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População tradicional e conservação

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1
Populações tradicionais e conservação (1) 
Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Almeida 
 
 
As populações tradicionais são conservacionistas? Não necessariamente. As populações 
tradicionais conservaram as florestas tropicais e outras paisagens? Sim. Essas populações irão 
continuar conservando esses habitats? Isso depende do pacto. Queremos que as populações 
tradicionais continuem a conservar os ambientes que ocupem? Sem dúvida. 
Os opositores da participação dos povos tradicionais em unidades de conservação alegam que: 1. 
nem todas as populações tradicionais são conservacionistas; 2. mesmo as que são (e.g. alguns 
povos indígenas) podem mudar ao entrar no mercado. 
Há algum tempo persiste um mal-entendido entre antropólogos, conservacionistas e políticos, e 
que é partilhado às vezes também pelas populações tradicionais. 
Trata-se da essencialização das relações entre populações tradicionais e a natureza. As idéias 
que representam os grupos indígenas como conservacionistas naturais resultaram naquilo que foi 
chamado de "mito do ecologicamente bom selvagem"(Kent Redford e A.Stearman 1991, 1993). 
Ora, é claro que não há "conservacionistas naturais", e os antropólogos imediatamente traduzem 
a idéia em termos de "conservacionistas culturais". Mas será que os povos tradicionais podem ser 
descritos como "conservacionistas culturais"? 
O conservacionismo não é só um conjunto de práticas, mas é também uma ideologia. Há 
sociedades indígenas na amazônia que sustentam uma espécie de ideologia lavoiseriana onde 
tudo, includide a vida e as almas, se transforma. Essa ideologia leva à exploração limitada dos 
recursos naturais, e ao papel dos homens como defensores do equilíbrio do universo natural e 
sobrenatural. Valores, comidas e tabus de caça proporcionam os instrumentos para agir de 
acordo com essa ideologia. Essas sociedades podem ser incluídas na categoria de 
conservacionistas culturais, e são exemplos delas os Yagua e grupos do alto Rio Negro. 
Pode-se também ter práticas culturais conservacionistas sem uma ideologia conservacionista. 
Nesse caso, temos populações que, sem ter uma ideologia explicitamente conservacionista e 
que, não obstante, seguem regras culturais para o uso de seus recursos naturais de maneira 
sustentável. É importante observar que, para conservar recursos, é essencial que um grupo 
social mantenha algum nível de limitação no uso. Isso significa manter o desperdício dentro de 
limites. Esse pode ser o caso de alguns grupos indígenas e também de grupos sociais como os 
seringueiros do sudoeste amazônicos. Se um grupo social aprova a caça, esse massacre, embora 
repugnante para muitos, não infringe necessariamente práticas de conservação. O que é preciso 
perguntar é se esse hábito é compatível com o "uso sustentável" - o que dependerá tanto da 
espécie de macacos em questão como do tamanho da população humana e das regras que 
regulam a caça, bem como das instituições que as mantêm. Práticas de manejo da floresta 
baseadas na agricultura de coivara podem ser sustentável se a densidade populacional for muito 
baixa. 
 
1Fonte deste texto: AVALIAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DE AÇÕES PRIORITÁRIAS PARA A CONSERVAÇÃO, UTILIZAÇÃO 
SUSTENTÁVEL E REPARTIÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA BIODIVERSIDADE DA AMAZÔNIA BRASILEIRA 
PROGRAMA NACIONAL DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA - SEMINÁRIO DE CONSULTA, MACAPÁ 21 A 25 DE SETEMBRO DE 1999 
 
