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1 Pontifícia Universidade Católica do Rio e Janeiro Pe. Jesus Hortal Departamento de Direito Professor Adriano Pilatti Divisão de Direito Civil Professora Maria Celina Bodin de Moraes 2 Cadeira de Teoria do Direito Privado Professora Caitlin Sampaio Mulholland I. DO DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL Para entendermos o conceito de direito civil-constitucional, é imprescindível o empréstimo das noções clássicas de direito civil, principalmente no que concerne ao Código Napoleônico, mas também a dicotomia entre direito público e direito privado. O Código Francês de 1804 surgiu num contexto extremamente fértil, legado dos filósofos da luzes que apregoavam, em sua maioria, os valores antropocentristas e os ideais burgueses de liberdade e igualdade. A propriedade privada era o centro da economia européia e as relações patrimoniais ganhavam cada vez mais realce. O limite que separava o direito público do direito privado era claramente percebido, constituindo-se em duas esferas separadas e herméticas. De um lado o direito público cuidando das relações estatais, posicionando o Estado num centro subordinador. Do outro lado o direito privado atento exclusivamente às relações patrimoniais, protegendo-se os interesses individuais. Assim era formada a summa divisio, distanciando marcadamente o público do privado e conformando um direito civil afeito apenas às relações patrimoniais, coroado pelo Código Napoleônico. Acontece que o desenvolvimento dos Estados Constitucionais permitiu a evolução de um direito público que cuidasse de toda a esfera jurídica, com a conformação de constituições que passaram a ter efetiva força normativa e, portanto, deixaram de ser meras cartas políticas. O direito público começa a abraçar todos os ramos do direito, inclusive o direito civil, para impor os valores 3 constitucionais aos diplomas legais de todas as naturezas. O auge do positivismo kelseniano aponta como ápice do ordenamento jurídico a Constituição, tornando-a suprema e transformando o ordenamento em um conjunto sistemático e orgânico, no qual todas as normas devem ser interpretadas conforme a Carta Maior, inclusive as leis civis. Desta feita, o limite entre direito público e direito privado começa a ficar turvo, e a legalidade constitucional ganha força, impondo sua tábua axiológica à interpretação das normas de direito civil. A primeira manifestação favorável a esta hermenêutica civil-constitucional surge na Alemanha por força de julgados da Corte Constitucional deste país. A corrente se alastrou pela Europa e ganhou força doutrinaria na Itália, onde surgiram os estudos pioneiros sobre o direito civil-constitucional. Esta doutrina chegou ao Brasil através de juristas que buscaram na Itália o conhecimento acerca dessa corrente, como a Professora Maria Celina Bodin de Moraes e o Professor Gustavo Tepedino. Hodiernamente, a corrente civil-constitucionalista vem se solidificando na doutrina e jurisprudência pátrias, através de mestres como Luiz Edson Fachin, Renan Lotufo e os já mencionados Tepedino e Bodin de Moraes. O direito civil passa a ser interpretado através de um prisma fornecido pelos valores constitucionais, dando-se prevalência aos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social, da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da propriedade, da objetivação da responsabilidade civil entre outros que nos fazem perceber o fenômeno da despatrimonialização do direito civil, entregando a ele um caráter existencialista, que privilegie a sociedade, a pessoa humana e o desenvolvimento de sua personalidade em busca do bem comum na melhor acepção do Papa João XXIII, desprivilegiando a hermenêutica patrimonialista. 4 II. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Constituição Federal estabelece como alicerce fundamental do Estado brasileiro o princípio da dignidade da pessoa humana. Desde as elucubrações kantianas que nos indicavam o homem como fim em si mesmo e igualmente a identificação do valor ético do homem em sua dignidade, até a perplexidade mundial perante as atrocidades do império nazi-fascista, viu-se a necessidade de se aprimorar a noção de dignidade humana e identificar o seu raio de aplicação. Tornou-se fundamental a tutela da pessoa humana e de sua dignidade para que se possa efetivamente construir um Estado Democrático de Direito. “De acordo com KANT, no mundo social existem duas categorias de valores: o preço e a dignidade. Enquanto o preço representa um valor exterior (de mercado) e manifesta interesses particulares, a dignidade representa um valor interior (moral) e de interesse geral. As coisas têm preço; as pessoas, dignidade. O valor moral se encontra infinitamente acima do valor de mercadoria, porque, ao contrário deste, não admite ser substituído por equivalente”. (Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à Pessoa Humana, p.81) Sabemos que a Constituição encontra-se no ápice do ordenamento jurídico, e o seu conteúdo se impõe sobre todas as outras normas deste ordenamento. Assim, nota-se o princípio da dignidade humana entranhado em todas as relações normatizadas pelo Direito, inclusive as patrimoniais, que agora, passam a ser analisadas também pelo prisma existencialista. Ninguém melhor para discorrer sobre o assunto do que a Professora Maria Celina Bodin de Moraes, que em sua célebre obra Danos à pessoa humana, apresenta uma interpretação lógica deste princípio. Assim o indica a Professora, “O substrato material da dignidade assim entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; ii) merecedores do mesmo respeito à integridade 5 psicofísica de que ele é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral – psicofísica -, da liberdade e da solidariedade”. Por fim, ainda utilizando os ensinamentos de Maria Celina, e para se entender a fundamentação do direito civil-constitucional e o papel do princípio da dignidade humana no direito civil, cita-se: “Como regra geral daí decorrente, pode-se dizer que, em todas as relações privadas nas quais venha a ocorrer um conflito entre uma situação jurídica subjetiva existencial e uma situação jurídica patrimonial, a primeira deverá prevalecer, obedecidos, assim, os princípios constitucionais que estabelecem a dignidade da pessoa humana como valor cardeal do sistema”. III. PESSOA FÍSICA Ingressamos no estudo da Teoria Geral do Direito Civil, tendo como primeiro objeto de análise a pessoa. Como já é sabido, em Direito, podemos diferençar as pessoas em físicas e em jurídicas. Assim, passamos ao entendimento a cerca do conceito de pessoa física. O conceito de pessoa ganha um viés todo especial na seara do Direito. Pode-se traçar uma noção jurídica de pessoa física: Pessoa física ou pessoa natural é todo ser humano que nasce com vida e, doravante, adquire personalidade jurídica. Desta forma, podemos ler os dois primeiros artigos do Código Civil, que nos indicam: 6 Art. 1°. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Art. 2°. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Note-se, ademais, que o Direito não leva em consideração qualquer valoração ética ou moral para se determinaro que seja pessoa. O Direito se vale apenas de critérios objetivos, identificando que somente será considerada pessoa física aquela que nascer com vida, que no momento do parto passa a realizar interações biológicas com o meio por conta própria. É neste instante no qual a criança deixa o ventre materno e não mais depende da mãe para viver, num sentido fisiológico, que o Direito garante à ela a personalidade jurídica e, portanto, ela torna-se pessoa física. No dizer de Caio Mário: “A vida do novo ser configura-se no momento em que se opera a primeira troca oxicarbônica no meio ambiente. Viveu a criança que tiver inalado ar atmosférico, ainda que pereça em seguida. Desde que tenha respirado, viveu: a entrada de ar nos pulmões denota a vida, mesmo que não tenha sido cortado o cordão umbilical e a sua prova far-se- á por todos os meios, como sejam o choro, os movimentos e essencialmente os processos técnicos de que se utiliza a medicina legal para a verificação do ar nos pulmões. A partir deste momento afirma-se a personalidade civil”. Asseveramos novamente, que só é possível falar-se em pessoa física, em ser humano dotado de personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, da primeira troca de ar realizada pela criança. Desta feita, o feto, o embrião, o óvulo ou o espermatozóide jamais serão considerados pessoa, jamais