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1 Fernanda Hofmann-Appollo Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos Felinos São Paulo 2008 2 Fernanda Hofmann-Appollo Curso de Pós-graduação em Odontologia Veterinária pela ANCLIVEPA-SP Lato Sensu Em parceria com a Universidade Anhembi-Morumbi Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos Felinos Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Odontologia Veterinária Lato Sensu pela ANCLIVEPA-SP, em parceria com a Universidade Anhembi-Morumbi Orientador(a): M.Sc. Vanessa Graciela Gomes Carvalho Doutoranda do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo São Paulo 2008 3 Ciência do orientador Nome: M.Sc. Vanessa Graciela Gomes Carvalho Assinatura: Data: 4 Hofmann-Appollo, F. Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos Felinos / Fernanda Hofmann-Appollo 72 f. Monografia – Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo e Universidade Anhembi- Morumbi. São Paulo, 2008. Área de concentração: Medicina Veterinária Orientador: Vanessa Graciela Gomes Carvalho 1. estomatite felina intratável 2. felinos 3. gengivoestomatite 4. imunodeficiência 5 Coordenador do Curso Dr. Rogério Arno Miranda Diretoria Executiva 2006-2009 da Anclivepa-SP Presidente: Marco Antônio Gioso Vice-Presidente: Ricardo Coutinho do Amaral Tesoureiro-Geral: Rogério Arno Miranda 1o. Tesoureiro: Herbert Lima Correa Secretário-Geral: Rosemary Viola Bosch 1o. Secretário: Daniel Giberne Ferro Diretor Científico: José Fernando Ibanez Diretor Social: Vanessa Graciela G. Carvalho Conselho Consultivo Daniel C. Branco Baccarin Luiz Renato Tartalia e Silva Claudia de Paula Ferreira da Costa Comissões assessoras e cargos não eletivos 2006-2009 Comissão Cientifica José Fernando Ibanez (presidente) Mariana Lage Marques Franz Naoki Yoshitoshi Adriana Lima Teixeira Cassio Ricardo Auada Ferrigno Leandro Romano Comissão de Boletim Informativo Daniel Giberne Ferro Fernanda Maria Lopes Comissão Social Vanessa Graciela G. Carvalho (presidente) Daionety Aparecida Pereira Fernanda Maria Lopes Zohair Saliem Sayegh Comissão de Bem-Estar Animal Wilson Grassi Ouvidoria Anclivepana Luiz Renato Tartalia e Silva (presidente) Cláudia de Paula Ferreira da Costa Rosemary Viola Bosch Diretoria de Sede Cláudia de Paula Ferreira da Costa (presidente) 6 Banca de Argüição do TCC ( Monografia ) Prof.Dr. João Rossi Júnior Profa. Dra. Léslie Domingues Falqueiro Prof. Dr. Cássio Ricardo Auada Ferrigno 7 RESUMO HOFMANN-APPOLLO, F. Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos Felinos. (Feline chronic gingivitis-stomatitis). 2008. 72f. Monografia (Conclusão do Curso de Especialização em Odontologia Veterinária) – Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais – São Paulo, São Paulo, 2008. O Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos felinos (CGEF) é doença freqüente da cavidade oral dos felinos caracterizada por intensa inflamação gengival e não-gengival, ulcerada ou úlcero-proliferativa, muito mais severa do que a reação que normalmente se esperaria frente ao acúmulo da placa bacteriana, do cálculo dentário e do progresso da doença periodontal. Uma das características típicas do CGEF é a estomatite caudal, com lesões na região de faringe e área peri-tonsilar. Clinicamente, as lesões são descritas de acordo com a localização na cavidade oral. Os gatos afetados podem apresentar disfagia de moderada à severa, com discreta à absoluta relutância para comer. A diminuição da ingestão de alimentos leva à progressiva apatia e perda de peso. A idade média dos animais afetados é de 8 anos, variando entre 3 a 15. O CGEF freqüentemente é refratário aos tratamentos médicos, sem que nenhum protocolo tenha se mostrado totalmente eficaz. A extração de todos os dentes pré-molares e molares tem demonstrado os melhores resultados, com cerca de 80% dos animais clinicamente curados ou com melhora clínica significativa. Este fato tem sugerido que exista um componente imuno- mediador para o desenvolvimento do CGEF, entretanto, o mecanismo de ação não está totalmente compreendido. Histologicamente, o infiltrado inflamatório tipicamente contém plasmócitos, linfócitos, macrófagos e neutrófilos. Vários agentes infecciosos são suspeitos de estarem envolvidos no desenvolvimento da doença incluindo o calicivírus felino, herpesvírus felino, vírus da imunodeficiência dos felinos, leucemia felina e várias bactérias. Entretanto, a relação com a causa ainda não foi determinada. Palavras-chave: complexo gengivite-estomatite-faringite, felino, gengivoestomatite, imunodeficiência 8 ABSTRACT HOFMANN-APPOLLO, F. Feline chronic gingivitis-stomatitis. (Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos Felinos). 2008. 72f. Monografia (Conclusão do Curso de Especialização em Odontologia Veterinária) – Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais – São Paulo, São Paulo, 2008. Feline chronic gingivitis-stomatitis (FCGS) is a common condition of the cat characterised by intense inflammation of gingival and non-gingival oral mucosa, often ulcerative or ulcero-proliferative, much more severe than the reaction that would normally be expected from the accumulation of dental plaque and calculus and progression of periodontal disease. One of the typical features of FCGS is the caudal stomatitis with lesions on pharyngeal folds and peri-tonsilar area. Clinically, lesions are described according to the location within the oral cavity. Affected cats may show mild to severe dysphagia, with slight to absolute reluctance to eat. The decline in food intake leads to progressive apathy and weight loss. The median age of affected cats is 8 years, range 3 to 15 years. FCGS is often refractory to medical treatment, with no treatment regimen demonstrating superiority. The extraction of all premolar and molar teeth has given the most dependable results with up to 80 per cent of cats being clinically cured or significantly improved. It has been suggested that there is an immune- mediated component to FCGS, although the mechanism for this is uncertain. Histologically, the inflammatory infiltrate typically contains plasma cells, lymphocytes, macrophages and neutrophils. Several infectious agents have been implicated in the development of FCGS including feline calicivirus (FCV), feline herpes virus (FHV), feline immunodeficiency virus (FIV), feline leukaemia virus (FeLV) and various bacteria. However, causal relationship has not been demonstrated. Key words: feline, gingivostomatitis, immunodeficiency, intractable feline stomatitis 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Aplicação de laser de diodo em felino com CGEF ............................... pág. 45 Figura 2 – Presença de cálculo dentário na face vestibular nos dentes pré- molares, sangramentoe gengivite generalizada, em animal da espécie felina ..... pág. 50 Figura 3 – Presença de cálculo grau III, gengivite e ulcerações em pré-molares e molares superiores e inferiores do lado esquerdo, em animal da espécie felina ...................................................................................................................... pág. 51 Figura 4 – Presença de cálculo grau III, gengivite e ulcerações em dentes pré- molares e molares superiores e inferiores do lado direito; além de gengivite em grau leve em dentes caninos superior e inferior, em animal da espécie felina .... pág. 52 Figura 5 – Aspecto final imediatamente após extração dos dentes distais aos caninos superiores e inferiores de ambos os lados, em animal da espécie felina pág. 52 Figura 6 – Aspecto final após extração de incisivos e dentes distais aos caninos superiores e inferiores esquerdos, em animal da espécie felina ........................... pág. 53 Figura 7 – Aspecto final após extração de incisivos e dentes distais aos caninos superiores e inferiores direitos, em animal da espécie felina ................................ pág. 53 Figura 8 - Cavidade oral com discreta inflamação das regiões correspondentes às extrações dentárias e orofaringe, 10 dias após o tratamento cirúrgico e aplicação de Depo-Medrol®, em animal da espécie felina pág. 54 Figura 9 – Aspecto da cavidade oral um ano após o tratamento cirúrgico. Notar a intensa gengivite e ulcerações generalizadas, em animal da espécie felina ...... pág. 56 Figura 10 – Ulceração intensa na região onde foram realizadas as extrações dentárias, correspondente aos pré-molares e molar superiores esquerdos, e 10 mucosa correspondente ao dente canino (nº204), um ano após o tratamento, em animal da espécie felina .................................................................................. pág. 56 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Métodos para medir a concentração de ciclosporina nos fluidos biológicos e valores de referência .......................................................................... pág.32 Quadro 2 – Fármacos com capacidade de interagir com a ciclosporina ............... pág. 33 Quadro 3 – Resultados obtidos entre um e dois anos após extração dentária radical em felinos ............................................................................................. pág. 44 12 LISTA DE ABREVIAÇÕES AINES ........................................................... Antiinflamatórios não esteroidais CGEF ............................ Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos felinos DNA ......................................................................... Ácido Desoxirribonucléico EAR .................................................................... Estomatite Aftosa Recorrente EDTA .................................... Ácido Etilenodiaminotetracético (anticoagulante) ELISA ................................................. Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay FCV ....................................................................................... Calicivírus Felino FeLV ......................................................................... Vírus da Leucemia Felina FHV .................................................................................... Herpesvírus Felino FIV ........................................................ Vírus da Imunodeficiência dos Felinos HIV ............................................................ Vírus da Imunodeficiência Humana IFN .................................................................................................... Interferon LOC ................................................... Laboratório de Odontologia Comparada LRDF ............................................Lesão de Reabsorção Dentária dos Felinos Nd:YAG .................................................. neodymium:yttrium-aluminum-garnet PCR ...................................................................... Polymerase Chain Reaction PIF ......................................................................... Peritonite Infecciosa Felina RNA .................................................................................... Ácido Ribonucléico SIDA ................................................. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida 13 LISTA DE SÍMBOLOS γ .............................................................................................................. gama Ig .............................................................................................. Imunoglobulina mg ..................................................................................................... miligrama kg .................................................................................................... quilograma BID ...................................................................................... duas vezes ao dia mL ......................................................................................................... mililitro IL .................................................................................................... Interleucina VO ......................................................................................................... via oral ng ................................................................................................... nanograma α ................................................................................................................. alfa UI ................................................................................... Unidade Internacional ω ........................................................................................................... omega MUI ........................................................... milhões de unidades internacionais kDa ................................................................................................ quilo Dalton SID ........................................................................................... uma vez ao dia CO2 .............................................................................................................................. Dióxido de Carbono nm .................................................................................................. namômetro IM ................................................................................................ intramuscular IV .................................................................................................... intravenoso SC .................................................................................................. subcutâneo QID .................................................................................... quatro vezes ao dia 14 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. pág. 17 2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................ pág. 20 2.1 ETIOPATOGENIA ........................................................................................... pág. 20 2.2 SINAIS CLÍNICOS ........................................................................................... pág. 24 2.3 PREVALÊNCIA E PREDISPOSIÇÃO .............................................................pág. 24 2.4 DIAGNÓSTICO ............................................................................................... pág. 25 2.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ....................................................................... pág. 26 2.6 TRATAMENTO ................................................................................................ pág. 26 2.6.1 Antimicrobianos ............................................................................................ pág. 28 2.6.2 Agentes imunossupressores e imunomoduladores ...................................... pág. 28 2.6.2.1 Azatioprina ................................................................................................ pág. 29 2.6.2.2 Ciclosporina ............................................................................................... pág. 30 2.6.2.3 Corticosteróide .......................................................................................... pág. 34 2.6.2.4 Interferon (IFN) .......................................................................................... pág. 36 2.6.2.5 Lactoferrina ............................................................................................... pág. 39 2.6.2.6 Tacrolimus ................................................................................................. pág. 40 2.6.3 Outros fármacos ........................................................................................... pág. 41 2.6.4 Exodontia ..................................................................................................... pág. 43 2.6.5 Laser ............................................................................................................ pág. 44 3. RELATO DE CASO .......................................................................................... pág. 49 4. DISCUSSÃO ..................................................................................................... pág. 60 5. CONCLUSÃO ................................................................................................... pág. 67 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. pág. 69 15 16 INTRODUÇÃO 1 17 1. INTRODUÇÃO O Complexo Gengivite-Estomatite-Faringite dos felinos (CGEF) é uma inflamação oral crônica também conhecida por Estomatite Linfoplasmocítica, Gengivite-Estomatite Linfocítica-Plasmocítica, Estomatite Ulcerativa Crônica, Gengivite Crônica, Estomatite Plasmocítica, Gengivite-Faringite Plasmocitária, Estomatite Necrosante, Gengivoestomatite Crônica, Estomatite Felina Intratável, dependendo da distribuição das lesões e de acordo com o exame histopatológico. É uma moléstia comum caracterizada por inflamação intensa da gengiva e mucosa oral. Embora mais comum nos gatos, vem crescendo também a incidência nos pacientes caninos (DIEHL; ROSYCHUK, 1993; GASKELL; GRUFFYD, 1977; HARVEY, 1991; JOHNESSEE; HURVITZ, 1983; MEHL, 2003; PEDERSEN, 1992; PRESCOTT, 1971; REUBEL et al, 1992; WHITE et al., 1992; WILLIAMS; ALLER, 1992). A inflamação severa e crônica da gengiva, mucosa alveolar e região glosso-palatina representam uma reação exacerbada do organismo em relação ao que se esperaria frente ao acúmulo da placa bacteriana e do cálculo dentário na doença periodontal (HENNET, 1997). As características histopatológicas indicam que ocorre uma resposta imunológica frente à patogenia desta doença, embora não tenha sido ainda, claramente definida. Alterações no sistema imunológico do paciente podem alterar sua resposta e permitir infecções oportunistas, contribuindo para a cronicidade do processo (LYON, 2005). O diagnóstico, bem como a terapêutica, constituem um desafio para o clínico veterinário (HENNET, 1997; LOMMER; VERSTRAETE, 2003). Na literatura tem sido descrita como a segunda causa mais freqüente de doença oral na medicina felina, perdendo apenas para a doença periodontal (DIEHL; ROSYCHUK, 1993). O aumento da população de gatos e uma maior preocupação por parte dos proprietários favoreceu o aumento no número de casos diagnosticados nos últimos anos, bem como o número de pacientes refratários aos tratamentos disponíveis até o presente momento. Atualmente, a doença vem sendo tratada com diferentes protocolos terapêuticos incluindo procedimentos clínicos e cirúrgicos. Diferentes fármacos 18 já foram testados e as respostas diferem para cada animal. Entretanto, nenhum tratamento se mostrou totalmente eficaz em promover a cura da doença. Frente à alta casuística e a complexidade da doença, o presente estudo tem como objetivo revisar a literatura disponível sobre o complexo gengivite- estomatite-faringite dos felinos, as prováveis causas etiológicas da doença, seus protocolos para tratamento, bem como relatar um caso clínico. 