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1 INTERVENÇÃO URBANA E PATRIMÔNIO CULTURAL CHOU, José Walter Teles (1). ANDRADE, José Roberto de Lima (2) (1) Arquiteto e Urbanista, mestrando do PRODEMA-UFS (walterchou@ig.com.br). (2) Bacharel em Economia, mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, doutor Turismo e Lazer pela USP.Professor do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente- PRODEMA UFS (roblima@uol.com.br) RESUMO: O patrimônio cultural de um povo não está somente restrito ao acervo confinado em salas de museus, mas engloba também os elementos que compõem o espaço urbano onde, através apropriação citadina cotidiana, atualiza-se dentro dos contextos individuais de compreensão e uso do espaço da cidade. As intervenções urbanísticas e arquitetônicas devem, portanto, estabelecer um plano que valorize os elementos da cultura local, ao tempo que constrói o espaço onde se darão novas atividades culturais espontâneas. Assim, o arquiteto e urbanista, ao planejar intervenções no espaço urbano, deverá conhecer o patrimônio cultural local, para, a partir do arcabouço de informações pesquisadas, projetar os lugares da cidade, visando salvaguardar os aspectos culturais já consolidados no uso dos cidadãos. ABSTRACT: The cultural patrimony of a population are not only restrict to the encapsulate collections inside museums rooms, but regards also the compounds elements of the urban space, where quotidian (daily) appropriation actualizes it thru the individualized contexts of comprehension and uses of theses urban spaces. The urban and architectural interventions should, however, establish a plan that valorize the cultural local elements, at the same time that builds the space where will take place new spontaneous cultural activities. That way, the architect and the urban planner, as interventionists for the urban space (urban fabric) should recognize the cultural local patrimony, as usual structural information for planning and designing the city spaces, seeking to save the cultural aspects already consolidated on citizen use. INTRODUÇÃO O patrimônio cultural também está inscrito na malha urbana de cada localidade. Assim, inúmeras intervenções têm buscado valorizar, quando não, resgatar e restaurar, estes espaços e edificações que o compõem como produtos culturais do lugar. Neste sentido, busca-se fortalecer a identidade local como produto mercadológico, agregando valor ao produto turístico1 local. Assim, as intervenções têm transformado as paisagens urbanas de acordo com as demandas e características locais. Entretanto, dentro deste processo, alguns autores têm percebido diferentes correntes de planejamento e gestão urbanos que se mostram criativas, porém, algumas vezes desastrosas. Destarte, buscamos na fala de alguns pesquisadores, em variadas áreas do conhecimento, o discurso complementar à análise sobre as intervenções nos centros históricos e/ou monumentos urbanos. Na cidade, os monumentos são os marcos do lugar, conduzem caminhos e atuam como registros das histórias do lugar. Para Peixoto (1996, p. 26) os monumentos, como mapas, “traçam inexoravelmente o perfil da cidade”. Porém, o desenvolvimento urbano tem implicado na transformação das paisagens urbanas e, consequentemente, das imagens da cidade, que têm se modificado enquanto informações sobre a realidade apreendida pelos usuários2. Assim, como nos fala Peixoto (1996), as cidades se tornam opacas ao olhar. O autor supõe que a percepção do usuário é cada vez mais superficial, quantitativa e não possibilita a compreensão sobre a completitude de informações contidas no espaço da cidade. Para Peixoto (1996) a arte urbana contemporânea nasce desse cenário opaco, onde todos os elementos do espaço urbano (calçadas, fachadas, muros, mobiliário urbano - bancos, mesas, brinquedos infantis, etc.) configuram superfícies que “impedem qualquer transparência”(Peixoto, 1996, p.149). Conclui o 1 Produto turístico engloba grande diversidade de serviços e de atrativos turísticos (naturais ou artificiais). 2 Usuário é o indivíduo, residente ou não residente, que utiliza os equipamentos e espaços urbanos. 