possuirão personalidade. A utilização de vários ovos para as chamadas fertilizações artificiais nos conduz a um debate ético, mas do ponto de vista jurídico, não a que se falar em personalidade dos embriões ou 7 dos óvulos. São eles considerados coisas, meros bens que podem ser objeto de negócios jurídicos. Há grandes discussões no que concerne à consideração do ovo como ser humano. É discutida pelo clero a imoralidade pela utilização maciça de ovos em pesquisas e fertilizações, por se considerar o ovo como uma potencialidade de vida humana. O Direito não abre espaço a tal discussão, mas já é fixado pela medicina nacional um limite de utilização de tais ovos: Resolução Nº 1.358/92 (CFMB): 6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade. Outro conceito deveras importante é o de nascituro. Nascituro é o feto, é a forma humana que está se desenvolvendo no útero materno, é o ser que ainda não nasceu. Como já sabemos, o nascituro, por ainda não ter nascido, não tem personalidade jurídica! “Permanece fortemente majoritária, em nosso ordenamento, a opção segundo a qual antes do nascimento a posição do nascituro não é, de modo algum, a de titular de direitos subjetivos; é uma situação de mera proteção jurídica”. O nascituro não é sujeito de direitos, porquanto não possui personalidade, ele tem apenas uma expectativa de direitos. A lei civil põe a salvo seus direitos desde a concepção, ou seja, desde o momento no qual o zigoto é formado pela união entre óvulo e espermatozóide. É possível, então, resguardar os direitos do nascituro, como por exemplo, quando um avô decide doar um bem a seu neto que se encontra ainda na condição de nascituro. Ele, nascituro, será proprietário da coisa doada, mas somente efetivará a propriedade quando do nascimento com vida. Interessante é observar que se o nascituro não chega a nascer -natimorto -, a doação será resolvida, como se não tivesse existido. Entretanto, se a criança nasce e logo em seguida morre, teremos aí a abertura da sucessão da criança, pois no momento em que nasceu, foi 8 contemplada com personalidade jurídica e, portanto, permitiu a eficácia da doação. O bem doado faz parte do patrimônio da criança, e se esta morre, teremos a aplicação das normas do Direito das Sucessões. Receberão o bem como herança a mãe e o pai do de cujus, que são seus herdeiros necessários. IV. PERSONALIDADE JURÍDICA E CAPACIDADE DE DIREITO Muito importante, para qualquer estudo que se faça, é identificar a etimologia de determinadas palavras. Personalidade deriva do grego persona, que significa máscara. Para melhor entender, Gustavo Tepedino verifica dois sentidos diferentes para personalidade: “A rigor, há dois sentidos técnicos para o conceito de personalidade. O primeiro associa-se à qualidade para ser sujeito de direito, conceito aplicável tanto às pessoas físicas quanto às jurídicas. O segundo traduz o conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada objeto de proteção privilegiada por parte do ordenamento, bem jurídico representado pela afirmação da dignidade humana, sendo peculiar, portanto, à pessoa natural”. Assim, personalidade jurídica se enquadra na primeira definição dada pelo Professor Tepedino, e também se liga ao remoto grego. Isso porque a personalidade jurídica é uma fantasia criada pelo Direito, uma verdadeira máscara, ou, melhor dizendo, uma ficção jurídica. O Direito só existe na vida de relação, e por isso, somente permite que atuem na ordem civil aqueles que sejam dotados de personalidade. O Direito empresta personalidade a todos os entes que, para manter o dinamismo social, precisam atuar na esfera jurídica. Desta forma, pode-se definir personalidade jurídica (ou personalidade civil) como a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Ela é uma qualidade que o Direito imputa à determinados sujeitos. Por outro lado, capacidade de direito é a ‘faculdade abstrata de gozar os seus direitos’. “Cuida-se de critério quantitativo, que se opõe ao critério qualitativo da subjetividade. A subjetividade, como se viu, 9 indica uma qualidade, a aptidão para ser sujeito de direito. A capacidade, ao revés, é a intensidade do seu conteúdo, e por isso mesmo é considerada a medida da subjetividade”. Na realidade, personalidade se trata de uma qualidade atribuída aos sujeitos, enquanto a capacidade de direito trata apenas de um critério quantitativo da personalidade. Ao final, os conceitos de personalidade jurídica e capacidade de direito se confundem. Para colmatar este tópico, estudemos a capacidade de fato. Capacidade de fato, nada mais é do que a possibilidade de se exercer os direitos e cumprir as obrigações. Capaz de fato é quem pode exercer, por força própria, os seus direitos. “Portanto, ter plena capacidade de fato é ter aptidão para utilizar os direitos na vida civil por si mesmo, sem necessidade de assistência ou representação”. Ou seja, capacidade de fato é poder exercer a capacidade de direito. V. INCAPACIDADES A partir desses entendimentos, poderemos passar para a análise das incapacidades, ou seja, das pessoas que têm personalidade jurídica, que são titulares de direitos, mas que não podem exercê-los, que não tem capacidade de fato. À guisa de início, podemos pensar nos menores de 18 anos. As crianças e adolescentes são pessoas físicas e, portanto, têm personalidade jurídica e capacidade de direito, são sujeitos de direito na ordem civil, mas não podem exercê-los. Essa limitação é facilmente explicável pela falta de discernimento que crianças e adolescentes têm. A lei entende que ao atingir os 18 anos, o indivíduo já tem discernimento suficiente para realizar os atos da vida civil, e por isso mesmo, tem capacidade de fato. O código, então, identifica dois tipos de incapacidade: 10 A. Incapacidade Absoluta: São absolutamente incapazes aquelas pessoas que não possuem qualquer discernimento para realizar atos jurídicos, seja pelo evidente nível inferior de desenvolvimento mental, seja pela impossibilidade de se manifestar. Assim, o Art. 3° indica um elenco numerus clausus dos que são considerados absolutamenteincapazes: Art. 3°. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade. O absolutamente incapaz não tem condições de realizar nenhum ato jurídico, e para tanto, qualquer ato por ele realizado será inquinado de nulidade. É bem verdade que mesmo não sendo capaz de exercer os atos da vida civil, o absolutamente incapaz precisa, de alguma maneira, se movimentar na ordem civil, precisa realizar atos civis, exercer seus direitos. Mas já sabemos que ele não pode fazê-lo pessoalmente. Para tanto, surge o instituto da representação, uma pessoa capaz de fato que atua em nome do absolutamente incapaz. O representante é o sujeito que atua em favor do incapaz, ele supre a vontade do incapaz. Este representante recebe nome específico quando da causa da incapacidade: se o sujeito é incapaz por força da idade, seu representante denominar-se-á Tutor; se o sujeito é incapaz por qualquer outro motivo que não seja idade, seu representante denominar-se-á Curador. Enfermos ou deficientes 11 mentais são aqueles que não apresentam qualquer discernimento em decorrência de uma moléstia mental, ou da falta de desenvolvimento mental. Já os que não podem exprimir sua vontade são aqueles que por qualquer motivo não podem se expressar, não podem manifestar-se e exteriorizar suas vontades (e.g. pessoa em estado comatoso, pessoa cega, surda e muda ao mesmo tempo). B. Incapacidade Relativa: É considerado pela lei como relativamente incapaz o indivíduo que já possui certo grau de discernimento, e que pode realizar alguns negócios jurídicos. O relativamente incapaz não é completamente obliterado como é o absolutamente incapaz. O relativamente incapaz apenas não atingiu o grau necessário de discernimento para atuar livremente na vida civil, mas já possui discernimento suficiente para, sozinho, realizar alguns negócios jurídicos. Mais uma vez, o legislador estabeleceu um elenco taxativo em relação aos relativamente incapazes. É o que se depreende da dicção do Art. 4°: Art. 4°. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV – os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial. 12 Todas as hipóteses trazidas pelos incisos deste artigo tratam da relativa diminuição no discernimento dessas pessoas. Os menores púberes são incapazes pelo falta de desenvolvimento mental que somente se concretizará com o tempo. Já os excepcionais são incapazes pela falta de desenvolvimento mental que é devido não à idade tenra, mas sim a uma moléstia. Os ébrios habituais são pessoas que perdem o discernimento em função do constante contato com a bebida alcoólica. Não se trata da simples ingestão de bebida praticada por inúmeras pessoas cotidianamente. Trata-se de uma doença crônica, na qual o indivíduo é completamente dependente do álcool. Por isso, tem seu discernimento limitado, assim como os viciados em tóxicos. Os excepcionais são aqueles que, considerados pela moderna medicina, não atingiram desenvolvimento mental normal, como as pessoas que apresentam síndrome de Down. Finalmente, os pródigos são aqueles que ‘dilapidam seus patrimônios’, pessoas que não podem realizar negócios financeiros, pois, não possuem qualquer noção de pecúnia, e por isso, acabam por destruir seus próprios patrimônios, põem em risco a integridade de seu patrimônio, e até mesmo de sua existência. A interdição do pródigo se limita a atos de natureza exclusivamente patrimonial. Qualquer ato da vida civil que não esteja ligado à pecúnia poderá ser realizado pelo pródigo, como por exemplo, instituição de sociedade matrimonial. Note-se que o absolutamente incapaz não possui nenhuma vontade. Por outro lado, o relativamente incapaz já possui vontade própria, porém não tem o discernimento necessário para dela se valer. Então, em relação à incapacidade relativa, não se pode falar em representação, mas sim em assistência. O assistente se incumbe de acompanhar o relativamente incapaz nos atos da vida civil. Sabemos que determinados negócios jurídicos podem ser realizados exclusivamente pelo incapaz, entretanto, existem outros para os quais a lei exige a presença de um assistente que ajude na condução de tais negócios. 13 Note-se que na incapacidade relativa, a vontade do incapaz tem relevância e será levada em consideração na formação do negócio. A vontade manifestada para a realização do ato civil será uma soma das vontades do incapaz e do assistente. O casamento já é uma situação ligeiramente diferente, pois o incapaz precisa da autorização do assistente para constituir a sociedade matrimonial, entrementes, não é o assistente que exprime a vontade de casar, mas o próprio nubente incapaz o faz. Não é demais lembrar, então, que o relativamente incapaz, por ter certo grau de discernimento, já pode realizar atos civis sozinho, porém, alguns outros que se revestem de maior solenidade, exigem a manifestação do assistente. VI. INTERDIÇÃO Sabemos que todos aqueles que foram citados nos incisos dos artigos 3° e 4° não tem plena liberdade de agir no mundo civil, ou seja, não possuem capacidade de fato e por isso mesmo estão limitados no exercício de seus direitos. Um negócio jurídico realizado por um incapaz será inválido, pois a vontade emanada por ele é defeituosa, já que ele não tem o discernimento necessário para professar sua vontade. Acontece que, para se efetivar juridicamente a incapacidade, é necessário um processo judicial no qual será atestada a incapacidade (relativa ou absoluta). Se restar comprovada a incapacidade, o juiz proferirá uma sentença de interdição, que declara a real incapacidade do indivíduo para os atos da vida civil, limitando-o no exercício de seus direitos e nomeando-lhe um representante ou assistente, dependendo do caso de incapacidade. É ululante que não se pode pedir a interdição de um incapaz por motivo de idade. A incapacidade por razão da idade é transitória, pois, assim que a pessoa atingir os 18 anos, terá capacidade de fato, e não mais será considerada 14 incapaz. É necessário, por outro lado, o processo de interdição em relação a todos os outros tipos de incapazes. O processo de interdição configura-se por uma análise pericial, na qual o perito constatará a existência de uma doença mental, da impossibilidade de manifestar a vontade, da prodigalidade, etc. Devemos, agora, analisar a natureza da sentença de interdição. A incapacidade é uma circunstância de fato, mas que cabe ao juiz atestar a sua existência. O juiz não constrói, não constitui a incapacidade, ele apenas atesta a sua existência, declara-a. Por isso, a natureza da sentença é declaratória. Acontece que uma sentença declaratória atesta uma circunstância que já existia antes do processo judicial. Isso nos faz inferir que se a sentença declara uma situação anterior a ela, os seus efeitos devem buscar o pretérito, ou seja, devem retroagir. Grave problema que se estabelece aqui é o da segurança jurídica. A sentença terá efeitos ex tunc (retroagirá no tempo, buscando o estabelecimento do status quo ante) ou terá efeitos ex nunc (somente produz efeitosapós a prolação da sentença)? A melhor solução é a que preza pela segurança jurídica, emprestando efeitos ex nunc à sentença. Mas, se o incapaz realiza ato jurídico antes da sentença de interdição, este poderá ser anulado (ação de anulação), privilegiando- se a segurança jurídica e o terceiro de boa-fé. São legitimados para requer ação de interdição os ascendentes, descendentes e cônjuge do incapaz, assim também como o Ministério Público (Art. 1.177, CPC). Devemos lembrar a possibilidade da revogação da interdição. Isso porque a causa da incapacidade pode se dissolver seja através do tempo, ou de tratamentos, o interdito pode recuperar ou atingir o grau de discernimento necessário à capacidade de fato. 15 Questão importante de se salientar é a de pessoas que não possuem certidão de nascimento. Muito comum em um país que apresenta diversas precariedades, a falta de registro de nascimento. Pessoas que não tem certidão de nascimento, obviamente são consideradas capazes de direito, porquanto esta é adquirida quando do nascimento com vida. Problema deveras espinhoso, no entanto, é estabelecer a idade daquela pessoa, que será feita por prova testemunhal de seus pais, outros parentes ou até mesmo vizinhos. Finalmente, é de se notar que existem algumas relações jurídicas tão usuais no bojo social permitem a participação de incapazes. É o chamado comportamento concludente, ou no dizer de Karl Larenz ‘contratos sociais adequados’. (e.g. uma criança de 9 anos que compra uma revista). VII. EMANCIPAÇÃO Passaremos, agora, à análise do Art. 5° do Código Civil, cuja redação nos indica: Art. 5°. A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II – pelo casamento; III – pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; 16 V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. “A emancipação representa ‘a aquisição da capacidade civil, antes da idade legal”. A emancipação é ato pelo qual se antecipa a capacidade de fato do menor púbere. Ou seja, através do instituto da emancipação, é possível conceder ao menor incapaz (Art. 4°, I), antes da maioridade civil de 18 anos, a capacidade de exercício, a capacidade para se exercer os atos da vida civil. Sabemos que o indivíduo, ao atingir os 18 anos, torna-se plenamente capaz. O que acontece na emancipação é a simples antecipação da capacidade de fato. Deste modo, pode- se observar dois tipos de emancipação: A. Emancipação voluntária: É aquela que surge da vontade dos pais, que expressam seu desejo no sentido de seu filho emancipado. A emancipação é ato unilateral de vontade dos pais, não devendo se deixar de lado, entretanto, o melhor interesse do menor.“Para que não se coloque em dúvida a intenção dos pais, nem se alegue que a emancipação está sendo feita para que os pais se livrem da obrigação de sustento do filho, é conveniente que o filho emancipado participe do ato como anuente”. Para que se proceda a emancipação voluntária (ou emancipação outorga) deve ser feita uma escritura pública de emancipação, que deverá ser devidamente registrada em Registro Público (Art. 9°, II, CC c/c Art. 90 da Lei 6.015/73). Este registro tem natureza constitutiva, diversa, por exemplo, do registro de nascimento que tem natureza declaratória. São legitimados para requerer a emancipação os pais do incapaz que estiverem no exercício do poder familiar. Estão legitimados, então, ambos os pais, ou seja, é necessária a anuência conjunta de pai e mãe. Existem julgados avessos a tal obrigatoriedade, mas é o que se 17 depreende da hermenêutica legal. Também temos a emancipação voluntária por força do tutor. Quando o infante não tem pais, ou estes foram destituídos do poder familiar, ter-se-á a figura do tutor. Este pode requerer a pedido de emancipação, exclusivamente, mediante juiz competente que outorgará a emancipação através de uma sentença judicial. B. Emancipação Legal: Estas são as hipóteses que decorrem imediatamente do texto da lei, são situações ex lege. Constatadas as circunstâncias previstas