 
 2
Ora, é um fato que muitos grupos indígenas e também grupos sociais não indígenas como os 
seringueiros, ribeirinhos, caboclos e pescadores têm preservado e talvez até ampliado a 
biodiversidade nas florestas neotropicais. Na Reserva Extrativista do Alto Juruá, a pesquisa 
realizada por antropólogos e biólogos, em uma floresta antes habitada por grupos indígenas de 
tronco Pano e depois por seringueiros há cerca de cem anos mostrou que pode haver ali índices 
de biodiversidade (baseados em grupos indicadores como borboletas, anuros e aves) 
comparáveis ou superiores aos dos locais campeões em espécies como Tambopata, Manu e 
Pakitza in Peru, e Jaru e Cacaulandia em Rondônia. 
Contudo, há uma linha de raciocínio que diz o seguinte. Embora as populações tradicionais 
possam ter explorado o ambiente de maneira sustentável no passado, o contato com os novos 
grupos humanos de fronteira (garimpeiros, traficantes, pecuaristas por exemplo) induzirá novas 
estratégias míopes de uso dos recursos. A resultante anomia dissolverá moralmente esses 
grupos, e os jovens de vocação empresarial entrarão em conflito com os velhos costumes e com 
os valores baseados na reciprocidade (R. Chase-Smith 1994). 
Assim, conforme esse raciocínio, embora a "cultura tradicional" possa ter sido no passado 
promotora da conservação, as necessidades induzidas e a economia de mercado irá 
inevitavelmente conduzir a mudanças culturais e à superexploração dos recursos naturais. 
Certamente haverá mudanças. Mas essas mudanças não levarão necessariamente a situações de 
superexploração predatória. Dadas certas condições estruturais, as populações tradicionais 
podem desempenhar um papel central na conservação. 
É preciso primeiramente reconhecer que a validade dos velhos paradigmas mudou junto com o 
mundo. Hoje as populações tradicionais não estão mais situadas fora da economia mundial, nem 
estão mais na periferia do capitalismo. Esses grupos não estão em contato apenas com 
garimpeiros e traficantes, mas fazem parcerias com instituições governamentais e não-
governamentais nacionais e internacionais, e com angentes que incluem antropólogos, 
conservacionistas e militantes políticos. 
Quanto ao mercado, ele não é novidade para as populações tradicionais. A novidade aqui é a 
emergência de novos mercados, que alguns chamam de mercados de nicho, e que expressam a 
demanda por valores tais como "valores de existência", tais como a biodiversidade e paisagens 
naturais, ou que pagam mais por produtos que são produzidos em condições ecologicamente 
sadias ou socialmente justas. Esses valores são em certo sentido mercadorias de quarta geração 
que são procuradas pelas populações modernas. O retorno que se espera de povos tradicionais 
seria a reprodução de ambientes naturais e de sua biodiversidade. Trata-se de bens nos quais 
não há etiquetas de preço, mas pelos quais há demandas. Reconhecer que as populações 
tradicionais têm a capacidade para oferecer esse produto é a consequencia natural de 
desessencializar a sua relação para com o ambiente. Há também outras razões para remunerar 
as populações tradicionais, quer através do mercado, quer através do Estado, pelos serviços que 
prestam. Há os serviços de coservação de germoplasma in situ, e os direitos de propriedade 
intelectual. 
O problema no fundo não é se as populações tradicionais estão atravessando mudanças culturais 
rápidas, ou se estão envolvidas no mercado. Trata-se de saber se elas se qualificam como 
parceiros para o estabelecimento de áreas de conservação. 
Alguns parâmetros são claros. Todos querem uma vida melhor, querem educação e saúde, e 
querem acesso a bens comercializados. Se é possível conseguir isso e ao mesmo tempo conservar 
ambientais naturais para benefício da nação e da humanidade, há uma base para soluções. Os 
desafios são internos e externos. Internamente, há o problema de criar e consolidar instituições 
e valores democráticos que permitam a ação coletiva - em situações em que não é mais a 
 