2 autor, que a cidade deixa de ser pensada como espaço de habitação, deixando de ser testemunho da cultura local. “A cidade contemporânea deixou de ser um testemunho cultural, a arquitetura deixou de ser pensada como criação de um espaço de habitação. Perdeu-se a relação entre construir e morar. Quando se muda sempre de lugar, criam- se abrigos, não testemunhos culturais. Não existe mais lugar para as catedrais, para a arte, na cidade. Uma irreversível tendência a desambientar os monumentos tende a transformar as cidades atuais em desertos. As obras de arte parecem condenadas à diáspora”. (Peixoto, 1996, p. 257) INTERVENÇÕES URBANAS Sobre a desambientação dos monumentos, insere-se o discurso da intervenção urbanística e arquitetônica. É, através da análise sobre as intervenções urbanas que a grande maioria dos autores pesquisados tem se referido à descontextualização dos monumentos, das obras de arte e até mesmo dos usuários destes espaços. Assim, buscamos neste artigo, organizar o conjunto de denominações atribuídas por diferentes autores, na definição do espaço urbano e dos elementos que o compõem, supondo ampliar o repertório de informações que corroboram na percepção do espaço urbano, como ferramenta imprescindível no planejamento das intervenções. Aqui, salvaguardamos as proporções dadas a cada cidade, monumento ou obra de arte. Valemo-nos do entendimento que o patrimônio cultural de cada cidade tem suas características particulares, as quais devem ser preservadas e apreendidas como elementos que representam o diferencial no planejamento e gestão de cada localidade. A princípio devemos definir algumas contextualizações e significados, os quais serão amplamente utilizados no decorrer do texto. Nesta ocasião, buscamos “desconstruir” conceitos predefinidos e sugerir novas apreensões sobre o espaço da cidade e os seus usuários. Para tanto, buscamos em Filho (2004) seu entendimento sobre imaginária urbana, ampliado em dois conjuntos de elementos: o mobiliário urbano e a arte urbana – ambos comumente compreendidos também como elementos urbanos. Filho (2004), defende que atribuir a mesma denominação (elementos urbanos) a bancos de praças e esculturas é, portanto, agregar maior valor ao objeto de função utilitária, enquanto desagrega qualquer valoração estética à obra de arte. Assim, determinamos, a partir do texto de Filho (2004) que a terminologia “mobiliário urbano” representa o conjunto de objetos de caráter utilitário que são inseridos no espaço da cidade (bancos, postes, sinalização, mesas, parques infantis, etc.) e “arte urbana” os elementos de caráter escultórico, que, a priori, não representem outra função a não ser a estética, de embelezamento. Seguindo a discussão levantada por Filho (2004), somos incitados a perceber mudanças significativas no desenho do mobiliário urbano. Segundo o autor, o mobiliário urbano tem apresentado desvio de sua função utilitária, agregando valores estéticos e/ou escultóricos, compondo conjuntos decorativos em praças e em parques públicos. Nesse caso, evidencia-se a pobreza estilística dos espaços urbanos, como também a falta de obras de arte contextualizadas no espaço da cidade. Destarte, nota-se que essa valorização formal do mobiliário urbano - que passa a apresentar formas mais elaboradas, pode ser conseqüência da ausência de obras de arte no espaço público. De qualquer modo, ambos os elementos (mobiliário urbano e arte urbana) buscam validar a identidade do lugar, torna-lo diferenciado através de características específicas, sejam formas, cores e usos. Inserem-se, também, neste contexto, os monumentos urbanos, sejam conjuntos arquitetônicos ou edificaçõesisoladas. 3 Para compreender a importância dos monumentos no processo de apropriação do espaço urbano, defini-lo-emos em Filho (2004), “como todo artefato para se rememorar ou comemorar eventos ou comportamentos (ritos), fazendo parte da vida de todas as sociedades e contribuindo para salvaguardar a identidade3” (Filho, 2004, p. 4). Mas, geralmente, como lembra o autor, o termo monumento é mais utilizado para dar destaque a edifícios de arquitetura singular. Os monumentos são compreendidos como registros de eventos ou marcos na paisagem e são parte determinante na conformação das imagens da cidade. Para Filho (2004) a imagem da cidade é construída sobre a tensão entre o simbólico e o funcional. Ainda, lembra o autor, que o mobiliário urbano tem sido desenhado para compor paisagens planejadas, específicas e que muito tem se aproximado da escultura. Esta última tem perdido sua imponência na paisagem transformada, passando a compor o espaço como mero mobiliário. Para melhor organizar a arte pública e mobiliário urbano de modo distinto, sugere-se agrupa-los em categorias segundo a sua monumentalidade, significado, comemoração, utilidade, qualidade ambiental, capacidade participativa - esta última