nos incisos II, III, IV e V do Art. 5°, o menor estará automaticamente emancipado. Analisemo-as individualmente: - Casamento: O menor de dezesseis anos, pelo ordenamento jurídico, pode se casar, desde que amparado pela devida autorização de seus pais. O condomínio matrimonial requer diversas responsabilidades, impõe uma gama de situações nas quais se faz mister a plena capacidade de exercício. Por isso mesmo, a lei concede a emancipação ao menor púbere que se casar. Lembremo-nos que é exigida a autorização dos pais, conforme Art. 1.517: Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Uma vez casado, o indivíduo é automaticamente emancipado. O divórcio ou a separação não têm o condão de revogar a emancipação. O emancipado não volta a ser incapaz caso ele venha a se separar ou se divorciar. Entretanto, se o 18 casamento está inquinado de nulidade, se ele apresenta qualquer indício para ser considerado nulo (Art. 1.548, CC), sabemos que a sentença que declarar a nulidade do casamento terá efeitos ex tunc, restabelecendo o status quo ante, e, portanto, revogando a emancipação. Porém, temos a exceção do cônjuge de boa- fé no casamento putativo, o qual faz permanecer a emancipação (Art. 1.561, CC). Já nos casos de anulabilidade do casamento, a sentença constitutiva de anulação terá efeitos ex nunc, fazendo continuar a emancipação (Art. 1.550, CC). Exceção a esta regra é quando o menor sem a autorização dos pais (Art. 1.550, II, CC). Mesmo sendo hipótese de anulabilidade, entende-se que os efeitos serão retrógrados, atingido a emancipação, devido à torpeza do menor que se esquiva da autorização dos pais. A lei permite o casamento abaixo da idade núbil nas seguintes circunstâncias: Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda n ao alcançou a idade núbil (Art. 1.517), para evitar imposição de pena criminal ou em caso de gravidez. Então, se uma rapariga de 12 anos engravida, ela poderá se casar. A questão é: tal casamento tem o condão de antecipar a capacidade de fato, mesmo abaixo dos 16 anos? Maior parte da doutrina entende que sim, entrementes há embate doutrinal, sendo que uma minoritária corrente defende que apenas quando se atinge a idade núbil é possível se ter a emancipação. - Exercício de emprego público efetivo: 19 Este dispositivo encontrava guarida na legislação anterior, mas sua mantença no atual ordenamento se acha um tanto inusitada. Enfim, aquele que exercer emprego público, será emancipado. Há certa discussão no que concerne ao estágio probatório. Os cargos públicos exigem um período de adequação até que o funcionário possa ser efetivado. Parte da doutrina entende que a mera convocação para o cargo não pasta para constituir a emancipação, sendo necessário passar por todo período de estágio probatório. Entretanto, outro lado da doutrina se encaminha para afirmar que a simplesconvocação já basta para se verificar a emancipação. - Colação de grau em curso de ensino superior: Hipótese assaz rara é esta na qual o menor se torna emancipado por concluir o nível superior. Note-se que se trata exclusivamente de ensino superior, e não técnico. - Estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria: A lei, por entender que o menor que já tenha como se sustentar, garante- lhe a emancipação. “A expressão economia própria deve ser entendida no sentido da caracterização de renda suficiente para a sobrevivência da pessoa, de acordo com o nível social em que está inserida”. Finalmente, o menor que participa de uma relação empregatícia; que faz parte de uma sociedade simples; ou que faz parte de uma sociedade empresarial que lhe garantam o sustento próprio, emancipado será. 20 VIII. MORTE A morte é o momento no qual se verifica a cessação da personalidade jurídica da pessoa natural. O momento da morte é indicativo de que a pessoa natural não mais será considerada pela ordem jurídica, ou seja, além de deixar de existir faticamente, deixa também de existir juridicamente. Assim, pode-se dizer que com a morte vem a extinção da personalidade jurídica. Questão que se apresenta é a de se determinar quando ocorre a morte. O código civil é silente em relação aos critérios para se determinar a morte, mas podemos buscar alhures no ordenamento jurídico lei ordinária que discipline tal assunto, qual seja a lei dos transplantes de órgãos (Lei n° 9434/97). O artigo 3° da referida lei indica que somente se considerará morto aquele que tiver constatada a morte encefálica, ou seja, a cessação de todas as atividades neurais. Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. O código civil identifica dois tipos de morte. De um lado a morte natural, objetivamente verificada através de critérios médicos, possibilitando a lavratura da certidão de óbito. De outro lado encontra-se a morte presumida, criada pela lei quando esta identifica hipóteses nas quais haja alta probabilidade de ter ocorrido a morte efetiva. Art. 7°. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida; 21 II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento. Desta feita, será presumida a morte quando for extremamente provável que tenha acontecido a morte, como no caso das vítimas do World Trade Center cujos cadáveres não foram encontrados. Também é presumida a morte, quando dois anos após término de guerra, o soldado de que não se tem notícia. Finalmente, existe uma outra hipótese de morte presumida que merece maior atenção, que é a ausência. IX. AUSÊNCIA Além das duas hipóteses de morte presumida supramencionadas, devemos estudar igualmente a ausência, situação jurídica que permite presumir- se a morte. A ausência se dá quando uma pessoa desaparece de seu domicílio sem deixar qualquer vestígio, rompe comunicações com todos os seus conhecidos e não deixa rastro nem notícia de seu paradeiro. Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador. 22 Lembre-se que, com a morte, cessa-se a personalidade jurídica, e, portanto, o patrimônio do morto fica sem titular. Acontece que os bens não podem gravitar pelo mundo jurídico sem um proprietário. Por isso mesmo, o direito das sucessões cria uma ficção jurídica que nos permite identificar o momento da morte como o instante de transferência imediata da titularidade do patrimônio, do de cujus para seus sucessores. Este é o chamado princípio da Saisine, importado do direito francês e insculpido no Art. 1.517, CC. Com a ausência não é diferente. O patrimônio daquele que desaparece não pode ficar desamparado. Assim, a primeira providência a ser tomada é a nomeação de um curador, que terá a administração dos bens do desaparecido. Ou seja, qualquer interessado que já tenha esgotado todos os recursos possíveis para se encontrar o desaparecido, pode ingressar em juízo e pedir a declaração de ausência. O juiz, então, prolata uma sentença que declara a ausência, verificados todos os pressupostos para esta, e nomeia um curador para a administração dos bens do ausente. Já constituído o curador, o juiz lançará mão de editais a cada dois meses chamando o ausente para entrar na posse de seus bens. O curador será nomeado conforme a redação do Art. 25: Art. 25. O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado judicialmente, ou de fato por mais de dois anos antes da declaração de ausência, será o seu legitimo curador. §1º Em falta do cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe aos pais ou aos ascendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo. §2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos. §3º. Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador. Passado um ano depois da declaração de ausência e da arrecadação dos bens, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória (Art. 26, 23 CC). “A sucessão provisória é a segunda etapa da ausência, na qual, tendo em vista a extensão do desaparecimento do ausente, seus interesses são ponderados com aqueles dos sucessores. Os bens do ausente são entregues aos herdeiros presumidos, mas com uma serie de cautelas para preservar a integridade do patrimônio, em nome da ainda considerável possibilidade de retorno do ausente...os sucessores provisórios não recebem a propriedade plena dos bens, mas tão-somente sua posse, com alguns direitos previstos em lei”. Note-se que se passados 3 anos do desaparecimento de uma pessoa que tenha deixado representante, os legitimados poderão requerer a declaração de ausência e a abertura da sucessão provisória. A sucessão provisória apenas dará azo à abertura de testamentos, de inventários e da partilha, apenas 180 dias após a prolação da sentença do juiz declarando aberta tal sucessão. O código faz uma ressalva com o fito de proteger os interesses do ausente, exigindo dos sucessores que se imitirem na posse, uma garantia de restituição dos bens (Art. 30, CC). Esta regra não se aplica àqueles herdeiros imediatos, como o cônjuge, ascendentes e descendentes. Se restar provado o falecimento do ausente, dá-se lugar a sucessão tradicional, seguindo-se todas as normas preceituadas pelo direito das sucessões e pelo Art. 35, CC. Todavia, se o ausente reaparece, voltará ele à posse de seus bens (Art. 36, CC). Transcorridos dez anos da abertura da sucessão provisória, podem os legitimados requeres a abertura da sucessão definitiva. A última etapa do processo de ausência é a chamada sucessão definitiva que consiste, principalmente,na lavratura da certidão de óbito do ausente, considerado, agora, morto. Interessante questão que se põe ao se tratar de ausência é a liberdade para o cônjuge do ausente contrair novo casamento. Já é assentada jurisprudência em entender que existe a possibilidade da dissolução do vínculo conjugal antes da sucessão definitiva. 24 X. DIREITOS PERSONALÍSSIMOS Para iniciarmos este estudo, recorreremos ao trecho supracitado de autoria do Professor Gustavo Tepedino, “A rigor, há dois sentidos técnicos para o conceito de personalidade. O primeiro associa-se à qualidade para ser sujeito de direito, conceito aplicável tanto às pessoas físicas quanto às jurídicas. O segundo traduz o conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada objeto de proteção privilegiada por parte do ordenamento, bem jurídico representado pela afirmação da dignidade humana, sendo peculiar, portanto, à pessoa natural”. O direito dispensa uma proteção especifica para o segundo conceito elegido por Tepedino. Existem atributos e qualidades intrínsecas e exclusivas da personalidade humana, cuja tutela é exercida pela Constituição e pelo Código Civil, com o interesse de se manter integro o atributo basilar da personalidade, qual seja, a dignidade da pessoa humana. O Direito Constitucional habilita-se a tutelar os direitos decorrentes da personalidade, sob o nome de Direitos Fundamentais. A importância da tutela de tais direitos pelo Direito Público é máxime, pois coloca o Estado numa posição privilegiada, capaz de proteger tais direitos. Um bom exemplo da tutela constitucional dos direitos da personalidade é a Carta Magna de João Sem-Terra, que indicava como esses direitos a liberdade de ir e vir, e criava como remédio à violação de tal direito o instituto do habeas corpus. Além do dispositivo referente à consagração do principio da dignidade da pessoa humana, devemos atentar, no que diz respeito à tábua axiológica constitucional, aos incisos V e X do Art. 5° da Constituição Federal: Art. 5°. V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; 25 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Desta maneira, a ordem constitucional estabelece uma rígida proteção aos direitos personalíssimos, garantindo uma indenização a título de danos morais. O estudo dos danos morais cabe à cadeira de Responsabilidade Civil, porém daremos uma breve noção do que seja a noção de dano moral, pelas solares exposições de Maria Celina Bodin de Moraes, que nos indica o dano moral como uma conseqüência da violação de um direito personalíssimo associado a um grave dano à dignidade humana. Entendimento diverso e mais amplo é aquele defendido por maior doutrina e jurisprudência , sintetizado por Sergio Cavalieri ao dizer: “(...) Para os que preferem um conceito positivo, dano moral é dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação – enfim, dor na alma. (...) a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos.” Caso interessante é o de famosa atriz que, na década de 90, posou nua para uma revista pornográfica de renome. Acontece que o ensaio fora divulgado antes da revista por um jornal de circulação popular. A atriz postulou ação de indenização por danos morais por ter sido violado seu direito de imagem. O intento judicial chegou ao Superior Tribunal de Justiça, depois de desastrada decisão do TJRJ, na qual o desembargador afirmou que ‘mulher bonita não sofre dano moral’. Os direitos personalíssimos não podem ser quantificados na esfera pecuniária, mas a sua violação receberá uma avaliação monetária a título de restituição por dano moral. 26 Partimos para uma avaliação classificatória dos direitos personalíssimos, realizada pela doutrina. Assim, recorremos às lições de Bodin de Moraes, Barboza e Tepedino: “Em doutrina destacam-se as características dos chamados direitos da personalidade. São eles: inatos, no sentido de surgirem com a própria existência da pessoa humana; extrapatrimoniais, embora sua lesão possa surtir efeitos patrimoniais; absolutos, isto é, oponíveis erga omnes; indisponíveis,abrangendo sua impenhorabilidade e a mencionada irrenunciabilidade; imprescritíveis, pois a sua lesão não convalesce com o tempo; e a citada intransmissibilidade”. Ainda podemos acrescentar que os direitos da personalidade são atípicos, uma vez que a lei não lhes indica um rol numerus clausus, sendo tais direitos personalíssimos oriundos da cláusula geral de tutela da dignidade humana. Pondere-se, igualmente, que tais direitos são indisponíveis, mas passivos de cessão parcial. Ou seja, é possível que uma pessoa permita o uso de sua imagem, porém não há a renúncia. XI. DOMICÍLIO Domicílio é conceito jurídico e não deve se confundir com as noções de morada e residência. Como diria Bruno Lewicki: “a morada não implica idéia de permanência, a residência implica e o domicílio pressupõe a permanência com o ânimo definitivo”. O domicílio, então, é o ambiente espacial no qual a pessoa física se estabelece com o fito de por lá permanecer tempo longo e indeterminado, ou seja, com ânimo definitivo, para que neste local possa exercer de pleno sua capacidade civil. 27 Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Ressalte-se que se deve ater ao elemento subjetivo, ao estado anímico do sujeito de permanecer naquele lugar. Não importa se a pessoa trabalhe em cidade diferente ou se não é a proprietária do local onde estabelece seu domicílio. Se a pessoa natural apresentar diversas residências, toma-se como domicílio qualquer um deles. É a chamada duplicidade de domicílios, acolhida pelo Código Civil: Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas. Se, pelo contrário, a pessoa não dispuser de qualquer domicílio, ou seja de difícil determinação a localização dele, ter-se-á por domicílio, o local onde esta pessoa for encontrada. O andarilho que vaga sem rumo e que não impõe o ânimo definitivo às residências nas quais se aloja, terá como domicílio o lugar onde for encontrado. A pessoa natural pode ter como domicílio o seu local de trabalho, exclusivamente no que concerne às atividades decorrentes do labor (Art. 72). Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada. Lembre-se que o domicílio eleitoral não se confunde com o domicílio civil, apenas é indício deste, como também o são os débitos. A comprovação do 28 domicílio é complicada, sendo os melhores registros para este a Receita Federal e o Tribunal Regional Eleitoral. A lei civil abre uma distinção entre domicílio voluntário e necessário. Domicílio necessário ou legal é aquele estipulado pela lei, como no caso do preso ou do marítimo. Assim também se estipula o domicílio do incapaz, que será o mesmo de seu representante (Art. 76). Os agentes diplomáticos que representam o Brasil no exterior respondem como se fossem domiciliados no Brasil, especificamente em Brasília ou então no último domicílio fixado em terra brasileira (Art. 77). Assim, se a mulher do embaixador do Brasil na França quiser dele se divorciar, deverá intentaras devidas ações judiciais em Brasília, e não na França. A título de curiosidade, o direito adjetivo estabelece duas ações para se intentar a citação em outro estado da Federação (Carta Precatória) ou em outro país (Carta Rogatória). Finalmente, remete-se ao domicilio contratual. O Código Civil permite aos contratantes estabelecer um domicílio específico para todos os direitos e deveres decorrentes do contrato. Porém, na seara consumerista, esta disposição pode ser considerada abusiva, quando, e.g., se der um contrato de adesão e o consumidor se vir obstado em seu direito de acesso à justiça (vide Art. 51, Lei. 8.098/90). XII. PESSOA JURÍDICA Pessoa jurídica é um ente moral criado com o escopo de atingir determinado fim social. A vida em sociedade exigiu do homem a construção de grupos. Ou seja, o homem passou a compreender que precisa da ajuda do próximo para atingir seus objetivos, e desta maneira, criar um ente capaz de buscar esses interesses coletivos. A pessoa jurídica existe por conta de uma 29 necessidade de associação para determinada finalidade, determinado objetivo. São constituídas para que a união de determinadas pessoas físicas ou jurídicas possa atender a um objetivo. Muitas são as teorias que discorrem sobre a natureza jurídica da pessoa moral, destacando-se a teoria realista e a teoria ficcionista. Mas a doutrina mais moderna já chega a um entendimento ubíquo: “A pessoa jurídica, segundo a teoria da realidade técnica, existe de fato para o direito, não como uma realidade corporal, mas ideal. É uma das criações da ciência jurídica, que aprecia os diferentes fenômenos de acordo com critérios próprios e escolhe, discricionariamente, quais grupos humanos podem receber a personalidade e seus atributos”. Assim, à reunião de pessoas físicas ou jurídicas que tenham determinado objetivo a cumprir, o direito empresta personalidade para que este grupo, esta reunião possa atuar no mundo jurídico. As pessoas jurídicas dividem-se em: Pessoas Jurídicas de Direito Público e Pessoas Jurídicas de Direito Privado. Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado. Pessoas jurídicas de direito público interno são aquelas que resguardam os interesses da coletividade como um todo, e.g. a União, os Estados Federados e as autarquias (Art. 41). Já as pessoas jurídicas de direito público externo são aquelas que representam interesses de caráter internacional, ou que atuam na órbita da coletividade internacional, e.g. Os Estados soberanos, a Santa Sé e a ONU (Art. 42). 30 Por outro lado, as pessoas jurídicas de direito privado são aquelas criadas por particulares com o intuito de perseguir interesses exclusivos daquele grupo. Estão elas elencadas no Art. 44, CC: Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; IV – as organizações religiosas; V – os partidos políticos. §1º. São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. §2º. As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código. §3º. Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica. As associações e fundações serão objeto de nosso estudo logo em breve. As sociedades são objeto de estudo exclusivo do Direito Societário, nas cadeiras de Direito Empresarial. Todavia, é importante ressaltar que as sociedades são pessoas jurídicas que têm por objetivo a obtenção de lucro. Desde o pequeno consultório médico até as empresas multinacionais, temos aí a conformação de diversos tipos societários, todas pessoas jurídicas que visam o lucro. Os partidos políticos e as organizações religiosas são objeto de estudo de Direito Constitucional I e III, respectivamente. 31 Passemos, então, a analisar as regras gerais da pessoa jurídica. XIII. REGRAS GERAIS DA PESSOA JURÍDICA Devemos lembrar que estas regras serão aplicadas a todos os tipos de pessoas jurídicas, até mesmo às sociedades que tem seu arcabouço jurídico esmiuçado no Livro II da Parte Especial do Código Civil. Para que uma pessoa jurídica exista e possa penetrar no mundo jurídico, é mister a feitura de um ato que capaz de criar esse ente moral, um contrato formado pela manifestação de vontade dos integrantes daquela pessoa jurídica, no sentido de se estabelecer um ente moral capaz de perseguir, no mundo jurídico, determinados objetivos. Este ato é chamado de Contrato Social. O contrato social é o instrumento responsável pela gênese da pessoa jurídica, assim como pela sua organização, pela estipulação de sua finalidade, de seus representantes, seu domicílio, seu nome e outras características imprescindíveis à formação da pessoa jurídica. O Estatuto Social é, então, a matriz jurídica da pessoa moral, responsável pela determinação de todos os ditames que irão reger aquela pessoa jurídica. Art. 46. O registro declarará: I – a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II – o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III – o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV – se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V – se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; 32 VI – as condições de extinção da pessoa jurídica e do destino do seu patrimônio, nesse caso. Feito o Contrato Social, este deverá ser levado ao Registro de Pessoas Jurídicas . O Estatuto Social apenas cria a pessoa jurídica no mundo dos fatos, enquanto ele não for levado a Registro, a pessoa jurídica existirá apenas no ‘mundo das idéias’. É a averbação em Registro que garante à pessoa jurídica a sua existência no mundo do Direito, entregando-lhe personalidade civil. Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito provado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, procedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro. Deveras importante de se lembrar é o fato de que a pessoa jurídica tem personalidade civil diversa da dos seus membros! A pessoa jurídica tem personalidade civil própria e exclusiva, que não se confunde com a de seus membros (princípio da separação). Se, portanto, o Contrato Social não for levado a registro, o ente moral não terá adquirido personalidade e seus membros responderão pelos seus atos. Se uma associação contrai uma dívida, seus credores poderão haver penhorados, exclusivamente, os bens da associação. Entrementes, se esta mesma associação não tiver sido devidamente registrada (e, portanto, não tem personalidade) as dívidas serão quitadas pelos seus membros, atingindo-se o patrimônio destes, pois sem o devido registro, a pessoa jurídica 33 não existe para o direito. Esta situação, na qual a pessoa jurídica apenas existe no mundo dos fatos, é denominada sociedade irregular ou sociedade de fato. Desta feita, os membros responderão pessoal e individualmentecom seus próprios patrimônios. XIV. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Como vimos anteriormente, a pessoa jurídica possui personalidade civil diversa da de seus membros – societas distat a singulis. Não raramente, os sócios e administradores de entidades se utilizam da personalidade própria da pessoa moral para atingir interesses particulares. Assim, poderia se pensar num administrador que utiliza o fundo social para comprar um carro, ou o sócio que proibido de fazer determinado ato, o faz em nome da pessoa jurídica. A personalidade jurídica do ente moral pode servir para encobrir e alcançar interesses particulares e escusos de seus membros. Para que esse tipo de ilegalidade não ganhasse proporção demasiada, a doutrina estadunidense criou a chamada teoria do lifting the corporate veil. Esta teoria permite afastar o principio da separação e atingir diretamente o patrimônio do membro responsável pela ilegalidade. É levantado o véu da pessoa jurídica, utilizada como esconderijo, para se identificar o verdadeiro deturpador da entidade. Há, portanto, um abuso da personalidade da pessoa jurídica, o sócio ou administrador se utiliza levianamente do ‘escudo’ que a personalidade do ente moral lhe representa para 34 conseguir vantagens ilegítimas e ilegais. Tal ilegalidade, que enseja a desconsideração da personalidade, é observada em dois casos: Confusão patrimonial (quando o sócio se utiliza indevidamente do patrimônio da pessoa jurídica, ou quando contrai dívida pessoal e a imputa à pessoa jurídica) ou desvio de finalidade (quando o sócio se utiliza da personalidade do ente moral para conseguir vantagens particulares, diversas dos interesses da pessoa jurídica). São legitimados para intentar a desconsideração da personalidade os credores ou o parquet, sendo o caso avaliado concretamente pelo juiz, e desconsiderada a personalidade estritamente para se resolver aquela questão, ou seja, não há a dissolução da entidade, apenas a desestimação da personalidade para se afastar a ilegalidade realizada por um membro. XVI. ASSOCIAÇÕES A principal característica que nos permite diferenciar a associação de uma fundação ou de uma sociedade é a sua finalidade. Já sabemos que as sociedades perseguem o lucro, mas e a finalidade de uma associação? Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. Desta maneira, um grupo de pessoas pode se reunir para criar uma associação capacitada para atingir um objetivo qualquer, exceto o lucro. O exemplo mais corriqueiro é de um clube. Os associados de um clube se reúnem com o simples escopo de recreação. 