 3
"comunidade" a agência relevante (lembrando que aqui pensamos na "comunidade" como um 
grupo que tem relações face a face e associadas a vizinhanças e parentesco). Externamente, à 
parte coerções institucionais, é importante que haja mercados que encoragem comportamentos 
coletivamente racionais, recompensando 'produtos' que, como a biodiversidade, tem sido 
tratados como subprodutos gratuitos da economia daspopulaçoes tradicionais. E, quando o 
mercado é ineficaz nessa área, é necessário que o Estado intervenha. Isso pode ser feito 
pagando diretamente pelos serviços de conservação, mediante o estabelecimento de uma renda 
mínima ambiental, que constitua um estímulo para membros de grupos sociais que se abstenham 
de degradar o ambiente natural e assim participam da produção de biodiversidade. 
Ou pagando indiretamente, fornecendo serviços básicos que equivalem a aumento da renda, e 
também investindo no desenvolvimento de produtos para novos mercados, bem como na 
formação de pessoal qualificado para as tarefas de autogoverno local. 
Por que razão devem-se envolver as populações tradicionais nos planos de conservação? 
Há várias razões para isso. Há a questão da justiça. Essas populações vivem nesses territórios, e 
possuem direitos à terra e a seus recursos. 
Há o fato de que, com a participação das populações tradicionais na conservação de recursos, 
haverá muito mais áreas preservadas. No caso brasileiro, ao lado da conservação realizadas nas 
unidades de conservação de uso indireto, as áreas ocupadas por grupos indígenas e por 
populações tradicionais ampliam consideravelmente as áreas conservadas. 
Economicamente, é mais viável e também politicamente mais prudente reconhecer populações 
tradicionais como guardiões de ambientes, em lugar pagar por fiscais de floresta – uma 
argumentação que foi aplicada no caso dos seringueiros por Mary Allegretti. 
Finalmente, populações tradicionais tem interesses na conservação, e têm se manifestado em 
muitos casos em favor de estratégias de conservação. Isso porque a conservação de recursos 
naturais é diretamente importante para sua sobrevivência, e indiretamente importante como 
base de sua legitimidade face à nação. 
Aqui ressalta-se o contraste em relação às populações indígenas, que constituem uma categoria 
mais restrita. Nesse caso, o fundamento de seus direitos territoriais é histórico. Aqui não se 
trata de um pacto ou contrato entre as populações tradicionais e a nação. 
Por outro lado, no caso mais geral das populações tradicionais novas no cenário público - 
ilustradas pelo caso dos seringueiros -, trata-se de fazer um pacto ou contrato com a nação. Em 
vez de serem vistas como entraves ao progresso ou como relíquias do passado, essas populações 
podem tornar-se parceiras da sociedade como um todo enquanto gerenciadoras de ambientes 
para o benefício de todos. 
 
O que são Populações Tradicionais 
 
Um problema operacional é o de definir o que são populações tradicionais. Talvez a questão 
não seja o que são populações tradicionais, e sim qual é a mais adequada definição legal para 
populações tradicionais. Mas estas duas questões serão realmente distintas? Tentaremos mostrar 
que não. 
'Populações tradicionais' é já um termo do vocabulário, com sentidos que foram se solidificando 
mas também mudando ao longo de algumas décadas. Faz parte de um campo semântico que 
inclui vários outras expressões, algumas em desuso, outras recentes. Coisas como populações 
 
