as despesas quando os recursos adquiridos (que foram os objetos das despesas) são recebidos e as receitas quando as mesmas são mensuráveis dentro do exercício. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 11 2.3 A ContabilidadePatrimonial Integral no Setor Público A Contabilidade Patrimonial Integral (em inglês: full accrual accounting) aplicável ao setor público, é uma nomenclatura mais utilizada na literatura estran- geira, nas NICSP do Ifac, no MEFP 2001 do Fundo Monetário Internacional (FMI) e nas normas contábeis do setor público de países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, além do Reino Unido. A tradução e interpretação do termo full accrual accounting gera algumas discussões, pois alguns consideram que o correto é entender a expressão como con- tabilidade sob o regime de competência. A palavra da língua inglesa accrual, em português, significa acréscimo, in- cremento ou aumento1. Portanto, o termo full accrual accounting, em que full sig- nifica integral e accounting significa contabilidade, pode-se ser interpretado como contabilidade de ganhos ou contabilidade incremental. O ganho ou incremento em questão se deve à informação mais abrangente que este modelo contábil fornece em relação aos demais, com a aplicação dos princípios contábeis (principalmente os princípios da competência e da oportunidade) e do registro integral do patrimônio sob o método das partidas dobradas. Na literatura estrangeira, existe o termo em inglês full accrual basis que possui o seu correspondente consagrado na literatura nacional como “regime de competência”. No entanto, o modelo da Contabilidade Patrimonial Integral (full accrual accounting) abrange a adoção do regime de competência, mas não se limita a esta última. A Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público vai além do reconhe- cimento de receitas e despesas sob o regime de competência. Ela busca expandir o alcance dos registros contábeis, por exemplo, aos bens públicos de qualquer na- tureza, aos ativos intangíveis, considerando os respectivos ajustes de depreciação, amortização e exaustão. A Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público abrange o registro contábil, pelo tradicional método das partidas dobradas, de todos os elementos patrimoniais e do impacto econômico de quaisquer alterações na composição desses elementos, no tempo e na extensão corretos, trazendo para o setor público a aplicação concreta dos princípios contábeis da competência e da oportunidade. A NICSP 1 do Ifac estabelece que, na Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público, as transações e outros eventos econômicos são reconhecidos quando ocorrem (e não quando as disponibilidades de caixa são recebidas ou desembolsadas). Então, essas transações e eventos são registrados contabilmente e devem constar nas demonstrações financeiras dos períodos a que se referem. Os elementos reconhecidos são: ativos, passivos, patrimônio líquido, receitas e despesas (IFAC, 2006). O MEFP 2001 do Fundo Monetário Internacional, apesar de recomendar a adoção da Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público em suas diretrizes, conceitua apenas o regime de competência na forma a seguir: 1 Dicionário Inglês-Português baseado no Oxford English Dictionary. Ed. Ediouro, 1997. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200812 Com o regime de competência, os fluxos são registrados quando o valor eco- nômico é criado, transformado, substituído, transferido ou extinto. Em outras palavras, os efeitos de eventos econômicos são registrados no período no qual eles ocorrem, independentemente do efetivo recebimento de haveres ou do pagamento de obrigações (FMI, 2001).2 Portanto, a Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público implica o regis- tro das receitas e as despesas públicas segundo o regime de competência e, também, no registro integral de todos os elementos patrimoniais que possam alterar, no presen- te ou no futuro, a situação líquida patrimonial da entidade do setor público, com a cor- reta aplicação dos postulados, dos princípios e das convenções da ciência contábil. 2.4 Registro das receitas públicas segundo o regime de competência É recomendável que o registro das receitas públicas na Contabilidade Patrimo- nial Integral no Setor Público seja sob o regime de competência, para seguir as regras expostas nas NICSP, no MEFP 2001 e nas outras normas internacionais, com vistas à adequação ao recentemente deflagrado processo de harmonização internacional das práticas contábeis que visa padronizar as informações em nível mundial. O Ifac (NICSP 1) define receita como os ingressos em valores brutos (sem deduções) de benefícios econômicos futuros ou potenciais de serviços durante o exercício, que resultam em um aumento da situação patrimonial líquida da entidade. A situação patrimonial líquida corresponde à diferença entre o montante de bens e direitos de uma entidade (ativo), menos as suas obrigações (passivo). Portanto, segundo as normas internacionais e os princípios contábeis, só há receita quando há um aumento da situação líquida patrimonial. O MEFP 2001 (item 5.1) corrobora este entendimento ao definir a receita como o aumento da situação líquida da entidade resultante de uma transação. Segundo o Ifac, as receitas públicas podem ser divididas em dois grupos prin- cipais: receitas derivadas e de transferências, nas quais não há uma contrapartida direta por parte do poder público, na forma de uma mercadoria ou serviço prestado (non-exchange transactions); e as receitas originárias, advindas das rendas produzi- das pelos ativos do poder público por meio da cessão remunerada de bens e valores (ex.: aluguéis), ou aplicação em outras atividades econômicas típicas do setor pri- vado, tais como: produção, comércio ou serviços (exchange transactions). Os dois tipos de receitas demandaram normas específicas do Ifac, as receitas originárias são reguladas pela NICSP 9 (Renenue from Exchange Transactions), enquanto as receitas derivadas e de transferências constam da NICSP 23 (Renenue from Non-Exchange Transactions). A NICSP 9 não se aplica às receitas auferidas pelas empresas controladas pelo setor público (no Brasil, empresas públicas e sociedades de economia mista), pois 2 Tradução do autor. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 13 essas entidades devem publicar as suas demonstrações em conformidade com as normas do setor privado. A NICSP 9 estabelece regras para a contabilização das receitas provenientes da prestação de serviços, da venda de mercadorias e da cessão remunerada a tercei- ros dos bens da entidade, além das receitas de royalties e dividendos. Segundo a NICSP 9, o montante da receita oriunda de uma transação é usualmente determinado por um valor bruto derivado de uma espécie de acordo entre a entidade e o comprador do bem ou usuário do serviço. No registro, leva- se em consideração o montante bruto deduzido dos respectivos descontos e abatimentos concedidos pela entidade. As receitas originárias de qualquer natureza somente devem ser reconhecidas quando: a) o seu montante pode ser mensurado de maneira confiável; b) é provável que os benefícios econômicos ou o potencial de serviços associados com a transa- ção passarão a pertencer à entidade; c) os custos incorridos ou a incorrer podem ser mensurados de maneira confiável. O reconhecimento das receitas originárias relativas à prestação de serviços pela entidade deve ser efetuado à medida que os serviços são prestados (pro rata). Caso os serviços sejam prestados por quantidade, as receitas devem ser reconheci- das pela quantidade entregue. No