19 REVISÃO DE LITERATURA 2 20 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 ETIOPATOGENIA As lesões inflamatórias crônicas que afetam a gengiva e mucosa oral dos felinos domésticos iniciam-se, em geral, como gengivite e progridem para outros locais da cavidade oral, podendo estender-se das margens gengivais para outras áreas através de contato físico, atingindo a região do arco glosso- palatino (região do encontro entre a mandíbula e a maxila, próximo à orofaringe). Este espaço é denominado istmo das fauces, originando o termo errôneo “faucite”. O termo “estomatite caudal” é preferido quando houver inflamação nesta região. Concomitante à estomatite, doença periodontal e lesões de reabsorção dentária dos felinos (LRDF) podem estar presentes, contribuindo para a severidade das lesões (DIEHL; ROSYCHUK, 1993; LOMMER; VERSTRAETE, 2003; WIGGS; LOBPRISE, 1997). O fator desencadeante e o processo fisiopatológico básico ainda não foram descobertos e podem diferir em cada caso. A intensa proliferação bacteriana, composta inicialmente por microorganismos aeróbios Gram- positivos, sem motilidade e posteriormente por anaeróbios Gram-negativos com motilidade levam à produção de toxinas (hialuronidases e enzimas lisossomais) que, em associação ao grande fluxo de células inflamatórias, acabam por irritar os tecidos orais. Isto desencadeia uma reação inflamatória, caracterizada por edema, eritema e ulcerações, dando início à gengivite e predispondo à formação de cálculo dentário. O cálculo é composto por bactérias e outras substâncias orgânicas, incorporadas a uma matriz inorgânica composta principalmente por hidroxiapatita, cálcio e fósforo (provenientes da saliva), dando origem a uma placa mineralizada (GRUFFYDD-JONES, 1991; HENNET, 1997). As bactérias desempenham um papel claro na patogenia da gengivite crônica, uma vez que os animais respondem a tratamentos com antimicrobianos. Entretanto, ainda não está definido se este papel é mesmo etiológico ou se trata de uma infecção oportunista secundária a outra causa de base (HENNET, 1997). 21 Tanto a gengivite como a estomatite acontecem devido à resposta imunológica do organismo frente à placa bacteriana, sendo regulada pelo sistema imune local de cada indivíduo. Outros fatores podem estar associados a uma disfunção da resposta imunológica frente a infecções multifatoriais, incluindo vírus, doenças imunomediadas,conformação oral, genética, nutrição, meio ambiente e a domesticação de um modo geral (GRUFFYDD-JONES, 1991; HENNET, 1997; LOMMER; VERSTRAETE, 2003). O sistema imunológico responde à inflamação gengival crônica através da produção de anticorpos, sendo os plasmócitos e os linfócitos as primeiras imunoglobulinas a aparecerem e serem predominantes neste tipo de inflamação. Os anticorpos produzidos pelos plasmócitos contra as toxinas bacterianas ativam o sistema complemento, atraindo células fagocíticas que, por sua vez, lesam as membranas das células gengivais, resultando em aumento da permeabilidade vascular local e intensa retração gengival (HARVEY, 1991; JOHNESSEE; HURVITZ, 1983; WHITE et al., 1992). O aumento no nível de imunoglobulinas incluindo a γ-globulina confirma a resposta imunológica exacerbada (UENO et al., 1996). Estudos mostraram que a resposta inflamatória é semelhante, independente da etiologia e que a infecção secundária por microorganismos freqüentemente conduz a um processo supurativo superficial, dificultando ainda mais a determinação da causa inicial (LOMMER; VERSTRAETE, 2003). Segundo Harley et al. (2003), gatos com gengivoestomatite crônica têm maiores concentrações séricas de imunoglobulina (Ig) G, IgM e IgA, maiores concentrações salivares de IgG e IgM, mas concentrações significativamente menores de IgA. A importância da IgA na cavidade oral está na sua capacidade de neutralizar patógenos e toxinas, inibindo a aderência e o crescimento de microorganismos na mucosa oral ou dentes, contribuindo com o aumento do fator de defesa não-específico. Entretanto, não está claro se o comportamento das imunoglobulinas descrito acima pode ser considerado causa ou conseqüência da doença inflamatória oral. É importante conhecer o mecanismo imunológico envolvido na gengivoestomatite, a fim de avaliar as conseqüências na progressão da doença quando houver qualquer supressão deste sistema. Nas moléstias crônicas de 22 origem metabólica ou endócrina, o sistema imunológico poderá estar suprimido, fazendo com que a progressão da gengivite para a doença periodontal ocorra rapidamente, afetando também os animais jovens (LYON, 2005). Doenças sistêmicas como as infecções causadas pelo vírus da imunodeficiência dos felinos (FIV), vírus da leucemia felina (FeLV), herpesvírus (FHV) e calicivírus (FCV), doenças imunomediadas e outros fatores tais como a dieta do animal e conformação oral (maloclusão ou desalinhamento dentário) podem contribuir para o desenvolvimento da gengivite e da estomatite, embora não esteja estabelecida a relação com estas doenças nem se possa afirmar, até o presente momento, serem o fator desencadeante da estomatite crônica (DIEHL; ROSYCHUK, 1993; LOMMER; VERSTRAETE, 2003; HENNET, 1997). O FCV é um patógeno comum do trato respiratório superior dos felinos e está relacionado com a doença oral aguda e crônica, principalmente quando há comprometimento clínico do arco glosso-palatino, embora a participação do FCV no desenvolvimento da doença não esteja esclarecida (REUBEL et al., 1992). Através de exame histológico da cavidade oral de animais infectados com o calicivírus foi possível descobrir que este vírus se replica preferencialmente nas células do epitélio tonsilar superficial e mucosa da região adjacente, provavelmente como conseqüência da função de defesa das tonsilas no organismo, agindo como um “filtro” contra possíveis agentes infecciosos (DICK et al., 1989). Outro vírus investigado, o FHV, está associado à rinotraqueíte dos felinos podendo causar ceratite e conjuntivite, faringite, estomatite caudal, dermatite facial, aborto e mortalidade neonatal (PEDERSEN, 1992). Em estudo realizado por Hennet (2005), a prevalência de gatos com estomatite caudal infectados pelo FCV e FHV, utilizando-se a tecnologia PCR, foi de 97% e 15%, respectivamente. Segundo ele, a presença do FCV foi significativamente correlacionada com a estomatite caudal, enquanto que o FHV não apresentou correlação, tanto nos gatos infectados como nos não- infectados pelo FCV. Em outro estudo, 88% dos gatos com a doença foram positivos tanto para FCV quanto para FHV e nenhum dos animais atendidos foi negativo para 23 ambos os vírus. A infecção concomitante foi mais comum em animais com gengivoestomatite crônica do que em animais que apresentaram somente doença periodontal. Entretanto, não foi comprovada nenhuma relação entre esses vírus e o fator desencadeante do processo inflamatório (LOMMER; VERSTRAETE, 2003). Os gatos podem desenvolver doenças se infectados pelo FIV, um retrovírus pertencente à Subfamília dos Lentivírus mundialmente disseminado na população felina. Dentre as conseqüências mais comuns da infecção pelo FIV, está a inflamação gengival crônica. Cerca de 50 a 80% dos gatos infectados pelo FIV apresentam gengivite crônica podendo ou não desenvolver outros sinais da doença. Uma síndrome semelhante acontece em humanos infectados pelo vírus da imunodeficiência (HIV), tornando o paciente felino infectado pelo FIV um modelo de estudo eficaz, seja para a avaliação de fármacos anti-virais, na patogenia e curso da doença ou nos testes vacinais (BENDINELLI et al., 1995; GRUFFYD-JONES, 1991; HARVEY, 1991; WATERS et al., 1993). Entretanto, é possível encontrar animais com gengivite crônica negativos para a infecção por FIV (HARVEY, 1991). Em 2006, Haipek concluiu que os gatos infectados pelo FIV e com gengivite crônica, apresentaram resposta imunológica parcial, frente à inflamação gengival, quando comparados aos gatos não infectados pelo FIV. Isto demonstra que o uso de glicocorticóides para o tratamento da gengivite crônica nos gatos infectados pelo retrovírus deva ser usado com cautela, para que não ocorra um comprometimento ainda maior da resposta imunológica mediada pelos linfócitos T CD4+ e CD8+. Os resultados demonstraram que os gatos com gengivite e infectados pelo FIV apresentaram uma contagem significativamente menor de linfócitos T CD4+ quando comparado aos gatos com gengivite e não infectados pelo FIV. Não foi encontrada diferença significativa na contagem de linfócitos T CD8+ entre os gatos com gengivite, infectados ou não pelo FIV. A razão CD4+/CD8+ também se mostrou em declínio nos gatos com gengivite e infectados pelo FIV. Foi conclusivo para este estudo que a infecção pelo FIV compromete a resposta imunológica felina diante da inflamação gengival e que a infecção pelo FIV deve ter uma participação secundária na etiopatogenia da gengivite crônica dos gatos, uma 24 vez que a inflamação gengival severa foi também encontrada em gatos não infectados pelo retrovírus. Existem evidências de que as raças de felinos asiáticos sejam mais comumente afetadas pelo CGEF, indicando uma provável predisposição genética. Em humanos, semelhante ao que acontece nos felinos, existe um fator hereditário para o desenvolvimento de estomatite, conhecido por “estomatite aftosa recorrente” (EAR) (GREENBERG; PINTO, 2003). Existem quatro diferentes graus de classificação para a gengivite dos felinos, de acordo com a intensidade e os tipos de lesões na cavidade oral. De acordo com Waters et al. (1993), os graus podem ser divididos em: zero (0) ausência de gengivite; um (I) gengivite leve, hiperemia gengival discreta; dois (II) gengivite moderada, hiperemia evidente, ausência de ulceração; três (III) gengivite severa, hiperemia evidente, hiperplasia e/ou ulceração; quatro (IV) gengivite muito severa, hiperemia bastante evidente, hiperplasia e/ou ulceração gengival, tecidos gengivais friáveis. 