referente às atividades que incitam a apropriação urbana através da participação popular. A pesquisa desenvolvida por Filho (2004) procura conduzir a crítica sobre as percepções que envolvem os distintos elementos urbanos, diferenciando a arte pública do mobiliário urbano, no conjunto de elementos que compõem as paisagens urbanas, distinguindo-os segundo suas características. Sua pesquisa é importante pois propõe classificar os elementos urbanos segundo seu uso e importância. Dentro da discussão sobre monumentos e renovação do espaço urbano através dos processos amplamente utilizados pelos gestores públicos - sejam, restauração, revitalização ou requalificação, teme-se pela perda da identidade das cidades. É interessante lembrar que identidade é a propriedade que promove a distinção entre os lugares. Contudo, as intervenções urbanísticas e arquitetônicas, têm conduzido à estandartização dos lugares, pois os planos e projetos diretores partem do mesmo conjunto de informações e exemplos de planos já consolidados e de sucesso atestado. Porém, nesse contexto, como sugerir a manutenção das identidades e permitir a espontaneidade dos usos nos locais públicos quando é comum a reprodução de projetos em locais de características sócio-culturais adversas? Hoje, as intervenções buscam transformar as cidades, ampliando a sua capacidade de produtividade e competitividade. Assim, as renovações e revitalizações acontecem mais no campo econômico que no espaço urbano em si. Renova-se o capital, enquanto discurso da manutenção dos espaços centrais das cidades. Aqui, referimo-nos à revitalização dos “centros históricos” - idéia bastante difundida, segundo exemplos de requalificação de espaços na malha urbana. Arquitetos, urbanistas e planejadores devem estar aptos a identificar novas condutas de intervenção urbana4 e arquitetônica, como sugere (Bonfate, 2004), pois são estes profissionais os responsáveis pela cidade do futuro. Assim, o planejamento urbano deve ter como princípio fundamental, conhecer as paisagens urbana e humana locais, para então, a partir de pesquisas sobre a percepção do usuário no espaço das cidades, interferir nas dinâmicas sócio-espaciais através do redesenho, (re)definindo as funções urbanas (como produção, portos, feiras, universidades, centro de facilidades comunitárias), inserindo e mobilizando, também, as populações que habitam no entorno das áreas restabelecidas. Tem sido comum intervenções em centros urbanos que buscam configurar espaços museográficos, o exemplo mais difundido é o dos “centros históricos”. Nesse caso, as transformações na malha urbana buscam validar qualidades específicas a cada elemento eleito para representar um período, estilo ou técnica construtiva. As intervenções do tipo “centros históricos” partem do princípio da valorização de regiões em deseconomia, ou seja, centros comerciais que perderam sua influência com a mudança dos focos de crescimento urbano. Lembramos que o processo perpassa sobre o desejo de revitalizar o capital, como elemento 3 O termo identidade, neste artigo, refere-se é o conjunto de características próprio de um lugar. 4 Intervenção urbana é o conjunto de programas e projetos que incidem sobre os tecidos urbanizados dos aglomerados, antigos ou recentes, visando a reestruturação ou revitalização funcional, recuperando ou reabilitando arquitetonicamente, oportunizando a apropriação social e cultural 4 fundamental para o sucesso de toda a operação. O patrimônio revitalizado ou restaurado não sobreviverá por muito tempo senão, também, através do sucesso econômico das atividades e serviços planejados para operarem no espaço reformado. Neste processo de revitalização, a restauração dos centros das cidades é a intervenção mais comum e amplamente utilizada para resgatar edificações de importância histórica. Contudo, como nos lembra Ferrara (1988), “no restauro, o que se procura resguardar é o caráter mítico e emblemático da paisagem urbana”. Entretanto, o restauro limita-se à “mimese tautológica, feita mais no nível das aparências decorativas do que das relações estruturais” (Ferrara, 1988, p.59). A autora ainda supõe que o restauro é a “reconstrução da memória de um uso, enquanto intenção de fazer reviver o passado como fato, como dado na irreversibilidade do monumento histórico” (Ferrara, 1988, p. 59). Compreendemos a importância de resgatar os monumentos construídos como registros da evolução urbana de cada cidade. Entretanto, devemos atentar ao fato de que, estes vestígios do