entanto, quando os serviços são prestados em uma base temporal, ou seja, durante um tempo preestabelecido, as receitas devem ser reconhecidas proporcionalmente ao transcurso do tempo concedido para realizar o serviço. Quando os serviços são prestados por tempo indeterminado, as receitas são reconhecidas em intervalosde tempo regulares, definidos pela entidade de acordo com a essência do que foi acordado com o tomador do serviço. O reconhecimento das receitas de serviços na forma definida pela NICSP 9 provê uma informação extremamente útil, pois ao analisar as demonstrações contábeis da entidade, o usuário poderá verificar o estágio em que se encontra a prestação do serviço. O reconhecimento das receitas originárias relativas à venda de mercadorias pela entidade deve ocorrer quando: a) a entidade tenha transferido, ao comprador, os riscos significantes e o retorno esperado pela propriedade das mercadorias vendi- das; b) a entidade não detenha nenhum controle ou gerência, associados à proprie- dade das mercadorias vendidas. As receitas oriundas da cessão remunerada dos bens da entidade a terceiros, royalties e dividendos devem ser reconhecidas de acordo com o que foi estabelecido nos contratos ou estatutos. A receita deve ser registrada quando a entidade adquire o direito de auferir um pagamento e não somente quando o pagamento é recebido. Em análise aos preceitos da NICSP 9, verifica-se que o tratamento das cha- madas receitas originárias está bem próximo do que é conferido às receitas auferi- das pelo setor privado. Isto é perfeitamente concebível, uma vez que o objeto das receitas contempladas na norma refere-se a atividades mais afetas ao setor privado. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200814 O setor público exerce essas atividades apenas em caráter suplementar, visando ao incremento em seu desempenho ou ao provimento de bens ou serviços que, muitas vezes, não é realizado satisfatoriamente pelo setor privado. Ademais, as receitas derivadas constituem-se como a renda principal e exclu- siva do setor público. É a receita oriunda da prevalência do Estado sobre o particu- lar, caracterizando-se por sua exigência coercitiva e compulsoriedade. É a receita pública efetiva obtida pelo Estado, por meio de suas entidades, em função de sua soberania, por meio de tributos, penalidades, indenizações e restituições. A NICSP 23 (Revenue from Non-Exchange Transactions) regula não só o tra- tamento contábil das receitas originárias, mas também da contabilização das recei- tas de transferências e doações. Esses tipos de receita têm em comum o fato de que não há uma contrapartida direta e imediata por parte da entidade do setor público em razão da receita auferida. Por exemplo, o montante despendido nas políticas sociais que serão imple- mentadas com o valor dos tributos arrecadados não é mensurável no momento da arrecadação e não há uma entrega de um bem ou serviço pelo Estado no momen- to que o mesmo aufere o tributo, caracterizando uma transação sem contrapartida (non-exchange transaction). A NICSP 23 prescreve o tratamento contábil das receitas tributárias (incluindo os diversos tipos de contribuições) e das transferências recebidas sob a forma de perdão de dívidas, multas, legados, doações, presentes e bens e serviços recebidos em espécie. O tratamento contábil das transferências prescrito pela NICSP 23 não apre- senta um grau de complexidade elevado. Os legados, as doações e os presentes recebidos pela entidade são reconhecidos quando se torna provável que estes serão transferidos, sob a forma de um testamento ou outro documento que comprove que a transferência do bem será efetuada. No entanto, quando não é possível determinar o momento em que, provavelmente, os bens serão transferidos, a transação só deve- rá ser registrada quando efetivamente ocorrer a transferência e o bem seja colocado à disposição da entidade. Já o registro das transferências de bens e serviços recebi- dos em espécie é facultativo e vai depender da natureza do serviço. O registro das receitas originárias (tributos, contribuições, multas etc.) auferidas pelo setor público é, sem dúvida, um dos mais complexos desafios a serem enfrentados na transição para a Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público. A seguir, serão vistas as regras emanadas pela NICSP 23 a respeito dessa espécie de receita. As receitas tributárias são a maior fonte de recursos do poder público em todos os países e são definidos pela NICSP 23 como sendo os benefícios econô- micos ou o potencial de serviços compulsoriamente pagos (ou a pagar) ao setor público, em consonância com leis e/ou outras normas, instituídos para prover receitas para o governo. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 15 As leis que instituem os tributos podem variar significativamente entre os países, mas todas elas têm algo em comum, como a definição da base de cálculo do tributo, do sujeito passivo, do fato gerador e da forma na qual o imposto deverá ser calculado e pago, além de outras regras conhecidas como obrigações acessórias. A NICSP 23 recomenda que uma entidade deve registrar os ativos relacio- nados às receitas tributárias quando ocorrer o fato gerador do tributo e quando for verificado que os critérios de reconhecimento dos ativos foram satisfeitos. Os recursos provenientes das receitas tributárias satisfazem a definição de ativo quando a entidade passa a ter o controle sobre esses recursos como resultado do fato gerador do tributo e espera receber, futuramente, benefícios econômicos ou potenciais de serviços desses recursos. O critério de reconhecimento dos ativos é satisfeito quando é provável que os recursos serão auferidos pela entidade e o seu valor pode ser mensurado de maneira confiável. A NICSP 23 recomenda que a receita tributária pertence somente ao governo que a impõe e não a outras entidades. Por exemplo, quando um governo em nível nacional institui a obrigação de pagar um tributo que é arrecadado por um órgão go- vernamental (entidade arrecadadora), os ativos e as receitas respectivas pertencem ao governo e não à entidade. Quando um governo em nível federal arrecada receitas e as repassa aos go- vernos de outros níveis (estadual e municipal), trata-se de repartição de receitas, neste caso, o ente deve reconhecer a receita e, posteriormente, a despesa de trans- ferência respectiva. O nível governamental que receber a transferência deverá re- gistrar o valor a receber, assim que este puder ser estimado de maneira confiável, ou seja, quando da arrecadação pelo governo nacional, tendo em vista os ditames legais vigentes. Em certas circunstâncias, pode haver o recebimento de determinado recurso referente a uma receita tributária sem que o fato gerador tenha ocorrido. Nesse caso, a entidade deverá reconhecer uma obrigação (passivo) em contrapartida à entrada do recurso no ativo. A NICSP 23 chama esse fato de recebimento anteci- pado de tributos. Quando há um lapso temporal entre o fato gerador do tributo e a efetiva arre- cadação das receitas respectivas, as entidades devem estimar, de maneira confiável, os recursos que serão auferidos. Nesse caso, a entidade deve utilizar modelos esta- tísticos baseados no histórico da arrecadação em períodos anteriores. Esses mode- los devem levar em consideração o período dos recebimentos dos contribuintes, as declarações feitas por eles e a relação entre o tributo a ser auferido e outros eventos econômicos, além disso, também devem considerar a variedade de circunstâncias inerentes aos tipos de tributos e às diversas jurisdições. Em análise às regras do Ifac referentes às receitas tributárias e de trans- ferências (non-exchange transactions), vê-se que estas devem ser registradas, em regra geral, quando o valor torna-se recebível. Nos demais casos, devem ser analisados outros fatores como, por exemplo, o impacto econômico da receita Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional– 200816 no patrimônio da entidade, a estimativa dos valores, a ocorrência do fato ge- rador etc. Deve sempre prevalecer a essência econômica do fato contábil que originar a receita e isso deve variar muito de um país para outro, em razão das regras a serem seguidas. 