35 A lei exige que os estatutos que constituem as associações possuam determinadas disposições: Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá: I – a denominação, os fins e a sede da associação; II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III – os direitos e deveres dos associados; IV – as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos; VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas. Os critérios para se admitir um associado serão previstos pelo Ato Constitutivo, porém não podem ser guiados por discriminações injustificadas, como aquelas repudiadas pela própria Constituição (e.g. racismo). Assim também é vedada a diferenciação de direitos entre os associados, salvo se disposto no Estatuto. Ou seja, o Contrato Social pode prever a discriminação razoável dos associados (honorários, beneméritos, efetivos e etc.). Note-se que, apesar das diversas ressalvas possíveis de serem feitas no estatuto quanto aos direitos dos associados, devemos asseverar que todos, indiscriminadamente, tem o direto de convocar assembléia geral. Art. 55. Os associados devem ter direitos iguais, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais. 36 É regra geral, também, a intransmissibilidade da condição de sócio. O sócio mantém um vínculo de caráter pessoal com a associação, portanto, o título está intrinsecamente ligado à pessoa do sócio, explicando a impossibilidade da transmissão da condição de sócio. Será transmissível a quota, futuramente revestida em pecúnia, mas não passará para o sucessor a qualidade de sócio. O estatuto pode prever o oposto, por ser o Art. 56 cláusula dispositiva. Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário. Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto. Lembre-se que entre os associados não existe relação jurídica direta, apenas entre associado e associação. Além disso, necessário ressaltar que apesar do fito não econômico, a associação pode exigir o pagamento de taxas que se reverterão exclusivamente em prol da associação. - Da extinção das associações: A pessoa jurídica poderá ser extinta, e, portanto, deixar de existir no mundo jurídico. São vários os tipos de extinção, valendo-nos das preciosas lições de Bodin de Moraes, Tepedino e Barboza, em seu Código Interpretado: “Será convencional quando tiver origem na deliberação dos associados, os quais, munidos que estiveram do poder de criá-la, têm, pelo mesmo fundamento, o poder de extingui-la. A deliberação deverá ocorrer em conformidade com o previsto no estatuto e, se não for unânime, ficam resguardados os direitos da minoria vencida. Será administrativa nos casos de associações que, em virtude de um objeto específico, demandam autorização do 37 poder público para funcionar. Se desviadas de seu objeto ou praticarem outros atos que derem causa à cassação da autorização, extinguir-se-á a pessoa jurídica. Será legal quando fundamentada em motivo previsto em lei, como o implemento de condição ou termo a que esteja subordinada sua existência, ou no caso de a associação possuir finalidade especifica, quando esta for atingida. Chama-se judicial quando tiver origem em processo”. contencioso, como quando questionada a possibilidade de sua sobrevivência e, enfim, natural, quando sua extinção decorrer do falecimento de todos os associados, impossibilitada a transmissão sucessória desta condição”. É de se ressaltar que, quando da extinção convencional, esta deverá ser levada a registro, e somente depois de quitadas todas as pendências jurídicas, ter-se-á a extinção. Devemos destacar, igualmente, a extinção através do processo de falência. Falência é um processo judicial pelo qual passa a pessoa jurídica que está em pendência com seus credores e não mais pode se sustentar. A entidade permanecerá existindo até que quite suas dívidas. Não sendo isso possível, extingue-se, mesmo assim, a pessoa jurídica e distribui-se a massa falida entre os credores. Uma vez extinta, os bens daquela associação não se reverterão embeneficio dos associados, mas sim de instituições de escopo semelhante ou do Estado. Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, á instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes. 38 §1º. Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação. §2°. Não existindo no Município, no estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União. XVII. FUNDAÇÕES Novamente, o que vai nos ajudar a distinguir a fundação dos outros tipos de pessoa jurídica é a finalidade a que se dirige. As fundações não podem ter qualquer escopo de caráter econômico, assim como as associações, e mais ainda, deve se destinar a um objetivo filantrópico, altruístico. Uma notável peculiaridade da fundação é que ela não é decorrente da união de pessoas, mas sim fruto da vontade de um indivíduo que disponibiliza bens livres que servirão a determinado fim. “É uma pessoa jurídica de tipo especial, pois não se forma pela associação de pessoas físicas; nem é obra de um conjunto de vontades, mas, de uma só, ou seja, é criada pela atribuição de personalidade ao conjunto de bens destinados à realização de certo fim, socialmente útil”. Assim, será constituída uma fundação pela disponibilização de bens livres através de escritura pública ou testamento, direcionados à realização de algum fim socialmente útil. Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. 39 Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Um bom exemplo de uma fundação é a Pontifícia Universidade Católica se forma entorno de um patrimônio, visando atender a um objetivo cultural e educacional. A mensalidade cobrada se reverte exclusivamente para a mantença da instituição, sem qualquer fim lucrativo. Outra interessante especificidade das fundações é o cuidado dispensado pelo parquet, que dispõe de um órgão especial (Curadoria de Fundações) responsável pela fiscalização das fundações. Desta maneira, o Ministério Público se incumbe de fiscalizar e zelar pelo bom funcionamento das fundações, garantindo a utilidade social delas (Art. 66). Lembre-se que uma vez extinta a fundação, seus bens irão se reverter em benefício de fundações de fins idênticos ou, então, do erário público, jamais serão incorporados ao patrimônio de seu instituidor ou administradores. A extinção da fundação somente será veiculada através de decisão judicial, cabendo ao Ministério Público ou a qualquer interessado pedir a sua extinção, seja pelo desvio, ilicitude, impossibilidade ou inutilidade de sua finalidade (Art. 69). XVIII. BENS Bem é a classificação jurídica dada a todo e qualquer objeto que se insere na órbita de uma relação jurídica. Muito se aproximam os conceitos de bem e coisa, porém a doutrina vem construindo diversos entendimentos, concluído-se que coisa está relacionada ao mundo matéria, tangível, enquanto bem recebe uma conotação mais ampla, abrangendo também o mundo da abstração. À guisa de exemplo, podemos citar uma casa sendo um bem tangível (coisa) mensurável 40 economicamente; e a honra com sendo um bem intangível, abstrato que não é passível de uma análise econômica. Assim, bem jurídico ganha uma acepção de objeto de direito, objeto de uma relação jurídica, que será composta por sujeitos (pessoa física ou jurídica) e pelos bens. Finalmente, podemos pensar naqueles bens que tem caráter econômico, que são apreciáveis economicamente, e portanto, compõe uma universalidade de direitos (Art. 91) chamada patrimônio. Patrimônio, na definição aguçada de Beviláqua, é o complexo das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis economicamente. A melhor didática e a própria doutrina nos sugere a classificação dos bens respeitando diversas categorias: - Bens considerados em si mesmos: A) Bens imóveis e bens móveis: Bens imóveis são aqueles que estão intrinsecamente incorporados ao solo, seja pela ação da natureza, seja pela ação do homem. É da essência do objeto pertencer ao solo e dele não se desligar, como é a árvore ou a construção predial. São objetos que estão presos ao solo e que dele forem desligados, perderam sua utilidade econômico-social. É de se ressaltar que serão considerados imóveis todos aqueles bens que se incorporarem ao bem imóvel principal, e com este mantiver uma relação de permanência, como é, por exemplo, o tijolo, um balcão ou uma pia. Ver Arts. 79, 80 e 81. Bens móveis são aqueles capazes de deslocamento no espaço físico, seja por força própria, seja por força externa. Os animais são bens móveis que se movimentam por força própria, sendo denominados de semoventes. Ver Arts. 82, 83 e 84. 