2.2 SINAIS CLÍNICOS Entre os sinaispredominantes destacam-se halitose, ptialismo, sialorréia, disfagia e inapetência. Dentre os sintomas observam-se dificuldade para se higienizar, engolir, respirar, hemorragia bucal e perda de peso. O exame minucioso da cavidade oral revelará lesões ulcerativas ou proliferativas nas regiões da faringe, arco glosso-palatino, gengiva, mucosas alveolar, jugal e lingual. Concomitantes a essas alterações podem estar presentes doença periodontal e lesões de reabsorção dentária, podendo ser bastante dolorosos (GIOSO, 2007; HENNET, 1997; LYON, 2005). 2.3 PREVALÊNCIA E PREDISPOSIÇÃO A maioria dos animais com CGEF são felinos domésticos, sem prevalência por sexo ou raça, embora a prática clínica sugira alguma preferência por gatos asiáticos, como o siamês. A idade média do 25 aparecimento das lesões está por volta dos 8 anos de idade, podendo atingir também, animais entre 3 e 15 anos (GIOSO, 2007; HENNET, 1997). Segundo Venturini (2006) em estudo realizado na cidade de São Paulo, em uma clínica particular especializada em atendimento odontológico veterinário, 11,7% dos animais atendidos apresentava a doença, não havendo diferença estatisticamente significativa em relação à raça e sexo dos animais acometidos. A idade de diagnóstico da doença encontrada neste estudo também variou entre 3 e 15 anos de idade. 2.4 DIAGNÓSTICO O diagnóstico é realizado pela anamnese, exame físico, sinais clínicos, tipo de alimentação recebida, evolução da doença, medicação utilizada e tratamentos previamente realizados e seus respectivos resultados, além de se obter informações sobre a idade do animal. O exame físico da cavidade oral, na maioria das vezes, é suficiente para fechar o diagnóstico. Entretanto, biópsia dessas lesões inflamatórias deve ser realizada, além de exames laboratoriais (hemograma, função renal e hepática) (PEDERSEN, 1992). Freqüentemente, os exames histopatológicos descrevem hiperplasia do epitélio oral com ulcerações profundas e, abaixo dele, um infiltrado de plasmócitos e linfócitos, macrófagos e neutrófilos polimorfonucleares na submucosa e células inflamatórias migrando através da mucosa (HENNET, 1997). Testes sorológico (ELISA - Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay) ou molecular, por Reação em Cadeia Polimerase (PCR - Polymerase Chain Reaction) para FIV e FeLV, FCV e FHV são indicados, a fim de se obter o prognóstico da doença quanto a possíveis recidivas e o grau de severidade das lesões (LYON, 2005; HENNET, 2005). 26 2.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Existem outras doenças que acometem a cavidade oral dos felinos domésticos. Dentre elas pode-se citar: gengivite urêmica, complexo granuloma eosinofílico, alergia alimentar, carcinoma de células escamosas, reação a corpo estranho e doenças auto-imunes, como por exemplo, pênfigo vulgar e lúpus eritematoso sistêmico (LYON, 2005; PEDERSEN, 1992). As neoplasias muitas vezes estão acompanhadas de inflamação, mas não constitui, por si só, doença inflamatória. Todavia, o carcinoma, fibrossarcoma e melanoma podem apresentar lesões do tipo proliferativa, ulcerativa ou úlcero-proliferativa mimetizando as lesões causadas por agentes infecciosos ou vice-versa, embora a localização na maioria das neoplasias orais seja unilateral, diferentemente do que acontece no caso de gengivite crônica. Por este motivo, a realização de biopsia deveria fazer parte da rotina cirúrgica (PEDERSEN, 1992). 2.6 TRATAMENTO Diversos estudos foram realizados na tentativa de se encontrar um tratamento efetivo para esta doença sendo que, atualmente, pode-se optar pelo tratamento clínico, cirúrgico ou a combinação de ambos, dependendo de cada caso; entretanto, estes procedimentos não se mostram totalmente eficazes. As respostas variam entre cada paciente e, na maioria dos casos, se mostra incompleto, transitório e de duração variável (NIZA et al., 2004). A abordagem terapêutica deve-se iniciar com tratamento periodontal, incluindo extração dos dentes com retração gengival, mobilidade, bolsa periodontal e exposição de furca. O exame radiográfico intra-oral deve ser realizado para diagnosticar áreas de reabsorção óssea alveolar, presença de fragmentos de raiz ou lesões de reabsorção dentária. Nestas condições, estes dentes deverão ser extraídos por contribuírem com a cronicidade da doença, já que a doença periodontal promove mais inflamação devido ao processo infeccioso. Com isso, busca-se minimizar a infecção e a inflamação da cavidade oral com esta etiologia, facilitando ao proprietário o controle da placa 27 bacteriana através da escovação dental diária (LYON, 2005; NIZA et al., 2004; PEDERSEN, 1992). No momento da consulta os proprietários precisam estar cientes que este primeiro tratamento periodontal pode não obter sucesso, necessitando assim de nova intervenção cirúrgica para extração múltipla dos dentes (GIOSO, 2007; HENNET, 1997). Inicialmente, está indicada a extração dos dentes pré- molares e molares, com cura clínica ou melhora significativa em 80% dos casos tratados, de acordo com estudo realizado por Hennet em 1997. Neste mesmo trabalho, 13% dos animais apresentaram discreta melhora e 7% foram refratários às extrações dentárias. Frente à persistência dos sinais clínicos de inflamação gengival severa, o procedimento seguinte inclui a extração dos dentes incisivos e caninos, na tentativa de controlar a doença, embora a possibilidade de apresentar alguma melhora, nesses casos, seja remota (GIOSO, 2007). A gengivite crônica se resolve em muitos animais positivos para FCV após extração múltipla dos dentes, pois há redução dos níveis de placa bacteriana, mesmo sem nenhum tratamento anti-viral associado, levando a crer que existam outros fatores envolvidos, que não somente o FCV, na patogenia desta doença (SOUTHERDEN; GORREL, 2007). Devido ao fato da gengivite estar relacionada com alterações imunológicas, o tratamento clínico inclui fármacos que possam regular a reposta imune e devem ser utilizados como complemento ao procedimento cirúrgico, principalmente para os animais que apresentarem pouca ou nenhuma melhora. Alguns medicamentos podem promover um controle do processo inflamatório, mas não necessariamente a cura da doença. O uso de corticosteróide sistêmico pode ser apropriado para casos severos, mas deve ser prescrito com cautela (LYON, 2005). Existem diversos protocolos terapêuticos, entretanto, as respostas e o sucesso do tratamento variam em cada animal, sendo necessário estabelecer uma terapêutica individual (NIZA et al., 2004). 28 2.6.1 ANTIMICROBIANOS Nos casos onde foi realizado tratamento periodontal sem sucesso e há resistência do proprietário em proceder ao tratamento de extração dentária múltipla, pode-se recorrer à terapia antimicrobiana (LYON, 2005; WIGGS; LOBPRISE, 1997). Os antimicrobianos sistêmicos incluem amoxicilina, amoxicilina associada ao clavulanato de potássio (Synulox®)1, espiramicina associada ao dimetridazol (Spiraphar®)2 ou ao metronidazol (Stomorgyl®)3, clindamicina (Antirobe®)4, enrofloxacina (Baytril®)5, doxiciclina (Doxifin®)6, azitromicina (Zitrex®)7 e cefalexina (Celesporin®)8. A combinação de enrofloxacina (5 mg/kg/BID) e metronidazol (15 mg/kg/BID) apresenta sinergismo e demonstrou bons resultados a longo prazo. O gluconato de clorexidina a 0,12% (Periogard®)9 é um excelente anti-séptico para higienização oral. Sua característica conhecida como substantividade permite que o princípio ativo atue por 12 horas, quando realizado enxágüe oral por um minuto. Nos animais, sugere-sea aplicações a cada 6 horas (LYON, 2005). Após a administração do fármaco de escolha por um período de cinco a 10 dias pode-se fazer terapia de manutenção, administrando um terço da dose a cada dois ou três dias, por períodos prolongados (WIGGS; LOBPRISE, 1997). Com este tratamento, não se está buscando a cura e sim, o controle da infecção (LYON, 2005). 