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ILThi EDITORA l TDA. Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-ll01 São Paulo, SP - Brasil Fone (Jl) 2167-1101 www.ltr.com.br Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: RLUX Projeto de Capa' FÁBIO GIGUO Impressão: ESCOLAS PROFISSIONAIS SALESIANAS Versão impressa - 4577.5 - 978-85-361-2001-0 Versão digital - 7266.7 - 978-85-361-2008-9 Fevereiro, 2012 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Uvro, SP, Brasil) Delgado, Mauricio Godinho Curso de direito do llabalho I Mauricio Godinho Delgado. - 11. ed. - São Paulo : LTr, 2012. Bibliografia. ], Diieito do trabalho 2. Direito do trabalho - Brasil L Título. 12·00597 CDU-34,331(81) Índices para catálogo sistemático: -~ 1. Brasil : Direito do trabalho 34:331(81) 2. Direito do trabalho : Brasil 34:331(81) ----- ------~-.~--~~ l ~ '1 i ; I ~ l ~ I i \ t)iR\;.',\0 Co\..6; VD ])ru ... \ \2 .. A-&\ UtO 1--:·· ------ ·"!>-- I Para Luci/ia, Gabrie/a e Matina. Aos que acreditam, contribuindo para sua realizaçã'o, nas ideias de Justiça e Direito, ÍfiC[usive em sua particularização socialniente indispensável, o Direito do Trabalho. • ..1<".1:.;· --oi~- :.-~--- • .L-···- --·· n LIVROIII DIREITO COLETIVO DO TRABALHO CAPÍTULO XXXIII DIREITO COLETIVO: ASPECTOS GERAIS 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1303 II.DENOMINAÇÃO .......................................................................................................... 1304 1. Denominações Arcaicas ...................................................................................... 1304 42 MAURICIO GODINHO DELGADO 2. Denominações Atuais ·································································'····'··················· t 305 A) Direito Coletivo do Trabalho............................................................................ t 305 B) Direito Sindical................................................................................................. t 306 C) Direito Social ........................................................................................ ........... 1306 111. DEFINIÇÃO................................................................................................................. 1307 IV. CONTEÚDO............................................................................................................... 1308 V. FUNÇÃO ..................................................................................................................... 1309 1. Funções Justrabalhistas Gerais......................................................................... 1310 Extensão ao Direito Colefivo ............................................................................... 1312 2. Funções Juscoletivas Especificas...................................................................... 1314 VI. CONFliTOS COLETIVOS DE TRABALHO E SUA RESOLUÇÃO........................... 1315 1. Modalidades de Conflitos Coletivos ................................................................... . 2. Modalidades de Resolução de Conflitos Coletivos .......................................... . 1316 1316 Uma Fórmula Controvertida: dissldio coletivo................................................... 1317 VIl. O PROBLEMA DA AUTONOMIA DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO .......... 1320 CAPITuLO XXXIV PRINC[PIOS ESPECIAIS DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO I. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1323 11. PRINCfPIOS ESPECIAIS DO DIREITO COLETIVO-TIPOLOGIA ......................... 1324 Tipologia de Principies ............................................................................................. 1325 111. PRINCÍPIOS ASSECURATÓRIOS DA EXISTÊNCIA DO SER COLETIVO OBREIRO .. 1326 1. Principio da Liberdade Associativa e Sindical ................................................... 1327 A) Cláusulas de Sindicalização Forçada ........................................................... 1328 B) Práticas Antissindicais ....................................................................... : ........... . C) Garantias à Atuação Sindical ........................................................................ . 2. Princfpio da Autonomia Sindical ......................................................................... . IV. PRINCÍPIOS REGENTES DAS RELAÇÕES ENTRE OS SERES COLETIVOS TRA- BALHISTAS ............................................................................................................... . 1. Princfpio da lnterveniência Sindical na Normatização Coletiva ....................... . 2. Princfpio da Equivalência dos Contratantes Coletivos ..................................... : 3. Principio da Lealdade e Transparência na Negociação Coletiva ................... . V. PRINCIPIOS REGENTES DAS RELAÇÕES ENTRE NORMAS COLETIVAS NE- GOCIADAS E NORMAS ESTATAIS 1. Princfpio da Criatividade Jurfdica da Negociação Coletiva .............................. . 2. Principio da Adequação Setorial Negociada ........................................ : ............ . 1329 1330 1332 1334 1335 1336 1338 1339 1340 1341 i: !'· r·· t·: r r ' fu CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 43 CAPITULO XXXV DIREITO COLETIVO E SINDICATO. I. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1344· 11. DEFINIÇÃO········································································································'········· 1345 III.SISTEMASSINDICAIS ............................................................................................... 1346 1. Critérios de Agregação dos Trabalhadores no Sindicato ................................ . 2. Unicidade versus Pluralidade. A Unidade Sindical. ...... : ................................... . A) Unicidade no Brasil: modelo tradicional ....................................................... . B). A Posição da Constituição de 1988 .............................................................. . C) Liberdade Sindical no Brasil: requisitos ...................................................... . Garantias à Atuação Sindical ................................................................ : ....... . IV. ORGANIZAÇÃO SINDICAL BRASILEIRA ATUAL .................................................... . 1. Estrutura Sindical ................. : ............................................................................... . A) Estrutura Externa ............................................................................................. . Centrais Sindicais ........................................................................................... . B) Estrutura e Funcionamento Internos ............................................................ . 2. Registro Sindical .................................................................................................. . 3. Funções, Prerrogativas e Receitas Sindicais ................................................... .. A) Funções e Prerrogativas ................................................................................ . 1347 1350 1351 1352 1352 1352 1354 1355 1355 1356 1357 1358 1359 1360 B) Receitas Sindicais........................................................................................... 1362 V. GARANTIAS SINDICAIS ............................................................................................. 1363 1. Garantia Provisória de Emprego .................................................................... ,,. ... 1364 2. Inamovibilidadedo Dirigente Sindical.................................................................. 1366 3. Garantias Oriundas de Nonmas da OIT ............................................................. . VI. NATUREZAJURIDICA DO SINDICATO .................................................................. . VIl. SINDICATO: RETROSPECTIVA HISTÓRICA ......................................................... . 1. Evolução Sindical nos Pafses de Capitalismo Central .................................... . Autoritarismo e Refluxo Sindical ............................................................. :··········· 2. Evolução Sindical no Brasil ................................................................................. . A) Perlodo Inicial do Sindicalismo Brasileiro .................................................... . B) 1930: implantação e .reprodução de modelo sindical. ................................ . Continuidade do Modelo nas Décadas Subsequentes .............................. . C) Constituição de 1988: mudança e continuidade .......................... , ............. .. a) Avanços Democráticos .............................................................................. . Carta de Direitos ....................................................................................... . b) Contradições Antidemocráticas ................................................................ . D) Novo Modelo Sindical: democratização com garantias legais ................... . VIII. SINDICATO E DIREITO DO TRABALHO-AVALIAÇÃO ...................................... . 1367 1368 1370 1371 1375 1375 1375 1377 1380 1381 1381 1382 1383 1384 1385 44 MAURICIO GODINHO DELGADO CAPÍTULO XXXVI NEGOCIAÇÃO COLETIVA TRABALHISTA I.INTRODUÇÃO ............................................................................................................. . 11. IMPORTÂNCIA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA ......................................................... . 1. Parâmetros dos Modelos Justrabalhistas Democráticos ................................ . A) Normatização Autônoma e Privatrstica ......................................................... . B) Normatização Privatfstica Subordinada ........................................................ . 2. Parâmetros do Modelo Justrabalhista Autoritário ........................................ . 3. Democracia e Normatização Estatal: reflexões complementares .................. . 111. DIPLOMAS NEGOCIAIS COLETIVOS- CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVOS DE TRABALHO ......................................................................................................... . 1. Convenção e Acordo Coletivos de Trabalho: definição .................................... . 2. Convenção e Acordo Coletivos de Trabalho: distinções .................................. . IV. CONVENÇÃO E ACORDO COLETIVOS DE TRABALHO- ASPECTOS CARAC- TERÍSTICOS ............................................................................................................. . 1. CCT e ACT: normatização aplicável. ................................................................... . 2. CCT e ACT: caracterização .................................................................................. . A) Legitimação ..................................................................................................... . a) Centrais sindicais ...................................................................................... . b) Entes estatais ............................................................................................ . B) Conteúdo ......................................................................................................... . C) Forma .............................................................................................................. . D) Vigência ........................................................................................................... . E) Duração ........................................................................................................... . F) Prorrogação, Revisão, Denúncia, Revogação, Extensão ........................... .. V. DIPLOMAS NEGOCIAIS COLETIVOS- CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO .. 1. Denominação: dubiedades ................................................................................. . 2. Caracterização ..................................................................................................... . VI. DIPLOMAS NEGOCIAIS COLETIVOS: EFEITOS JURÍDICOS .............................. .. 1. Regras Coletivas Negociadas e Regras Estatais: hierarquia ......................... . A) Hierarquia Normativa: teoria geral ............................................................... .. B) Hierarquia Normativa: especificidade justrabalhista ................................. .. Acumulação Versus Conglobamento .......................................................... .. 2. Regras de Convenção e Acordo Coletivos: hierarquia .................................... .. 3. Regras Negociais Coletivas e Contrato de Trabalho: relações ..................... .. Vil. NEGOCIAÇÃO COLETIVA- POSSIBILIDADES E LIMITES VIII. DIPLOMAS COLETIVOS NEGOCIADOS: NATUREZA JURÍDICA ...................... . 1. Teorias Explicativas Tradicionais ................................................................... .. 2. Contrato Social Normativo .............. .. 1387 1389 1390 1390 1390 1391 1392 1393 1394 1396 1396 1397 1399 1400 1400 1400 1401 1402 1403 1404 1404 1405 1405 1406 1407 1407 1408 1408 1410 1412 1413 1415 1417 1418 1419 ~ i-: ~-- 1·' X t· r:· ~' I r c fi ,_,_: CuRso DE DIREITO oo TRABALHO 45 CAPÍTULO XXXVII A GREVE NO DIREITO COLEilVO 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1420 11. LOCAUTE .................................................................................................................... 1421 1. Caracterização ........................................ ................................ .............................. 1421 2. Distinções.............................................................................................................. 1422 3. Regência Jurldica ................................................................................................. 1423 4. Efeitos Jurldicos .................................................................................................... 1425 UI. O INSTITUTO DA GREVE .......................................................................................... 1426 1. Caracterização .................................................................................. .................... 1426 A) Caráter Coletivo do Movimento....................................................................... 1426 B) Sustação de Atividades Contratuais .............................................................. 1427 C) Exercfcio Coercitivo Coletivo e Direto ·-~.......................................................... 1428 D) Objetivos da Greve .......................................................................................... 1429 E) Enquadramento Variável de seu Prazo de Duração .................................... 1430 2. Distinções .......................................... ......................................... ...... ............. ........ 1431 A) Figuras Próximas ou Associadas.................................................................. 1431 B) Formas de Pressão Social ............................................................................. 1432 C) Condutas lllciias de Pressão......................................................................... 14333. Extensão e Limites ............................................................................................... 1433 A) Extensão do Direito ................................................................................. ::....... 1433 B) Limitações ao Direito ...................................................................................... 1435 4. Requisitos.............................................................................................................. 1437 5. Direitos e Deveres dos Grevistas ........................................................................ 1437 A) Direitos dos Grevistas ..................................................................................... 1438 B) Deveres dos Grevistas ................... ..... ................................... ...... .... .... ........... 1438 6. Uma Especificidade: greve e serviço público..................................................... 1439 Eficácia de Regra Constitucional: permanência de um debate....................... 1440 a) Vertente Tradicional.................................................................................... 1441 b) Vertente Moderna ........................................................................................ 1442 7. Greve: natureza jurfdica e fundamentos............................................................. 1445 A) Natureza Jurldica ............................................................................................. 1445 Outras Concepções ........ ..... ............... .. ......... ....... .... ................ .......... ...... ...... 144 7 B) Fundamentos................................................................................................... 1449 8. Greve: retrospectiva histórico-jurfdica ................................................................. 1449 9. Greve: competência judicial................................................................................. 1451 CAPÍTULO XXXVIII ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO NO DIREITO COLETIVO I. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1453 11. MEIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS: AUTOTUTELA, AUTOCOMPOSIÇÃO, HETEROCOMPOSIÇÃO ......................................................................................... ... 1453 1. Au1o1utela .............. ............................... ...................................... ............................ 1454 2. Autocomposição ................................................................................................... 1455 3. Heterocomposição ............................................................................................... 1455 A) Enquadramento Jurldico: controvérsias........................................................ 1456 B) Métodos Existentes ..................................... -................................................. 1457 111. ARBITRAGEM NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO ........................................ 1459 1. Distinções Relevantes.......................................................................................... 1459 2. Tipos de Arbitragem.............................................................................................. 1460 3. Arbitragem no Direito Individual do Trabalho...................................................... 1462 4. Arbitragem no Direito Coletivo do Trabalho ............................................ ............ 1464 IV. MEDIAÇÃO NO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO............................................. 1466 Conflitos Coletivos do Trabalho: tipos de mediação............................................. 1466 V. COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA................................................................. 1467 1. Enquadramento Jurldico ...................................................................................... 