 4
indígenas, tribos, silvícolas. Como elas, é resultado de uma confluência de uma evolução do 
vocabulário de outros países, do nosso próprio vocabulário e da mediação operada entre esses 
vocabulários pela legislação e declarações internacionais. São elas que acabam adotando certos 
termos específicos, tornando-os abrangentes ou estabelecendo sinonímias à primeira vista 
surpreeendentes. Por exemplo, a Convenção 107 da OIT fala em povos indígenas e tribais como 
um único tipo de sujeito de direitos. Povos tribais é uma expressão que vem, salvo melhor juízo, 
da Índia. Povos indígenas vem provavelmente das Américas. 
Populações tradicionais, salvo engano outra vez, aparece para abranger, no Brasil, algo que em 
certa medida se assemelha a, mas que é mais abrangente do que grupos indígenas. Se por um 
lado, um paradigma básico são os grupos indígenas, uma coisa básica os diferencia, o 
fundamento de sua reivindicação por terra. O fundamento da terra indígena é histórico, ou seja, 
cada grupo indígena tem direito à terra porque tem um vínculo histórico com primeiros 
ocupantes – sendo esse vínculo expresso frequentemente em termos de descendência. Ao 
contrário, a reivindicação por terra das populações tradicionais baseia-se em um pacto: um 
pacto que poderia ser chamado de neo-tradicionalismo. O que se supõe das populações 
tradicionais é um passado não predatório de uso de recursos naturais; o que se espera delas é 
que levem um modo de vida coerente com a conservação da diversidade biológica. Mas pode o 
passado garantir o futuro? O passado assegura que a coisa é possível, o futuro é garantido pelo 
pacto. Esse pacto é materializado em leis e dispositivos a ela associados, como concessões de 
uso e planos de uso. 
Nesse sentido, são populações tradicionais aquelas que aceitam as implicações da definição 
legal que exige o "uso sustentável de recursos naturais" - seja conforme práticas transmitidas 
pela tradição, seja por meio de novas práticas. Uma outra maneira de entender este processo é 
perceber que "população tradicional" é uma categoria ocupada por sujeitos políticos, que se 
dispõem a ocupá-la, comprometendo-se com certas práticas associadas à noção de uso 
sustentável. Nesse sentido, mesmo os mais antigos e culturalmente mais conservacionistas dos 
grupos humanos podem tornar-se neo-tradicionais. Isso na medida em que se constituam 
enquanto populações tradicionais no sentido de se comprometerem a ser o que se espera delas, 
como parte de um pacto. 
Nesse sentido, não são critérios substantivos que definem o que são as novas "populações 
tradicionais". Além disso, um grupo social não se torna uma "população tradicional" (agora entre 
aspas, para indicar o que também estamos chamando de grupos neotradicionais) em virtude de 
laudos antropológicos (por mais que tais laudos possam criar nichos de mercado para 
antropólogos) destinados a conferir se atendem ou não a uma lista de características. Os grupos 
assim chamados não são tradicionais - tornam-se "populações tradicionais" ao embarcarem na 
categoria-ônibus que lhes dá acesso a direitos territoriais e a outros direitos. Isso em troca de 
um preço, que são as obrigações. Essas incluem práticas sustentáveis de desenvolvimento, e 
formas democráticas e equitativas de vida política e social. Mas podem incluir ainda a proteção 
da biodiversidade, tanto de espécies como de paisagens. 
Em suma, participar da categoria "populações tradicionais" significa ter uma organização local 
e lideranças legítimas, associar-se a tradições de uso sustentável dos recursos naturais no 
passado, e aderir em um território especificado ao uso de técnicas de baixo impacto ambiental 
no futuro. Operacionalmente é o que se verifica, por exemplo, quando da criação de uma 
Reserva Extrativista, através de passos que são a reivindicação da unidade por parte de uma 
associação ou sindicato, a realização de laudos que comprovam o estado do ambiente e a 
existências de formas de uso sustentáveis, e finalmente a elaboração de plano de uso e 
concessão de uso. 
 
 5
Com essa formulação, é tautologia dizer que uma "população tradicional" tem baixo impacto 
destrutivo sobre a natureza (esse baixo impacto faz parte da definição). Mas não é tautológico 
dizer que coletores de berbigão do litoral de Santa Catarina são "população tradicional" -- isso 
significa dizer que esse grupo, representado por uma associação legítima, comprometeu-se a 
institucionalizar regras de conservação. 
Essa é uma categoria ampla, portanto. Muitas populações (incluindo grupos étnicos, indígenas ou 
negros; ou grupos definidos ocupacionalmente; e ainda culturalmente) em territórios ricos em 
recursos naturais estão se constituindo em "populações tradicionais", de forma a consolidar a 
ocupaçãode territórios e a resistir à expropriação por empresários ou pelo próprio estado. 
 