2.6.2 AGENTES IMUNOSSUPRESSORES E IMUNOMODULADORES A ação dos agentes imunossupressores e imunomoduladores consistem em suprimir ou modular a função imunológica através de mecanismos diversos ____________________________________________________________ 1 - Synulox® - Laboratório Pfizer, São Paulo, Brasil 2 - Spiraphar® - Laboratório Virbac, São Paulo, Brasil 3 - Stomorgyl® - Laboratório Merial, São Paulo, Brasil 4 - Antirobe® - Laboratório Pfizer, São Paulo, Brasil 5 - Baytril® - Laboratório Bayer, São Paulo, Brasil 6 - Doxifin® - Laboratório Ouro Fino,São Paulo, Brasil 7 - Zitrex® - Laboratório Cepav, São Paulo, Brasil 8 - Celesporin® - Laboratório Ouro Fino, São Paulo, Brasil 9 - Periogard® - Colgate do Brasil, São Paulo, Brasil 29 e estão indicados em animais com inflamação oral refratária aos tratamentos anteriores. Os principais fármacos utilizados para esta finalidade são azatioprina, ciclosporina, tacrolimus, corticosteróide, interferon, lactoferrina entre outros. 2.6.2.1 AZATIOPRINA A azatioprina (Imuran®)10 é um fármaco sintético análogo às purinas com atividade imunossupressora, derivada da 6-mercaptopurina pela adição de um anel imidazólico. Interfere na produção das bases purínicas utilizadas na síntese de DNA e RNA, agindo assim, na divisão celular. Tem sido utilizado há mais de 40 anos com indicação para prevenção de rejeição em pacientes humanos transplantados renais, além do uso nas dematopatias auto-imunes e artrite reumatóide. Apresenta atividade imunossupressora, imunomoduladora e antiinflamatória, agindo sobre a função de linfócitos T (diminuindo sua produção), na imunidade celular e, em menor escala nos linfócitos B e na imunidade humoral (DAVID et al., 1997). Os efeitos colaterais descritos no homem incluem os hematológicos (leucopenia, trombocitopenia, pancitopenia, efeitos mielotóxicos), os gastrintestinais (náuseas, vômitos, diarréia, dor abdominal, úlceras orais e estomatites), os hepáticos (elevação das enzimas hepáticas), as reações de hipersensibilidade e as infecções oportunistas (DAVID et al., 1997). As reações adversas estão relacionadas com a redução da atividade da tiopurina metiltransferase nos eritrócitos humanos, enzima esta importante no metabolismo do fármaco. Embora os felinos possuam esta enzima, ela encontra-se numa quantidade menor que em humanos, possuindo menor tolerância e indicação limitada nesta espécie. O cão apresenta níveis desta enzima próximos do humano (FOSTER et al., 2000 ). A azatioprina deve ser usada com cautela em pacientes que apresentarem insuficiência hepática e renal.Embora não tenha sido relacionado ___________________________________________________________ 10 - Imuran® - Laboratório GlaxoSmithKline, Rio de Janeiro, Brasil 30 ao aumento de malformações congênitas, deve-se atentar para seu potencial teratogênico (DAVID et al., 1997). A monitorização do paciente através de exames laboratoriais (hemograma, função renal e hepática) deve ser realizada antes do início do tratamento e mensalmente após o seu início. A azatioprina possui potencial carcinogênico bastante conhecido, motivo pelo qual exames dermatológicos (inspeção física) devem ser realizados a fim de se detectar precocemente o aparecimento de tumores cutâneos (DAVID et al., 1997). A dose da azatioprina indicada é de 50 mg, dissolvidos em 15 mL de xarope multivitamínico sendo administrado na dose de 0,3 mg/kg a cada 48 horas. Segundo estudo realizado em felinos, a associação da azatioprina no tratamento diminui a dose de prednisolona recomendada. A prednisolona pode ser administrada em dias alternados de tratamento, se necessário (TIEDE et al., 2003). 2.6.2.2 CICLOSPORINA A ciclosporina é um peptídeo contendo oito aminoácidos, com peso molecular de 1.203 daltons. É produzida comercialmente a partir de linhagens do fungo Tolypocladium inflatum Gams sendo extraída e purificada por meio de cromatografia (VADEN, 1997). O mecanismo de ação da ciclosporina consiste na modificação da resposta imunológica do paciente, bloqueando as células T-helper. É um inibidor específico e reversível dos linfócitos imunocompetentes, agindo preferencialmente sobre os linfócitos T, influenciando na produção de algumas citocinas, como IL-2 e fator de crescimento dos linfócitos (NIZA et al., 2004). Tem sido amplamente utilizado para tratar animais submetidos a transplante renal, devido a sua ação imunossupressora (LYON, 2005; NIZA et al., 2004). Seu índice terapêutico é baixo; altas concentrações são tóxicas e, baixas doses, ineficazes. As concentrações sangüíneas após a administração variam de paciente para paciente e em cada paciente, dificultando sua 31 prescrição. Essas variações são amplamente determinadas por diferenças na absorção, distribuição e metabolismo do fármaco (VADEN, 1997). O pico máximo de concentração sangüínea acontece por volta de duas a quatro horas após a administração oral do fármaco, podendo ser maior em alguns animais. A absorção ocorre primariamente no intestino delgado, e a biodisponibilidade geralmente é baixa, sendo absorvido de 15 a 60% do total administrado, podendo aumentar com doses prolongadas. O fármaco é extremamente lipofílico e será mais bem absorvido se administrado concomitantemente com alimentos gordurosos. As maiores concentrações são encontradas na camada de gordura e no fígado e as menores concentrações no pâncreas, rins, pele e coração. A ciclosporina não atravessa a barreira hemato-encefálica e sua metabolização acontece através do sistema enzimático microssomal P450. A excreção se dá por via biliar, embora pequena porcentagem seja eliminada pela urina (VADEN, 1997). Os fármacos comerciais disponíveis no mercado até pouco tempo eram o Sandimun® e o Neoral®. Estas apresentações não eram equivalentes, com diferentes níveis de absorção, sendo o Neoral® duas vezes mais absorvido que o Sandimun®, por sua fórmula ser para microemulsão. O Neoral® era recomendado devido à sua melhor absorção e baixa dose (2 mg/kg/VO/BID), enquanto o Sandimum® necessitava de maior dose, variando de 7,5 a 15 mg/kg/VO/BID (LYON, 2005). A apresentação comercial atualmente disponível no mercado é o Sandimmun Neoral®11, apresentando as mesmas características do antigo Neoral® com absorção intestinal variável, podendo resultar em baixa biodisponibilidade quando administrada aos felinos (NIZA et al., 2004). Uma nova apresentação comercial da ciclosporina, com absorção gastrintestinal mais constante está disponível em alguns países da Europa sob o nome comercial Atopica®12, com indicação para cães portadores de dermatite atópica (NIZA et al., 2004). ____________________________________________________________ 11 - Sandimmun Neoral® - Laboratório Novartis, São Paulo, Brasil 12 - Atopica® - Laboratório Novartis Saúde Animal, Suíça 32 A dose de ciclosporina recomendada para felinos é de 0,5 a 10 mg/kg, a cada 12 horas, por via oral (BOOTHE, 2000; GREGORY, 2000), iniciando-se com doses de 0,5 a 2,5 mg/kg, a cada 12 horas, procurando obter níveis séricos de 250 a 500 ng/mL, através de monitorização sanguínea 48 horas após o início do tratamento, seguindo com intervalos regulares (BEATTY; BARRS,2003). Segundo Vaden (1997) a dose inicial para felinos é de 10 mg/kg, por via oral, a cada 12 horas. Alguns animais podem apresentar ptialismo e meneios de cabeça devido à baixa palatabilidade, resultando em perda da medicação e conseqüente subdosagem. É necessária a monitorização freqüente do paciente, uma vez que os riscos de toxicidade aumentam com o uso prolongado, elevando o nível do fármaco no sangue. No quadro 1 estão resumidos os métodos para medir as concentrações de ciclosporina nos fluidos corpóreos, bem como os valores de referência baseados em estudos com pacientes humanos, felinos e caninos (VADEN, 1997). Quadro 1 Métodos para medir a concentração de ciclosporina nos fluidos biológicos e valores de referência Método Específico para ciclosporina Material Valores de Referência (ng/mL) Cromatografia líquida de alta execução sim Sangue total Sangue total 100-300 (H) 250-600 (F) Radioimunoensaio/Anticorpo monoclonal sim Soro, plasma Sangue total 50-125 (H) 150-400 (H) Radioimunoensaio/Anticorpo policlonal não Soro, plasma Sangue total 50-300 (H) 200-800 (H) Fluorescência polarizada por imunoensaio não Soro, plasma Sangue total Sangue total 150-300 (H) 250-1000 (H) 250-400 (C) Nota: os dados humanos são baseados numa terapia de manutenção prolongada, sob a apresentação comercial Sandimum®. H, baseado em estudos humanos; F, baseado em estudos em felinos; c, baseado em estudos em cães. Fonte: VADEN, 1997. 