passado, hoje se inserem numa malha urbana desenvolvida, de conformações diferentes daquelas do período no qual a edificação fora construída. Assim, em alguns casos, percebe-se a descontextualização das edificações restauradas, visto a diferença estilística e a multiplicidade de uso dos espaços públicos. A obra restaurada passa a coexistir em um nicho temporal, desconectada das relações espaciais - enquanto a malha urbana mantém sua contínua transformação. Instigamos, aqui, a análise crítica sobre intervenções no espaço da cidade, entendendo que restaurar um edifício à sua integridade física e estilística não deve significar obstruir esta edificação a usos e atribuições contemporâneas. CULTURA DE EVENTOS Desse modo, os eventos culturais em centros históricos têm configurado estímulos adequados à apropriação popular sobre os elementos urbanos e monumentos culturais, valendo-se do princípio que a aproximação do usuário a sítios históricos durante os eventos, proporciona aprendizado sobre o local, minimizando o tempo necessário ao aprendizado – sentido de apropriação - sobre o espaço renovado proposto. Ë comum estimular a apropriação popular através da promoção de eventos, até que, novamente, o edifício em questão possa integrar o imaginário popular e, estabelecer-se como elemento da identidade local. A memória, neste caso, é a ferramenta importante na diferenciação das características dos lugares. Porém, o abuso das intervenções de restauração tem causado a homogeneização das imagens urbanas apresentadas em propagandas turísticas e de eventos culturais. Assim, aqueles elementos que poderiam sugerir um atrativo ou produto diferenciado, passam a compor serviços e equipamentos “obrigatórios” no programa das cidades que buscam seu desenvolvimento econômico. “A utilização da cultura como instrumento de revitalização urbana, faz parte de um processo bem mais vasto de utilização da cultura como instrumento de desenvolvimento econômico” (Vaz, 2004, p.2). Para Vaz (2004) algumas áreas “são privilegiadas nestesprocessos de renovação urbana, como centros históricos, áreas centrais degradadas e vazios urbanos resultantes do processo de desindustrialização – antigas zonas portuárias, ferroviárias e industriais" (Vaz, 2004, p. 3). Deste modo, como indica Vaz (2004), intervenções urbanas em sítios de importância histórica fazem uso estratégico de recursos culturais para alcançar o desenvolvimento local, podendo estar associadas a políticas culturais, o que determinaria a manutenção destes planos. É comum percebermos que algumas intervenções têm priorizado a restauração de alguns edifícios construídos em determinados períodos da história das cidades, seja pelas suas características construtivas ou históricas, entretanto, muitas vezes estas edificações já se encontram em 5 processo de descontextualização5 em relação ao seu entorno, não bastando, portanto, apenas a intervenção restaurativa no seu corpo edilício, pois demandam também estudos mais elaborados sobre o seu entorno, incluindo-se, neste contexto, os elementos urbanos. Além do restauro, o redesenho é ainda a ação projetual comumente utilizada nas intervenções urbanas. Diferentemente do restauro, o redesenho situa-se entre o passado e o presente, pela tensão entre usos, sugerindo novos usos ao espaço urbano. Para Ferrara (1988), conhecer os usos do passado não é fator inibidor para a sugestão de novos usos, mas atua também, promovendo “ressucitação da tradição” e a agitação da memória coletiva. USO SO ESPAÇO Buscamos, em Ferrara (1986) o entendimento sobre o uso do espaço. Para a autora, a arquitetura e o urbanismo produzem lugares e “o uso é um modificador do espaço urbano” (Ferrara 1986, p. 186). Continua, a autora, afirmando que “o urbanismo não é saneamento, mas o desenho capaz de sintetizar a sensibilidade de usos entre o presente e o passado, aberto a características contextuais e dos usuários, aspectos sociais, econômicos e históricos, admitindo usos e percepções individualizadas na imprevisibilidade das suas mutações e contradições” (Ferrara 1986, p. 186). A indicação de um novo uso deve permitir a apropriação espontânea do usuário, observando que, somente através do uso do espaço, dar-se-á a apropriação citadina. Tognon (In Park, 2003, p. 173) lembra que a simulação de espaços arquitetônicos na tentativa de ambientar as edificações a espaços aproximados àqueles do período de seu esplendor de uso, “podem ser idéias criativas ou desastrosas, se não houver respeito ao principal interessado: a obra”. Não apenas é perigoso, como certamente é desastroso, condenar alguns edifícios ao isolamento em conseqüência de restaurações ou requalificações inadequadas. O espaço restaurado e revitalizado, dada a ação do redesenho na contemporaneidade, deverá ser capaz de atender uma diferente gama de usos e ainda conservar suas características arquitetônicas mais importantes. O projeto de restauração ou revitalização deverá prever a contínua evolução dos usos e, com isso, a ininterrupta necessidade de auferir adaptações no seu espaço construído. Porém, as intervenções não podem configurar limites para o uso do espaço. Neste sentido, referimo-nos a todo desenho urbano permissível à apropriação citadina - variados grupos culturais, em longo prazo. Fernando (2004) sugere que as intervenções urbanas venham configurar espaços abertos. O autor entende que os usuários passam a ocupar os lugares da cidade, impondo-lhes suas características culturais, através da inserção elementos móveis e semi-fixos – carrinhos e barracas em feiras livres, bancas de jornal, etc. As cidades têm sido desenhadas e planejadas para atender a um número maior de solicitações. São novos serviços e usos que têm sido agregados cotidianamente ao espaço e, este novo espaço urbano e público deve responder com eficiência a todas as solicitações citadinas. Em suma, as demandas da sociedade de consumo conduzem as intervenções no espaço da cidade. Implementação de meios de transporte e de comunicação avançados, serviços que possam aferir qualidade ao espaço, são elementos que exigem alterações físicas na malha urbana. São elementos que agregam qualidades econômicas, sociais e espaciais às cidades, destacando-as ou excluindo-as na disputa por capitais, investimentos, empresas e turistas (Vaz, 2004). Diferentes denominações têm surgido na tentativa de contextualizar as intervenções urbanas: renovação, reestruturação, revitalização, requalificação, regeneração, entre outras. Contudo, percebemos que, ao final do processo o principal foco de ação é a revitalização econômica dos 5 Descontextualização supõe a perda de contexto, quando o objeto deixa de compor o conjunto e se apresenta aquém às estruturas pelas quais está circunscrito - seu entorno. 6 centros históricos urbanos - o restauro das edificações é efetivado como instrumento desta revitalização do capital. Neste sentido, estabelece-se que: “Arquitetura seria, então, toda e qualquer intervenção no meio ambiente criando novos espaços, quase sempre com determinada intenção plástica, para atender a necessidades imediatas ou a expectativas programadas, e caracterizada por aquilo que chamamos de partido. Partido seria uma conseqüência formal derivada de uma série de condicionantes ou de determinantes; seria o resultado físico da intervenção sugerida” (Lemos 1989, p. 40). Algumas tendências de natureza sócio-espacial podem ser percebidas nesses planos de intervenção: (a) culturalização, que consiste na proliferação de atividades e equipamentos culturais, turísticas e de lazer - conforma um ambiente de consumo; (b) estandartização, que é resultado da reprodução dos mesmos modelos em sítios distintos – o autor sugere que muitas vezes a reprodução dos mesmos modelos é condicionada pela coincidência dos instrumentos financiadores, que buscam obter resultados idênticos aos conseguidos em outras localidades, através de planos de intervenção que obtiveram êxito; e a (c) monumentalização, resultado da excessiva valorização de monumentos no espaço da cidade, além da prática de marketing que anuncia a imagem e identidade locais como objeto de consumo (d) midiatização. (Vaz, 2004, 7). Percebemos que, por maneiras distintas, a paisagem urbana é transformada em mercadoria pronta para ser consumida. Para Vaz (2004, p.5), a utilização de elementos referentes às culturas locais, e a busca pela identidade de cada local constitui-se numa atitude projetual característica do planejamento pós- moderno, que vem substituir o planejamento funcionalista ou moderno.A atribuição dos elementos culturais, importantes para (re)conhecimento das identidades locais, é, portanto, o resultado apreendido e não imposto através dos projetos de intervenção. Como sugere Fernando (2004), devemos incitar a espontaneidade no uso do espaço público, propondo desenho urbano “aberto” ou incompleto – cuja complementação acontece quando os usos são estabelecidos no período posterior à intervenção. Assim, permite-se a manifestação pura da cultura local e o conhecimento da