Conservacionistas versus sociambientalistas 
 
Os socioambientalistas ressaltam dois problemas: (1) que há um grande número de unidades de 
conservação só existe no papel, e que (2) “um grande número de unidades de conservação 
abriga grupos humanos, particularmente na região sudeste, onde 85% das unidades de 
conservação são habitadas". Os conservacionistas, por sua vez, alegam que (3) o Brasilabriga 
reservas de biodiversidade que são patrimônio de toda a nação brasileira, sendo dever 
constitucional e de justiça intergeracional conservá-las para uso presente e futuro da nação 
como um todo e ainda que (4) apenas 3% do território nacional é destinado a unidades de 
conservação de uso indireto, ao passo que há grandes áreas do país em poder privado do Estado 
que podem servir para o assentamento de populações rurais. 
Talvez seja prudente evitar duas formas de dogmatismo: um conservacionismo autoritário 
inviável (exigindo nas áreas de conservação de uso direto uma limpeza biológica socialmente 
impossível – visando “separar e manter livres de qualquer intervenção humana amostras 
expressivas de ambientes naturais virgens”), e um populismo ambientalista igualmente inviável 
(porque ignora as pressões ambientais que podem a longo prazo degradar a vida das próprias 
‘populações tradicionais’). 
Há soluções entre esses extremos? Sim, mas essas soluções dependem muito das informações 
sobre casos concretos. Quando se afirma que um grande número de unidades de conservação 
abriga grupos humanos, é crucial saber mais sobre as situações em que se encontram essas 
unidades antes de formular as alternativas cabíveis. Qual é o território e a densidade humana, 
quais são as atividades atuais, e qual é a organização social e política? Quais são os sistemas de 
uso ‘tradicionais’ e qual é a intenção manifestada por esses grupos no sentido de utilizar no 
futuro tecnologias de baixo impacto ambiental? Notemos que essas perguntas não se respondem 
pela investigação de traços culturais tradicionais. A resposta depende crucialmente da 
existência de organismos locais legítimos, falando em nome da(s) comunidade(s), bem como 
dotados de poder para executar planos, no quadro de instituições responsáveis – e de políticas 
públicas capazes de oferecer direitos territoriais, boa qualidade de vida e outros benefícios a 
esses grupos locais. 
Os pactos resultantes devem incluir a possibilidade de políticas públicas ou privadas que 
envolvam o pagamento direto por serviços de conservação. 
É verdade que o governo não dispõe de recursos para fazer a regularização fundiária integral das 
unidades de conservação em regimes de uso indireto. Mas será necessário recursos para fazer 
essa regularização fundiária sob regimes de uso direto – por exemplo, como Reservas 
Extrativistas. E para manter os “organismos legítimos” no nível local. Por exemplo, se várias 
“comunidades tradicionais” que em conjunto constituem o território de uma Reserva 
 