33 Durante os dois primeiros meses de tratamento, as concentrações sangüíneas devem ser medidas em intervalos regulares, ou seja, de duas a quatro vezes ao mês, assegurando, assim, que as doses administradas estão corretas. Após este período, os controles poderão ser realizados uma vez por mês. Possivelmente as doses diminuirão com a administração prolongada, devido ao aumento da absorção intestinal (VADEN, 1997). Assim como os imunossupressores, a administração de ciclosporina está associada com maior risco de desenvolver infecção ou neoplasia. Casos de linfoma e desordens linfoproliferativas foram relatados em humanos e gatos que receberam tratamento prolongado (GREGORY, 2000). Os cães são resistentes aos efeitos nefrotóxicos da ciclosporina, mas altas doses demonstraram diminuir a filtração glomerular, embora tenham sido relatados poucos casos de nefrotoxicidade. Os efeitos hepatotóxicos estão associados a altas doses, levando a diminuição da síntese de proteína hepática, inibição da liberação e resistência à insulina. Em humanos, pode-se observar hepatotoxicidade, hipertensão e parestesia (VADEN, 1997). Alguns fármacos podem potencializar a toxicidade da ciclosporina quando administrados em associação (Quadro 2). Quadro 2 Fármacos com capacidade de interagir com a ciclosporina Fármacos que podem aumentar a concentração de ciclosporina no sangue, aumentando a eficácia ou toxicidade: cimetidina; danazol; diltiazen; doxiciclina; eritromicina; fluconazol; itraconazol, cetoconazol; metilprednisolona; nicardipina; verapamil. Fármacos que podem diminuir a concentração de ciclosporina no sangue, diminuindo a eficácia ou toxicidade: carbamazepina; omeprazol; fenobarbital; fenitoína; rifampicina; sulfa- trimetoprin (somente por via intra-venosa) Fármacos ou classe de fármacos que podem potencializar disfunção renal: aciclovir; aminoglicosídeos; anfotericina B; cimetidina; eritromicina; cetoconazol; AINES; ranitidina; vancomicina. Dados baseados em estudos em humanos. Fonte: VADEN, 1997 34 Efeitos colaterais como diarréia, vômito, anemia, disfunção hepática e renal podem estar presentes principalmente em animais que recebam doses diárias superiores a 15 mg/kg. Para tanto, o paciente precisa apresentar resultados favoráveis nos exames laboratoriais prévios para ser submetido à terapia. Os riscos são maiores com doses altas e tratamentos prolongados. Os resultados se observam por volta da quarta semana após o início do tratamento, com benefícios máximos na oitava semana (MEHL et al., 2003). Não foram relatados casos de toxicidade nas doses recomendadas. Entretanto, hiperplasia gengival poderá ocorrer com o uso prolongado do medicamento. Alguns animais necessitam continuar recebendo tratamento de manutenção diário, em dias alternados ou uma vez por semana, para o resto da vida. A dose de manutenção vai depender da resposta do paciente e varia caso a caso. Alguns pacientes continuam dependendo também de doses de cortisona associada à ciclosporina (LYON, 2005). 2.6.2.3 CORTICOSTERÓIDE Os fármacos esteroidais podem ser recomendados quando houver necessidade de controle imediato da gengivoestomatite aguda. Entretanto, existem controversas quanto a sua utilização. Nos casos em que o envolvimento viral participa da etiologia do processo, sua administração pode contribuir com o desenvolvimento da infecção. De outra maneira, a administração destes fármacos pode reduzir a exacerbada resposta do hospedeiro frente ao estímulo antigênico. Por estes motivos, a indicação de corticosteróides precisa ser previamente avaliada, não devendo ser indicados como primeira escolha, pois sua eficácia diminui ao longo do tempo, em tratamentos repetidos (NIZA et al., 2004). São recomendadas doses baixas a moderadas de prednisolona (Dermacorten®)13 iniciando com 2 a 4 mg/kg diariamente, durante uma semana, ou até a regressão dos sintomas, reduzindo a dose pela metade por mais uma semana (LYON, 2005). ___________________________________________________________ 13 - Dermacorten® - Laboratório Ouro Fino, São Paulo, Brasil 35 A dose de manutenção, de 0,5 a 1 mg/kg a cada 48 horas, geralmente é mais baixa uma vez que a doença esteja controlada (LYON, 2005). De acordo com Niza et al., 2004, o uso de corticóide por períodos de 8 a 10 dias, associado a antibiótico terapia e ao tratamento periodontal pode apresentar bons resultados em casos menos severos de estomatite. O acetato de metilprednisolona (Depo-Medrol®)14 possui maior ação glicocorticóide e pode ser administrado na dose de 10 a 20 mg por animal, a cada duas ou três semanas num total de três a seis aplicações, reduzindo a dose conforme necessário. Pode haver interação medicamentosa com ciclosporina, fenobarbital, fenitoína, rifampicina, antibióticos macrolídeos, antifúngicos azólicos, ácido acetilsalicílico e anticoagulante oral (LYON, 2005). As interações farmacocinéticas do Depo-Medrol® listadas a seguir são potencialmente importantes em termos clínicos para uso em humanos (LABORATÓRIO PFIZER): 1) inibição mútua do metabolismo com o uso concomitante de ciclosporina e metilprednisolona; portanto, é possível que os efeitos adversos (distúrbios hidroeletrolíticos, musculoesqueléticos, gastrintestinais, dermatológicos, metabólicos, neurológicos, endócrinos, oftálmicos, imunológicos) associados ao uso individual de cada fármaco, possam apresentar uma maior tendência em ocorrer; 2) convulsões com o uso concomitante de ciclosporina e metilprednisolona; 3) medicamentos que induzem as enzimas hepáticas, tais como fenobarbital, fenitoína e rifampicina podem aumentar a eliminação de metilprednisolona exigindo aumento na dose para se alcançar os efeitos desejados; 4) o cetoconazol pode inibir o metabolismo da metilprednisolona diminuindo, portanto, sua eliminação. O uso prolongado de corticóides pode levar a uma desordem adrenal, conhecida como “Síndrome de Cushing” ou “Hiperadrenocorticismo Iatrogênico”. Esta desordem é relativamente freqüente nos cães e rara nos _________________________________________________14 - Depo-Medrol® - Laboratório Pfizer, São Paulo, Brasil 36 gatos, devido ao fato de serem bastante resistentes à administração prolongada de glicocorticóides (FERASIN, 2001). 2.6.2.4 INTERFERON (IFN) São citocinas importantes na regulação e imunomodulação dos processos inflamatórios, apresentam vários tipos de moléculas com estruturas e receptores específicos. Por apresentarem função de defesa antiviral inespecífica, são utilizados em pacientes que apresentem positividade para agentes virais (NIZA et al., 2004). Os dois tipos de interferon utilizados para tratamento da doença estão descritos a seguir: INTERFERON ALFA-2A (INF- α 2A) RECOMBINANTE HUMANO O interferon humano (INF-α 2A) é produzido a partir de tecnologia de DNA recombinante, empregando a engenharia genética através do uso de Escherichia coli para codificar as proteínas humanas. É classificado como proteína altamente purificada contendo 165 aminoácidos com peso molecular de aproximadamente 19 mil Daltons. Comercialmente é produzido pelo laboratório Roche®, sob o nome comercial de Roferon®-A15. O mecanismo de ação pelo qual o INF-α 2A, ou qualquer outro interferon, exerce sobre a atividade antiviral e antineoplásica não foi totalmente elucidado. Entretanto, acredita-se que a ação direta anti-proliferativa contra as células tumorais, a inibição da replicação viral e a modulação da resposta imune do hospedeiro desempenham importantes papéis na atividade antineoplásica e antiviral (LABORATÓRIO ROCHE). Na medicina veterinária, o INF-α 2A tem sido utilizado no tratamento de felinos portadores de infecções virais tais como FIV, FeLV, calicivírus, ___________________________________________________________ 15 – Roferon-A® - Laboratório Roche, São Paulo, Brasil 37 herpesvírus e peritonite infecciosa felina (PIF), por sua ação antiviral e seu papel imunomodulador, com bons resultados na administração oral diária em doses baixas. Tanto a administração oral como a parenteral têm efeitos semelhantes estimulando, nos tecidos linfóides e epiteliais da região orofaríngea, a produção de fatores solúveis ou a ativação de uma população celular específica que entra em circulação para mediar a eliminação de células infectadas por vírus ou de células neoplásicas (NIZA et al., 2004). Entretanto, em estudo realizado por Lyon (2005) houve baixa absorção de interferon após sua administração oral. Estudos experimentais demonstraram que o IFN-α recombinante felino tem potencial para tratar infecções agudas e crônicas em gatos, com resultados semelhantes aos conseguidos com o IFN-α recombinante humano, mas com a vantagem de não induzir a produção de anticorpos neutralizantes, o que acarretaria em ineficácia terapêutica (WONDERLING, 2002). Como a apresentação felina ainda não está disponível comercialmente, a dose utilizada da forma humana é de 30 UI por animal, uma vez ao dia, por via oral, durante sete dias, seguido de sete dias sem o fármaco e intercalando- se as semanas por toda a vida do animal (BOOTHE, 2000; ROCHETTE, 2001). A administração contínua, principalmente em altas doses deve ser evitada devido ao risco de produção de anticorpos neutralizantes (ROCHETTE, 2001). Estudo realizado por Pedretti et al. (2006) utilizando IFN-α recombinante humano em gatos infectados pelo FIV, na dose diária de 10 UI/kg, mostrou aumentar a sobrevida dos animais infectados, além de manter os níveis de linfócitos T CD4+ e promover aumento da população de linfócitos T CD8+. Mesmo em doses consideradas baixas, o interferon-α contribui para a rápida melhora da resposta imunológica dos animais infectados, sendo este o principal indicador da sua função no controle das citocinas inflamatórias, motivo pelo qual promove melhora clínica e declínio da persistência viral e da quantidade de células infectadas pelo FIV. 38 INTERFERON