identidade da cidade. Para Arantes (In: Pallamin, 2002) o urbanismo serve como ferramenta de incremento à proliferação urbana, definindo a capacidade competitiva entre as cidades. Inclusive, ressalta o autor, que o vocabulário utilizado é nitidamente empresarial, determinando, então, que as intervenções nos centros urbanos têm utilizado o bem cultural como elemento de consumo. A prática e elaboração de projetos culturais, nessa perspectiva, “tendem a ser instigados às conseqüências de interesses econômicos, numa intensa ‘mercadificação’ que lhes acarreta uma perda significativa de seu potencial construtivo, uma vez que passam a ser atrelados estreitamente as táticas de lucro” (Pallamim In: Pallamim, 2002, p. 104). A autora sugere novos padrõesde consumo, onde a chamada “cultura de eventos”, a ‘espetacularização’, visa promover a rentabilidade imediata. Para a autora, abre-se um leque de oportunidades nas quais as práticas artísticas podem vir a se manifestar nos espaços urbanos, determinando, assim, que a arte urbana atue como prática crítica, buscando a reflexão sobre os usos do espaço público. Pallamim (I2002, p. 106) acredita que a arte urbana contemporânea é carregada de informações sobre os problemas do cotidiano urbano, incitando o questionamento sobre significações e sobre a caracterização dos espaços da cidade, sobre as imagens e sobre as representações dominantes. Assim, a arte urbana busca imprimir ações culturais, fruídas, que incitem a participação e produção cultural. Para que, através das intervenções no espaço urbano, possamos melhor conformar o conjunto de elementos representativos da cultura local, devemos facilitar a apropriação espacial. “Destacamos a arte urbana como prática crítica exatamente nesse momento em que o horizonte não possui mais carga utópica que já teve um dia. Isso não significa 7 propor o alinhamento com uma atitude melancólica ou nostálgica que buscaria, no presente, remissões a um momento áureo de eficácia e que teria, como efeito diante de tal exaustão de conteúdos, a produção de resistências inócuas, esvaziando-lhes de antemão qualquer possível estofo (Hansen, 1999). Tampouco significa uma aproximação com uma atitude cínica ou decepcionada. Pelo contrário, potencializada pela idéia de tornar a cidade disponível para todos os grupos, essa prática crítica inclui dentre seus propósitos estéticos o desafio a certos códigos de representação dominantes, a introdução de novas falas e a redefinição de valores como abertura de outras possibilidades de apropriação e usufruto dos espaços urbanos físicos e simbólicos." (Pallamim, 2002, p. 107) Para Glusberg (1986) é a crítica que “explica a substituição de umas correntes por outras, das translações e limites no interior de cada corrente”. Para este autor, crítica é sinônimo de “trabalho de mutação teórica e aprofundamento no sentido oculto”. Como é também a busca da unidade dentro da complexidade de elementos diferenciados. Assim, a reprodução de uma intervenção em outros locais, dar-se-á original, quando produzida através dos filtros críticos. Para Fernando (2004), a evolução e o rápido incremento de mudanças no comportamento das populações demandam que os espaços urbanos sejam flexíveis o suficiente para acomodar também diversidades culturais futuras. ESPAÇO E PERCEPÇÃO Devemos buscar o suporte necessário ao planejamento urbano nas pesquisas sobre comportamento e percepção, visando melhor conduzir os planos diretores municipais, visto serem estes documentos os reguladores dos usos da cidade. A discussão que Fernando (2004) conduz, supõe uma aproximação geral do plano multicultural, sugerindo que todo o planejamento (a) deve partir do conhecimento das relações simbólicas entre os espaços urbanos e atitudes específicas de uso culturais e (b) deve propor-se aberto á futuras e variadas apropriações. Para o autor, enquanto muito se discute sobre a diversidade cultural no espaço da cidade, a literatura tem negligenciado potenciais mudanças futuras, como a formação de novos grupos culturais e, consequentemente, novas demandas espaciais. Portanto, a julgar o crescente número de transformações nas paisagens humana e urbana, os espaços urbanos devem ser planejados como estruturas suficientemente flexíveis para continuarem acolhendo a diversidade de usos atuais e vindouros. “This way mental image of the city is inseparable from urban planning any more and should be anticipated as a valuable tool for the urban planning and design” (Kirvaitiene e Daunora, 