2.5 Registro das despesas públicas segundo o regime de competência Segundo Iudicibus (1997), a despesa, em sentido estrito, representa a utiliza- ção ou o consumo de bens e serviços no processo de produzir receitas. No entanto, esse entendimento não se aplica ao setor público, uma vez que há uma inversão de ciclos em relação ao setor privado. A inversão de ciclos é observada pelo fato de que, no setor público, há a necessidade de arrecadar a receita para só então despender os recursos nas despe- sas. Portanto, um conceito mais adequado de despesa para o setor público seria: “a utilização ou o consumo de bens e serviços para a consecução do bem-estar social ou do interesse público” e não apenas para auferir a receita, como acontece no setor privado. O setor público, ao incorrer nas despesas públicas, na maioria das vezes, está desempenhando sua função alocativa, cujo objetivo principal não é gerar receita. A função alocativa do governo corresponde ao fornecimento dos bens necessários e desejados pela sociedade, mas que não seriam providos pelo setor privado (bens públicos puros e meritórios). Exemplos: os investimentos em infraestrutura (trans- portes, energia, comunicação etc.), os investimentos em educação gratuita para os que não têm acesso aos serviços oferecidos pelo setor privado, a concessão de sub- sídios a produtos essenciais ao bem-estar da população, como os alimentos, além de outros. O Ifac (NICSP 1) define as despesas como decréscimos nos benefícios econô- micos ou nos potenciais de serviços durante o exercício, na forma de fluxos de saída ou consumo de ativos ou assunção de obrigações que resultam em decréscimos da situação líquida patrimonial. O MEFP 2001 (item 6.1) define despesa como o decréscimo da situação líqui- da patrimonial de uma entidade, decorrente de determinada transação. Em análise aos conceitos de despesa fornecidos pela doutrina, pelas NICSP e pelo MEFP 2001, chega-se à conclusão de que determinado gasto público incorrido (pago ou não) só será considerado uma despesa pública, caso haja a diminuição da situação líquida patrimonial da entidade, seja na forma de um reconhecimento de uma obrigação ou o decréscimo de um elemento do ativo. Um dos principais grupos de despesas corresponde às despesas com pessoal e encargos sociais. A recém-editada NICSP 25 estabelece regras a respeito dessas despesas. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 17 As despesas de pessoal e encargos devem ser reconhecidas quando o servidor ou empregado presta o serviço em determinado período, gerando uma obrigação para a entidade, além disso, eventuais adiantamentos concedidos aos empregados devem ser reconhecidos no ativo da entidade (adiantamentos a empregados) até que o serviço seja prestado em conformidade com a lei ou contrato, ocasião em que será reconhecida a despesa. As regras relacionadas às despesas de encargos de financiamentos (borro- wing costs) são tratadas pela NICSP 5. A norma determina que, em regra geral, as despesas relacionadas a juros e outros encargos de financiamentos devem ser reco- nhecidas no período a que correspondem, independentemente de seu pagamento. O referido período será determinado pelas disposições contratuais. A NICSP 5 estabelece uma regra alternativa para os encargos de financiamen- tos que são relacionados diretamente a determinado ativo adquirido pela entidade. Nesse caso, os custos diretamente relacionados à aquisição, à construção ou à pro- dução de determinado ativo, são incluídos no custo desse ativo. Os encargos de fi- nanciamento são capitalizados como parte do custo do ativo quando é provável que gere benefícios futuros ou potenciais de serviços para a entidade e os custos devem ser mensurados de maneira confiável. Os demais grupos de despesas representados basicamente pelos subsídios, doações, transferências e benefícios sociais concedidos seguem a regra básica de serem reconhecidos quando há um pagamento ou compromisso de pagamento que afetará negativamente a situação líquida patrimonial. 2.6 Registro do patrimônio público na Contabilidade Patrimonial Integral O patrimônio público, na acepção da ciência contábil, é representado pelos bens, direitos e obrigações das entidades do setor público, englobando os ativos e os passivos. A Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público pressupõe o re- gistro do patrimônio público, na sua correta extensão, em observância ao princípio contábil da oportunidade. O princípio da oportunidade está intimamente ligado ao postulado ambiental da “essência sobre a forma”, pois o registro contábil deve ser realizado, indepen- dente de uma norma que o autorize, ou que defina regras que não correspondam ao impacto econômico do fato contábil observado. O registro do patrimônio público, segundo as NICSP e o MEFP 2001, deve se- guir os parâmetros definidos pelos princípios contábeis, mas existem alguns casos que necessitam de maior detalhamento por parte das normas. Em seguida serão analisados alguns desses casos, à luz da doutrina e segundo as normas internacionais. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200818 Bens públicos típicos Segundo Sprouse e Moonitz,3 os “ativos representam benefícios futuros es- perados, direitos que foram adquiridos pela entidade como resultado de alguma transação corrente ou passada”. Já para Meigs e Johnson4, “os ativos são recursos econômicos possuídos por uma empresa ou entidade”. Em vista das definições expostas, vê-se que, na primeira, não foram contemplados alguns bens e direitos típicos do setor público. Um dos grandes desafios para a Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público é justamente o registro dos ativos do ente público que são dotados de características exclusivas e que geram benefícios indiretos ou cujos valores não podem ser avaliados apenas monetariamente. Segundo o entendimento do Iasb5, é necessária a presença de três caracterís- ticas para que determinado recurso da entidade seja considerado um ativo: deve resultar de eventos ocorridos no passado, deve ser controlado pela entidade e deve gerar benefícios econômicos futuros. Quanto às duas primeiras características, no contexto aplicável ao setor pú- blico, não há grandes questionamentos. O recurso sob o controle da entidade pres- supõe que os benefícios pela posse fluirão para a entidade. Já o termo “resultante de eventos ocorridos no passado”, evita a inclusão dos denominados ativos contin- gentes no rol de bens e direitos. Um exemplo de ativo contingente pode ser dado por um imóvel que a entidade não adquiriu, ou seja, não ocorreu a compra do bem apesar de conter uma aprovação no orçamento da entidade6. O problema fundamental reside na característica de gerar benefícios futuros, uma vez que determinados bens públicos não a apresentam de maneira irrefutável. Esse grupo de itens patrimoniais é constituído, basicamente, pelos bens públicos típicos, cujos principais exemplos são monumentos, edificações históricas, praças, estradas, veículos militares etc. Segundo a OECD7 e a NICSP 17 (Property, Plant and Equipment), os bens típicos do setor público são basicamente: os bens do patrimônio histórico (heritage assets), os bens de uso militar (military assets), os bens de infraestrutura (infrastructure assets). Os bens do patrimônio histórico (heritage assets)8 são assim denominados por possuírem relevância cultural, histórica, artística ouambiental. São representa- dos por prédios históricos, monumentos, sítios arqueológicos, museus, galerias de arte, arquivos nacionais, reservas naturais e outros. 