OMEGA (IFN- ω) RECOMBINANTE FELINO O interferon Omega (IFN-ω) é um polipeptídio que intervém na modulação antigênica da superfície celular, na produção de anticorpos e na regulação da produção de citocinas anti e pro-inflamatórias. Apresenta efeitos antiviral, anti-proliferativo e imunomodulador com ação direta ou indireta nas células alvo (SOUTHERDEN; GORREL, 2007). Estudos têm demonstrado que o tratamento de felinos com IFN-ω aumenta a sobrevida de animais infectados com FeLV e/ou FIV e clinicamente ocorre melhora das ceratites herpéticas quando aplicado topicamente, além de diminuir a duração dos sinais clínicos da calicivirose aguda em animais infectados experimentalmente. Esse fármaco pode ser eficaz no tratamento de animais com CGEF quando a infecção por calicivírus for fator contribuinte para o desenvolvimento da doença (SOUTHERDEN; GORREL, 2007). A apresentação comercial do IFN-ω pode ser encontrada em vários países da Europa. A forma de preparo liofilizada (Virbagen®)16 está disponível em três apresentações comerciais: 2,5; 5 e 10 milhões de unidades internacionais (MUI). A dose recomendada pelo fabricante é de 0,5 a 5,0 MUI/kg, por via subcutânea. Embora esta via de administração tenha apresentado bons resultados, outros estudos são necessários para comprovar sua eficácia (NIZA et al., 2004). Em um caso de CGEF relatado por Southerden e Gorrel (2007), um felino, negativo para FIV, FeLV, herpesvírus e positivo para calicivírus, foi apresentado após extração múltipla dos dentes (exceto os caninos) com gengivite recidivante. O animal foi submetido a tratamento com IFN-ω (Virbagen®) na dose de 1 MUI/kg, por via subcutânea, em dias alternados, num total de 5 aplicações. Após, foi administrado diariamente, por via oral, 10.000 UI diluídos em 2 mL de solução salina, pelo período de dois meses. No terceiro mês, os dias foram alternados. Nenhum outro fármaco foi administrado. Após o período de seis, 10 e 14 semanas foi realizado swab da cavidade oral e o calicivírus não foi isolado. Houve significativa redução da inflamação oral. _______________________________________________________ 16 - Virbagen® - Laboratório Virbac, São Paulo, Brasil 39 Passados seis meses do tratamento, o animal foi examinado e apresentava discreta inflamação na região glosso-palatina. Foi colhido material da região tonsilar e submetido a exame molecular (PCR), permanecendo negativo para calicivírus. 2.6.2.5 LACTOFERRINA A lactoferrina é uma glicoproteína presente em várias secreções orgânicas tais como leite, lágrima, saliva e suco pancreático. Apresenta aproximadamente 77 kDa (quilo Dalton) e pertence ao grupo das siderofilinas (transferrinas), que são as principais proteínas de ligação do ferro no plasma, podendo ligar duas moléculas de ferro. A disponibilidade de ferro no plasma regula os níveis de transferrina, que aumentam quando o ferro no plasma está baixo. Quando houver a administração concomitante de ferro, deve-se ter cuidado com a possível saturação da lactoferrina. Os níveis plasmáticos de transferrina estão associados a um conjunto de condições que incluem anemia, deficiência de ferro, inflamação ou neoplasia, insuficiência hepática, má nutrição e perda de proteínas (CACCAVO et al., 2002). A lactoferrina é armazenada em grânulos específicos dos neutrófilos polimorfonucleares e liberada após a ativação destes (CACCAVO et al., 2002). Possui ação antibacteriana, por ligar-se ao ferro livre no organismo, fazendo com que o mesmo se torne indisponível para a utilização pelas bactérias. Também atua como imunorreguladora e moduladora da hematopoiese, além de possuir atividade antiviral(NIZA et al., 2004). Segundo alguns autores, a lactoferrina diminui os níveis de IL-1, IL-2 e IL-6, citocinas pró-inflamatórias importantes nos processos crônicos. Outros efeitos, como a liberação de citocinas antiinflamatórias (IL-4 e IL-10) e a capacidade de neutralizar os efeitos tóxicos dos lipopolissacarídeos das bactérias Gram-negativas também podem ser vistos (CACCAVO et al., 2002; TOGAWA et al., 2002). Dados experimentais mostraram melhora em felinos com CGEF recidivante, positivos ou não para o FIV, que receberam aplicação tópica oral 40 diária de lactoferrina, na dose de 40 mg/kg, num total de 14 dias, pelo aumento da atividade fagocítica dos neutrófilos circulantes (SATO et al., 1996). O início da melhora apareceu dentro dos sete primeiros dias, com duração da resposta somente durante a administração do fármaco, cessando após sua interrupção, levando-nos a crer numa inibição dos microorganismos orais (ROCHETTE, 2001). A duração do tratamento depende da tolerância do animal, podendo ser necessária a administração por toda a vida. Os tratamentos tópicos deverão ser evitados nos animais que se apresentarem na fase aguda da doença, devido ao grande desconforto à manipulação da cavidade oral. Entretanto, se prescritos, a dose recomendada deve ser de 0,5 mg/kg, ou seja, na concentração de 5%, a cada 12 horas, pelo mesmo período indicado para uso oral (NIZA et al., 2004). 2.6.2.6 TACROLIMUS O tacrolimus (Prograf®)17, também conhecido por FK506, é um potente imunossupressor usado extensivamente em humanos para prevenir a rejeição de órgãos transplantados, além de indicado no tratamento de doenças auto- imunes. Apresenta potência de 10 a 100 vezes maior que a ciclosporina, com poucos casos de rejeição de órgão transplantados; entretanto, pacientes que recebem tacrolimus podem apresentar efeitos adversos muito maiores quando comparados aos que recebem ciclosporina (VADEN, 1997). Tanto a ciclosporina como o tacrolimus são altamente lipofílicos, devendo ser administrados com alimento gorduroso para melhor absorção. Em humanos, a biodisponibilidade média é de 29%, podendo variar entre 0,5 e 67%. A distribuição acontece por todo o organismo, com maiores concentrações nos pulmões, baço, coração, rins, pâncreas, cérebro, músculos e fígado (VADEN, 1997). O mecanismo de ação e a farmacocinética são semelhantes aos encontrados em fármacos como a ciclosporina, apresentando alta toxicidade ___________________________________________________________ 17 - Prograf® - Laboratório Janssen Cilag, São Paulo, Brasil 41 em estudo realizado em cães (VADEN, 1997). Experimento realizado in vitro para verificar a eficiência de fármacos imunossupressores em infecções agudas e crônicas causadas por FIV mostrou que o tacrolimus e a ciclosporina apresentam atividade antiviral e são candidatos promissores na para o desenvolvimento de medicamento para o tratamento da SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (MORTOLA, 1998). O aumento na concentração de tacrolimus pode ocorrer quando houver administração concomitante de outros fármacos como cetoconazol, fluconazol, itraconazol, eritromicina, diltiazen, verapamil, cimetidina, metilprednisolona e danazol. Os fármacos que diminuem a concentração de tacrolimus são o hidróxido de alumínio, dexametasona, rifampicina e o bicarbonato de sódio (FUJISAWA et al., 1993). Os efeitos adversos observados em cães são de moderados a severos quando administrado sozinho ou em associação com a azatioprina ou prednisolona (FUJISAWA et al., 1993). Clinicamente há perda de peso, hepatotoxicidade, distúrbios gastrointestinais e infecções oportunistas, limitando sua prescrição. Em humanos foram observados nefrotoxicidade, neurotoxicidade e hipertensão (FUJISAWA et al., 1993). Entretanto, em experimento utilizando cães submetidos a transplante pulmonar a dose administrada foi de 0,1 mg/kg/SID, por via intramuscular, com adequada supressão do sistema imunológico e nenhum efeito adverso, embora a indicação do fabricante seja para administração intravenosa (FUJISAWA et al., 1993). A dose terapêutica indicada para cães e gatos não está definida e mais estudos precisam ser realizados para que o fármaco possa ser prescrito com segurança para estas espécies (VADEN, 1997). 