2004, p.4). Para Ferrara (1986) o ambiente urbano é misto, e apresenta-se como linguagem dinâmica. E o uso é o modificador do espaço urbano. A autora supõe que o urbanismo não é saneamento, contudo é o “desenho próprio capaz de sintetizar a sensibilidade de usos de ontem e de amanhã, permissível e sensível às características do contexto e do usuário na sua concretude histórica, econômica e social, admitindo o uso e a percepção urbana na imprevisibilidade das suas mutações e contradições" (Ferrara, 1986, p. 186). Fernando (2004) propõe valorização das estruturas semi-fixas nas ruas. Para o autor a intervenção na malha urbana deverá garantir espaços para que elementos móveis ou semi-fixos possam conviver com os demais equipamentos construídos. Estas estruturas semi-fixas possuem duas características: a primeira, são altamente flexíveis, pois são móveis - permitindo um grande 8 número de adaptações e, em adição, podem ser utilizadas em uma infinidade de usos (bancas de jornal, acarajé, cachorro quente, flores, água de coco, sorvetes, etc.), atuando como indicadores da diversidade cultural no espaço público. Em segundo, os elementos semi-fixos são representações claras de especificidades culturais, sendo úteis no planejamento de ambientes de atribuições culturais6. O cidadão poderá operar seu papel na sociedade a partir da sua compreensão sobre a cultura que o representa e sobre todo o arcabouço de informações que o significam enquanto cidadão e enquanto fração particular do espaço. Entretanto outros condicionantes podem determinar o resultado físico da intervenção. Estes seriam: (a) a técnica construtiva, (b) o clima, (c) as condições físicas e topográficas do sítio da dada intervenção, (c) o programa das necessidades - levando-se em conta os usos e costumes populares, (d) as condições financeiras do empreendedor, (e) a legislação regulamentadora e/ou as normas sociais e/ou as regras da funcionalidade (Lemos, 1989, pp. 40-41). IMAGEM DA CIDADE: PATRIMÔNIO PERCEBIDO. Ferrara(1988) supõe que o planejador urbano deve buscar compreender o contexto urbano e apreender o uso. Ao planejador cabe a materialização desse uso apreendido. Nesse sentido, lembramos que Schumann (2004) supõe que as imagens são a mais importante fonte de nossa percepção. É cientificamente provado o fato que as informações contidas em imagens parecerão mais confiáveis do que quaisquer palavras escritas ou faladas. Estudos sobre as imagens da cidade têm sido elaborados como suporte ao planejamento urbano. Kirvaitiene e Daunora (2004) têm desenvolvido seus estudos em relação á construção de imagens mentais das cidades. Para Kirvaitiene e Daunora (2004), cada indivíduo constrói uma interpretação complexa da cidade, de acordo com a repetição das informações que ele(a) receba. Assim, a imagem mental criada conecta imagens do lugar em uma simples e sintética imagem virtual da cidade7. Esta imagem mental, como sugerem Kirvaitiene e Daunora (2004, p. 3) pode ser separada em quatro grupos principais: (a) qualidade física do ambiente, (b) qualidade social do ambiente(variedade de serviço e níveis de atividades multifuncionais, etc.), (c) escala de valores e habilidades materiais para atuar no âmbito individual ou comunitário, (d) imagem virtual do ambiente – informações visuais, propaganda, quantidade de informação espalhada pelos sinais no espaço físico. A imagem mental da cidade combina a informação dos órgãos dos sentidos e o conhecimento sobre a cidade – adquirido em fontes como mídia, opiniões de amigos, etc. Kirvaitiene e Daunora (2004) afirmam que a imagem mental é inconscientemente revisada e reavaliada todas as vezes que novas informações são adicionadas ao espaço percebido. Assim, os indivíduos apresentam diferentes imagens mentais para uma mesma área, já que estas imagens são construídas a partir das suas experiências individuais no espaço. Para Kirvaitiene e Daunora (2004) as mais coerentes imagens mentais são daquelas cidades que têm características específicas que podem ser facilmenteexcluídas ou classificadas. As cidades onde essas características são reforçadas pelas estruturas urbanas e atividades humanas, apresentam-se mais eficientes. 