1468 2. Dinâmica das Comissões de Conciliação Prévia ............................................. 1468 BtBUOGRAFIA ............................................................ .. . ........ .......................................... 14 73 r: ' 1300 MAuArcro GoorNHO DeLGADO empregado e empregador, pela qual este é obrigado a efetuar os recolhi- mentos mensais e, às vezes, também obrigado com respeito ao acréscimo pecuniário da rescisão. Em contrapartida, desponta nessa relação, como credor, o empregado<"'· Há, por outro lado, o vinculo jurfdieo entre empregador e Estado, em que o primeiro tem o dever de realizar os recolhimentos, ao passo que o segun- do, o direito de os ver adimplidos, sob pena de, compulsoriamente, cobrá-los, com as apenações legais. Existe, ainda, a relação jurfdica entre o Estado, como gestor e aplicador dos recursos oriundos do fundo social constitufdo pela totalidade dos recur- sos do FGTS, e a comunidade, que deve ser beneficiária da destinação social do instituto, por meio do financiamento às áreas de habitação popular, sanea- mento básico e infraestrutura urbana. Nesse caráter multidimensional do instituto é que se revela sua precisa natureza jurídica<soJ. (49) Algumas vezes não se trata, tecnicamente, de relação empregatlcia, como ocorre lia caso do trabalhador avulso e do diretor que labora ·sem st.Jbordlnação. (50) Para análise da prescrição relativa ao FGTS, deve o leitor reportar-se ao Capftulo VIII, item V11.1.D do presente Curso ("Prescrição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço"). LIVROIII DIREITO COLETIVO DO TRABALHO 1304 MAuArcro GoorNHO DELGADO trumentos, dos sujeitos coletivos trabalhistas, especialmente os sindicatos, da greve, da mediação e da arbitragem coletivas, do dissídio coletivo. Além da necessidade desse estudo técnico, é preciso que se aprofundem as refle- xões sobre o Direito Coletivo no Brasil, em face de seu reiterado ofuscamen- to ao longo da evolução justrabalhis,ta no pais, desde o século XX. ft. DENOMINAÇÃO Este segmento justrabalhista tem recebido distintas denominações desde seu surgimento no século XIX. Hoje, disputam hegemonia dois epítetos, Di- reito Coletivo do Trabalho e Direito Sindical, com certa concorrência, ainda, da expressão Direito Social. 1. Denominações Arcaicas Há que se registrar, no estudo, a presença de certas denominações hoje consideradas arcaicas. Trata-se de epítetos que designaram, em épo- cas mais remotas, o Direito do Trabalho em geral, embora também se refe- rindo ao Direito Coletivo. São: Direito Industrial, Direito Operário e Direito Corporativo. Nenhuma delas, entretanto, mereceu permanecer no tempo, em face de suas próprias debilidades. O designativo Direito Industrial é, de fato, claramente inadequado para espelhar o objeto a que se pretende referir, seja todo o Direito do Trabalho, seja apenas seu segmento, Direito Coletivo. O epíteto foi influenciado pela circunstância de que o ramo justrabalhista surgiu, na Europa de século e meio atrás, efetivamente vinculado à dinâmica da crescente industrialização. Mas esse ponto de referência mostrava-se ina- dequado para justificar a denominação escolhida, uma vez que ela era, sob certa ótica, rriuito mais ampla do que o fenômeno justrabalhista a que se queria reportar." De fato, na expressão Direito Industrial está sugerida a presença de regras, institutos e princfpios que não se circunscrevem propriamente à área justrabalhista, interessando também ao Direito Comer- cial/Empresarial 'e Direito Econômico (por exemplo, invenções, patentes, re- lações tecnológicas, etc.). É inadequado para designar, portanto, não só o Direito do Trabalho como seu segmento juscoletivo. Há uma segunda inadequação neste superado epfteto: ao mesmo tem- po em que se mostra excessivamente amplo (sugerindo relações de Direito Econômico Óu Comercial/Empresarial), ele também se mostra,por outro lado, inábil a captar todó o universo de relações justrabalhistas, que se estabelecem, e se desenvolvem por muito além do estrito segmento industrial (ilustrativa- mente, setores' de serviços e agropecuário). Ao fixar, desse modo, em um CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1305 setor econômico (a indústria) o critério de escolha de sua denominação, o epfteto Direito Industrial lançou uma enganosa pista acerca do ramo jurfdico que pretendia identificar, comprometendo de modo definitivo a validade de sua própria existência, enquanto denominação desse universo jurfdico. A expressão Direito Operário tem história e destino semelhantes aos do epfteto anterior. Também influenciada pela circunstância de que o Direito do Trabalho, de fato, originalmente surgiu no segmento industrial, envolvendo, portanto, as relações entre operários e empregadores, este epfteto elegeu como critério para identificação do novo ramo jurfdico o tipo especffico de empregado da indústria, o operário. Ao Incorporar tal critério, esta segunda denominação também iria se mostrar inadequada à identificação do objeto a que pretendia se referir: de um lado, reduzia o fenômeno amplo e expansionista do Direito do Trabalho a seu exclusivo segmento original, o operariado (e logo, à indústria); de outro lado, enfocava preferentemente o novo ramo jurfdico a partir somente de um de seus sujeitos (o empregado operário), em vez de enfatizar a sua categoria nuclear, a relação jurfdica empregatícia. Por fim, a designação era incapaz de sugerir quase nada no tocante ao Direito Coletivo, propriamente. A expressão Direito Corporativo é também flagrantemente inadequada. Torno1.1-se corrente durante as experiências juspolfticas caracterfsticas dos modelos de normatização estatal e subordinada, em especial o fascismo italiano do entreguerras do século XX. Este epfleto, entretanto, construiu-se mais como instrumento de elogio ao tipo de modelo de gestão sociopolflica a que se afiliava do que, na verdade, subordinado a uma preocupação cientffica de identificar com precisão um objeto determinado. De todo modo, a ideia de corporação apenas dissimulava a relação sociojurfdica nuclear desenvolvida no estabelecimentp e na empresa (a re,lação de emprego), não traduzindo, portanto, com adequação, o aspecto cardeal do ramo jurídico especializado do Direito do Trabalho. Comprometido com o ideário e práticas autoritá- rias do regime político a que servia, este epfteto eclipsou-se na cultura justra- balhista tão logo expurgada a experiência autocrática fascista no findar da Segunda Guerra Mundial. _2. Denominações Atuais Conforme já exposto, as expressões Direito Coletivo do Trabalho e Di- reito Sindical disputam, atualmente, hegemonia quantó à designação do seg- mento juscoletivo trabalhista. A seu lado, insistindo na concorrência, existe também a expressão Direito Social. A) Direito Coletivo do Trabalho -Trata-se de denominação de caráter objetivista, realçando o conteúdo do segmento jurídico identificado: relações sciciojurfdicas grupais, coletivas, de labor. 1306 MAURICIO GODINHO DELGADO As denominações objetivistas tendem a ser superiores, tecnicamente, às subjetivistas, por enfocarem a estrutura e as relações do ramo jurfdico a que se reportam, em vez de apenas indicar um de seus sujeitos atuantes. E é o que se passa no presente caso. O caráter objetivista do epfteto adotado já chama atenção para as relações cole~vas tratadas nesse segmento do Di- reito, seja através da atuação sindical, seja através de outras modalidades de ação coletiva de relevância. B) Direito Sindical - A presente denominação tem caráter subjetivista, enfatizando um dos sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho: o sindicato. Efetivamente, a presença das entidades sindicais, especialmente as obreiras, é determinante no cenário coletivo trabalhista, uma vez que tendem a consubstanciar a efetividade do ser coletivo obreiro no cenário social. Há sistemas jurídicos -como o brasileiro, a propósito- que até mesmo subor- dinam a validade da negociação coletiva trabalhista à real participação no processo da entidade !;indicai dos trabalhadores. Esta circunstância, sem dúvida, reforça o apelo da denominação referida no sistema jurídico do pais. Contudo, do ponto de vista técnico, ela é menos abrangente do que a anterior, já que parece sugerir que o objeto do Direito Coletivo do Trabalho está inteiramente ligado às entidades sindicais- o que não é verdade. Há, por exemplo, sistemas jurfdicos que reconhecem a entidades coletivas não sindicais aptidão jurfdica para atos juscoletivos, sem desprezo da hegemo- nia sindical!11. Além disso, há atos ou institutos coletivos trabalhistas que não passam, necessariamente, pelo sindicato: ilustrativamente, as gre- ves selvagens, feitas contra ou sem a direção sindical; ou as entidades representativas internas a empresas, sem a participação sindical. De todo modo, pode-se encontrar na doutrina denominação mista, de- corrente da reunião das duas expressões prevalecentes: Direito Sindical e Coletivo do Trabalho. Embora haja certa tautologia no epfteto misto, ele re- preserta uma tentativa de superar o presente debate. C) Direito Social - A expressão Direito Social marca-se pela dubieda- de. Designa, às vezes, não somente todo o Direito do Trabalho (individual e coletivo), como também seu ramo associado, ,Direito Previdenciário e AGi- dentário do Trabalho. Pode ser utilizada também para se referir ao ramo jus- coletivo trabalhista. Além disso, é epíteto que se usa, ainda, para designar ampla área jurfdica, formada por ramos autônomos, de forte conteúdo e impacto· comunitários, tais como Direito do Trabalho, Direito Ambiental e Direito do Consumidor. (1) Há entidades não necessariamente sindicais que podem. participar .de aspectos do processo negociai coletivo na Itália e Espanha. por exemplo. A respeito, consultar NAS· CIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical, 2. ed. São Paulo: LTr, jJ. 291- 292. Do mesmo autor, Iniciação ao Direito do Trabalho, 27. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 506. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1307 Há outra dubiedade apontada nesse epfteto: a circunstância de a ex- pressão social, na essência, traduzir caracterfstica atávica a qualquer ramo jurfdico, não podendo, desse modo, identificar com singularidade apenas um deles. Ainda que se argumentasse que certos ramos têm um conteúdo social maior do que outros (o Direito do Trabalho em contraposição ao civilista Direito das Obrigações, por exemplo), não se poderia, em contrapartida, ne- gar que tal característica não é exclusiva do ramo juslaboral, hoje. Observe-se que o conteúdo social do Direito do Consumidor ou do Direito Ambiental não é seguramente inferior àquele inerente ao Direito do Trabalho. Toda essa dubiedade compromete o próprio uso e funcionalidade da presente expressão. 111. DEFINIÇÃO Definir um fenômeno consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém inte- grados. Na busca da essência e elementos componentes dos distintos ramos do Direito, os juristas tendem a adotar enfoques diferenéiados: subjetivistas, objetivistas e mistos. · Nessa linha, as definições subjetivistas firmam seu enfoque nos sujeitos das relações jurídicas centrais do ramo definido. As definições objetivistas, por sua vez, enfatizam o conteúdo objetivo das relações jurfdicas tratadas por esse mesmo ramo do Direito. Finalmente, as definições mistas procuram combi- nar os dois enfoques acima especificados. O jurista Cesarino Júnior oferta exemplo de definição subjetivista do Direito Coletivo do Trabalho: conjunto de leis sociais que consideram os empregados e empregadores coletivamente reunidos, principalmentena forma de entidades sindicaitf.'l. Esclareça-se que, à semelhança das denominações subjetivistas, que se referem à entidade sindical, também, aqui, a referência básica das defini- ções subjetivistas será a essa entidade. {definição objetivista a· ofertada pelo jurista Amauri Mascaro Nasci- mento: ramo do direito do trabalho que tem por objeto o estudo das normas e das relações jurfdicas que dão forma ao modelo sindical''. (2) Citado por NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. São Paulo: LTr, 2000. p. 18. (3) NASCIMENTO, A. M., ob. cit., p. 19. 1308 MAURICIO GOOINHO DELGADO A partir do critério misto, podemos, finalmente, definir Direito Coletivo do Trabalho como o complexo de institutos, princípios e regras jurídicas que regulam as relações laborais de empregados e empregadores e outros gru- pos jurídicos normativamente especificados, considerada sua ação coletiva, realizada autonomamente ou através, das respectivas entidades sindicais. IV. CONTEÚDO Todo sistema consiste em um conjunto de partes coordenadas, que se articulam organicamente formando um todo unitário!•>. Não obstante formado por um complexo de partes componentes, qualifica-se todo sistema por ter uma categoria básica, que lança sua marca específica e distintiva ao conjun- to do sistema correspondente. O Direito Individual do Trabalho tem na relação empregatícia, individual- mente considerada (empregado e empregador), sua categoria básica. A partir dela constroem-se os ·institutos, princípios e regras essenciais desse ramo jurídico especializado, demarcando suas características próprias perante os demais ramos jurídicos correlatos. Já o Direito Coletivo Laboral tem nas relações grupais, coletivas, entre empregados e Eilmpregadores, sua categoria básica, seu ponto diferenciador. Tais relações formaram-se ·na história do capitalismo a partir do associacionismo sindical obreiro, desde o século XIX. Passando a agir através de entidades associativas, grupais, os empregados ganharam caráter de ser coletivo, podendo se contrapor com maior força e eficiência político- -profissionais ao ser coletivo empresarial. A ideia de sujeito coletivo, ser coletivo, derivada das relações grupais estabelecidas nesse segmento justrabalhista, integra-se à categoria básica acima especificada. Conforme já exposto na obra Introdução ao Direito do Trabalhoi5>, no transcorrer do s.éculo XIX, perceberam os trabalhadores que um dos sujei- tos da relação de emprego (o empregador) sempre foi um ser coletivo, isto é, ser cuja vontade era hábil a deflagrar ações e repercussões de impacto social, seja certamente no âmbito da comunidade do trabalho, seja eventualmente até mesmo no âmbito comunitário mais amplo. Isso porque a vontade empresarial, ao se concretizar em ação, atinge um universo bastante amplo de pessoas no conjunto social em que atua. Em compa- ração a ela, a vontade obreira, enquanto manif~~tação meramente individual, não tem a natural aptidão para produzir efeitos além do âmbito restrito da própria relação bilateral pactuada entre empregador e empregado. Ralem- (4) Caldas Aulete conceitua sistema como um conjunto de partes coordenadas entre si. Dicio- nário Contemporilneo de Lfngua Portuguesa, 5. ed. Rio de Janeiro: De~a. 1986. p. 1793. (5} DELGADO, M. G. Introdução ao Direito do Trabalho, 3. ed. São Paulo: LTr, 2001, em seu Capitulo l, item 1.3. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1309 bre-se que o Direito Civil, à época, antes do advento do ramo justrabalhis- ta, tratava os dois sujeitos da relação de emprego como seres individuais, ocultando, em sua equação formalística, a essencial qualificação de ser coletivo detida naturalmente pelo empregador. O movimento sindical, desse modo, desvelou como equívoca a equa- ção do liberalismo individualista, que conferia validade social à ação do ser coletivo empresarial, mas negava impacto maior à ação do trabalhador indivi- dualmente considerado. Nessa linha, contrapôs ao ser coletivo empresarial também a ação do ser coletivo obreiro. Os trabalhadores passaram a agir coletivamente, emergindo na arena polltica e jurídica como vontade coletiva (e não mera vontade individual)l•>. A dinâmica de atuação grupal, caracterizada por embates envolvendo grupos sociais, que marca o Direito Coletivo do Trabalho, surgiu, portanto, em torno do ser coletivo obreiro, do sindicato. O conteúdo do Direito Coletivo do Trabalho molda-se, é claro, a partir dessa sua característica sistemática específica, guardada sempre sua relação fundamental com o Direito Individual do Trabalho (afinal, os seres coletivos envolvidos são trabalhistas, e a matéria por eles tratada, da mesma natureza). Assim, será na regência jurídica das relações coletivas trabalhistas, assim como na produção jurídica por elas construída - produção oriunda, em geral, da negociação coletiva-, que se estruturará o conteúdo do ramo juscoletivo. O conteúdo do Direito Coletivo do Trabalho é, pois, dado pelos princfpios, regras e institutos que regem a existência e desenvolvimento das entidades coletivas trabalhistas, inclusive suas inter-relações, além das regras jurfdicas tra- balhistas criadas em decorrência de tais vfnculos. São os princípios e nor- mas regulatórios dos sindicatos, da negociação coletiva, da greve, do dissídio coletivo, da mediação e arbitragem coletivas, ao lado dos dispositivos criados pela negociação coletiva e dissídios coletivos, por exemplo. É claro que estas últimas regras, criadas pela própria dinâmica juscoletiva (negociação coletiva e sentença normativa, principalmente), irão se dirigir à regulação dos contratos individuais de trabalho submetidos à representação das respectivas entidades associativas; nessa medida, passarão a se integrar, sem dúvida, ao Direito Individual do Trabalho. Por tal razão é que se mostra tênue, efetivamente, a linha separatória entre os dois segmentos justrabalhistas, individual e coletivo. V. FUNÇÃO As funções do Direito Coletivo do Trabalho podem ser divididas em dois grandes grupos: gerais e específicas. As primeiras envolvem os objetivos (6) DELGADO, M. G., loc. cit. 1310 MAURICIO GODINHO DELGADO inerentes a todo o Direito do Trabalho (Individual e Coletivo), ao passo que as segundas dizem respeito àquelas funções que despontam no segmento jus- coletivo de modo particularizado. 1. Funções Justrabalhistas Gerais O Direito Coletivo do Trabalho cumpre as mesmas funções gerais típi- cas a todo o ramo justrabalhista. Neste aspecto, enquadra-se, plenamente, no estuário próprio ao Direito do Trabalho. O Direito, como se sabe, é necessariamente .finalístico, teleológico, atendendo a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico. O Direito do Trabalho e seu segmento juscoletivo não escapam a isso; ao contrário, levam a certo clfmax esse caráter teleológico que caracteriza o fenômeno do Direito. Conforme já dissertado na obra Introdução ao Direito do TrabalhofJJ, o ramo justrabalhista incorpora, no conjunto de suas regras, prin- cípios e institutos, um valor finalístico essencial, que marca a direção de todo o sistema jurídico que compõe. Este valor - e a consequente direção tele- ológica imprimida a este ramo jurídico especializado- consiste na melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica. Sem tal valor e direção finalística, o Direito do Trabalho sequer se compreenderia, historicamente, e sequer se justificaria, socialmente, deixando, pois, de cum- prir sua função principal na sociedade contemporânea. A força desse valor e direção finalísticos está clara no núcleo basilar de princípios especfficos do Direito do Trabalho, tornando excetivas normas "jus- trabalhistas vocacionadas a imprimir padrão restritivo de pactuação das rela-ções empregatíciasl81. Essa função central do Direito do Trabalho .(melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica) não pode ser apreendida sob uma ótica meramente individualista, enfocando o trabalha- dor isolado. Como é próprio ao Direito - e fundamentalmente ao Direito do Trabalho, em que o ser coletivo prepondera sobre o ser individual-, a lógica básica do sistema jurídico deve ser captada tomando-se o conjunto de situa- ções envolvidas, jamais uma fração isolada. Assim, deve-se considerar, no exame do cumprimento da função justrabalhista, o ser coletivo obreiro, a (7) DELGADO, M. G. Introdução ao Direito do Trabalho, 3. ed. São Paulo: L Tr, 2001, em seu Capftulo 111, item 11.4. As presentes reflexões, antes do ingresso no debate sobre o Direito Coletivo do Trabalho, reportam-se à referida obra, dispensadas repetidas citações. (8) Sobre o núcleo basilar de princípios especiais justrabalhistas, consultar o Capftulo 11 da obra deste autor, Princfpios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. São Paulo: L Tr, 2001 (na 3' ed., de 2010, consultar Capítulo 111). Neste Curso, reportar-se a seu Capitulo VI. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1311 categoria, o universo mais global de trabalhadores, independentemente dos estritos efeitos sobre o ser inqividual destacado. Uma segunda função notável do Direito do Trabalho é seu caráter moder- nizante e progressista, do ponto de vista econômico e social. Nas formações socioeconômicas centrais, a legislação trabalhista, desde seu nascimento, cumpriu o relevante papel de generalizar ao conjunto do mercado de trabalho aquelas condutas e direitos alcançados pelos trabalhadores nos segmentos mais avançados da economia, impondo, desse modo, a partir do setor mais moderno e dinâmico da economia, condições mais modernas, ágeis e civiliza- das de gestão da força de trabalhoi91. É verdade que esse caráter progressista não se percebe com tanta clareza no caso brasileiro, em face da conformação retrógrada e contraditória do modelo trabalhista brasileiro, notadamente seu Direito Coletivo do Trabalhoi101. Não obstante, tal caráter progressista e moder- nizante mantém-se como luminar para o aperfeiçoamento legislàtivo no país (dirigido> pois, ao legislador) e como luminar para o próprio processo de inter- pretação das normas justrabalhistas existentes, adequando-as à evolução so- cial ocorrida (dirigido, pois, ao intérprete e aplicador do Direito). Pondere-se, contudo, que, mesmo no caso brasileiro - ao menos no plano do Direito Individual do Trabalho, regulatório do contrato de emprego-, a ordem justrabalhista e_merge como importante instrumento civilizatório no que tange à utilização da força de trabalho no mercado laborativo do pafs. Em conformidade com diagnóstico exposto por uma das maiores autoridades brasileiras acerca da equação emprego/desemprego e demais aspectos econômicos do mercade de trabalho, o economista Mareio Pochmann, no contexto de abrangente análise sobre a estrutura e funcionamento do mundo laborativo no Brasil, cabe "se reconhecer que o emprego assalariado formal representa o que de melhor o capitalismo brasileiro tem constituído para a sua classe trabalhadora, pois vem acompanhado de um conjunto de normas de proteção social e trabalhista ... "!11 1. (9) Sobre o caráter modernizante e progressista do Direito do Trabalho, quer do ponto de vista econômico, quer do ponto de vista social, e mesmo sob a ótica polftica, ver DELGA~ DO, Mauricio Godinho. Democracia e Justiça. São Paulo: LTr, 1993, especialmente o capi- tulo Direito do Trabalho e Progresso Social: contradições da ordem jurídica brasileira. (10) Sobre a crítica do modelo trabalhista brasileiro, consultar o Capitulo 11 da obra deste autor, lntrodução.ao Direflo do Trabalho, 3. ed. São Paulo: LTr, 2001. Neste Curso, consultar o Capitulo IV. Ver ainda deste mesmo autor o livro uCapitalismo, Trabalho e Emprego- entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução". São Paulo: LTr, 2006. (11) POCHMANN, Mareio. O Emprego na Globalização- a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. 1. ed./1. reimpr., São Paulo: Boitempo, 2002. p. 98. Para maior exame a respeito das dificuldades relacionadas à efetividade do Direito Individual do Trabalho no país, consultar o final do nem "V- FUNÇÕES" do Capitulo I deste Curso. , 1312 MAuRrcro GoorNHO DELGADO Retomando-se as funções do Direito do Trabalho, seria ingenuidade negar-se não tenha esse ramo jurldico, também e concomitantemente, uma função conservadora, à medida que confere legitimidade política e cultural à relação de produção básica da sociedade contemporânea. O reconhecimento dessa função, entretanto, não invalid<l[o diagnóstico de que a normatividade auttinoma e heterônoma justrabalhista é que assegurou, ao longo dos dois últimos séculos, a elevação do padrão de gestão das relações empregatfcias existentes e do próprio nível econômico conferido à retribuição paga aos trabalhadores por sua inserção no processo produtivo. Extensão ao Direito Coletivo -Tais funções próprias ao Direito do Tra· balho, em geral, aplicam-se ao segmento juscolelivo? Seguramente, sim. A função justrabalhista central, consistente na melhoria das condições de pactuaçãó da torça de trabalho na ordem socioeconômica, comparece, indubitavelmente, ao Direito Coletivo. Insista-se que a desatenção, como um todo, a essa função primeira suprime a própria justificativa histórica de existência e vida de todo o segmento jurídico trabalhista., Não existe, desse modo, particularidade tamanha no ramo juscoletivo que lhe permita, ainda que através da negociação coletiva, romper, drastica· mente, com o núcleo basilar de princfpios do Direito do Trabalho e com o patamar civilizatório mfnimo fixado pela ordem jurldica heterôn<ima estatal. É claro que ao Direito Coletivo cabe certa função de adequação setorial da generalidade de determinadas regras justrabalhistas. Cabe-lhe, inclusive, a função de pacificação de controvérsias reais de caráter comunitário, atas· !ando a res dubia existente, através de efetiva transação coletiva, em que se concedem, reciprocamente, vantagens às partes coletivamente representadas. Mas isso não transforma o ramo juscoletivo em um perverso instrumentei de destruição dos princípios, regras e institutos fundamentais do Diteito do Trabalho, em conjuntura de refluxo e debilitação do movimento sindical. Há limites, portanto, é óbvio, à adequação efetivada pela negociação coletiva. Apenas o respeito a esses limites é que· permite preservar a harmo· nia entre os planos juscoletivos e jusindividuais do Direito do Trabalho. Taisliriiiies têm balizas naquilo que denominamos princípio da adequa· ção setorial negociada!••>. (12) Princfpio examinado nas obras deste autor, já citadas, Introdução ao Direito do Traba- lho, em seu Capftulo V, e Principias de Direito Individual e Coletivo db Trabalho, em seu Capflulo IV (na 2' edição desta obra, Capitulo V). Será retomado seu estudo também neste Curso, no Caprtu/o XXXIV, que trata dos princ(pios do Direito Coletivo do Trabalho. O texto ora exposto reporta-se a tais fontes mencionadas. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1313 Por esse principio, as regras autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista, quanto à comunidade profis· sional e econômica envolvida, desde que implementem padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável, ou desde que transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indis- ponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). No primeiro caso, as regras autônomas elevam o patamar setorial de direitos trabalhistas, em comparação como padrão geral imperativo existen- te, não afrontando sequer, desse modo, o principio da indisponibilidade de direitos, que é inerente ao Direito Individual do Trabalho. No segundo caso, o princípio da indisponibilidade de direitos é afrontado, mas de modo a atingir somente parcelas de indisponibilidade relativa. Estas assim se qualificam, quer pela natureza própria à parcela (ilustrativamente, modalidade de pagamento salarial, tipo de jornada pactuada, fornecimento ou não de utilidades e suas repercussões no contrato, etc.), quer pela existência de expresso permissivo jurídico heterônomo a seu respeito (por exemplo, montante salarial: art. 7º, VI, CF/88; ou montante de jornada: art. 7º, XIII e XIV, CF/88). Isso quer dizer que não prevalece a adequação setorial negociada se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta, os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por se constituírem em um patamar civilizatório mínimo que a sociedade democrática não concebe ver reduzido !lm qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 12, 111 e 170, caput, CF/88). Expressam, ilus· trativamente, essas parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação de CTPS, o pagamento do salário mínimo, as normas de saúde e segurança do trabalho. Conforme já reiteradamente exposto, no caso brasileiro, esse patamar civilizatório mfnimo está dado, essencialmente, por três grupos convergen· tes de normas trabalhistas heterônotnas: as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7°, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno bra- sileiro (referidas pelo art. 52, §§ 2º e 3º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cida- dania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.).l"i (13) Para mais largo exame do tema, consultar o Caprtulo XXXIV, que analisa os princrplos do Direito Coletivo do Trabalho, constante deste Curso de Direito do Trabalho. 