3 Accounting Research Study (ARS) nº 3, do American Institute of Certified Public Accountants (AICPA). 4 MEIGS, Walter B.; JOHNSON, Charles E. Accounting: The Basis for Business Decisions. New York: McGraw Hill, 1962, p. 9. 5 Estrutura Conceitual das Normas Internacionais de Contabilidade. 6 NIYAMA, Jorge K.; SILVA, César Augusto T. Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 2008, p. 123. 7 Organisation for Economic Co-Operation and De velopment – OECD. Accrual Accounting and Budgeting: Key Issues and Recent Developments. 8 O termo heritage significa herança, mas a melhor interpretação seria bens do patrimônio histórico (N.A.). Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 19 A NICSP 17 faculta à entidade pública o registro dos bens do patrimônio histórico. No entanto, se a entidade os reconhece e registra no patrimônio, ela deve seguir as regras de evidenciação constantes na norma, que determinam a apresen- tação, nas demonstrações contábeis, dos critérios de mensuração do valor do bem, do método de depreciação utilizado, do valor contábil, da depreciação acumulada e das variações patrimoniais ocorridas no período. O Ifac reconhece que alguns bens do patrimônio histórico podem revestir-se de características que possam gerar serviços potenciais para a entidade. Isto ocorre, por exemplo, quando um prédio histórico é utilizado para a instalação de um órgão governamental. Nesses casos, os bens devem ser reconhecidos da mesma forma que os outros tipos de bens públicos. A OECD reconhece que o registro dos bens do patrimônio histórico não pro- porciona um grande impacto nas finanças públicas e existem algumas razões para que não constem dos demonstrativos contábeis, dentre as quais cita: o juízo da po- pulação a respeito dos valores dos bens, o que pode gerar certo desconforto para os órgãos responsáveis pela contabilidade; a definição do rol desses bens, em alguns casos, torna-se extremamente difícil e custosa; os países definiriam seus próprios critérios de mensuração, o que ocasionaria a falta de comparação dos demonstrati- vos contábeis. Os bens de uso militar (military assets) também são exclusivos do setor pú- blico e, mesmo com algumas objeções, a doutrina internacional é, em geral, a favor do registro desses bens pela contabilidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, são feitas distinções entre os bens mili- tares de uso geral e de uso específico. A principal característica deste último é a tendência à destruição prematura pela perda em combate ou pela obsolescência em relação aos artefatos do país oponente no caso de uma guerra. Neste caso, é extre- mamente difícil estimar a vida útil e a depreciação não seria em uma base confiável. Os Estados Unidos reconhecem apenas o gasto com esses bens como despesas e não como ativos. A NICSP 17 recomenda o tratamento dos bens de uso militar em consonância com a regra geral aplicável aos demais bens. Assim, o bem deve ser depreciado e, em caso de perda (mesmo em combate), o ente governamental deverá providenciar o registro de baixa (insubsistência). Os bens de infraestrutura (infrastructure assets) representam uma das mais importantes categorias de ativos do setor público. Embora não haja uma definição aceita mundialmente, a NICSP 17 apresenta algumas características próprias desses bens. Segundo a norma, esses bens, normalmente: a) são parte de um sistema, rede ou cadeia; b) não podem ser removidos de seu local original; c) são especializados e não têm usos alternativos; d) podem estar sujeitos a restrições em sua disponibi- lização ou venda a terceiros. Os bens de infraestrutura possuem exemplos típicos, tais como: as malhas de transportes (rodoviários, ferroviários etc.), sistemas de saneamento ou de forneci- Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200820 mento e tratamento de água, redes elétricas ou de comunicações, entre outros. Esses bens também observam as regras gerais aplicáveis aos demais ativos, que consistem no registro do valor de custo do bem para que gere benefícios e ajustes posteriores de depreciação ou relativos ao valor recuperável (impairment), que serão vistos mais adiante. Depreciação e reavaliação dos bens públicos Os bens públicos típicos e os outros bens registrados segundo a NICSP 17 – por exemplo, edificações, instalações, equipamentos, móveis e utensílios, veículos, computadores e outros – devem ser depreciados de maneira sistemática e devem, também, submeter-se a reavaliações periódicas para ajustar os seus valores regis- trados pela contabilidade. A contabilização da depreciação objetiva a correta mensuração do ativo, tra- zendo transparência à informação contábil. Trata-se de um reconhecimento siste- mático da perda de valor do ativo por uso ou obsolescência e sua principal função é demonstrar quando será necessária a reposição do bem. Para o registro da depreciação, estima-se a vida útil do bem e o seu valor resi- dual e utiliza-se em seguida uma metodologia de alocação que ajuste o valor do ati- vo durante a sua vida útil até alcançar o valor residual. A NICSP 17 não estabeleceu qual seria a metodologia correta de depreciação, cabendo à entidade definir com base no tipo do bem. A norma recomenda somente a evidenciação da metodologia utilizada nas notas explicativas. Exemplo: Determinado edifício que abriga uma repartição, localizado em um terre- no pertencente a um ente público, foi avaliado por técnicos especializados em $ 3.000.000 teve sua vida útil estimada em quarenta anos. Estimou-se, também, que o edifício, mesmo depois desse período, possuiria um valor residual de $ 750.000. A entidade está divulgando suas demonstrações contábeis após dez anos da constru- ção do edifício e quer calcular o valor contábil. Cálculo do valor contábil do bem após dez anos de uso: Valor depreciável = $ 3.000.000 - $ 750.000 (valor residual) = $ 2.250.000 Depreciação acumulada = $ 2.250.000/40 = $ 56.250 x 10 = $ 562.500 Valor contábil = $ 3.000.000 - $ 562.500 = $ 2.437.500 As reavaliações devem ser realizadas regularmente em períodos estabeleci- dos segundo a natureza do bem, para que o seu valor registrado no patrimônio da entidade não seja discrepante em relação ao valor de mercado ou ao valor do be- nefício esperado do ativo. Para seu registro, devem ser levadas em consideração a depreciação acumulada e as perdas por impairment (ajuste ao valor recuperável). Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 21 É importante ressaltar que, segundo a NICSP 17, se um ativo de determinada classe de ativos for reavaliado, os demais itens patrimoniais da mesma classe tam- bém deverão sofrer a reavaliação. Caso a reavaliação realizada pelos profissionais especializados concluir pelo aumen- to do valor do bem, a contrapartida deve ser registrada em uma “reserva de reavaliação” e, todavia, caso haja a diminuição do valor do bem, deve ser reconhecida uma perda. Exemplo: Voltando ao exemplo anterior (depreciação), a entidade decide reavaliar seu edifício após 25 anos de uso, levando em consideração as melhorias nos arredores das instalações da repartição e a sua localização privilegiada, pois a área onde está instalada tornou-se um importante centro de negócios. Os peritos contratados emi- tiram um laudo em que estimaram o valor do edifício em $ 4.000.000. Cálculo do valor contábil do bem após 25 anos de uso: Valor depreciável = $ 3.000.000 - $ 750.000 (valor residual) = $ 2.250.000 Depreciação acumulada = $ 2.250.000/40 =$ 56.250 x 25 = $ 1.406.250 Valor contábil = $ 3.000.000 - $ 1.406.250 = $ 1.593.750 Cálculo do valor que será registrado na reserva de reavaliação: Valor do imóvel reavaliado: $ 4.000.000 Valor contábil: $ 1.593.750 Ganho da reavaliação (reserva): $ 4.000.000 - $ 1.593.750 = $ 2.406.250 Diante dos exemplos expostos, verifica-se a importância do registro da de- preciação e da reavaliação dos bens públicos, pois tanto a redução do valor do bem pelo seu uso, desgaste ou obsolescência quanto o aumento pela reavaliação são contabilizados, fornecendo os valores corretos dos bens e permitindo uma melhor estimativa da riqueza da entidade e do setor público como um todo. Ajuste ao valor recuperável (Impairment) dos bens públicos O termo da língua inglesa impairment significa perda, deterioração ou prejuí- zo9. No entanto, não pode ser utilizada uma tradução literal, pois o conceito utilizado pelas NICSP e por outras normas internacionais dos setores público e privado é muito mais amplo. O termo poderia ser interpretado como “ajuste ao valor recuperável”. A NICSP 21 conceitua o impairment como uma perda dos benefícios econômicos fu- turos ou serviços potenciais de um ativo, acima do reconhecimento sistemático da perda pela depreciação (ou amortização). Impairment, portanto, reflete um decréscimo na utilidade de um ativo que é controlado pela entidade além do seu desgaste natural por uso ou obsolescência. 9Dicionário Inglês-Português baseado no Oxford English Dictionary. Ed. Ediouro, 1997. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200822 A seguir serão vistos alguns exemplos do tratamento contábil do impairment à luz das recomendações fornecidas pela NICSP 21. Uma entidade governamental adquiriu um computador de grande porte (main- frame) para realizar suas atividades, ao custo de $ 10.000.000. A entidade estimou a vida útil do aparelho em sete anos, mas ao final de quatro anos, tornou-se obsoleto, pois a grande maioria dos programas que eram executados foi transportada para computadores pessoais de pequeno porte (PCs). Além disso, não justificava a exe- cução dos programas no mainframe, decorrente dos altos custos de manutenção. Um mainframe similar está disponível no mercado ao custo de $ 500.000 e tem a capacidade de executar, de maneira satisfatória, o restante dos programas que não foram transportados para os computadores de pequeno porte. Verifica-se, neste caso, que não se trata de uma perda esperada e estimada em um momento passado e que seria alocada sistematicamente, como no caso da depreciação. A indicação de impairment corresponde à mudança irreversível do uso de programas em PCs em lugar do mainframe. Esse processo dificilmente se reverterá e a perda deve ser reconhecida da seguinte forma: a) Custo de aquisição...................................................$ 10.000.000; b) Depreciação acumulada em quatro anos (a x 4/ 7 )..........($ 5.714.286); c) Valor contábil após quatro anos de uso (a – b)..................$ 4.285.714; d) Custo de reposição....................................................$ 500.000; e) Depreciação acumulada ajustada (d x 4/ 7 )...…………($ 285.714); f) Montante recuperável (d – e)....................................... $ 214.286; g) Perda por impairment (c – f).........................................$ 4.071.428. Outro exemplo pode ser dado por um edifício que abriga determinado órgão governamental e que custou a um ente público a quantia de $ 50.000.000. Sua vida útil foi estimada em quarenta anos. Após 19 anos de uso, um incêndio causou sérios problemas estruturais no edifício que, por questões de segurança, foi fechado. O valor dos reparos foi orçado em $ 35.500.000 para que o órgão voltasse a funcionar normalmente. O custo de reposição do edifício, ou seja, o valor estimado de um novo edifício similar foi estimado em $ 100.000.000. a) Custo de aquisição................................................... $ 50.000.000; b) Depreciação acumulada em 19 anos (a x 19/ 40 )......($ 23.750.000); c) Valor contábil após 19 anos de uso (a – b)................ $ 26.250.000; d) Custo de reposição..................................................$ 100.000.000; e) Depreciação acumulada ajustada (d x 19/ 40 ) ……. ($ 47.500.000); f) Custo de reposição depreciado (d – e).........................$ 52.500.000; g) Custo dos reparos......................................................$ 35.500.000; h) Montante recuperável (f – g).......................................$ 17.000.000; i) Perda por impairment (c – h)........................................ $ 9.250.000. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 23 No segundo exemplo, a perda dos benefícios econômicos futuros ou do po- tencial de serviços fica ainda mais evidente, pois, ao reformar o edifício de forma compulsória, a entidade estará aumentando a capacidade de gerá-los, mas, por outro lado, incorrerá nos custos dos reparos necessários para colocar o edifício em uso. Propriedades de Investimentos A NICSP 16 (investment property) trata das chamadas propriedades de inves- timentos, que correspondem aos bens rentáveis (“não de uso”) da entidade, que os mantêm apenas para auferir ganhos futuros devido à sua valorização ou por meio da sua cessão remunerada (aluguel), para gerar renda para o ente público. Entretanto, é necessário ressaltar que a venda desses bens não corresponde à atividade principal da entidade. Em decorrência da função primordial de gerar renda por meio da sua valo- rização, o bem rentável (propriedade de investimento) deve ser avaliado por seu valor de entrada (custo de aquisição) e devem ser feitas reavaliações em períodos regulares. Além disso, esses investimentos devem ser deduzidos de uma provisão para atender a perdas prováveis na sua realização ou para redução do custo de aqui- sição ao valor de mercado, se este for inferior. Ressalte-se que a provisão para redução ao valor de mercado do bem só deve ser constituída quando a perda for considerada permanente, ou seja, de lenta e difí- cil recuperação. Investimentos públicos em empresas e negócios conjuntos As NICSP prescrevem o tratamento contábil dos investimentos realizados pelas entidades públicas em empresas ou outras entidades. Algumas definições são de fundamental importância para indicar qual a contabilização adequada, as quais são apresentadas a seguir: a) Empresas públicas10 (Government Business Enterprises ou GBEs) – entidades que apresentam todas as características a seguir: • tem o poder de negociar e contratar em seu próprio nome; • possui autonomia financeira e operacional para exercer a atividade corporativa; • vende bens e serviços, no curso normal de suas operações, para outras enti- dades visando o lucro ou a cobertura total dos custos incorridos; • não requer aportes de recursos governamentais para sua continuidade (inde- pendência financeira); • é controlada por uma entidade pública; 10 É importante não confundir a definição das NICSP com a definição dada pela legislação brasileira no Decreto-Lei nº 200/1967. O termo “empresas públicas” engloba também as chamadas “sociedades de economia mista” definidas pelo referido decreto-lei. (N.A.). Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200824 b) Entidade controlada (Controlled Entity) – entidade ou empresa – incluindo uma entidade não constituída, como por exemplo, uma parceria controlada por ou- tra entidade, denominada “controladora”; c) Entidade controlada em conjunto (Jointly Controlled Entity ou Joint Ven- ture) – verificada quando duas ou mais entidades se juntam para desenvolver um determinadoprojeto ou atividade de forma compartilhada, sujeitas a um controle conjunto (negócios conjuntos); d) Entidade coligada (Associate Entity) – aquela na qual a entidade pública investidora tem influência significativa na empresa ou entidade investida e não cor- responde a uma entidade controlada e nem a uma entidade controlada em conjunto. A influência significativa caracteriza-se quando a investidora participa das decisões sobre as políticas financeiras e operacionais da investida, mas sem controlá-la; e) Consolidação das demonstrações contábeis – trata-se de técnica contábil que objetiva apresentar as demonstrações contábeis da entidade investidora e de suas investidas como se fossem uma única entidade; f) Controle – poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de outras entidades para obter benefícios das suas atividades. Quando uma empresa ou entidade é controlada por uma entidade do setor público recomenda-se fazer a consolidação das demonstrações. Essa prática só deve deixar de ser aplicada quando, entre outros casos especificados pelas NICSP: não houver uniformidade de práticas contábeis entre a entidade investidora e a investi- da; houver a intenção da entidade investidora em alienar a sua participação dentro de um período de 12 meses ou quando existem outras evidências da limitação tem- poral ou perda de relevância e materialidade do investimento. No entanto, a prática da consolidação não impede a divulgação adicional de demonstrações contábeis em separado pela entidade controladora e a empresa in- vestida, que pode ser realizada, por exemplo, no caso da entidade do setor público possuir tanto investimentos em controladas quanto em coligadas. As empresas públicas na definição das NICSP (ou GBEs), quando estiverem na condição de investidoras não devem aplicar as regras contidas nas NICSP, e sim nas demais normas aplicáveis ao setor privado. As regras das NICSP, no entanto, se aplicam quando as entidades do setor público possuem investimentos nas próprias GBE ou em outras entidades dos setores público ou privado. Quando as entidades e as empresas controladas pelo setor público apresentam demonstrações contábeis em separado da entidade controladora, é necessário que esta última observe as regras contidas na NICSP 6 (Consolidated and Separate Financial Statements) para as entidades controladas, na NICSP 7 para as entidades coligadas (Investments in Associates), na NICSP 8 para as entidades controladas em conjunto ou joint ventures (Interests in Joint Ventures). A NICSP 6 recomenda que as demonstrações contábeis não consolidadas de entidades controladas, controladas em conjunto e coligadas, devem observar na Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 25 avaliação de investimentos, conforme o caso, o método da equivalência patrimo- nial, o método de custo ou a contabilização como instrumento financeiro. O método da equivalência patrimonial (equity method) deve ser aplicado na avaliação dos investimentos da entidade do setor público em empresas e outras enti- dades controladas (controlled entities) ou coligadas (associate entities). Este método é uma “regra geral” na avaliação desses investimentos e só deve deixar de ser aplica- do quando a entidade investidora não tem influência significativa11 na administração da investida, quando esta última enquadrar-se na condição de entidade coligada. O método da equivalência patrimonial consiste em registrar o investimento da entidade pública em uma empresa, inicialmente pelo custo de aquisição, que posteriormente vai sendo ajustado para maior ou menor de acordo com as variações ocorridas no patrimônio líquido da empresa investida (lucro ou prejuízo). Os divi- dendos recebidos das empresas reduzem o montante registrado em investimentos, pois caracterizam um retorno do montante investido e a consequente diminuição dos benefícios esperados. Pode-se dizer que é uma consolidação parcial, restrita ao patrimônio líquido e ao lucro da investida. Exemplo: Uma entidade do setor público (entidade X) possui um investimento em uma empresa estatal de capital aberto (empresa A) que representa 52% do capital social da investida, as demais ações (48%) pertencem a investidores privados e acionistas minoritários. Em valores monetários, o investimento monta em $ 3.250.000. Em um determinado exercício social, a empresa estatal apurou um lucro líquido de $ 350.000. No exemplo proposto, a situação inicial dos investimentos na entidade públi- ca e na sua investida é a seguinte: Situação 1 Entidade X Empresa A Ativo Investimento (Empresa A).........$ 3.250.000 Patrimônio Líquido Capital social...................$ 6.250.000 Total do patrimônio líquido:...........$ 6.250.000 11Ver definições de entidades coligadas no início deste tópico. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200826 Após a empresa A auferir um lucro líquido de $ 350.000, a situação seria a seguinte: Situação 2 Entidade X Empresa A Ativo Investimento (Empresa A)..............$ 3.432.000 Patrimônio líquido Capital social.................................$ 6.250.000 Lucros acumulados........................$ 350.000 Total do patrimônio líquido:............$ 6.600.000 Na situação acima, verifica-se que, embora não tenha sido feito nenhum tipo de distribuição de lucros por parte da empresa A, a entidade investidora registrou um aumento de $ 182.000 (3.432.000 – 3.250.000), que corresponde a 52% do au- mento no patrimônio líquido da investida (52% x 350.000). Em um momento posterior, após a deliberação do órgão diretor da empresa A, esta decidiu distribuir, na forma de dividendos, um montante de $ 100.000 e o restante do lucro permanecerá como lucros acumulados. Com isso, a nova situação seria a seguinte: Situação 3 Entidade X Empresa A Ativo Disponível.....................................$ 52.000 Investimento (Empresa A)..............$ 3.380.000 Patrimônio Líquido Capital social.................................$ 6.250.000 Lucros acumulados........................$ 250.000 Total do patrimônio líquido:.............$ 6.500.000 Na situação demonstrada após a distribuição dos dividendos, há um decrésci- mo do valor dos investimentos da entidade X no valor de $ 52.000, que corresponde exatamente ao valor que a entidade faz jus (52%) em relação ao total distribuído. Verifica-se que houve a continuidade da proporção de 52% do patrimônio líquido da investida (52% de 6.500.000 = $ 3.380.000). Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 27 O método de custo deve ser utilizado quando a empresa ou entidade investida (na condição de coligada) não se enquadrar nos casos em que o método da equi- valência patrimonial for obrigatório e nos casos em que os investimentos não são tratados como instrumentos financeiros (NICSP 15). O método de custo, segundo a NICSP 7, consiste em avaliar o investimento público realizado em uma empresa pelo custo de aquisição dos direitos sobre a empresa (ex.: ações). A entidade investidora reconhece a receita oriunda do investi- mento realizado somente na medida em que adquire o direito de auferir as destina- ções de lucros ou superavits. No exemplo anterior, caso o investimento na empresa A fosse avaliado pelo método de custo, a entidade X não registraria o aumento no valor do ativo (inves- timentos) decorrente da apuração do lucro da investida (situação 2). No entanto, quando houvesse a distribuição do lucro na forma de dividendos (situação 3), a entidade X abateria do valor do investimento, o montante de $ 52.000. Com isso, o investimento constaria no ativopor $ 3.198.000 (3.250.000 – 52.000). Em análise às situações descritas no exemplo, verifica-se claramente as con- sequências da adoção de cada uma das metodologias, uma vez que o investimen- to sobre o método de custo apresentaria um valor de $ 3.198.000, enquanto, pelo método da equivalência patrimonial, o valor seria $ 3.380.000. A diferença de $ 182.000 corresponde exatamente ao percentual do lucro apurado pela investida (não distribuído) que cabe à investidora (52% de 350.000). Além dos métodos de equivalência patrimonial e de custo, os investimentos em outras empresas podem ser avaliados como um instrumento financeiro (NICSP 15) quando a entidade pública possui ações minoritárias ou quando a empresa in- vestida não se revestir das características de controladas ou coligadas. A caracte- rística de instrumento financeiro é observada quando há a intenção da entidade de negociar futuramente essas ações ou quando se espera somente auferir dividendos. Esses investimentos são classificados, normalmente, no “ativo realizável a longo prazo” ou mesmo no “ativo circulante” da entidade. Os negócios conjuntos (joint ventures) são uma nova tendência mundial de investimentos. Trata-se de uma alternativa interessante para acumular o capital ne- cessário à expansão e à manutenção das atividades econômicas, ou somar atributos importantes ao novo negócio, mas detidos por distintos acionistas, como tecnolo- gia, capacidade gerencial, rede de distribuição etc. (FIPECAFI, 2008). É o caso dos consórcios públicos ou parcerias público-privadas (PPPs). Os investimentos em negócios conjuntos pressupõem que as decisões essenciais sejam tomadas em consenso pelas entidades que exercem o controle compartilhado. A entidade controlada em conjunto desenvolve suas operações e atividades como uma empresa qualquer, tendo à sua frente os controladores que defenderão os seus interesses conjuntos. Nesse tipo de entidade, é irrelevante a participação no capital social, pois um acionista pode ter 70% das ações e o outro 30%, e, mesmo assim, o controle poderá ser compartilhado conforme estabelecido nas disposições estatutárias ou legais. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200828 As demonstrações contábeis dos negócios conjuntos, segundo a NICSP 8, de- vem ser consolidadas proporcionalmente em relação aos ativos, passivos, receitas e despesas. Aplica-se a porcentagem da investidora para determinar os valores de cada um dos grupos patrimoniais. Alternativamente, há a possibilidade dos investi- mentos serem avaliados segundo o método da equivalência patrimonial. 3 As práticas contábeis vigentes e os desafios da implementação da Contabilidade Patrimonial Integral no Brasil 3.1 Visão geral das práticas contábeis vigentes O registro das receitas e despesas públicas no Brasil, atualmente, obedece a uma regra bem peculiar que não é verificada em nenhum país que tenha um sistema de contabilidade que produza informações sistemáticas aos seus usuários. Há um enfoque predominante no orçamento público e na sua execução, gerando distorções nas informações fornecidas. Diz-se que o regime contábil utilizado no Brasil é o chamado “regime misto”, em que as receitas são reconhecidas pelo regime de caixa e as despesas são reco- nhecidas pelo regime de competência, derivado do art. 35 da Lei no 4.320/64, que estabelece: Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro: I – as receitas nele arrecadadas; II – as despesas nele empenhadas. O regime de caixa aplicável às receitas públicas parte do pressuposto de que o recurso deve estar disponível para só então alocá-lo nas despesas públicas. A receita deve ser efetivamente arrecadada para ser registrada, não bastando a razoável certe- za de sua ocorrência como preconiza o princípio contábil da oportunidade. O International Accounting Standards Board (Iasb) conceitua as receitas como sendo “aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma de entrada de recursos ou aumento de ativos, ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido”. Esse conceito decorre da pró- pria interpretação econômica do que seria uma receita auferida por uma entidade. Na prática atual da contabilidade governamental brasileira, as operações de crédito obtidas, por exemplo, são consideradas receitas. No entanto, há um reco- nhecimento de um passivo e há decréscimo na situação líquida patrimonial. Isto contraria o conceito de receita do Iasb (aumento de ativos ou diminuição de passi- vos que aumentam o patrimônio líquido). Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 29 No final do exercício, as receitas auferidas são inseridas nos balanços, mas não há o registro, por exemplo, das receitas tributárias lançadas e não arrecadadas. Se ocorreu o lançamento, que constitui o ato pelo qual o poder público identifica o devedor e o montante devido, a receita deveria ser reconhecida e, no ativo, deve- riam constar os valores a receber do devedor, em observância ao princípio contábil da oportunidade e às NICSP, mesmo que a arrecadação ocorra em um momento subsequente. Quanto às despesas, à luz da teoria contábil e das normas internacionais, não há a aplicação do regime de competência como alguns doutrinadores afirmam, pois o regime é observado quando um componente deixa de integrar o patrimônio, para transformar-se em elemento modificador do patrimônio líquido. O empenho da despesa, por si só, não representa a saída de um componente pa- trimonial que irá alterar o patrimônio líquido. Segundo o art. 58 da Lei no 4.320/1964, “o empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição”. A questão-chave para entender que o registro da despesa, com base no estágio do empenho, não se coaduna com a teoria contábil é a expressão “pendente ou não de implemento de condição”. Ou seja, o empenho cria a obrigação de pagamento desde que a condição para esse pagamento seja verificada. Essa condição, segundo a referida lei, consiste no estágio da liquidação. Segundo o art. 63 da Lei no 4.320/64, “a liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito”. Essa verificação tem por fim apurar (§1o): a origem e o objeto que se deve pagar, a importância exata a pagar e, por fim, a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação. Verifica-se, portanto, que a despesa, sob o ponto de vista contábil deveria ser reconhecida somente no momento da liquidação, pois só então há a razoável certeza de sua ocorrência, mesmo com o pagamento pendente. A atual metodologia de registro das despesas é mais próxima do chamado “regime de competência modificado”, pois sob o regime de competência utilizado pela contabilidade empresarial e amplamente difundido pelas Normas Brasileiras de Contabilidade e normas internacionais, a despesa só seria registrada quando hou- vesse uma diminuição do patrimônio líquido ocasionado por um decréscimo nos bens ou direitos ou um acréscimo nas obrigações da entidade. O empenho é apenas o primeiro estágio da despesa pública, e apenas corres- ponde à reserva de uma “fatia” do orçamento. O empenho, posteriormente, pode ser cancelado, liquidado ou inscrito nos chamados restos a pagar não processados. Os restos a pagar não processados referem-se aos empenhos emitidos em de- terminado exercício para os quais não se cumpriu o estágio da liquidação e, portan- to, o efeito econômico não foi gerado e o pagamento não foi efetuado. As despesas correspondentes a esses empenhos estão na pendência da prestação do serviço, do fornecimentodo bem ou da execução da obra por parte do credor. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200830 Há uma grave distorção nos balanços públicos oriunda do registro da inscri- ção dos restos a pagar não processados, quando ocorre uma das práticas mais criti- cadas pelos técnicos e usuários da informação contábil do setor público no Brasil e que já foi objeto de estudo de vários autores12: a chamada “liquidação forçada” ou “liquidação contábil”. O procedimento da inscrição em restos a pagar não processados corresponde ao registro contábil de liquidação ao final do exercício em que foram emitidos, em estrita observância ao princípio orçamentário da anualidade. Nesse registro contá- bil, há, concomitantemente, o reconhecimento de uma obrigação (passivo), que irá integrar a dívida flutuante do ente público, e da despesa orçamentária correspon- dente, no próprio exercício do empenho. Em vista deste procedimento, as despesas públicas apresentam-se superava- liadas, uma vez que há o registro da despesa, sem a correspondente entrada de um item no ativo. Quanto ao registro do patrimônio público, representado pelos seus ativos e passivos, as práticas contábeis vigentes no Brasil também estão distantes dos pre- ceitos da Contabilidade Patrimonial Integral e dos princípios e práticas contábeis geralmente aceitos. Os ganhos oriundos dos investimentos públicos em empresas públicas e so- ciedades de economia mista resumem-se aos dividendos e são registrados em regi- me de caixa, o que não permite uma avaliação da potencialidade de retorno sobre os investimentos dessa natureza. Os bens públicos não são totalmente contabilizados, gerando uma lacuna no re- gistro do patrimônio público. Se uma entidade incorre em uma despesa ou financiamen- to para construir determinado bem de uso comum – uma estrada, por exemplo – não há registro do bem (estrada) no ativo em contrapartida. Dessa forma, a distorção se verifica na situação líquida patrimonial (equação dada pelos ativos deduzidos dos passivos), uma vez que o ativo estará subavaliado e o passivo conterá o registro correto. As atuais práticas contábeis do setor público no Brasil decorrem de leis, decretos e portarias que não observaram o postulado ambiental da ciência contábil da “essência sobre a forma”. Esse postulado enuncia que sempre que houver um distanciamento entre a essência econômica de determinado fato, passível de um registro na contabilidade, e as disposições legais pertinentes, os reflexos econômicos esperados, originados daquele fato, devem embasar o registro contábil e não o que foi imposto pela legislação. A legislação inerente à contabilidade governamental possui um enfoque estrita- mente orçamentário. Assim, os efeitos econômicos de determinados fatos que ensejam registros contábeis não são levados em consideração tendo em conta o privilégio dos registros da execução orçamentária. Nos dias de hoje, com a evolução tecnológica e técnica, é possível efetuar registros que atendam aos diversos enfoques existentes, for- necendo informações de acordo com as necessidades dos usuários da contabilidade. 12 Pode-se citar: GOBETTI, S. W. Estimativa dos Investimentos Públicos: um novo modelo de análise da execução orçamentária aplicado às contas nacionais. [S. l.]: Secretaria do Tesouro Nacional, 2006. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 2008 31 A contabilidade, ao incorporar a essência econômica de determinado evento relacionado à execução das atividades financeiras governamentais em seus demons- trativos, estará dotando o gestor público de informações fidedignas e que possam ser utilizadas em suas decisões. Dessa forma, a contabilidade cumpriria o seu papel fundamental. 3.2 Estudo comparativo, ajustes e correção de distorções nas informações geradas Na primeira parte do trabalho, foram vistos os parâmetros que devem ser observados na transição para a Contabilidade Patrimonial Integral no Setor Público, que são, basicamente, as normas internacionais e os princípios e práticas contábeis geralmente aceitos. Em seguida, o trabalho forneceu uma visão geral das informações disponibilizadas atualmente pela contabilidade pública no Brasil e apontou algumas de suas deficiências, como a não adesão às normas internacionais e aos princípios contábeis. Nessa parte do trabalho, o objetivo principal é comparar as práticas preconi- zadas pelos princípios contábeis e normas internacionais vistas nos tópicos anterio- res com as que são observadas atualmente no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que é o sistema de informações contábeis utilizado na contabilidade governamental federal e que provê os dados utilizados em todos os demonstrativos. Utilizou-se como fonte de dados os demonstrativos do Balanço Geral da União do exercício 2007, as demonstrações contábeis das empresas estatais e os re- latórios de execução orçamentária e financeira do governo federal disponibilizados pelo Tesouro Nacional. Serão vistos alguns casos pontuais que ressaltam as diferenças principais entre as práticas vigentes e as propostas pela Contabilidade Patrimonial Integral e depois serão fornecidos novos demonstrativos de acordo com os dados reais obtidos13. 3.2.1 Reflexos na apuração do resultado do exercício O resultado do exercício sob a égide da Contabilidade Patrimonial Integral é representado pelo confronto entre as receitas auferidas (arrecadas ou não) e as despesas incorridas (pagas ou não) do ente governamental. A apuração do resultado do exercício refere-se ao princípio contábil da com- petência segundo a Resolução CFC no 750/93, mas é melhor ilustrada pelo princípio da “confrontação das receitas com as despesas” (matching principle), encontrado na literatura estrangeira.14 13 Logicamente, em alguns casos, torna-se inevitável a simulação de alguns dados para tornar possível a conversão dos demonstrativos reais sob as regras vigentes para os demonstrativos estabelecidos pelas NICSP. No entanto, quando os dados forem simulados, haverá uma informação a respeito. 14 O princípio da confrontação das receitas com as despesas decorre do princípio da competência, mas não se confunde com este último. Orçamentos e Sistemas de Informação – Leonardo Silveira do Nascimento Finanças Públicas – XIII Prêmio Tesouro Nacional – 200832 A confrontação a que se refere o princípio é o processo de evidenciar as des- pesas em uma relação de causa e efeito com as receitas. Na apuração do resultado, as receitas são identificadas e depois são identificados os ativos que foram consu- midos na obtenção daquelas receitas (despesas). No contexto apresentado, o resultado do exercício não servirá apenas para calcular o deficit ou superavit obtido, mas também para medir a eficiência do go- verno no que se refere ao uso dos recursos disponíveis. 3.2.1.1 Receitas públicas O Balanço Geral da União (BGU) do exercício de 2007 apresentou os valores constantes da tabela 1, referentes às receitas públicas dos orçamentos fiscal e da se- guridade social (OFSS), ou seja, estão excluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista (GBEs). As colunas demonstram os montantes previstos, os que foram efetivamente arrecadados (coluna “execução”) e a diferença entre os dois. Tabela 1 ReceiTas da União: pRevisão, aRRecadação e difeRença paRa o exeRcício de 2007 Sob a Contabilidade Patrimonial Integral, a coluna “previsão” não é necessá- ria, já que a entidade deverá atualizar regularmente o montante das receitas a serem arrecadas (segundo a metodologia estabelecida) e o valor efetivamente arrecadado deverá sempre ser menor do que o valor a arrecadar. O primeiro ajuste que poderia ser realizado seria o expurgo
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