 6
Extrativista assumem o compromisso de fazer cumprir um Plano de Uso do território, o custo de 
se reunirem periodicamente precisa ser remunerado, bem como os serviços de fiscalização e 
mobilização – necessários para executar esse compromisso de entregar serviços de 
conservação. Esperar que o mercado constitua um estímulo espontâneo para esses investimentos 
de caráter claramente público pode levar a amargas decepções. O verdadeiro problema é aqui o 
de como remunerar, em sentido contrário ao das forças de mercado, a produção de bens e 
serviços públicos usufruidos universalmente e a longo prazo, como a conservação. 
Há dois dois exemplos concretos dessas soluções, infelizmente sempre no âmbito da Amazônia, 
em áreas que conhecemos melhor. 
O primeiro é o do Parque Nacional da Serra do Divisor, típico exemplo de unidade de 
conservação ocupada por ‘populações tradicionais. Nesse caso colocam-se claramente as duas 
perguntas (1 e 2) formuladas acima: o que fazer com a população de seringueiros e ribeirinhos 
que ocupam as florestas baixas entre a Serra do Divisor e a margem esquerda do rio Juruá, e o 
que fazer com o santuário de altíssima biodiversidade representado pela Serra do Divisor, e que 
depende da integridade do seu entorno imediato. A solução de bom-senso, afastando-se tanto 
do autoritarismo conservacionista como do populismo socioambientalista, está em andamento: 
zonear internamente a área de quase um milhão de hectares do parque, atribuindo à Serra do 
Divisor propriamente dita (área virtualmente desabitada) o status permanente de área sem uso 
direto, e tratando a faixa paralela ao rio Juruá (atualmente povoada por seringueiros e 
agricultores ribeirinhos) como uma zona submetida a um regime de uso controlado (em moldes 
similares ao das Reservas Extrativistas). 
Outro exemplo, em área contígua ao do Parque Nacional da Serra do Divisor, é dado pela 
Reserva Extrativista do Alto Juruá. Nessa Reserva Extrativista, lideranças seringueiras 
(representadas particularmente por Francisco Barbosa de Melo, o Chico Ginu, presidente-
fundador da associação de Seringueiros e Agricultores da reserva, e membro do Conselho 
Nacional dos Seringueiros) propuseram um zoneamento interno que contempla áreas de uso 
extrativo e agrícola (correspondentes ao percurso de estradas de seringa, roçados e áreas de 
caça habitual), e áreas vadias que são consideradas por eles como refúgios da caça. Essas 
últimas são essenciais para a vitalidade futura da Reserva, e correspondem a aproximadamente 
40% do território total da Reserva (restando 60% onde cada família dispõe de 300 hectares de 
floresta para uso extrativo, dos quais 15 ha para manejo agroflorestal). 
 
Bibliografia 
ALMEIDA, Mauro. 1996. The management of conservation areas by traditional population: the 
case of the upper Juruá extractive reserve. In REDFORD et alli. Traditional peoples and 
biodiversity conservation in large tropical landscapes. América Verde – The Nature Conservancy. 
ALMEIDA, Mauro. 1994. As reservas extrativistas e o valor da biodiversidade. In ANDERSON, A. et 
alli. O destino da floresta. Rio de Janeiro, Relume-Dumará. 
Chase-Smith Richard 1994 Biodiversity won't feed our children. Biodiveristy Conservation and 
Economic Development in Indigenous Amazonia. Paper presented to the seminar "Traditional 
Peoples and Biodiveristy: Conservation in large tropical Landscapes". The Nature Conservancy 
Panama 14-17 November 1994., ms. 24 pp. 
COSTA, Lúcia F. 1993. Os Fantasmas do Vale. Qualidade Ambiental e Cidadania. Campinas, 
UNICAMP. 
DIEGUES, Antônio Carlos S. 1994. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo, NUPAUB - 
USP. 
 
 7
Redford, Kent and Allyn M. Stearman 1991 "The Ecologically Noble Savage" Cultural Survival 
Quarterly 15(1): 46-48. 
Redford, Kent H. and Allyn M. Stearman 1993 "Forest Dwelling Native Amazonians and the 
Conservation of Biodiversity: Interests in Common or in Collision?" Conservation Biology 7(2): 
248-255. 
Stearman, Allyn M. 1991 "Making a living in the Tropical Forest: Yuquí Foragers in the Bolivian 
Amazon" Human Ecology 19(2): 245-259. 
Stearman, Allyn M. 1994 "Revisiting the Myth of the Ecologically Noble Savage in Amazonia: 
Implications for Indigenous Land Rights". American Anthropological Association: 1-6.

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