1314 MAURICIO GODINHO DELGADO 2. Funções Juscoletlvas Especfflcas O Direito Coletivo do Trabalho cumpre, também, certas funções que lhe são específicas, oriundas de suas características distintivas e próprias. Podem ser elas arroladas no seiJuinte grupo de funções: geração de normas jurídicas; pacificação de conflitos de natureza sociocoletiva; função sociopolftica; função econômica. A geração de normas Jurídicas é o marco distintivo do Direito Coletivo do Trabalho em todo o universo jurídico. Trata-se de um dos poucos segmentos do Direito que possuem, em seu interior, essa aptidão, esse poder, que desde a Idade Moderna tende a se concentrar no Estado. A geração de regras jurídicas, que se distanciam em qualidades e poderes das meras cláusulas obrigacionais, dirigindo-se a normatizar os contratos de trabalho das res- pectivas bases representadas na negociação coletiva, é um marco de afirmação do segmento juscoletivd, que confere a ele papel econômico~social e político muito relevante na sociedade democrática. Ao lado da criação de normas, também gera o Direito Coletivo, através da negociação coletiva, cláusulas obrigacionais, que irão dirigir-se essencialment~ aos sujettos da própria negociação efetivada e não ao universo de trabalhadores geridos pelos instrumentos coletivos. Contudo, a criação de cláusulas obriga- cionais não é particularidade do segmento juscoletivo; ao revés, quase todos os ramos do Direito têm essa mesma característica: viabilizar a origem de contratos entre sujeitos específicos, com seus correspondenies dispositivos obrigacionais, regulando, em alguma medida, tais contratos. Outra função específica notável é a pacificação de conflitos de natureza sociocoletiva. Os diversos instrumentos do Direito Coletivo do Trabalho são meios de solução de importantes conflitos sociais, que são aqueles que sur- gem em tomo da relação de emprego, ganhando projeção grupal, coletiva. É evidente que a negociação coletiva, enquanto instrumento de autocom- posição, constitui-se no mais relevante desses instrumentos pacificatórios. Entretanto, o Direito Coletivo apresenta outros meios de solução de conflitos, de significação diferenciada, é claro, mas que, em seu conjunto, cumprem a função pacificatória referida. Trata-se, por exemplo, da arbitragem e da media- ção trabalhistas, do dissídio coletivo e sua sentença normativa, das comissões ou delegados intraempresariais de solução de conflitos (que não são comuns, é verdade, na tradição brasileira, mas célebres em outras experiências mais democráticas, como Itália, Inglaterra, Alemanha etc.). O Direito Coletivo do Trabalho cumpre função social e polftica de grande importância. Ele é um dos mais relevantes instrumentos de democratização de poder, no âmbtto social, existente nas modernas sociedades democráticas - desde que estruturado de modo também democrático, é claro. Assim como CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1315 o Direito Individual do Trabalho é um dos mais clássicos e eficazes instrumentos de distribuição de riqueza, no plano da sociedade, criados no sistema capitalista, o Direito Coletivo do Trabalho é um dos mais significativos instrumentos de democratização social gerados na história desse mesmo sistema socioeconômico. Conforme exposto mais à frente, no Capitulo XXXVI deste Curso, em seu item 11, Importância da Negociação Coletiva, a estruturação eficaz, dinâ- mica, forte, participativa, do Diretto Coletivo do Trabalho tende a Influir na própria caracterização democrática do conjunto societário. Ao reverso, a estrutura- ção corporativista e autoritária do segmento juscoletivo tende a coincidir com regimes autoritários em todo o âmbito sociopolítico (nazismo, fascismo, autoritarismos espanhóis, portugueses e brasileiros do século XX, etc.). Mesmo quando instauradas as liberdades democráticas formais, caso não sejam acompanhadas de um Direito Coletivo igualmente democrático, cria-se uma contradição político-cultural insustentável no plano da sociedade, que restringe, de modo significativo, a própria consolidação da Democracia na- quela experiência social (note-se o caso brasileiro, que insistiu com o modelo corporativista autoritário de Direito Coletivo, mesmo após derrubada a dita- dura estadonovista em 1945). O Direito Coletivo cumpre, ainda, importante papel econômico, consisten- te em sua aptidão para produzir a adequação às particularidades regionais ou históricas de regras de indisponibilidade apenas relativa características do Direito Individual do Trabalho. Com a negociação coletiva, esse segmento ajusta vários aspectos próprios à generalidade das leis trabalhistas a setores ou momentos específicos vivenciados no mercado laborativo. Nesse quadro, ele confere dinamismo econômico ao próprio Direito do Trabalhol14>. VI. CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO E SUA RESOLUÇÃO O Direito Coletivo do Trabalho estrutura-se em torno dos seres coletivos trabalhistas, atuando na resolução dos conflitos coletivos no âmbito das rela- ções laborais. Esses conflitos podem ser, basicamente, de caráter jurídico ou de caráter econômico. Os tipos de mecanismos para sua resolução concentram-se, essenci- almente, em fórmulas de autocomposição e heterocomposição, em meio às quais, eventualmente,podem ser utilizadas técnicas de autotutela, comÇ>Jl greve, por exemplo. (14) O jurista Amauri Mascaro Nascimento prefere arrolar várias dessas caracterrsticas que consideramos especfficas ao Direito Coletivo do Trabalho como Inerentes a um ·único instituto seu, a negociação coletiva trabalhista. Compêndio de Direito do TrabalhO, 2. ed. São Paulo: LTr. p. 308·310. 1316 MAURICIO GODINHO DELGADO 1. Modalidades de Conflitos Coletivos São conflitos coletivos trabalhistas aqueles que atingem comunidades específicas de trabalhadores e empregadores ou tomadores de serviços. quer no âmbito restrito do estabelecimento ou empresa, quer em âmbito mais largo, envolvendo a categoria ou, até mesmo, éomunidade obreira mais amplal"l. São distintos dos conflitos meramente interindividuais, que colocam em confronto as partes contratuais trabalhistas isoladamente considera- das (empregado e empregador). Os conflitos interindividuais tendem a abranger aspectos específicos do contrato bilateral entre as partes ou condições específicas da prestação de serviços pelo obreiro, sem que alcancem, regra geral, projeção no seio da comunidade c~cundante, em- presarial e de trabalhadores. É claro que a repetição constante de idênticos ou semelhantes problemas individuais pode assumir dimensão grupal, dando origem, às vezes, a um conflito coletivo trabalhista. Os conflitos coletivos trabalhistas comportam dois grandes tipos, como visto: os de caráter jurídico e os de caráter econômico. Os conflitos de natureza jurídica dizem respeito a divergência de inter- pretação sobre regras ou princípios jurídicos já existentes, quer incrustados, ou não em diplomas coletivos negociados. A interpretação divergente, é cla- ro, repercute de modo diferenciado nas relações grupais entre trabalhadores e empregadores. No caso dos conflitos de natureza econômica, trata-se de divergência acerca de condições objetivas que envolvem o ambiente laborativo e contra- tos de trabalho, com repercussões de evidente fundo material. Aqui, a diver- gência abrange reivindicações econômico-profissionais dos trabalhadores, ou pleitos empresariais perante aqueles, visando alterar condições existen- tes na respectiva empresa ou categoria. São também chamados de conflitos . de interesse, uma vez que os trabalhadores reivindicam novas e melhores condições de trabalhd"l. 2. Modalidades de Resolução de Conflitos Coletivos Os conflitos coletivos trabalhistas solucionam-se, regra geral, segundo dois grandes tipos de fórmulas: as autocompositivas e as heterocompositivas. A autocomposição ocorre quando as partes coletivas contrapostas ajustam suas divergências de modo autônomo, diretamente, por força e atuação próprias, celebrando documento pacificatório, que é o diploma coletivo negociado. Trata-se, pois, da negociação coletiva trabalhista. (15) No sistema jurfdico brasileiro, contudo, a categoria tende a ser a unidade mais ampla de agregação cte trabalhadores, para os fins dos conflitos coletivos laborais. (16) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compéndio de Direito Sindical, 2. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 254. . CURSO DE DIREITO DO T RASA LHO 1317 A fórmula autocompositiva da negociação trabalhista pode receber certos impulsos ou estímulos, caracterizados por mecanismos de autotu- tela, como a greve, ou próximos à heterocomposição, como a mediação. Entretanto, a presença desses diferentes mecanismos não desnatura a autocomposição realizada, que se celebra autonomamente pelas partes, ainda que sob certa pressão social verificada ao longo da dinâmica negociai. A heterocomposição ocorre quando as partes coletivas contrapostas, não conseguindo ajustar, autonomamente, suas divergências, entregam a um terceiro o encargo da resolução do conflito; ocorre também a hetero- composição quando as partes não conseguem impedir, com seu impasse, que o terceiro intervenha (casos próprios a dissídios coletivos). São fórmulas heterocompositivas a arbitragem e o processo judicial próprio ao sistema trabalhista brasileiro, chamado dissídio coletivo. Também aqui é comum surgir a presença de técnicas de autotutela (gre- ve) ou próximas à heterocomposição (mediação), no contexto da resolução conflitual via arbitragem ou dissídio coletivo. Anote-se, ainda, que tem sido muito comum a composição das partes no desenrolar do processo heterocompositi- vo, celebrando, antes de seu final, a negociação coletiva trabalhista. Registre-se que seria possível indicar-se neste estudo, é claro, a pre- sença de um terceiro grupo de fórmulas de resolução de conflitos coletivos trabalhistas: a autotutela. Seriam seus exemplos a greve e o locaute (este, em geral, proibido pelo Direito). Contudo, do ponto de vista prático, este terceiro grupo (principalmente a greve, uma vez que o locaute tende a ser vedado) atua mais comumente como instrumento para pressionar o encontro de uma solução favorável para o conflito através de algumas das duas fórmulas dominantes, e não como meio próprio de resolução desse conflito coletivo. No presente Curso serão estudados diversos desses mecanismos de solução de conflitos coletivos e técnicas correlatas: negociação coletiva trabalhista e seus diplomas característicos (Capítulo XXXVI); arbitragem e mediação (Capítulo XXXVIII); greve e Jocaute (Capítulo XXXVII). Apenas não será objeto de estudo particularizado, em capítulo próprio, a fórmula hetero- compositiva de natureza eminentemente processual, que consiste no pro- cesso judicial de dissídio coletivo e sua sentença normativa. Uma Fórmula Controvertida: dissídio coletivo - A presente fórmula de resolução de conflitos coletivos trabalhistas corresponde a figura qyase singular ao Direito do Trabalho brasileiro, nos dias atuais. Este instituto, regra geral, mostrou-se restrito a países cujas ordens justra- balhistas tiveram formação doutrinária e legal autoritárias, de inspiração organi- cista ou corporativista, como próprio às experiências autocráticas de na\Í.Jreza fascista de primeira metade do sécuio XX, na Europa. Suplantadas. aquelas ex- periências no continente europeu, a fórmula judicial de solução de conflitos .co!e- tivos trabalhistas tendeu a ser extirpada das respectivas ordensju[ídicas. "'1. ,,I 1318 MAURICIO GODINHO DELGADO Naturalmente que há referências à presença de semelhante poder nor- mativo em experiências longínquas da Oceania (Austrália e Nova Zelândia), desde fins do século XIX até o desenrolar do século XX. Contudo, essa peculiar e distante circunstância não é hábil a desfazer a singularidade do instituto no próprio Direito Comparado. I No Brasil, porém, embora criada no autoritarismo das décadas de 1930 e 1940, a fórmula do dissfdio coletivo permaneceu durante todo o perfodo posterior, inclusive com a Constituição de 1988. Note-se que a atribuição constitucional deferida ao Poder Judiciário de fixar regras jurfdicas, no âmbito das relações laborais - como ocorre nos processos de dissfdios coletivos e respectivas sentenças normativas-, não se contunde com a clássica atuação jurisprudencial. Nesta última atuação, o que se passa é uma dinâmica de reiteração, pelos tribunais, de julgados individuais em semelhante ou idêntica direção, no exercício de função típica e tradicional ao Judiciário. Já a sentença normativa, resultante do dissídio coletivo, insculpe um conjunto de regras gerais, abstratas, impessoais, obri- gatórias, como resultado de um único e especifico processo posto a exame do tribunal trabalhista para aquele preciso e especificado fim, no exercício de função típica e tradicional do Poder Legislativo (e não do Judiciário). Tecnicamente, sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa (antiga redação do art. 162, § 22 , CPC). É,pois, decisão proferida pelo Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, em face de questões concretas submetidas a seu julgamento. Prolatada em segunda instância, pelos tribunais, assume a denominação de acórdão. Se cotejada a esse parâmetro teórico, a sentença normativa aproximar-se-ia da sentença clássica, à medida que é proferida pelo Poder Judiciário trabalhista (Tribunais Regionais e Tribunal Superior do Trabalho), em processos de dissí- dio coletivo, traduzindo exercício de poder decisório atribuído ao Estado. Dessa maneira, do ponto de vista formal (isto é, pelo modo de sua formação e exteriori- zação), a sentença normativa classificar-se-ia como sentença. Distingue-se, entretanto, a sentença norm;:ttiva da sentença clássica, no que tange à sua substância, seu conteúdo. E que ela não traduz a apli- cação de norma jurídica existente sobre relação Íático-juridica configurada (como verificado nas sentenças clássicas); não é, por isso, rigorosamente, exercício de poder jurisdicional. Ela, na verdade, expressa, ao contrário, a própria criação de regras jurfdicas gerais, abstratas, impessoais, obrigatórias, para incidência sobre relações ad futurum. Por essa razão, a sentença nor- mativa, do ponto de vista material (isto é, substantivamente, sob a ótica de seu conteúdo), equipara-se à lei em sentido material. A sentença normativa, portanto, é ato-regra (Duguit), comando abstrato (Cameluttl), constituindo-se em ato judicial (aspecto formal) criador de regras gerais, impessoais, obrigatórias e abstratas (aspecto material). É lei em senti- do material, embora se preserve como ato judicial, do ponto de vista de sua forma de produção e exteriorização. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1319 A lei brasileira determina que o tribunal prolator da sentença normativa fixe o prazo de sua vigência, o qual não poderá, entretanto, ser superior a quatro anos (art. 868, parágrafo único, CLT). A jurisprudência, por sua vez, tem definido que as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de for- ma definitiva, os contratos (Redação original da Súmula 277, TST).P'l A Constituição tem determinado a observância, nas sentenças normativas, do critério de incorporação das vantagens precedentes (" ... respeitadas as disposições convencionais e legais mfnimas de proteção ao trabalho" - estipulava o texto original do art. 114, § 22, in fine, CF/88). Tal critério foi enfa- tizado pela EC n. 45/2004 ("reforma do Judiciárid'), ao fazer constar no texto do § 22 do art. 114 do Texto Máximo o poder de a " ... Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormentE~' (grilos acrescidos). A figura da sentença normativa tem sido muito criticada, contemporanea- mente, por traduzir fórmula de desmesurada intervenção do Estado na gestão coletiva dos conflitos trabalhistas. Incorporando, de certo modo, parcialmente, tais criticas, a Constituição de 1988, em sua origem, passou a viabilizar a propositura do dissídio coletivo somente após a recusa " ... de qualquer das partes à negociação ou à arbitra- gem .. ." (art. 114, § 22, ab initio, CF/88). A EC n. 45/2004 aprofundou a incorporação de tais criticas ao singular instituto, criando restrição nova ao ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica: havendo recusa de qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é-lhes facultado, de comum acordo, ajuizar a referida ação coletiva (art. 114, § 22 , ab initio, CF/88, conforme EC n. 45/2004). Com essa nova exigência à instauração da instância pelas partes - de dilicflimo cum- (17) A partir de abril de 2008, a Seção de Dissfdios Coletivos do TST (SDC), especializada na análise de sentenças normativas, passou a decidir, relativamente a este prazo de vigência, que, no direito brastleiro, a sentença normatWa pode vigorar, desde seu termo inicial, até que novo diploma coletivo, judicial ou privado (sentença normativa, convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho), produza sua revogação expressa ou tácita, respeftado, porém, o prazo máximo legal de quatro anos de vigência. Com isso admitiu certa uttratividade (relativa, evidentemente), respeitado o prazo máximo fixado no parágrafo único do art. 868 da CLT (nesta J[nha o acórdão n. TST-RODC-1439/2004-00Q-04-00.0. Sessão de 10.4.2008. DOU/DJ de 9.5.2008. Relator. Ministro Mauricio Godinho Delgado. Ao longo de 2008 e perrodo subsequente. diversos outros processos julgados na soe passaram a incorporar esse novo entendimento da Seção Especializada). Em maio de 2011, foi editado o Precedente Normativo 120 da SDC, na mesma direção. Não obstante esse significativo ajuste herrnenêutico oriundo da SDC!TST, é preciso que fique claro ao leitor que o critério estrito lançado no texto da Súmula 2n, em seu rigor original, ainda preserva sua notória influência interpretativa nos· tribunais brasileiros, inclusive no conjunto do Tribunal Superior (a propósitO, o novo critério he~enêutico adotado pela Seção de Dissfdios Coletivos ainda não foi absorvido no texto da citada súmula). A propósito do tema, ver nova redàção da Súmula 2n, em seu item I, que estende o critério original do verbete sumu/ar também aos instrumentos da negociação coletiva trabalhl.sta. 1111.11 ' '" tr' ~t··· ~~. ~·~ ... )':::- ' :··'· I 1 ,,, '•! (: ,. v f: ~: ,, li, li: jili' r:! . '. i' E 1320 MAURICIO GODINHO DELGADO primento, na prática-, diminuiu signHicativamente o papel do dissídio coletivo na ordem jurídica, social e econômica do país. Desse modo, a Constituição da República, dezesseis anos após 5 de outubro de 1988, pela EC n. 45/2004, remeteu, decididamente, à negociação coletiva o papel de geração de normas jurídicas coletivas trabalhistas no Brasil. VIl. O PROBLEMA DA AUTONOMIA DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO Um determinado conjunto de