41 B) Bens fungíveis e infungíveis: Bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade (Art. 85). O bem fungível por excelência é o dinheiro. Ao revés, bens infungíveis são aqueles que guardam uma característica peculiar e individual, que os impossibilita de serem substituídos. No dizer de Maria Helena Diniz: “bens infungíveis são os que, pela sua qualidade individual, têm um valor especial, não podendo, por esse motivo, ser substituídos sem que isso acarrete a alteração de seu conteúdo”. Note-se que não é o valor da estima que torna um bem infungível, mas sim as suas características peculiares. Bom exemplo de bem infungível é uma garrafa de vinho C) Bens consumíveis e inconsumíveis: Consumível é o bem que importa sua consumação imediata, cujo uso implica em sua alienação, e que tal utilização não pode ser renovada (Art. 86). O bem consumível por excelência é o alimento. Já bem inconsumível é aquele cujo uso não implica em sua alienação, e, portanto, o bem permanece existindo mesmo depois de sua reiterada utilização. Exemplo comum é o carro. D) Bens divisíveis e indivisíveis: Bem divisível é aquele cuja divisão, partição não acarreta em mudança na sua natureza. Bem indivisível é aquele que ao ser dividido perde completamente sua utilidade, tem sua substância alterada (Art. 87). A característica da indivisibilidade de um bem pode se originar da vontade das partes ou da lei, mesmo que faticamente o bem seja divisível (Art. 88). E) Bens coletivos e singulares: Bem singular é aquele cuja existência é plenamente independente da de qualquer outro bem (Art. 89). Já os bens coletivos são aqueles cuja essência esta ligada à unidade do grupo: 42 Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertencentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias. Assim, é-se considerada universalidade de fato o agrupamento de bens singulares que reunidos pela vontade de seu dono, tenham a mesmadestinação, como uma biblioteca ou um rebanho. - Bens considerados pela titularidade: Bens públicos e privados: Públicos são os bens cujo titular é o Poder Público, seja a União, um Estado Federado ou um Município. Bens privados são todos aqueles que não são públicos, impondo a lei um critério de exclusão (Art. 98). Serão observadas regras especificas para a utilização dos bens públicos no arcabouço jurídico-administrativo, entrementes o próprio código civil endereça algumas regras gerais, como a da impossibilidade de prescrição aquisitiva de um bem público (Art. 102) ou ainda, a inalienabilidade dos bens públicos (Art. 100). Este aparato legal específico é justificado pela proteção exigida para os bens públicos, pois estes visam assegurar um “interesse público”. Os bens públicos ainda podem ser classificados em: 1. De uso comum do povo, aqueles cujo uso é concedido em beneficio da coletividade. Esses bens não implicam na gratuidade de sua utilização, podem sofrer exploração de concessionária; 2. De uso especial, são bens destinados a uma atividade específica do Poder Público; 3. Dominiais, são aqueles, que por exclusão, não são nem de uso especial, nem de uso comum do povo. Os bens dominiais são bens dos quais o Poder Público é titular, como o 43 dinheiro arrecadado na tributação. Estes bens dominiais podem ser alienados a um particular, conforme o instituto da desafetação. Por outro lado, um mesmo bem dominial pode ter especificada sua finalidade e tornar-se um bem de uso comum ou de uso especial, através do instituto da afetação. - Bens reciprocamente considerados: A) Bens principais e acessórios: Bem principal é aquele cuja existência independe da de qualquer outro bem. O bem principal, individualmente posicionado já está apto a alcançar sua utilização plena. Ao revés, bem acessório é aquele cuja existência está atrelada a do principal. No dizer de Caio Mário: “o bem acessório, pela sua própria existência subordinada, não tem, nesta qualidade, uma valoração autônoma, mas liga-se- lhe o objetivo de completar, como subsidiário, a finalidade econômica da coisa principal”. Assim, um carro é um bem principal, porém o volante, ou uma roda são bens acessórios. Revelho princípio que remonta aos doutrinadores do Lácio, é o da gravitação jurídica (Accessorium sequitur principale). Segundo tal princípio, o bem principal atrai o acessório e lhe comunica o seu próprio regime jurídico. 1. Pertenças: Esta categoria identifica os bens que não são partes integrantes do principal, e portanto, não são bens acessórios, mas unem-se ao bem principal para uso, serviço ou aformoseamento do principal (Art. 93). As pertenças são bens independentes do principal, mas que lhe servem de alguma maneira, melhorando sua utilização. Por serem independentes, excluem-se da aplicação do princípio da gravitação jurídica, e podem ser objetos de relações jurídicas próprias (Art. 94). Um bom exemplo é o rádio de um carro. 44 2. Frutos: São bens que derivam do principal, bens que observam sua gênese no bem principal, e que se renova no decorrer do tempo. O fruto é produzido em caráter periódico. Como a maça que floresce da macieira a cada primavera, ou o aluguel de um apartamento pago mensalmente, ou os juros embutidos no valor principal ao mês, ou ao ano. Desta feita, os frutos podem caracterizar-se em naturais, que resultam das forças da natureza, civis, que sobrevém às abstrações feitas na órbita do direito civil, e os industriais, que surgem do engenho humano. Finalmente, pelo caráter de periodicidade com que se renovam, devem-se classificar os frutos em: pendentes quando ainda estão aderidos naturalmente ao principal, num momento de seu desenvolvimento; percipiendos quando já deviam ter sido colhidos mas ainda não foram; percebidos se já foram desligados do principal. “A possibilidade descrita no artigo em análise (Art. 95), de ser objeto de relações distintas, é comum tanto aos frutos quanto aos produtos, mesmo que ainda não separados do bem principal”. Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico. 3. Produtos: Os produtos se diferenciam dos frutos pelo caráter da periodicidade, sendo que esses não se renovam. Já dizia Orlando Gomes: “Enquanto a separação do fruto não altera a substancia da coisa principal, a extração do produto determina sua progressiva diminuição”. São bons exemplos o carvão, o petróleo e as pedras preciosas. 4. Benfeitorias: As benfeitorias têm por escopo melhorar o bem principal. A própria redação do Art. 96 esclarece dados importantes: 45 Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. §1º. São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. §2º. São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem. §3º. São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore. Tomando exemplos, ficará mais fácil de se compreender tal classificação. Uma casa localizada em uma encosta, exige a construção de um muro de contenção, para evitar deslizamentos. Esta é uma obra de natureza fundamental, pois o muro impedirá a eventual destruição da casa, visando conservar o bem. Portanto, o muro de contenção é considerado uma benfeitoria necessária. Na mesma casa, temos um novo cômodo sendo construído. Este cômodo irá aumentar a utilidade da casa, sendo considerado como benfeitoria útil. Finalmente, observamos a construção de um lago artificial, que terá a função exclusiva de mero deleite e de tornar o local mais agradável, sendo entendido como uma benfeitoria voluptuária. Outro problema a solucionar é o da benfeitoria realizada pelo possuidor, remetendo-se aos ensinamentos clarividentes de Tepedino, Bodin de Moraes e Barboza: “O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis (CC, art. 1.219); ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias (CC, art. 1.220); (...) o reivindicante, obrigado a indenizar as 46 benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual (CC, art. 1.222)”. À guisa de conclusão, se o contrato de locação possui cláusula dispondo sobre a não indenização das benfeitorias, todavia, o locatário realiza benfeitoria necessária, como será dirimida a questão? O contrato indicava a impossibilidade de indenização pelas benfeitorias, mas poderá se alegar o enriquecimento sem causa do locador. XIX. BEM DE FAMÍLIA Uma outra classificação dos bens que ganha maior destaque é a do bem de família. Para que possamos compreender a noção de bem de família, imprescindível a remição à Lei n° 8.009/90. Esta lei versa sobre a impenhorabilidade do bem de família, e logo em seu artigo 1° fornece-nos um conceito para bem de família: Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta
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