6 O autor compara duas extremidades de uma mesma rua em Nova York, que mantendo os mesmos elementos urbanos e praticamente a mesma tipologia arquitetônica residencial, distinguem-se uma da outra, pelo simples fato de que, agregam a este “suporte neutro”, chamado pelo autor como “skeletal frame” , estímulos aos demais órgãos do sentido (cheiros dos alimentos comercializados em carrinhos portáteis) - o autor faz referência aos sons e cores, como também todo o tipo de sinalização específica a cada cultura que ocupa as extremidades desta mesma rua. 7 Para Kirvaitiene e Daunora (2004), a imagem mental da cidade é o resultado da combinação de objetos físicos, relações e divisão entre estes e as atividades dinâmicas humanas. 9 Motta (In: Arantes, 2000) aborda em seu ensaio, intervenções e projetos em áreas históricas de cidades, nas quais a apropriação foi condicionada ao consumo visual dos produtos culturais. A autora entende que é o valor documental do patrimônio revitalizado que possibilita a apropriação destes espaços – estes espaços urbanos estão impregnados de fontes de conhecimento, de referências históricas, memória e das identidades – elementos estes, que, como sugere a autora, “são fundamentais ao exercício da cidadania” (Motta In: Arantes, 2000, p. 257). Assim, o sentimento de cidadania é construído sobre o arcabouço cultural mantido através das intervenções restaurativas. Aqui, mesmo que o espaço museográfico urbano não seja constituído ou institucionalizado através da intervenção urbana ou arquitetônica, o valor documental do conjunto é certamente ampliado, visto a qualidade espacial agregada durante o processo de renovação urbana. CONSIDERAÇÕES FINAIS As paisagens são alteradas em conseqüência do desenvolvimento de novas técnicas construtivas, meios de comunicação e pela evolução do desenho e uso dos elementos que compõem o espaço urbano. Como efeito direto também são transformadas as relações entre usuários e meio ambiente, como também desconstroem-se continuamente as imagens apreendidas, cedendo o lugar às novas imagens que se formam infinitamente. Para nós, planejadores urbanos, resta a preocupação com os registros da história da cidade e das estórias urbanas. Devemos resguardar o patrimônio que nos significa como cidadãos e como representantes de um grupo cultural. Aqui, acreditamos defender a garantia à manutenção do patrimônio cultural construído, enquanto plataforma para novas formas de expressão cultural, sejam arte urbana, sejam performances ou a simples e cotidiana apropriação citadina. O plano ou projeto urbano deve ser capaz de representar no espaço construído da cidade os elementos característicos do povo e cultural locais. O planejamento estratégico para o desenvolvimento urbano, deverá atentar ao pleno conhecimento dos grupos culturais e seus modos de apropriação urbana. A eficiência e sucesso da intervenções urbana e arquitetônica dar- se-á pelo uso do espaço e pelas condições desta apropriação. Assim, O planejador deve interpretar os usos do passado e propor, através do desenho contemporâneo, a continuidade urbana, aliando os elementos históricos ao equipamentos de tecnologia avançada, facilitando o uso do espaço, enquanto resguarda o patrimônio cultural construído. Realmente é importante lembrar que os contrastes entre usos e equipamentos em diferentes períodos podem se tornar grandes obstáculos em projetos mais complexos, vale, aqui, lembrar que no ato projetual da intervenção, os arquitetos e urbanistas atuam na contemporaneidade, e por isso, seu desenho, leitura e interpretação estão enraizados no hoje, no agora. Assim, qualquer desenho ou intervenção é, naturalmente, projeto contemporâneo e não devemos fugir a este entendimento, por mais divergentes que sejam as teorias de restauro e de revitalização. Cabe aos planejadores, estabelecer as melhores relações entre o desenho do passado com o redesenho do presente, para que no futuro, esta continuidade possa ser mantida sem maiores danos ao patrimônio cultural erigido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BONFANTE, Francesca. The City as a collective work of Art. AT: http://www.etsav.upc.es/personals/iphs2004/pdf/018_p.pdf acessado em 28/09/2004 às 15h25minh. FERNANDO, Nisha A.. Learning from a urban enclave: lessons for flexibility in a multicultural city. AT: http://www.etsav.upc.es/personals/iphs2004/pdf/018_p.pdf acessado em 28/09/2004 às 14h10minh. 10 FERRARA, Lucrécia D’Alessio, Ver a cidade. São Paulo: Nobel, 1988. FERRARA, Lucrécia D’Alessio, A estratégia dos signos. Perspectiva. São Paulo: 1986. FILHO, Antônio Ferreira Colchete. Conceptual intersections: urban furniture, public art and urban imagery. AT: http://www.etsav.upc.es/personals/iphs2004/eng/en-pap.htm em 04/03/2005 às 14h30minh. GLUSBERG, Jorge. 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