regras, princípios e institutos jurídicos assume caráter de ramo jurídico específico e próprio quando alcança autonomia perante os demais ramos do Direito que lhe sejam próximos ou contrapostos. Um determinado conjunto de proposições, métodos e enfoques de pesquisa sobre um universo de problemas assume o caráter de ramo de conhecimento específico e próprio quando também alcança autonomia perante os demais ramos de pesquisa e saber que lhe sejam correlatos ou contrapostos. Autonomia (do grego auto, próprio, e nomé, regra), no Direito, traduz a qualidade atingida por determinado ramo jurídico de ter enfoques, regras, te- orias e condutas metodológicas próprias de estruturação e dinâmica. A con- quista da autonomia confirma a maturidade alcançada pelo ramo jurídico, que se desgarra dos laços mais rígidos que o prendiam a ramo ou ramos próximos, sedimentando uma via própria de construção e desenvolvimento de seus componentes específicos. O debate sobre a autonomia do Direito Coletivo do Trabalho em contra- ponto ao Direito Individual do Trabalho não cessou, embora claramente pre- valeça o entendimento relativo à falta dessa autonomia. O jurista Amauri Mascaro Nascimento, por exemplo, nega a autonomia, considerado o quadro jurídico corrente. Mas menciona a possibilidade even- tual de, no futuro, o ramo juscoletivo destacar-se do Direito do Trabalho, como ocorrido com o Direito Previdenciário<101. A posição negativista, em geral, arrola distintos argumentos: falta de identi- dade legislativa (corpo normativo do Diretto Coletivo seria o mesmo do restante do Direito do Trabalho- vide CLT); falta de identidade doutrinária (o seg- mento juscoletivo estaria inserido no conjunto doutrinário do Direito do Trabalho); ausência de identidade jurisdicional (não há ramo judiciáriopróprio a tratar das relações juscoletivas, senão o trabalhista); falta de autonomia didática (não cor- responderia a disciplina cunricular própria nas Faculdades de Diretto); carência (1 B) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Comp~ndio de Direito Sindical, 2. ed. São Paulo: L Tr, 2000. p. 27. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO 1321 de instituições próprias, que sejam distintas das clássicas trabalhistas; por fim, carência de princípios próprios, distintos dos trabalhistas clássicos<191. Embora tais argumentos tenham certa consistência, são, indubitavel- mente, passíveis de críticas. É que eles supõem uma concepção ex1remada de autonomia, como se se tratasse de ramo jurídico desgarrado e incomuni- cável com o restante do Direito do Trabalho. Em vez disso, o que cabe aqui falar é em autonomia relativa, já que ambos os segmentos (Direito Individual e Direito Coletivo) lidam com idêntica matéria social, fulcrada essencialmente na relação de emprego. No que diz respetto à falta de identidade legislativa, não é relevante, dado que a CLT engloba distintos segmentos vinculados à área trabalhista, alguns claramente autônomos entre si: veja-se, a propósito, a presença naquele di- ploma não só do Direito do Trabalho (em suas áreas individual e coletiva), mas também do Direito Processual do Trabalho. No que tange à falta de identidade doutrinária, ver-se-á, a seguir, que o segmento juscoletivo tem, ao contrário, razoável complexo de matérias es- pecíficas, com teorias e métodos próprios, além de princípios próprios - o que lhe garante inegável identidade nesse campo. Quanto à falta de identidade jurisdicional, também não é relevante. Afinal, a Justiça Comum examina matérias dos mais diversos ramos do Direito, sem que isso comprometa a autonomia de cada um deles. Além disso, é conveni- ente que a Justiça Especializada do Trabalho absorva a cognição e julgamento de todas as lides que envolvam matéria trabalhista (individual, coletiva ou até · mesmo conexa), em face das vantagens da especialização do conhecimento. A esse propósito, o argumento negativista é até mesmo incorreto, já que, lamentavelmente, no Brasil, lides intersindicais (próprias ao Direito Coletivo) tradicionalmente sempre foram examinadas pela Justiça Comum e não pela Trabalhista (este equívoco político, institucional e técnico-jurídico foi, por fim, corrigido pela EC n. 45/2004: novo art. 114, I, 11 e 111, CF/88). No que é concernente à falta de autonomia didática, o argumento está ultrapassado. Há, sim, na estrutura curricular das Faculdades de Direito mais modernas e bem organizadas, disciplinas específicas ao Direito Coletivo do Trabalho, tanto na graduação como, principalmente, na pós-graduação. O que ocorre, muitas vezes, no âmbito restrito da graduação é apenas a inser- ção da matéria Direito Coletivo na segunda parte da disciplina Direito do Tra- balho ll, .. em face do maior volume de temas do Direito Individual do Trabalho -sem prejuízo da inegável diferenciação entre os campos de estudo. (19) Amauri Mascaro Nascimento aponta quatro dimensões para o exame da autonomia de um ramo do Direito: legislativa, doutrinária, didática e jurisdicional. In Comp~ndio de Direito Sindical, 2. ed., cit., p. 30. 1 1322 MAURICIO GoDJNHO DELGADO Quanto à alegada carência de instituições próprias, o argumento é frágil. O Direito Coletivo apresenta instituições eminentemente especificas, como, por exemplo, sindicatos e comissões internas de atuação coletiva (menos comuns no Brasil, é verdade, em contraponto aos paises europeus ocidentais). E tem, ainda, institutos muito caracteristicos, como a greve e a sentença normativa. I Por fim, no que toca à ausência de princfpios próprios, a proposição é simplesmente incorreta. Conforme será estudado neste Curso, mais à fren- te, o Direito Coletivo do Trabalho tem rol significativo de princípios especifi- cas (Capítulo XXXIV). O Direito Coletivo atende, também, aos principais requisitos que o juris- ta italiano Alfredo Rocco sintetizou, com rara felicidade, como inevitáveis su- postos do alcance da autonomia de qualquer ramo examinado: a existência de um campo temático vasto e especffico; a elaboração de teorias próprias ao mesmo ramo; a observância de uma metodologia própria de construção e reprodução de sua estrutura e dinãmical20l. O campo temático do Direito Coletivo do Trabalho é, inegavelmente, vasto e especifico. Citem-se, para ilustração, os seguintes temas: sindicalismo, greve, negociação coletiva e seus institutos, representação obreira na em- presa, sentença normativa. O Direito Coletivo tem teorias próprias, conforme bem demonstram os debates envolvendo as possibilidades e limites jurídicos da negociação cole- tiva trabalhista. Ao lado disso, seus princípios específicos, enquanto proposi- ções ideais conformadoras do Direito, são afirmações de elaboração teórica própria, no contexto do universo juridico. É inegável a presença de uma metodologia própria de construção e re- produção da estrutura e dinâmica do Direito Coletivo. A negociação coletiva o evidencia, uma vez que se trata de excepcional metodologia de construção do próprio Direito do Trabalho. A seu lado, o instituto da greve, essencial ao Direito Coletivo, que traduz relevante instrumento de autocomposição de con- flitos de interesses. Insista-se que não se está falando de uma autonomia que conduza ao isolamento do ramo juscoletivo em face do restante do Direito do Trabalho. Este, sem dúvida, forma um complexo especializado do Direito, composto de partes que têm regras e princípios próprios, mas que se interagem perma- nentemente. A autonomia propugnada é relativa, portanto. Não há como se pensar o Direito Coletivo sem seu ramo associado, o Direito Individual, am' bos formando o complexo jurídico conhecido pelo epiteto simples de Direito do Trabalho. (20) ROCCO. Alfredo. Corso di Diritto Commerciale - parte generale. Padova: Utotipo- -Editrice Universitaria, 1921. p. 76. A proposição de Rocco, como se sabe, é largamente difundida entre inúmeros autores de Direito. CAPITULO XXXIV PRINCÍPIOS ESPECIAIS DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO I. INTRODUÇÃO O Direito do Trabalho, como já exposto, engloba dois segmentos, um individual e um coletivo, cada um deles contando com regras, institutos e princfpios própriosi'l .. Conforme visto, toda a estrutura normativa do Direito Individual do Tra- balho constrói-se a partir da constatação fática da diferenciação social, eco- nômica e politica básica entre os dois sujeitos da relação juridica central desse ramo jurídico específico -a relação de emprego. De fato, em tal relação o sujeito empregador age naturalmente como um ser coletivo, isto é, um agente socioeconômico e político cujas ações, ainda que intraempresariais, têm a natural aptidão de produzir impacto na comuni- dade mais ampla. Em contrapartida, no outro polo da relação inscreve-se um ser individual, consubstanciado no trabalhador que, enquanto sujeito desse vinculo sociojurfdico, não é capaz, isoladamente, de produzir, como regra, ações de impacto comunitário. Essa disparidade de posições na rea- lidade concreta fez despontar um Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequi- librar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da re- lação de emprego. O Direito Coletivo, ao contrário, é ramo jurídico construído a partir de uma relação entre seres teoricamente equivalentes: seres coletivos ambos, o empregador de um lado e, de outro, o ser coletivo obreiro, mediante as organizações sindicais. E:m correspondência a esse quadro fático distinto, emergem, obviamente, no Direito Coletivo, categorias teóricas, processos e princípios também distintos.
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