2.6.3 OUTROS FÁRMACOS Vários outros fármacos foram utilizados e descritos para o tratamento de CGEF, incluindo sais de ouro (aurotioglicose; Solganol®)18, clorambucil (Leukeran®)19, vincristina (Oncovin®)20, ciclofosfamida, 5-fluorouracil, 42 sulodexide, talidomida, sulfato de zinco, colchicina. Estas medicações têm toxicidades variadas e familiaridade com os fármacos a serem prescritos se faz indispensável (TIEDE et al., 2003; VADEN, 1997). A talidomida possui ação antiinflamatória nos casos de hanseníase e atividade moduladora da resposta imunológica relacionada com a prevenção e o controle de doenças crônico-degenerativas e nas úlceras aftosas idiopáticas em usuários portadores de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Entretanto, foi comprovado que não apresenta ação antibacteriana e antifúngica. Nos felinos, seu uso foi descrito em um caso de CGEF associado à calicivirose, na dose de 50 mg a cada 24 horas, associado a lactoferrina tópica e modificação da dieta, apresentando bons resultados após 11 meses do início do tratamento (ADDIE et al., 2003). Outro fármaco em fase experimental usado para pacientes humanos com estomatites é a polaprezinco, um complexo carnosina-zinco com efeito anti-oxidante e cicatrizante (NIZA et al., 2004). Os sais de ouro podem substituir a administração de corticóides quando este for contra-indicado em pacientes humanos, embora sua eficácia seja inferior quando comparada à administração de corticóide, antibióticos e higiene oral (NIZA et al., 2004). Como dose, indica-se de 1 a 2 mg, uma vez por semana, durante oito semanas, passando para administração mensal enquanto houver sinais clínicos (WIGGS; LOBPRISE, 1997). O levamisol foi estudado baseando-se em suas propriedades imunoestimulantes, na tentativa de normalizar a população e a atividade dos linfócitos, com administração por via oral, na dose de 25 mg, a cada 48 horas, num total de três administrações. Os resultados foram pouco promissores (ROCHETTE, 2001; FERASIN, 2001). A suplementação vitamínica, especialmente as vitaminas A, C, complexo B e E, e suplementação mineral com zinco podem ser administrados na tentativa de manter os tecidos moles orais saudáveis (WIGGS; LOBPRISE, 1997). ____________________________________________________________ 18 - Solganolol® - Laboratório Schering, São Paulo, Brasil 19 – Leukeran® - Laboratório GlaxoSmithKline, Rio de Janeiro, Brasil 20 – Oncovin® - Laboratório Eli Lilly do Brasil, São Paulo, Brasil 43 Na odontologia humana, outros fármacos tais como pentoxifilina, etretinato, dapsone, IFNγ e vários inibidores de citocina e fatores de crescimento (sirolimus, leflunomida) têm sido prescritos (VADEN, 1997). 2.6.4 EXODONTIA Os diferentes tipos de fármacos utilizados para tratar animais com CGEF freqüentemente apresentam melhora do quadro inicial, mas não promovem a cura (HENNT, 1997). Nos casos recidivantes ou sem controle com medicamentos, o tratamento envolvendo extração dentária múltipla deve ser considerado, mesmo os dentes estando hígidos, numa tentativa de diminuir a carga bacteriana. Inicialmente, procede-se à extração dos dentes pré-molares e molares, desde que não haja gengivite grave na região dos incisivos e caninos. Entretanto, se ocorrerrecidiva, opta-se pela extração de todos os dentes (CARBERRY et al., 1988). Após as extrações, exame radiográfico deverá ser realizado, a fim de verificar possíveis remanescentes de raízes nos alvéolos dentários (HENNT, 1997; LYON, 2005). As recomendações pós-cirúrgicas incluem antimicrobiano por uma semana, antiinflamatório e analgésico por três dias e clorexidina 0,12% para higienização oral, a cada seis horas, durante 15 dias. A alimentação deve ser pastosa e colar elisabetano por 10 dias é indicado. A colocação de tubo gástrico ou faringotubo deve ser considerada nos primeiros dias de pós-cirúrgico para os animais que se apresentarem muito debilitados, a fim de se garantir sua alimentação (LYON, 2005). A eficácia do tratamento, com cura ou melhora significativa, está em torno de 80% (Quadro 3), desde que não haja nenhum fragmento de raiz presente no alvéolo, confirmado através de exame radiográfico. Importante ressaltar que as lesões podem levar meses para regredir e, mesmo quando não regridem totalmente, podem permanecer controláveis, sem causar sintomas, embora sejam visíveis clinicamente (GIOSO, 2007; HENNT, 1997). 44 Quadro 3 Resultados obtidos entre um e dois anos após extração dentária radical em felinos Escore % Sinais clínicos 0 – sem melhora 7 Sem alteração do quadro inicial. 1-pequena melhora 13 Lesões inflamatórias ainda presentes, com administração de antimicrobianos e antiinflamtórios para controlar os sinais clínicos. Cuidados diários de higiene oral. 2-melhora significativa 20 Presença de algumas lesões inflamatórias remanescentes. Ausência de sinais clínicos. Nenhuma medicação utilizada, apenas cuidados diários de higiene oral. 3-cura clínica 60 Não há inflamação oral, apenas gengivite pode ser observada. Cuidados diários de higiene oral. Fonte: HENNET, 1997 2.6.5 LASER O laser é um dispositivo que controla a maneira pela qual os átomos energizados liberam fótons. A palavra laser é a sigla em inglês de amplificação de luz por emissão estimulada de radiação (light amplification by stimulated emission of radiation), o que descreve bem resumidamente como um laser funciona (BELLOWS, 2002). Os diferentes tipos de laser utilizados para procedimentos na cavidade oral são o dióxido de carbono, Nd:YAG, argônio, diodo semi-condutor, erbium, holmium. Sendo que os dois primeiros têm maior indicação no tratamento da gengivite (BELLOWS, 2002). O dióxido de carbono (CO2) é usado em cirurgias orais quando se faz necessária maior precisão nas incisões ou na vaporização de tecidos moles com hemostasia. Seu comprimento de onda é de 10.600 nm. É indicado para gengivectomia, gengivoplastia, frenectomia e biopsia. As ondas são do tipo contínuas e seu comprimento é absorvido pelos tecidos orais que contêm maior quantidade de água (tecidos moles), tornando-o mais eficiente que os outros tipos de laser. É possível observar a área de necrose térmica durante a aplicação, diferindo do que acontece com outros tipos de laser, como o 45 Nd:YAG, onde é difícil ver a real extensão desta área imediatamente após o procedimento (BELLOWS, 2002; LYON, 2005). O uso de laser nas lesões diminui a proliferação celular na mucosa oral e oferece uma opção à extração dentária. Diversos tratamentos utilizando o dióxido de carbono (CO2) têm sido recomendados para controlar o tecido proliferativo que acompanha a doença (Figura 1). Após a aplicação de laser há formação de tecido cicatricial que por possuir baixo suprimento sangüíneo parece ser menos reativo ao sistema imunológico (LYON, 2005). Figura 1 – Aplicação de laser de diodo sobre a lesão proliferativa em felino com CGEF. Fonte: Laboratório de Odontologia Comparada (LOC/FMVZ-USP) O Nd:YAG (neodymium:yttrium-aluminum-garnet) tem comprimento de onda de 1064 nm e consegue penetrar mais profundamente nos tecidos orais, apresentando baixa absorção pela água, moderada absorção pela hemoglobina e é altamente absorvido pela melanina. Por apresentar feixe energético alto, pode danificar termicamente estruturas dentárias tais como a polpa, ligamento periodontal e osso quando aplicado próximo a essas estruturas. Pode ser usado com ondas contínuas, pulso único ou pulso repetido. Na odontologia humana, é utilizado em doses baixas para indução 46 anestésica, excisão de massas orais e hemostasia (BELLOWS, 2002). Com características similares ao dióxido de carbono, o laser de Nd:YAG apresenta excelente coagulação, um sistema de fibras ópticas flexíveis, é fácil de aplicar e tem boa precisão (LYON, 2005). A terapia poderá ser considerada um sucesso quando o tecido proliferativo e a inflamação forem eliminados. O uso de laser combinado com ciclosporina, por via oral, apresenta bons resultados (LYON, 2005). Estudo realizado por Lewis et al. (2007), utilizou laser de CO2 com intuito de remover os tecidos proliferativos orais, diminuindo o auto-traumatismo e o depósito de restos alimentares e bactérias nas bolsas teciduais, além de estimular a formação de fibrose, deixando os tecidos menos propensos a inflamação e a proliferação, diminuindo a carga de bactérias oportunistas. Foi sugerido que a presença de Bartonella sp. teria papel importante no desenvolvimento da estomatite caudal, estando presente em um número crescente de animais com a doença. Neste mesmo trabalho, o animal relatado apresentava estomatite caudal não responsiva à extração dos dentes pré-molares e molares, negativo para FIV e FeLV, mas positivo para infecção por Bartonella. Com o animal anestesiado, procedeu-se à aplicação de laser de CO2 para ressecção dos tecidos proliferativos da região caudal da cavidade oral (6 watts, modo contínuo, ponteira de cerâmica de 0.8 mm, modo cortante, sem contato direto com os tecidos). O exame histopatológico revelou atividade crônica, ulcerativa, estomatite linfoplasmocítica com severa inflamação e edema da submucosa. Após a remoção dos tecidos proliferativos mais grosseiros, foi utilizada uma ponteira capaz de remover áreas maiores de tecido, com potência de 6 watts no modo contínuo. O procedimento foi repetido cerca de 20 vezes, até não haver mais sangramento espontâneo dos tecidos. Foram utilizadas três aplicações de laser, com intervalos de um mês entre cada procedimento. Após seis meses da última aplicação, o animal apresentava inflamação moderada na região caudal, ao redor dos quatro dentes caninos e na porção ventral da língua. Os caninos foram extraídos e foi realizada outra aplicação de laser. Após dois meses (oito meses do tratamento inicial com laser), não havia sinais de inflamação ao redor dos caninos e porção ventral da língua, mas moderada 47 inflamação na região lateral à glosso-palatina, mas sem tecido proliferativo. Passados três anos do tratamento inicial, o animal apresenta-se livre de inflamação, sem utilização de medicamento (LEWIS et al., 2007). 48 RELATO DE CASO 3 49 3. RELATO DE CASO Foi atendido, no Laboratório de Odontologia Comparada (LOC), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, em outubro de 2007, um felino, macho, sem raça definida, cinco anos de idade com gengivoestomatite grave, de caráter crônico. O animal apresentava histórico de gengivite desde filhote. Por volta dos
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